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A luta do Regime Fascista Português contra a “subversão” em Moçambique: O jornal Ressurgimento, 1968-1973 1 1 O presente artigo integra a obra de Machado et al. (2022).

The Struggle of the Portuguese Fascist Regime Against “Subversion” in Mozambique: The Newspaper Ressurgimento, 1968-1973

RESUMO

O colonialismo português em Moçambique caracterizou-se pela exploração dos moçambicanos, aos quais eram negados os direitos civis e políticos, e dos recursos naturais do país. Quando Caetano se tornou Presidente do Governo de Portugal e do Ultramar, em 1968, introduziu algumas mudanças cosméticas, a exemplo da criação do jornal Ressurgimento, no qual os presos eram obrigados a professar arrependimento e patriotismo. Escrita por presos políticos, a folha visava chegar à população moçambicana dos distritos mais afetados pela “subversão”, à opinião pública estrangeira, em particular dos países que rodeavam Moçambique, e finalmente à sede da FRELIMO em Dar es Salaam. Este estudo visa analisar o conteúdo do jornal, considerando-o enquanto documento histórico e instrumento de propaganda do sistema colonial, bem como averiguar o seu papel de documento, que se abre a uma multiplicidade de leituras que podem ultrapassar o contexto colonial.

Palavras-chave:
Ressurgimento; guerra colonial; terroristas; pide-dgs; frelimo; propaganda

ABSTRACT

Portuguese colonialism in Mozambique was characterized by the exploitation of Mozambicans, who were denied civil and political rights, and of the country’s natural resources. When Caetano became President of the Government of Portugal and Overseas in 1968, he introduced some cosmetic changes, such as the creation of the newspaper Ressurgimento, in which prisoners were forced to profess repentance and patriotism. Written by political prisoners, the paper aimed to reach the Mozambican population of the districts most affected by the “subversion”, the foreign public opinion, particularly from the countries surrounding Mozambique, and finally the FRELIMO headquarters in Dar es Salaam. This study aims to analyze the content of the newspaper, considering it a historical document and a propaganda instrument of the colonial system, as well as to investigate its role as a document, which is open to a multiplicity of readings that can go beyond the colonial context.

Keywords:
Ressurgimento; Colonial War; Terrorists; pide-dgs; frelimo; Propaganda

INTRODUÇÃO

Marcello Caetano tornou-se presidente do Conselho de Ministros de Portugal e do Ultramar em 26 de setembro de 1968, quando Portugal estava profundamente envolvido em guerras com os movimentos de libertação das colônias portuguesas (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe). Imediatamente após assumir o poder, Caetano reforçou a política de defesa ultramarina nas colônias. No seu discurso de 6 de outubro de 1969, afirmou categoricamente que: “a defesa do Ultramar português não afrouxaria no plano diplomático nem no plano interno” (Caetano, 1970CAETANO, Marcello. Mandato indeclinável. Lisboa: Verbo, 1970., p. 26). Além disso, considerou impossíveis quaisquer negociações com o que o regime considerou como “movimentos terroristas”, os movimentos de libertação em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.

Nas colônias portuguesas, tendo em conta o agravamento da situação político-militar, Caetano fez algumas alterações cosméticas. Transformou a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) na Direção-geral de Segurança e entregou a responsabilidade pela ação psicológica no seio das forças armadas e pela preparação psicológica do público metropolitano e ultramarino ao Secretariado-Geral da Defesa Nacional (SGDN). Em Moçambique, as prisões onde a DGS torturou e executou reclusos introduziram um vasto programa psicossocial para presos políticos que incluía, entre vários aspectos, a criação de um jornal, denominado Ressurgimento, no qual os presos políticos teriam de confessar arrependimento e afirmar ser patriotas portugueses.

O presente artigo analisa o conteúdo do jornal Ressurgimento. Considera-o como um documento histórico, testemunho de um passado que busca compreender e interrogar o seu papel como instrumento de propaganda do regime colonial, especialmente o seu papel enquanto documento que merece e deve ser usado na perspectiva das inúmeras informações que encerra e que, inequivocamente, nos remete para uma multiplicidade de leituras/entendimentos que poderão ir para além do contexto colonial.

Para além da introdução, o artigo apresenta uma breve caracterização do fascismo português entre os anos 1960 e 1970 em Moçambique, seguida da luta do regime português contra a resistência da Frente de Libertação de Moçambique, FRELIMO, uma análise do jornal Ressurgimento e a conclusão.

FASCISMO PORTUGUÊS EM MOÇAMBIQUE, 1960-1970

O colonialismo português em Moçambique caracterizou-se pela forte exploração dos moçambicanos e dos seus recursos naturais. Por meio de leis e práticas discriminatórias, o regime português desenvolveu medidas destinadas a beneficiar a metrópole e os colonialistas (burguesia portuguesa), intensificando a violência e a exploração dos colonizados (moçambicanos), negando-lhes os direitos civis e políticos.

Após a Segunda Guerra Mundial, Salazar promulgou a Lei de Nacionalização de Capitais, a qual explicitava que os benefícios decorrentes dos serviços públicos e de outras atividades fundamentais para a defesa do Estado ou da economia seriam permitidos apenas a empresas portuguesas. Moçambique tinha dois códigos administrativos distintos, um para moçambicanos e outro para portugueses. As áreas portuguesas eram administradas de acordo com o modelo metropolitano, por meio de conselhos. Os conselhos estavam subdivididos em freguesias; as áreas administrativas moçambicanas foram chamadas de circunscrições e foram administradas pelos chefes do posto e administradores e subdivididas em regedorias, sendo que o chefe moçambicano (nomeado pela administração portuguesa) seguia as instruções dos administradores coloniais2 2 Freguesia correspondente a agregados familiares brancos que realizam uma ação social comum por meio dos seus próprios órgãos sociais. Circunscrições - regiões onde não foi alcançado um desenvolvimento econômico e social adequado, de acordo com o código português. .

Simultaneamente, o Estado português reforçou o Regime do Indigenato que garantia que a maioria dos moçambicanos se encontrasse legalmente em cargos subordinados de acordo com raça, classe e cultura. A população moçambicana foi dividida em duas categorias distintas (Boletim Oficial de Moçambique, 1929BOLETIM OFICIAL DE MOÇAMBIQUE. Diploma Legislativo N. 162; 1ª série, 22. 1 jun. 1929. Maputo (Arquivo Histórico de Moçambique - AHM). 1929.)3 3 O Regime do Indigenato funcionou nas colônias portuguesas da Guiné, de Angola e de Moçambique. Esta legislação seria alterada em certos aspectos pelo Estatuto Indígena das Províncias Portuguesas da Guiné, de Angola e de Moçambique, segundo o Decreto n. 39666 de 1954. . A primeira eram os indígenas - moçambicanos não assimilados. Não tinham cidadania; eram obrigados a ter consigo uma caderneta (bilhete de identidade) e sujeitos a todos os regulamentos do Regime do Indigenato. Esse regime impôs obrigações de trabalho, negou o acesso a certas zonas das cidades depois de escurecer, bem como o direito de reunião e associação, e restringiu os indígenas a locais limitados de entretenimento ou reunião. A segunda era composta pelos não indígenas, brancos portugueses, paquistaneses, indianos e mulatos (crioulos) que gozavam de plena cidadania portuguesa, incluindo os moçambicanos assimilados, embora na prática estes últimos permanecessem cidadãos de terceira classe4 4 O conceito de indígena e de assimilado provém do Código de Assistência Nativa de 1921. Este código criou o Sistema Assimilado, segundo o qual a população moçambicana foi dividida em assimilados, uma pequena minoria que supostamente tinha adotado um modo de vida essencialmente português, e povos indígenas, que englobava a grande maioria da população moçambicana. Para alcançar este novo estatuto, o moçambicano tinha de reunir as seguintes condições: saber ler, escrever e falar português fluentemente; dispor de meios suficientes para sustentar a sua família; ser de boa conduta; dispor dos hábitos educativos e pessoais e sociais necessários para tornar possível a aplicação do direito público e privado em vigor em Portugal. Devia ainda solicitar a autorização administrativa da sua área, que, por sua vez, a enviava ao governador do distrito para aprovação. Cf. Mondlane (1995, pp. 43, 47 e 48). . Até 1961, menos de 1% da população moçambicana era legalmente assimilada (Isaacman; Isaacman, 1983ISAACMAN, Allen; ISAACMAN, Barbara. Mozambique: From Colonialism to Revolution. Colorado: Westview Press, Inc, 1983., p. 40). Portanto, estas foram medidas que distinguiram claramente o cidadão do “indígena”, as quais foram reforçadas e obrigavam o “indígena” que se movia da circunscrição para a vila e/ou cidade a levar consigo a sua caderneta.

Em termos de educação, o regime fascista de Salazar estabeleceu dois tipos de sistema de ensino em Moçambique: (a) o Sistema de Educação Indígena para a maioria das crianças moçambicanas - composto por três anos de ensino rudimentar - mais tarde chamado ensino de adaptação, educação profissional e educação normal/oficial; e (b) o Sistema de Educação Oficial para brancos, mulatos e negros assimilados - caracterizado por um ensino primário de quatro anos, ensino secundário/técnico e educação pré-universitária (Boletim Oficial, 1930BOLETIM OFICIAL. 1ª Série, 20. 17 de maio de 1930. Maputo (Arquivo Histórico de Moçambique - AHM). 1930., p. 225)5 5 O Sistema Educativo Indígena consistia em (i) ensino rudimentar, ensino de adaptação posterior, que teoricamente era de três anos de escolaridade e obrigatório para todas as crianças moçambicanas entre os sete e os dez anos que vivessem num raio de até três quilometros da escola; (ii) ensino profissional, que consistia em instrução manual em carpintaria, alfaiataria, calçado e agricultura, para homens até os 18 anos; e (iii) educação normal/oficial, para crianças moçambicanas que concluíam o ensino rudimentar até os 13 anos e que podiam inscrever-se no ensino oficial. Para tanto, foi criada a Escola superior de Qualificação de Professores Indígenas. O sistema de ensino oficial caracterizou-se por um ensino primário de quatro anos (foi acrescentado um quinto ano em 1952) e obrigatório para crianças brancas, mulatas e assimiladas entre os 7 e os 11 anos; o ensino secundário/técnico ocorria em escolas secundárias ou escolas comerciais e industriais, situadas em zonas urbanas e abertas a crianças em escolas primárias oficiais; e a educação pré-universitária era voltada a quem se preparava para entrar nas universidades portuguesas. Cf. Saúte (2005, pp. 159-160). .

O ensino rudimentar visava “gradualmente levar os indígenas de uma vida selvagem/do mato à uma vida civilizada” e era maioritariamente fornecido/garantido pelas missões católicas romanas, e caso isto fosse impossível, por missões protestantes ou pelo governo. A partir de 1940, com a assinatura do Acordo Missionário e do Estatuto Missionário entre a Santa Sé e o governo português, a Igreja Católica Romana assumiu oficialmente a tarefa de preparar programas curriculares, exames e a emissão e distribuição de diplomas (Constituição Política e Acto Colonial, 1938, p. 37CONSTITUIÇÃO POLÍTICA E ACTO COLONIAL. s.n.: Lourenço Marques, 1938.). Assim, o Arcebispado de Lourenço Marques foi a autoridade central da educação indígena em Moçambique.

Os currículos e manuais escolares do sistema oficial de educação eram os mesmos utilizados em Portugal, com algumas alterações para satisfazer os requisitos locais, e eram controlados pelo governo (Mondlane, 1995MONDLANE, Eduardo. Lutar por Moçambique. Maputo: Colecção Nosso Chão, 1995., p. 64).

Em suma, as barreiras impostas pelo Regime do indigenato e pelo Sistema Educação Indígena continuaram a ser um obstáculo intransponível à educação eficaz e à mobilidade social e econômica dos moçambicanos. A maioria dos moçambicanos apenas constituiu uma fonte de mão de obra barata para a economia colonial portuguesa.

A economia moçambicana foi moldada pelo Ato Colonial6 6 O Acto Colonial continha os princípios orientadores para as colônias portuguesas. Foi aprovado pelo Decreto n. 18570, de 8 de julho de 1930 (Lourenço Marques, 1930). . Esse Ato intensificou as medidas de exploração da população moçambicana, coagindo-a a fornecer mão de obra forçada e/ou barata. Em 1926, o governo português promulgou o Decreto 11.994 sobre a produção de algodão, que transferiu os riscos de produção dos investidores europeus para os produtores africanos. Os camponeses foram forçados a produzir, colher e vender o algodão a empresas com base num preço baixo fixo determinado pelo governo. Em 1938, o governo português criou a Junta de Exportação de Algodão Colonial - JEAC, que estabeleceu vastas zonas onde os camponeses eram forçados a cultivar algodão; datas fixas obrigatórias nas quais os camponeses tinham de plantar, semear e colher o seu algodão; determinando o número de vezes que os campos deveriam ser lavrados; definindo o tipo de algodão produzido, bem como o preço a pagar aos camponeses (Isaacman, 1996ISAACMAN, Allen. Cotton is the Mother of Poverty: Peasants, Work, and Rural Struggle in Colonial Mozambique, 1938-1961. London: James Currey; Portsmouth NH: Heinemann, 1996., pp. 30, 35). Tratava-se de um sistema altamente repressivo e explorador de produção e comercialização de algodão.

Aproveitando a sua neutralidade na Segunda Guerra Mundial, a partir de 1940 Portugal intensificou a exploração arbitrária de recursos humanos e materiais. Introduziu a produção forçada, a transformação, a compra e a comercialização de arroz pela Divisão de Fomento Orizícola, aumentou o controle da mão de obra moçambicana, substituiu o imposto de palhota pelo imposto de capitação. Assim, mesmo homens e mulheres com deficiência pagavam impostos, e os moçambicanos nas cidades tinham de ter uma licença de trabalho e levar consigo a caderneta de identificação anteriormente mencionada (Hedges; Rocha, 1993HEDGES, Hedges; ROCHA, Rocha. A Reestruturação da sociedade moçambicana, 1938-1944. In: HEDGES, David (Coord.). História de Moçambique: Vol. III. Moçambique no auge do colonialismo, 1930-1961. Maputo: Universidade Eduardo Mondlane , 1993. pp. 83-124. , pp. 93-99).

A retirada de grande parte da mão de obra devido à produção forçada, o trabalho contratual nas plantações e o trabalho forçado (Chibalo)7 7 Um sistema de mão de obra forçada por meio do qual o regime colonial forneceu força de trabalho barata (nativa) aos colonos que tinham grandes propriedades e para a construção de projetos de infra-estruturas públicas coloniais. reduziram a capacidade das famílias camponesas de produzir os seus alimentos e, consequentemente, empobreceram seriamente a maioria da população moçambicana. A repressão fascista colonial aberta e direta era a política central do regime. Leis e regulamentos prejudiciais à grande maioria dos moçambicanos incluíam negar-lhes direitos civis e políticos. No entanto, a oposição dos moçambicanos a estas políticas repressivas foi ativa e manifestou-se de várias formas: fugas das prisões, greves, motins, sementes queimadas em vez de as plantarem, canções subversivas, arte, escrita e outras formas de protesto (Mondlane, 1995MONDLANE, Eduardo. Lutar por Moçambique. Maputo: Colecção Nosso Chão, 1995., pp. 107-130; Hedges; Chilundo, 1993HEDGES, David; CHILUNDO, Arlindo. A Contestação da situação colonial, 1945-1961. In: HEDGES, David (Coord.). História de Moçambique: Vol. III . Moçambique no auge do colonialismo, 1930-1961. Maputo: Universidade Eduardo Mondlane , 1993. pp. 197-247., pp. 197-247; Souto, 2007SOUTO, Amélia Neves de. Caetano e o caso do “Império”: Administração e Guerra Colonial em Moçambique durante o Marcelismo, 1968-1974. Porto: Edições Afrontamento, 2007., pp. 359-414).

Para impedir a “subversão” política, o governo colonial criou o Conselho de Segurança Pública com regras rigorosas de vigilância para os infratores. O Conselho de Segurança Pública estabeleceu a PIDE/DGS em todo o império, incluindo Portugal. A PIDE/DGS, tendo em conta a situação política e militar das colônias e independentemente da estrutura administrativa e muitas vezes da própria lei, tinha poderes praticamente ilimitados em termos de prisão, detenção, expulsão e até julgamentos secretos realizados pelos seus próprios agentes. Todas estas ações ocorriam sem qualquer controle dos tribunais. Por exemplo, em 1954, com o Decreto-Lei 39749, de 9 de agosto, foi criado o serviço de funcionários estrangeiros (27 em Moçambique). O mesmo decreto reorganizou a estrutura e os poderes da PIDE e atribuiu poderes judiciais ao diretor, diretor-adjunto, inspector responsável e, eventualmente, aos inspectores-adjuntos, subinspectores e chefes de brigada na investigação preparatória do processo, no que diz respeito à manutenção do arguido sob prisão e aplicação provisória das medidas de segurança. Estas competências atribuídas à PIDE geraram, em 1954, uma controvérsia entre o ministro da Justiça e o seu colega do Ministério do Interior (Pimentel, 2018PIMENTEL, Irene Flunser. Os cinco Pilares da PIDE: uma história da política da polícia portuguesa a partir da biografia dos seus mais conhecidos elementos. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2018., p. 113).

O Decreto-Lei 49401, de 24 de novembro de 1969, instituiu no Ministério do Interior a DGS, com o objetivo de proceder à recolha, à pesquisa, à centralização, à coordenação e ao estudo das informações úteis à segurança, assim como de manter relações com organizações policiais nacionais e estrangeiras e serviços similares, para troca recíproca de informações (Mateus, 2004MATEUS, Dalila Cabrita. A PIDE/DGS na Guerra colonial: 1961-1974. Lisboa: Terramar, 2004., pp. 32-33). Estabeleceu ainda acordos de cooperação com a África do Sul, a Rodésia do Sul e o Malawi, para garantir o apoio da polícia na perseguição e na prossecução de militantes nacionalistas moçambicanos ou guerrilheiros da FRELIMO (Departamento de História, 1980DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA. História: Manual da 10a. Classe. Maputo: Universidade Eduardo Mondlane, 1980. , p. 147; Urnov, 1988URNOV, Andrei. África do Sul contra África, 1966-1986. Moscovo: Progress Publishers, 1988. , p. 35; Couto, 2011COUTO, Fernando Amado. Moçambique 1974: o fim do Império e o nascimento da Nação. Maputo: Sociedade Editorial Ndjira, Ltda., 2011., pp. 236-246).

Apesar do rigor da repressão, da intensificação da exploração rural e das barreiras raciais no trabalho, a crescente divisão e alienação das terras em benefício dos colonos e a discriminação religiosa não podiam deixar de inspirar a oposição da parte do povo moçambicano. A contestação anticolonial continuou a manifestar-se sob várias formas.

A LUTA CONTRA A “SUBVERSÃO”

No final da década de 1950, incentivada pela crescente repressão interna e pelo avanço da luta anticolonial no contexto regional e continental, a reivindicação pelo fim do domínio colonial e a sua substituição por um estado independente ganhou uma nova dimensão.

Assim, nos finais da década de 1950 e início dos anos 1960, Moçambique experimentou o crescimento da consciência nacionalista, quando grupos de militantes organizados desenvolveram um trabalho político clandestino. Três movimentos políticos moçambicanos foram formados contra o fascismo português no exterior: União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO) na Rodésia do Sul (hoje Zimbabwe), 1960; União Nacional Africana de Moçambique (MANU) no Tanganyika (atual Tanzânia), 1961; e União Nacional Africana de Moçambique Independente (UNAMI) no Nyasaland (atual Malawi), 1961. Em 1962, a FRELIMO foi formada em Dar es Salaam, Tanganyika, a partir da fusão dos três movimentos. Dois anos depois, a 25 de setembro de 1964, começou a luta armada pela libertação no norte de Moçambique.

Em resposta à luta armada da FRELIMO, o governo português considerou, na sua estratégia da condução da guerra, três aspectos fundamentais: a conquista das populações e o seu aldeamento (aspecto central para a obtenção da vitória civil ou militar), a africanização do exército (sobretudo a partir de 1970, com vistas a legitimar a guerra e responder às necessidades crescentes em efetivos militares) e das relações com os países vizinhos, nomeadamente a África do Sul, a Rodésia do Sul e o Malawi (importantes para impedir o avanço da guerrilha). Nos aspectos militares, para a condução da guerra foram adotadas diferentes estratégias pelos Comandos Militares, tais como a Operação Nó-Górdio e a Operação Fronteira (Souto, 2007SOUTO, Amélia Neves de. Caetano e o caso do “Império”: Administração e Guerra Colonial em Moçambique durante o Marcelismo, 1968-1974. Porto: Edições Afrontamento, 2007., pp. 219-260; Rosas, 2018ROSAS, Fernando. História a História: África. Lisboa: Tinta da China, 2018., pp. 141-156).

Assim, o governo português começou a preocupar-se com o tipo de informação que deveria disponibilizar ao público da Metrópole e das colônias. Por um lado, o Ministério da Defesa Nacional tentou suprimir a disseminação de informação dentro da colônia, porém, por outro lado, foi responsável pela coordenação da informação dos ministérios da Defesa Nacional, dos Negócios Estrangeiros e do Exterior sobre ações armadas em Moçambique. Posteriormente, o Ministério desenvolveu uma estratégia para controlar a informação e eliminar a subversão por meio das seguintes medidas:

1. A criação, em 1961, dos Serviços de Ação Psicossocial, com a responsabilidade de fortalecer a coesão nacional pela valorização espiritual, social e material das populações, pela preparação da sua defesa moral e pelo robustecimento da sua vitalidade e resistência, bem como de efetuar ações de recuperação sobre os desviados da causa nacional, procurando chamá-los a essa causa.

O lado técnico dos Serviços de Ação Psicossocial incluiu estudos gerais, ação educativa e cultural e coordenação de atividades operacionais (Diploma Legislativo Ministerial..., 1961DIPLOMA LEGISLATIVO MINISTERIAL n. 28, de 19 de outubro de 1961. Boletim Oficial de Moçambique, 1ª série, nº 41 (5º Suplemento), v. 2, pp. 1360-1361, 1961., pp. 1360-1361). Enquanto a supervisão deste serviço estava sob a jurisdição do governador-geral, a Divisão de Informação estava nas mãos do Chefe dos Serviços de Coordenação e Centralização de Informação, SCCI), responsável por fornecer toda a informação necessária à Psicossocial.

O Serviço de Coordenação e Centralização da Informação de Moçambique (SCCIM) foi criado em 1961 sob o Ministério do Exterior para controlar e coordenar informações sobre a polícia, a administração e a defesa de Moçambique. O SCCIM era composto pela direção, pelo gabinete técnico, pelos centros, pelo gabinete administrativo e pelas delegações dos conselhos de Tete, Niassa, Moçambique, Cabo Delgado, Zambézia, Vila Pery (atualmente Chimoio), Lourenço Marques (Maputo), Inhambane, Gaza e Beira. Incluiu também um centro de documentação, um centro de publicações e tradução e um centro de divulgação (Boletim Oficial de Moçambique, 1961BOLETIM OFICIAL DE MOÇAMBIQUE. Decreto-Lei n. 43.761, de 29 de junho de 1961; 1ª série, n. 28, 15 jul. 1961. Maputo (Arquivo Histórico de Moçambique - AHM). 1961., pp. 895-896; Serviços de Centralização e Coordenação…, s.d.SERVIÇOS DE CENTRALIZAÇÃO E COORDENAÇÃO de Informações de Moçambique. s.d. Disponível em: Disponível em: https://www.aatt.org/site/index.php?op=Nucleo&id=1533 . Acesso em: 25 mar. 2023.
https://www.aatt.org/site/index.php?op=N...
).

O centro de documentação, que funcionava sob a gestão direta do conselho de administração, foi considerado a espinha dorsal dos serviços, uma vez que se baseava na utilização de informações recolhidas e centralizadas. O centro de publicações e traduções foi responsável pela recepção, pelo registro e pela leitura da imprensa nacional e estrangeira, pela seleção e pela classificação de notícias, bem como pela organização da biblioteca, pela censura de publicações em língua estrangeira que circulavam em Moçambique e pela tradução e retroversão. O centro de divulgação foi responsável pela elaboração da revisão semanal de informação, que era distribuída, nomeadamente, entre o Federal Intelligence Security Bureau da Federação da Rodésia e Nyasaland e o Centro de Atividades Especiais, que dirigiu, coordenou e organizou a investigação de notícias e informação, interna e externamente, e preparou o seu pessoal. Além disso, a SCCIM estabeleceu uma rede de informadores que, desde Mocímboa da Praia e Palma e Macondes, chegavam a Tanganyika e a Zanzibar. Ao mesmo tempo, uma rede que cobria os territórios da Nyasaland e da Rodésia do Norte estava a ser considerada (Boletim Oficial de Moçambique, 1961BOLETIM OFICIAL DE MOÇAMBIQUE. Decreto-Lei n. 43.761, de 29 de junho de 1961; 1ª série, n. 28, 15 jul. 1961. Maputo (Arquivo Histórico de Moçambique - AHM). 1961., pp. 895-896).

A conquista dos corações e das mentes das populações foi uma atividade que, ao longo do desenrolar da luta de libertação dirigida pela FRELIMO, foi considerada fundamental pelo governo português, pois estes reconheciam que uma guerra de guerrilha (tática da FRELIMO) sem apoio popular estava condenada ao insucesso.

2. A Portaria n. 18773, de 17 de julho de 1965, estabelece as regras gerais que regem os diversos serviços de informação: Serviços de Informação Civil (SIC), Serviços de Informação Militar (SIM), Serviços de Informação (SI) da PIDE e SCCIM. Competia ao Governador-Geral a responsabilidade pela política de informação a seguir na Província, por fixar as normas para as atividades e por determinar as medidas necessárias para aumentar a eficiência dos Serviços de Informação Civil. O Comandante-Chefe das Forças Armadas de Moçambique respondia pela política de informação a seguir dentro do seu setor na Província e pela coordenação da ação dos Serviços de Informação Militar (SIM). Os Serviços de Informação do SCCIM e da PIDE podiam ser utilizados em questões específicas de interesse militar, mas respeitando as respectivas regras/normas.

Apesar da existência de regras de funcionamento para os diversos serviços de informação na Província, nem sempre a articulação e a cooperação entre os vários ramos foram pacíficas, nomeadamente no que diz respeito à circulação de documentos e ao processamento e à divulgação de informação pelos distritos. Os problemas foram agravados pela dupla subordinação do SCCIM ao Governador-Geral e ao comandante-em-chefe e pela interferência da PIDE/DGS em todas as matérias, incluindo civis, militares, religiosas, administrativas e judiciais. Questões de autoridade e fluxos de informação criaram conflitos sérios e relações difíceis com outros serviços.

AÇÃO PSICOSSOCIAL: O JORNAL RESSURGIMENTO, 1968-1973

Como referido acima, a Ação Psicossocial/psicológica integrada na ação de contra-subversão visava promover a causa fascista portuguesa entre a população moçambicana e desmoralizar os combatentes da FRELIMO, promovendo a insegurança e a dúvida quanto à sua capacidade de sucesso nos seus objetivos. Para estes fins, criou os Serviços de Ação Psicológica específicos para o exército português, para as populações e para os presos políticos. Desenvolveu cartazes, panfletos, jornais e radiodifusão em línguas moçambicanas (a Rádio Voz Africana, em ondas curtas e médias, que alcançava todos os distritos da Província, também a Rádio Pax, ligada à Diocese da Beira e a Rádio Aero Clube da Beira), emitindo-se mensagens anti-FRELIMO e que procuravam minar a sua luta. Mais tarde, organizou reuniões regulares nas aldeias (banjas) com as populações e ações de autodefesa.

A ação psicológica orientada ao exército português era feita por meio dos escalões máximos da hierarquia militar até as províncias ultramarinas, isto é, do topo à base. Cada ramo do exército português em Moçambique poderia elaborar diretivas que refletissem as condições concretas do seu local, mas essas diretivas só poderiam ser adotadas se avaliadas e aprovadas pelo respectivo superior hierárquico. O material foi concebido para incutir a fé na vitória, conquistar a população à causa nacional, ou seja, para honrar as autoridades civis e militares portuguesas e desacreditar os movimentos subversivos, especialmente a FRELIMO (Souto, 2007SOUTO, Amélia Neves de. Caetano e o caso do “Império”: Administração e Guerra Colonial em Moçambique durante o Marcelismo, 1968-1974. Porto: Edições Afrontamento, 2007., pp. 188-191). Por exemplo, na visita do Presidente do Conselho de Ministros, Professor Doutor Marcello Caetano, na colônia de Moçambique, o prisioneiro João Francisco Vidal Djamba escreveu:

O povo português, um povo cônscio dos seus deveres, disposto a afrontar-se com o destino. Corajoso por natureza, unido numa só Fé, tem sido um exemplo de unidade e perseverança notáveis. - Assim e sem exagero e é com orgulho que afirmamos que com esta visita memorável do Chefe do Governo às terras portuguesas d’África, se abre mais uma página da História de Portugal (Djamba, 1969DJAMBA, João Francisco Vidal. Ecos dum passado recente. Ressurgimento , Lourenço Marques, pp. 12, 31 mai. 1969., p. 12).

De 1971 a 1972, à medida que a situação de guerra se deteriorava, a ação psicológica do exército tornou-se um assunto primordial da guerra, em resposta ao crescente medo, à insegurança, ao desânimo e à deserção entre as tropas portuguesas.

A ação psicológica para as populações foi dirigida às áreas onde a guerra/luta armada de libertação se fazia sentir, começando em Cabo Delgado e Niassa, e mais tarde em Tete, Zambézia, Manica e Sofala. As autoridades administrativas e militares responsáveis pela ação psicológica desenvolveram e divulgaram os seus instrumentos de cima para baixo. Por meio de banjas, panfletos, cartazes, difusão de informação na rádio, melhoria do nível de vida e assistência à população, caracterizada por habitação (aldeias), apoio à saúde, acesso à educação e atividade econômica, presença militar para garantir a segurança e controle da população, bem como influenciar a imprensa internacional, o programa de ação psicológica procurava incentivar a população e os guerrilheiros a abandonarem a FRELIMO e a entregarem-se às autoridades (Souto, 2007SOUTO, Amélia Neves de. Caetano e o caso do “Império”: Administração e Guerra Colonial em Moçambique durante o Marcelismo, 1968-1974. Porto: Edições Afrontamento, 2007., pp. 188-191; Afonso; Gomes, 2000AFONSO, Aniceto; GOMES, Carlos de Matos. Guerra Colonial. Lisboa: Editorial Notícias, 2000. , p. 70; Afonso; Gomes, 2018AFONSO, Aniceto; GOMES, Carlos de Matos. As conquistas das Almas - Ação Psicológica na guerra colonial. 7 mai. 2018. Disponível em: Disponível em: https://miandica.blogspot.com/2018/05/a-conquista-das-almas-3-parte.html . Acesso em: 25 mar. 2023.
https://miandica.blogspot.com/2018/05/a-...
, p. 3)8 8 É importante notar que o serviço de ação psicológica foi criado no exército em 1965, dependendo do 2º Gabinete (Informação) do Estado-Maior-General do Exército. Na sede das regiões militares de Angola, Moçambique, bem como no Comando Territorial Independente da Guiné, a responsabilidade era dos 2ºs escritórios. Depois de 1968-1969, em Angola e Moçambique, a responsabilidade passou para a sede. Os objetivos, a estrutura e as formas das ações eram as mesmas nas três colônias. Souto, 2007, pp. 188-191; Afonso; Gomes (2000, p. 70); Afonso; Gomes (2018). .

Embora o aparelho de ação psicológica tenha desenvolvido uma estratégia de “corações e mentes” no sul de Moçambique e a PIDE/DGS ainda trabalhasse diretamente no Sul, as populações desta região fugiam para se juntar à FRELIMO. À medida que as autoridades portuguesas aprenderam mais sobre o apoio popular à FRELIMO, em 1968, com o agudizar da guerra de libertação em Moçambique, Marcello Caetano, Presidente do Conselho de Ministros de Portugal e do Ultramar, realizou reformas cosméticas nas prisões (especialmente na Cadeia da Machava) e um vasto programa psicossocial para os presos políticos. As reformas incluíam: I- Redução drástica do confinamento dos prisioneiros às suas celas, permitindo-lhes passar os dias nos pátios e regressar às celas apenas para a sua última refeição e dormida; II- atividades recreativas e desportivas, tais como coros, danças “tribais”, futebol e educação principalmente primária; III- atividades produtivas, tais como o artesanato (escultura maconde) e o emprego fora da cadeia; IV- recrutamento direto de presos políticos para sua integração no combate armado e psicológico em empresas que atuavam nas províncias de Cabo Delgado, Niassa, Tete e Manica e Sofala; V- Isolamento dos chamados presos políticos “perigosos” para as celas de morte (exemplos do Pastor Zedequias Manganhela, Presidente do Conselho Sinodal, e de José Sidumo, da Igreja Presbiteriana, mortos a 10 e a 19 de Dezembro de 1972 na cadeia da Machava); VI- criação de um jornal (o chamado Ressurgimento), no qual os presos políticos tinham de se confessar arrependidos, portugueses e patriotas (Magia, 2010MAGAIA, Albino. Moçambique: Raízes, Identidade, Unidade Nacional. Maputo: Ndjira, 2010., pp. 167-171; Muiuane, 2006MUIUANE, Armando Pedro. Datas e Documentos da História da FRELIMO: de 1960 a 1975. Maputo: CIEDIMA; Sarl, 2006. , p. 106).

O jornal Ressurgimento, produzido por presos políticos “arrependidos”, não se destinava aos presos, mas sim às comunidades moçambicanas dos distritos mais afetados pela “subversão”, aos países vizinhos e à sede da FRELIMO em Dar es Salaam (incluindo a residência do Presidente da FRELIMO, Samora Moisés Machel). Por exemplo, numa entrevista à Dalila Mateus, Albino Magaia, jornalista e ex-preso político na prisão de Machava, afirmou categoricamente que o jornal era para quem estava fora da prisão, não dentro. “Ninguém [na prisão o lia]. O jornal era para lá fora. Nenhum prisioneiro tinha acesso a ele. O jornal nem sequer era publicado [dentro das paredes da prisão]” (Mateus, 2004MATEUS, Dalila Cabrita. A PIDE/DGS na Guerra colonial: 1961-1974. Lisboa: Terramar, 2004., pp. 142-143; Mateus, 2006MATEUS, Dalila Cabrita. Memórias do Colonialismo e da Guerra. Porto: ASA Editores, 2006., p. 47).

O jornal Ressurgimento, produzido na prisão de Machava de julho de 1968 a 1973, foi um periódico mensal com algumas edições especiais. Tinha uma média de 25 páginas e um formato definido: nota editorial; notas de um condenado; conversando com os colegas; o mundo português; uma secção literária; breves considerações sobre questões pedagógicas/ensino; uma entrevista; notícias do nosso correspondente; saúde e higiene; notícias diversas; desporto, e página humorística. Cada edição apresentava um texto de um preso político nomeado que, sob a orientação do programa psicossocial, se tinha arrependido do seu envolvimento em atividades subversivas. Ao longo dos anos, cerca de 150 prisioneiros participaram neste jornal.

A maioria dos presos políticos envolvidos na produção deste jornal pertencia ao grupo dos 75 militantes políticos da clandestinidade (14 mulheres, 6 crianças e 57 homens), que foram capturados em Middelburg (África do Sul) e transferidos para Moçambique, numa operação conjunta da PIDE/DGS e da África do Sul, em maio de 1965 (Mateus, 2004MATEUS, Dalila Cabrita. A PIDE/DGS na Guerra colonial: 1961-1974. Lisboa: Terramar, 2004., pp. 142-143; Muiuane, 2006MUIUANE, Armando Pedro. Datas e Documentos da História da FRELIMO: de 1960 a 1975. Maputo: CIEDIMA; Sarl, 2006. , p. 64; Muthemba, 2016aMUTHEMBA, Cadmiel Filiano. Entrevista a Alda Saide . Maputo, 22 jan. 2016a. Inédito.; Mbeve, 2016MBEVE, Fernando Andrade Fazenda. Entrevista a Alda Saide. Maputo, 19 mai. 2016. Inédito.; Muthemba, 2016bMUTHEMBA, Juvenália Abiatar. Entrevista a Alda Saide . Maputo, 15 jan. 2016b. Inédito.; Tembe, 2016TEMBE, Virgínia. Entrevista a Alda Saide . Maputo, 4 mar. 2016. Inédito.). Era um grupo heterogêneo composto majoritariamente por estudantes do ensino secundário pertencentes ao Núcleo dos Estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM), liderado por Armando Guebuza e Ângelo Chichava, mas também por trabalhadores de várias profissões e até por empresários. Alguns deles eram militantes políticos e outros apoiadores da FRELIMO que fugiam da perseguição e da repressão por parte da PIDE/DGS. Todo o grupo foi encarcerado na Cadeia de Mabalane, onde foi interrogado, e os homens também foram torturados. Dois meses depois, foram transferidos para Lourenço Marques. Os homens foram encarcerados na Cadeia da Machava e as mulheres e crianças na Cadeia Civil de Sommerschield. Estes e outros presos políticos da década de 1960 foram presos sem julgamento, interrogados e submetidos a tortura física e psicológica (Saíde, 2021SAÍDE, Alda Romão Saúte. Repensando o papel do trabalho político clandestino na luta de libertação de Moçambique, anos 1950s-1970s. Locus: Revista de História, Juiz de Fora, v. 27, n. 1, pp. 390-415, 2021.).

Analisando os textos publicados neste jornal, constata-se que os principais assuntos eram: prisioneiros políticos revelando seu arrependimento e sua recuperação pelo regime colonial; contra-subversão do regime visando corroer a moral dos guerrilheiros/forças militares da FRELIMO e conduzir à agitação, à desordem, ao caos e consequentemente à capitulação; acusação de interferência comunista na luta da FRELIMO; afirmação da tolerância e da justiça do regime, bem como da força e da bravura do exército português. Por exemplo, no texto do editorial do Ressurgimento lia-se:

Daqueles que, aliciados por propagandas mentirosas, se deixaram arrastar por um caminho errado e que, após tempos de meditação ou por um rebate da consciência, ressurgem de novo, num supremo esforço da vontade, para o serviço da pátria una e indivisível: Portugal (Ressurgimento, 1960-1973)9 9 Editorial que apareceu na primeira página de todas as edições mensais e especiais da GNR, de julho de 1968 a 1973. .

Este texto, se lido de forma linear dá uma imagem de um “subversivo, terrorista” arrependido e recuperado pelo regime, que já ama Portugal.

Embora o governo e as autoridades portuguesas tivessem desenvolvido uma série de estratégias e tomado algumas medidas para minar a determinação da FRELIMO em conquistar os corações e almas dos moçambicanos contra o regime opressivo, a FRELIMO, por si só, também tinha graves problemas internos, como se pode constatar no parágrafo a seguir.

Em 1968, a FRELIMO viveu uma crise política interna resultante de diferentes perspectivas e concepções dos objetivos e estratégias a adoptar na luta contra o colonialismo português. Duas linhas de luta opuseram-se: uma que defendia a eliminação do regime colonial português liderado por Eduardo Mondlane (Presidente da FRELIMO) e a outra que optou por reformas dentro do regime português liderado por Mzee Lázaro Kavandame (Chairman/líder de Cabo Delgado e membro do Comitê Central da FRELIMO) e por Mateus Gwendjere, um padre católico romano e professor de língua portuguesa no Instituto Moçambicano em Dar es Salaam. Com base na raça e na etnia, alguns militantes brancos foram “expulsos” da FRELIMO, numa ação liderada por Kavandame (ele próprio um Makonde), enquanto militantes étnicos makonde que não se tinham identificado com os seus princípios foram brutalmente assassinados, e o vandalismo ocorreu no Instituto Moçambicano e na sede da FRELIMO. Os opositores de Eduardo Mondlane, derrotados no Segundo Congresso da FRELIMO (julho de 1968), desertaram para o lado português. Kavandame e outros desertores foram recebidos pelos portugueses como figuras-chave do movimento e exemplos de moçambicanos enganados pela FRELIMO e arrependidos. A crise interna da FRELIMO culminou com o assassinato de Eduardo Mondlane, em 3 de fevereiro de 1969, em Dar es Salaam. De fato, estes problemas internos ajudaram os objetivos portugueses de alguma forma.

Para desacreditar e enfraquecer a FRELIMO, o regime aproveitou as deserções que se seguiram para ressaltar as contradições internas da FRELIMO (1968-1969). Muitos dos textos afirmavam que a FRELIMO era desorganizada, cheia de divisões tribais, sem objetivos e essencialmente já derrotada. O jornal apresentava entrevistas e testemunhos de desertores, militantes e fugitivos da FRELIMO. Por exemplo, Lázaro Kavandame, entrevistado por Jorge Mucuanda Rimbana no Ressurgimento, afirmou que “os problemas que preocupam as populações moçambicanas e, em particular, o povo do grupo étnico Makonde não têm possibilidade de solução adequada senão sob a bandeira portuguesa” (Rimbane, 1969RIMBANE, Jorge M. Regresso: Atanásio Afonso e Lázaro Kavandame regressados à sua Pátria!... outros seguirão o exemplo. Ressurgimento , Lourenço Marques, pp. 1, 31 mai. 1969., p. 1).

Da mesma forma, numa entrevista conduzida pelo editor do Ressurgimento, Eduardo Chacha, chefe de pelotão do exército da FRELIMO que desertou com 77 dos seus companheiros em maio de 1969, afirmou o seguinte:

Lá, nessa organização terrorista denominada FRELIMO, apenas se pretende atirar poeira aos olhos do mundo falando-se de supostas uniões baseadas na guerra, no ódio, na propaganda mentirosa e na ambição de mandos e chefias. E é por isso que todos os motivos bastam para armarem lutas e motins. E é por isso que eles não têm competência para governarem este povo cuja vida iriam transformar numa sangrenta Biafra ou no inferno indescritível de um Congo! E o seu mal é o mal de todos aqueles que pretendem separar Moçambique de Portugal. […] Os problemas de Moçambique só Portugal os pode resolver e não são necessários chineses de Pequim nem os dirigentes da FRELIMO para os resolver. […] Sim, a FRELIMO está dividida numa profunda crise. E esta crise não é passageira nem banal. Ela é tão grave para essa organização quanto é insanável e irremediável. Pois o seu mal está na raiz dos seus princípios que pretendem resolver os problemas de Moçambique, aliando-se aos estrangeiros; dividindo as tribos; gerando distinções; na busca de privilégios e supremacias disfarçadas sob o nome de “união”, “progresso” e “Liberdade” (Miranda, 1969MIRANDA, José Joaquim Osório de. Cai a Máscara da FRELIMO: Deserção em massa dos elementos da Duma companhia da FRELIMO infiltrada no território da província. Ressurgimento , Lourenço Marques, pp. 7-15, 30 jun. 1969., pp. 7-15).

Por seu turno, Lapuqueni Quembo Gumbe, regedor na área Chire em 1966, ingressou na FRELIMO. Operando como membro organizador no Malawi, foi preso pelas autoridades portuguesas. Escrevendo para o Ressurgimento, afirmou:

Agora um apelo que dirijo a todos os amigos que tem ouvido falar da “FRELIMO”. Eu estive em liberdade, mas perdi a liberdade. Dormia e comia bem, agora durmo e como mal. Estava perto dos meus, da minha casa e bens, agora estou longe de tudo isso. Tire neste momento cada um, as suas conclusões de que o que nos traz a “FRELIMO”? […] Andam homens nas matas sempre escondidos e longe das suas famílias à procura do impossível. […] Portanto, amigos, o Governo está de porta e mãos abertas para qualquer um dos que queiram voltar. Pode ser até o próprio Presidente, caso venha não lhe será feito nenhum mal [...] (Gumbe, 1969GUMBE, Lapuqueni Quembo. A Verdade!... E só uma. Ressurgimento , Loureço Marques, pp. 16-18, 31 mai. 1969., pp. 16-18).

Estas declarações “pretendiam levar” o leitor a acreditar que a FRELIMO era inapta, incompetente, nem sequer conseguia conter uma pequena insurreição, logo, obviamente jamais seria capaz de dirigir um governo. Elas retratavam um movimento prestes a desmoronar e transformar-se (novamente) no caos. A intenção destes escritos era fazer com que os leitores acreditassem que a FRELIMO era manipulada pela China comunista - e que era um pau-mandado dos interesses estrangeiros que iriam “roubar” a terra de Moçambique. Na mesma linha de raciocínio, o jornal promoveu a ideia de que a China, e não Portugal, era a força “colonial” - um estrangeiro que roubava recursos, terras, etc., e que Portugal era o “legítimo protector e governante” de Moçambique (Miranda, 1969MIRANDA, José Joaquim Osório de. Cai a Máscara da FRELIMO: Deserção em massa dos elementos da Duma companhia da FRELIMO infiltrada no território da província. Ressurgimento , Lourenço Marques, pp. 7-15, 30 jun. 1969., pp. 9-11).

De fato, Portugal foi o poder colonial que explorou recursos humanos e materiais em Moçambique, assim como reprimiu todos os moçambicanos que estavam contra o governo colonial. As mensagens transmitidas por meio do Ressurgimento tornaram-se, efetivamente, parte de uma estratégia política mais alargada para contrariar a confiança interna e o apoio à luta da FRELIMO, bem como para diminuir a pressão internacional contra o colonialismo português.

Corroborando a propaganda da África do Sul da época, o jornal alegou que o tribalismo galvanizou a violência e, como consequência, os brancos vieram à África para impedir que os negros se matassem uns aos outros, e que haveria um caos se os brancos saíssem de lá.

Paralelamente ao jornal Ressurgimento, em setembro de 1968 foi criado, para as populações do Norte de Moçambique, o jornal Verdade, tendo por baixo do título um pórtico no qual se lê: Jornal das Populações Sob Proteccão do 2848 de Cavalaria. Depois vinha sempre uma mensagem em português, traduzida depois em língua local. Numa dessas mensagens, lia-se:

SALVE! NESTE NUMERO A NOSSA MENSAGEM E PARA OS IRMÃOS QUE ESTÃO NO MATO E QUE ALI VIVEM CHEIOS DE MEDO OU OBRIGADOS, A SOFRER NA MISERIA DE QUEM NÃO TEM NADA: NEM PARA COMER, NEM PARA VESTIR, NEM PARA TRATAR DAS DOENCAS, NEM MESMO PARA SE DISTRAIREM.

E no fundo das páginas vinha: MOCAMBIQUE E PORTUGAL, QUEM GOSTA DO CHEIRO DO SANGUE?… OS BANDIDOS… E AS HIENAS, EM PORTUGAL, A COR NÃO DIVIDE (Magaia, 1969MAGAIA, Albino Fragoso Francisco. Citando o jornal A Verdade. Ressurgimento , Lourenço Marques, pp. 14-15, 31 mai. 1969., pp. 14-15).

Este jornal era distribuído nas zonas sob o controle da FRELIMO, designadas por zonas libertadas (Cabo Delgado e Niassa), com o intuito de desmoralizar as populações, e de estas desertarem para as áreas sob administração portuguesa, nas quais dizia-se que havia comida e roupa, e que viveriam sossegados. De forma pejorativa, acusavam a FRELIMO de racista, Tribalista, e de gostar da guerra e das mortes, comparando-a com as hienas.

Em setembro de 1970, Armando Pedro Muiuane, um preso político recentemente “amnistiado e libertado” da prisão da Machava, escreveu no jornal Ressurgimento uma carta de “agradecimento” ao Ilustre Chefe do Centro de Recuperação de Machava:

Peço desculpa pelo facto de só agora me recordar de lhe escrever. Mais vale tarde do que nunca. E não se surpreenda, meritíssimo, que me desculpe. É porque, desde que parti, sempre pensei em escrever-lhe um dia para testemunhar o meu reconhecimento por tudo o que fez em benefício de todos os reclusos desviantes que estavam nas suas mãos. E eu sou um deles. A minha vida era negra e a minha reputação estava manchada, mas destes-me confiança, deu alegria aos meus entes queridos. Fui devolvido à liberdade antes do fim do meu tempo sob medidas de segurança. Graças à mão protetora da polícia por meio do Ilustre Inspector-Adjunto que me garantiu um trabalho que me permite ganhar para a minha família... é certo que os países comunistas, mais cedo ou mais tarde, reconhecerão que Portugal tinha razão afinal de contas. Agora que já lhe escrevi isto, posso dizer que me sinto aliviado, porque já cumpri um dever moral, um imperativo de consciência (Muiuane, 1970MUIUANE. Armando P. Carta ao Exmo. Sr. Armando da Costa Gonçalves, Digníssimo Chefe do Centro de Recuperação da Machava. Ressurgimento , Lourenço Marques, pp. 12, 30 set. 1970., p. 12).

Deste extrato entende-se que, mesmo depois de libertos/em liberdade, os presos políticos tiveram de manter o seu arrependimento e a sua gratidão perante as autoridades portuguesas, produzindo textos para alimentar o jornal Ressurgimento ou até mesmo assinando textos supostamente deles, mas produzidos pelas autoridades. Com efeito, o regime colonial-fascista tentou provar que mesmo os presos políticos “libertados” da prisão e em liberdade continuavam arrependidos pelo que tinham feito, e que também expressavam a sua profunda gratidão por tudo o que o regime (os responsáveis pela prisão de Machava) fez e estava a fazer pela sua reintegração.

Por isso, ao cruzar esses textos com as informações aqui apresentadas, graças à metodologia seguida neste estudo - utilizando fontes de arquivos, fontes secundárias e histórias orais com antigos presos políticos deste grupo -, observa-se que os textos devem ser interpretados em vez de lidos literalmente. Os presos políticos escreveram estes textos espontânea e livremente? Se tivessem sido condenados por atividades subversivas e estivessem presos, onde é que tinham essa informação sobre a guerra e os conflitos dentro da FRELIMO, se essa informação era secreta? Surgem dúvidas sobre a capacidade dos chamados autores de escrever estes textos ao se analisar o formato dos textos (estrutura linguística, coerência e lógica).

De fato, testemunhos de Cadmiel Filiano Muthemba, Fernando Andrade Fazenda Mbeve, Ângelo Azarias Chichava e Albino Fragoso Magaia confirmaram que os prisioneiros eram obrigados a participar/colaborar na escrita dos artigos do jornal, e a sua participação gerou muita discussão entre os presos nas celas, pois alguns os aconselhavam a recusar (Muthemba, 2016aMUTHEMBA, Cadmiel Filiano. Entrevista a Alda Saide . Maputo, 22 jan. 2016a. Inédito.; Mbeve, 2016MBEVE, Fernando Andrade Fazenda. Entrevista a Alda Saide. Maputo, 19 mai. 2016. Inédito.; Mateus, 2006MATEUS, Dalila Cabrita. Memórias do Colonialismo e da Guerra. Porto: ASA Editores, 2006., p. 123). Como disse Ângelo, “na prisão tivemos de escrever no jornal Ressurgimento. O que escrevíamos não saia espontaneamente, as nossas palavras eram selecionadas com a clara e expressa intenção de humilhar os prisioneiros. Este foi o ‘jogo’ psicológico da PIDE” (Mateus, 2006MATEUS, Dalila Cabrita. Memórias do Colonialismo e da Guerra. Porto: ASA Editores, 2006., p. 123). Albino afirmou: o que “foi impressionante sobre o Ressurgimento foi que as pessoas sobreviveram apesar da hipocrisia. Se as pessoas não escrevessem, sabiam que iam morrer” (Mateus, 2006MATEUS, Dalila Cabrita. Memórias do Colonialismo e da Guerra. Porto: ASA Editores, 2006., p. 46).

Condenados, torturados e ameaçados de morte, os presos políticos aprenderam e desenvolveram uma forma de resistir à opressão prisional que lhes permitiu escrever as ideias impostas pelo regime, mantendo-se fiéis aos seus ideais. Os seus testemunhos permitem que os historiadores desvendem a verdade do que aconteceu naquelas prisões e desmascarem as mensagens falsas que têm sido repetidas ao longo dos anos como autênticas.

No entanto, a investigadora está consciente das dificuldades envolvidas na condução da história oral, dado que as memórias podem exagerar o sofrimento, esquecer e/ou distorcer fatos, bem como suavizar alegrias. Nestes depoimentos/testemunhos devem haver omissões, autocensura e até embelezamento. Para minimizar possíveis limitações no estudo de memórias, foram utilizadas análises e referências cruzadas. Foram primeiramente realizadas entrevistas e, em segundo lugar, foram examinadas fontes orais e escritas primárias e secundárias.

Em geral, os testemunhos destes presos políticos permitiram quebrar o silêncio sobre os crimes da polícia política (PIDE-DGS) nas guerras coloniais e aprofundar a história da violência, da crueldade, da intimidação, da tortura, do banimento e da morte dos presos políticos do império colonial português em Moçambique.

Grande parte dos elementos de prova fornecidos pela análise destes textos e o cruzamento com outras fontes orais e escritas sugerem que alguns dos textos foram preparados pelo regime e entregues aos prisioneiros para assinar. Depois de uma leitura cuidadosa das entrevistas de Eduardo Chacha (condutor de trator com educação rudimentar) e de Lapuqueni Quembo Gumbe (regedor, régulo e caçador profissional com habilitações literárias de primeira classe), pode-se inferir que tais documentos eram pré-escritos, pois, dado o nível educacional e a posição dentro da FRELIMO, dificilmente tais homens teriam a capacidade de os criar. Além disso, os textos não parecem a transcrição fiel de uma entrevista, mas sim ter passado por uma reformulação. Outras provas corroborantes incluem a enorme semelhança dos testemunhos dos prisioneiros. As respostas dos prisioneiros eram tão semelhantes que se pensaria que partilhavam as respostas antes das entrevistas individuais.

Os textos publicados no Ressurgimento foram, assim, utilizados como parte da estratégia de contra-insurgência de Portugal. A PIDE usou os presos políticos como “autores” para legitimar os seus esforços para minar e desacreditar a FRELIMO. Após a independência, em março de 1978, a Comissão Política da FRELIMO considerou-os “inimigos” ou “comprometidos” (cerca de 300 presos na prisão de Machava). Alguns foram julgados e condenados à prisão na cadeia de Machava (ironicamente, o mesmo local onde tinham sido prisioneiros dos portugueses) e outros levados para treino militar (Mateus, 2006MATEUS, Dalila Cabrita. Memórias do Colonialismo e da Guerra. Porto: ASA Editores, 2006., p. 643; Mateus; Mateus, 2010MATEUS, Dalila Cabrita; MATEUS, Álvaro. Nacionalistas de Moçambique: da Luta armada à Independência. Portugal: Textos Editores, Ltda., 2010. , p. 80; Muiuane, 2016MUIUANE, Armando Pedro. Entrevista a Alda Saide. Maputo, 8 e 12 jan. 2016. Inédito.; Vilankulos, 2007; 2016VILANKULOS, Maria Chissano. Entrevista a Alda Saide . Maputo, 19 maio 2007 e 4 fev. 2016. Inédito.; Muthemba, 2016aMUTHEMBA, Cadmiel Filiano. Entrevista a Alda Saide . Maputo, 22 jan. 2016a. Inédito.).

Estes textos fornecem documentação de fonte primária que sugere que a estratégia de Portugal se destinava muito mais a conquistar os “corações e mentes” da população moçambicana do que a assustar e intimidar as pessoas, num esforço para minar a credibilidade da FRELIMO e a sua capacidade de recrutar pessoas para a luta.

Apesar da censura policial apertada, os prisioneiros foram por vezes capazes de passar informações, por meio do Ressurgimento, sobre o terror e a humilhação sofridos pelos prisioneiros e os seus esforços para resistir às más condições e sustentar a sua luta. Henrique C. Jorge escreveu, por exemplo:

Olhando à nossa volta, sabemos que as famílias choram constantemente em angústia e derramam lágrimas, sofrendo da ausência dos seus entes queridos. Alguns destes entes queridos desapareceram para sempre, deste para o outro mundo e nunca mais serão vistos. Outros estão encalhados aqui, privados de liberdade enquanto cumprem as suas penas de prisão. Estão num mundo sem contacto com o exterior, onde tudo acontece sem a sua participação. São seres inúteis - inúteis para a sociedade e para si mesmos (Jorge, 1969JORGE, Henrique C. Usurpadores da paz e tranquilidade, e semeadores de confusões, anarquismo e miséria. Ressurgimento , Lourenço Marques, pp. 16, 31 mai. 1969., p. 16).

Jaime Maico Joloma, prisioneiro restituído à “liberdade”, entrevistado por Moisés Rafael Massinga, também prisioneiro, afirmou, ao ganhar a liberdade: “Tenho que tentar compensar a minha família por este tempo que passei aqui preso, pois ela merece. Sofri e fi-la sofrer” (Massinga, 1969MASSINGA, Moisés Rafael. Conversando com os que partem. Ressurgimento , Lourenço Marques, pp. 2, 30 jun. 1969., p. 2).

Considerado recuperado pela PIDE e restituído à liberdade, Alberto Ezequiel Mateus Chongo, de forma subtil, revela que ainda continua firme da razão que lhe levou à prisão:

[…] Disso se terá agora apercebido grande parte daqueles a quem este jornal se destina e que vão voltar à vida recuperados e, não só mais conscientes do erro cometido e decididos a maiores cautelas no futuro, para não voltarem a errar, mas capazes de transmitir a outros as verdades de que ficaram possuidores, usando, tanto para uso próprio como para uso alheio, neste caso divulgando-a, aquela recuperação de que se sintam possuídos (Chongo, 1969CHONGO, Alberto Ezequiel Mateus. Aos que partem. Ressurgimento, Lourenço Marques, pp. 13, 31 mai. 1969., p. 13).

De fato, vários prisioneiros restituídos à liberdade continuaram a ouvir a Rádio Voz da FRELIMO e a fazer trabalho político de forma clandestina, o que culminou com a sua mobilização e a criação das células do Partido e dos Grupos Dinamizadores, depois do Golpe de Estado Militar de 25 de Abril de 1974.

Em 1970, Fernando Andrade Fazenda escreveu um texto intitulado “A Paz e os Homens”, o qual, de forma metafórica, constatava:

E assim vai o nosso mundo actual, onde os valores propriamente ditos se vão desequilibrando e se precipitando em quedas irreversíveis. Neste ritmo de vida, os mais nobres ideais que visam a verdade a solidariedade dos povos, das nações e das raças, com vista a um futuro pacífico, não contam. Pelo contrário, os justos, os defensores e os perpetuadores dos verdadeiros valores humanos, é que são os mártires! Que o mundo seja assim, não nos admira. O que muito nos espanta, e até certo ponto se nos torna melindroso, é ver as chamadas grandes potencias, as ditas Organizações Mundiais da Paz, curvarem-se de tão vil maneira ao serviço da violência e do extermínio (Fazenda, 1970FAZENDA, Fernando Andrade. A Paz e os Homens. Ressurgimento , Lourenço Marques, p. 12, 31 mai. 1970., p. 12)!

O texto acima era uma denúncia da hipocrisia e do papel desempenhado pelas grandes potencias (EUA, Inglaterra, França, Alemanha) e organizações mundiais (ONU), as quais afirmavam ser defensoras da Paz e da autodeterminação dos povos, porém, no que concernia às colônias portuguesas, embora no auge da guerra de libertação, defendiam e apoiavam Portugal como potência colonizadora.

Na mesma linha, na edição de 15 de agosto de 1971 da Voz de São Nicolau, um boletim quinzenal de prisioneiros de Angola, o recluso João Mateus da Conceição revoltou-se contra o considerável número de crianças no campo e perguntou onde estava o jardim da escola. Ainda na mesma edição, outro recluso fez um desenho memorial na capa do jornal com a seguinte mensagem: “A quem sofreu e morreu aqui honrando a sua pátria” (Mateus, 2004MATEUS, Dalila Cabrita. A PIDE/DGS na Guerra colonial: 1961-1974. Lisboa: Terramar, 2004., p. 134). Infere-se no texto que, ao contrário das intenções do governo, o boletim quinzenal A Voz de São Nicolau havia sido transformado pelos prisioneiros num instrumento de resistência.

CONCLUSÃO

Este artigo não pretende ter uma abordagem abrangente das várias formas de considerar o papel do jornal Ressurgimento no contexto colonial e a sua utilização atual como documento histórico. Pelo contrário, contribui apenas para uma reflexão sobre algumas das questões específicas que este tema levanta.

No caso dos textos analisados no Ressurgimento, o contexto da sua produção pode proporcionar-nos uma compreensão mais densa do que aquilo que percebemos a partir do conteúdo que pretendem transmitir. Assim, para se obter algum conhecimento profundo destes textos, é importante considerar-se o período/momento em que foram escritos (o período da luta de libertação armada), além de se perguntar quem foi o promotor e financiador do jornal (o governo português e os políticos portugueses), quem foram os colaboradores/autores dos escritos (os presos políticos e os ex-presos políticos), e quem recebeu os textos (as regiões consideradas sob influência subversiva e escritórios da FRELIMO). Por isso, estes textos são uma fonte útil da história moçambicana, pois nos permitem compreender as características e vicissitudes do Estado colonial. Além disso, dão origem às memórias de um passado distante, construindo assim uma nova memória.

Com efeito, o Ressurgimento abre uma janela para estratégias de contra-insurgência portuguesas e testemunhos coagidos. Mostra a capacidade dos prisioneiros de reinventar a vida quando a morte era uma ameaça constante e, por conseguinte, traz outra leitura do conceito de “preso político”, que se afasta da ideia geral do prisioneiro como vítima.

Os textos do Ressurgimento demonstram, acima de tudo, a intenção de defender um plano integrado de continuidade e manutenção do colonialismo português em Moçambique. Deste ponto de vista, são textos com uma forte mensagem anti-FRELIMO, enfatizando a grandeza de Portugal e as políticas justas em relação às colônias e registrando os arrependimentos dos enganados pela FRELIMO. O jornal estava a serviço de uma estratégia política concreta: contrariar e dissuadir a pressão internacional e interna contra o seu colonialismo dos últimos dias. No entanto, foi produzido do lado errado da história, pois o desenrolar da guerra de 1968 a 1970, nas colônias portuguesas, especialmente na Guiné-Bissau e em Moçambique, mostrou sinais de fraqueza no combate por parte das forças portuguesas e consequente agravamento, levando o governo português a outras soluções: um golpe de Estado em Portugal, em 25 de abril de 1974 e, mais tarde, contra a vontade da metrópole, negociações para a autodeterminação dos povos colonizados por Portugal.

Como documento histórico, representa uma realidade colonial concreta, com a sua luta voltada a conquistar os “corações e mentes” do povo de Moçambique durante a guerra colonial/luta de libertação moçambicana. Foi um instrumento de propaganda fundamental para o regime colonial-fascista português em Moçambique, como previsto no programa psicossocial. Os textos do Ressurgimento devem ser lidos e compreendidos nessa perspectiva.

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  • 1
    O presente artigo integra a obra de Machado et al. (2022MACHADO, Adelaide Vieira et al. (Eds.). Creating and Opposing Empire: The Role of the Colonial Periodical Press. London: Routledge Studies in Cultural History, 2022.).
  • 2
    Freguesia correspondente a agregados familiares brancos que realizam uma ação social comum por meio dos seus próprios órgãos sociais. Circunscrições - regiões onde não foi alcançado um desenvolvimento econômico e social adequado, de acordo com o código português.
  • 3
    O Regime do Indigenato funcionou nas colônias portuguesas da Guiné, de Angola e de Moçambique. Esta legislação seria alterada em certos aspectos pelo Estatuto Indígena das Províncias Portuguesas da Guiné, de Angola e de Moçambique, segundo o Decreto n. 39666 de 1954.
  • 4
    O conceito de indígena e de assimilado provém do Código de Assistência Nativa de 1921. Este código criou o Sistema Assimilado, segundo o qual a população moçambicana foi dividida em assimilados, uma pequena minoria que supostamente tinha adotado um modo de vida essencialmente português, e povos indígenas, que englobava a grande maioria da população moçambicana. Para alcançar este novo estatuto, o moçambicano tinha de reunir as seguintes condições: saber ler, escrever e falar português fluentemente; dispor de meios suficientes para sustentar a sua família; ser de boa conduta; dispor dos hábitos educativos e pessoais e sociais necessários para tornar possível a aplicação do direito público e privado em vigor em Portugal. Devia ainda solicitar a autorização administrativa da sua área, que, por sua vez, a enviava ao governador do distrito para aprovação. Cf. Mondlane (1995MONDLANE, Eduardo. Lutar por Moçambique. Maputo: Colecção Nosso Chão, 1995., pp. 43, 47 e 48).
  • 5
    O Sistema Educativo Indígena consistia em (i) ensino rudimentar, ensino de adaptação posterior, que teoricamente era de três anos de escolaridade e obrigatório para todas as crianças moçambicanas entre os sete e os dez anos que vivessem num raio de até três quilometros da escola; (ii) ensino profissional, que consistia em instrução manual em carpintaria, alfaiataria, calçado e agricultura, para homens até os 18 anos; e (iii) educação normal/oficial, para crianças moçambicanas que concluíam o ensino rudimentar até os 13 anos e que podiam inscrever-se no ensino oficial. Para tanto, foi criada a Escola superior de Qualificação de Professores Indígenas. O sistema de ensino oficial caracterizou-se por um ensino primário de quatro anos (foi acrescentado um quinto ano em 1952) e obrigatório para crianças brancas, mulatas e assimiladas entre os 7 e os 11 anos; o ensino secundário/técnico ocorria em escolas secundárias ou escolas comerciais e industriais, situadas em zonas urbanas e abertas a crianças em escolas primárias oficiais; e a educação pré-universitária era voltada a quem se preparava para entrar nas universidades portuguesas. Cf. Saúte (2005SAÚTE, Alda Romão. O Intercâmbio entre os Moçambicanos e as Missões Cristãs e a Educação em Moçambique: a Missão Anglicana Santo Agostinho-Maciene, 1926/8-1974. Maputo: PROMÉDIA, 2005., pp. 159-160).
  • 6
    O Acto Colonial continha os princípios orientadores para as colônias portuguesas. Foi aprovado pelo Decreto n. 18570, de 8 de julho de 1930 (Lourenço Marques, 1930).
  • 7
    Um sistema de mão de obra forçada por meio do qual o regime colonial forneceu força de trabalho barata (nativa) aos colonos que tinham grandes propriedades e para a construção de projetos de infra-estruturas públicas coloniais.
  • 8
    É importante notar que o serviço de ação psicológica foi criado no exército em 1965, dependendo do 2º Gabinete (Informação) do Estado-Maior-General do Exército. Na sede das regiões militares de Angola, Moçambique, bem como no Comando Territorial Independente da Guiné, a responsabilidade era dos 2ºs escritórios. Depois de 1968-1969, em Angola e Moçambique, a responsabilidade passou para a sede. Os objetivos, a estrutura e as formas das ações eram as mesmas nas três colônias. Souto, 2007SOUTO, Amélia Neves de. Caetano e o caso do “Império”: Administração e Guerra Colonial em Moçambique durante o Marcelismo, 1968-1974. Porto: Edições Afrontamento, 2007., pp. 188-191; Afonso; Gomes (2000AFONSO, Aniceto; GOMES, Carlos de Matos. Guerra Colonial. Lisboa: Editorial Notícias, 2000. , p. 70); Afonso; Gomes (2018)AFONSO, Aniceto; GOMES, Carlos de Matos. As conquistas das Almas - Ação Psicológica na guerra colonial. 7 mai. 2018. Disponível em: Disponível em: https://miandica.blogspot.com/2018/05/a-conquista-das-almas-3-parte.html . Acesso em: 25 mar. 2023.
    https://miandica.blogspot.com/2018/05/a-...
    .
  • 9
    Editorial que apareceu na primeira página de todas as edições mensais e especiais da GNR, de julho de 1968 a 1973.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2023
  • Aceito
    04 Maio 2023
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