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O combate aos matuyús no Patriarcado de Pindorama: o movimento antropofágico na Amazônia

The Fight Against the Matuyús in the Patriarchy of Pindorama: The Anthropophagic Movement in the Amazon

RESUMO

O artigo discute a formação de um Clube de Antropofagia no Pará tomando como fontes a Revista de Antropofagia e o jornal O Estado do Pará. Segundo a revista, havia explícita intenção de expansão do movimento antropofágico às demais regiões do país através da criação de clubes regionais e locais autônomos. A Amazônia, considerada pelos modernistas uma espécie de repositório mítico da nação, teria lugar de destaque nestas discussões, e o Pará estava em evidência por ser a origem de artistas, intelectuais e literatos que publicavam tanto em revistas modernistas de Belém quanto na Revista de Antropofagia. As publicações de Eneida de Moraes serão destacadas, pois ela foi a única mulher a transitar entre estas duas realidades, sendo a pessoa que mais discutiu os conceitos antropofágicos no jornal paraen­se, provavelmente contribuindo na construção do conceito “matriarcado de pindorama”.

Palavras-chave:
modernismo; movimento antropofágico; Revista de Antropofagia; O Estado do Pará; Eneida de Moraes

ABSTRACT

The article discusses the formation of an Anthropophagy Club in Pará taking as sources the magazine Revista de Antropofagia and the newspaper O Estado do Pará. According to the magazine, there was an explicit intention to expand the anthropophagic movement to other regions of the country through the creation of regional and local autonomous clubs. The Amazon, considered by the modernists a kind of mythical repository of the nation, would have a prominent place in these discussions, and Pará was in evidence for being the origin of artists, intellectuals, and literati who published both in modernist magazines in Belém and in the Revista de Antropofagia. The publications of Eneida de Moraes will be highlighted because she was the only woman to transit between these two realities, being the person who most discussed the anthropophagic concepts in the Pará newspaper, probably contributing to the construction of the concept of “pindorama matriarchy”.

Keywords:
Modernism; Anthropophagic movement; Revista de Antropofagia; The state of Pará; Eneida de Moraes

O movimento antropofágico repercute por todo o Brasil, empolgando os espíritos jovens, na luta contra a mentalidade colonial e contra a arte e a literatura de contrabando.

Desde o Amazonas ao Prata, desde o Rio Grande ao Pará, o movimento antropofágico repercute com uma intensidade nunca jamais alcançada por nenhum movimento anterior (Castro, 1929CASTRO, Genuíno de. Desde o Rio Grande ao Pará!. Revista de Antropofagia, São Paulo, p. 10, 04 jul., 1929., p. 10)1 1 A ortografia das fontes foi atualizada pois, como não se trata de uma análise genética textual, facilita a compreensão. .

Em 04 de julho de 1929, chega às mãos dos leitores do jornal Diário de S. Paulo o décimo terceiro número da segunda dentição da Revista de Antropofagia2 2 A Revista de Antropofagia teve duas dentições. A primeira teve 10 números publicados, de maneira independente, de maio de 1928 a fevereiro de 1929. A segunda, de março a agosto de 1929, foi publicada como um suplemento literário no interior do jornal Diário de S. Paulo. . Em artigo intitulado “Desde o Rio Grande ao Pará”, de onde se recortou o trecho da epígrafe, informa-se ao leitor que o movimento antropofágico estava se expandindo e repercutindo por todo o país, com suas lutas regionalizadas contra a mentalidade colonial, a falsa arte e a falsa literatura. É comum encontrar nesta dentição artigos com a temática da “expansão antropofágica”, indicando a pretensão dos seus integrantes de criar o primeiro movimento político-artístico da história do Brasil a integrar verdadeiramente todos os recantos nacionais.

O movimento antropofágico, de fato, estava abarcando diversas regiões brasileiras por duas vias principais: por meio da publicação de autores de variados estados brasileiros nas páginas da Revista de Antropofagia3 3 Esta é uma característica inédita, já que a maioria das revistas paulistas publicavam essencialmente autores de SP, MG e RJ (Galvão Júnior, 2020). e mediante a atuação destes em defesa do novo movimento em suas respectivas regiões a partir da formação de “sucursais”4 4 O termo foi colocado entre aspas para o relativizar, pois defende-se neste artigo que, embora houvesse um centro antropofágico em São Paulo, as discussões locais extrapolavam suas intenções por ocorrerem em realidades diversas. . É interessante notar que a antropofagia, diferente do modernismo que a precedeu, buscou consolidar clubes de antropofagia regionais e estaduais que dialogassem com São Paulo, mas sem tolher suas autonomias. Dessa forma, parte-se da hipótese de que a Revista de Antropofagia, antes de tudo, era aglutinadora de diversas tendências modernistas e antropofágicas situadas no “Brasil profundo” no momento em que se expandia aos demais territórios, em especial, provenientes da Amazônia, haja vista que os autores desta região estavam presentes entre as publicações, na direção e na redação da revista5 5 Mesmo sendo o único da região Norte a publicar na Revista de Antropofagia, o Pará teve um aumento significativo de sua participação nos quadros da revista. Enquanto na primeira dentição participou com Abguar Bastos e Oswaldo Costa publicando uma vez cada um, alcançando 3% entre os autores e 2% entre as publicações, na segunda dentição, além de ter Oswaldo Costa e Clóvis de Gusmão na redação e publicando com pseudônimos entre os “sete cavaleiros da antropofagia”, os números saltaram para 8% entre os autores em 18% das publicações assinadas, ficando atrás apenas de São Paulo no quadro geral da quantidade de publicações. Isso quer dizer que a construção do ideário mais radical da antropofagia teve como componente fundamental as ideias vindas de uma Amazônia modernista interessada na brasilidade antropofágica e que o modernismo paulista se apropriou de uma ideia de Amazônia (Galvão Júnior, 2020). . As relações entre centro e periferia nas artes, assunto caro à historiografia das últimas décadas, eram já colocadas em xeque, em nível nacional, por este movimento.

Assim como o modernismo brasileiro foi analisado diversas vezes a partir da noção de periferia em um sentido global, foi por muito tempo reconhecido apenas em relação ao modernismo paulista, colocando-o no centro no país. Artistas, literatos, críticos literários e historiadores, principalmente aqueles ligados ao movimento modernista, contribuíram para cristalizar a ideia de São Paulo enquanto locomotiva da nação e, nessa locomotiva, estariam incluídas as artes. A mesma questão foi interpretada em relação ao movimento antropofágico. Essa ideia, além de conceber São Paulo como centro propulsor da arte, coloca as demais regiões do país enquanto periferia, isto é, receptoras e copistas, desprezando, por exemplo, o modernismo amazônico, colocando seus autores em segundo plano e condenados, muitas vezes, ao esquecimento. Essa ótica unilateral faz com que sejam considerados modernistas apenas quem se enquadre nos ditames das escolas centrais, excluindo diversos locais das análises da literatura brasileira, por exemplo. Assim, em uma perspectiva global, a Amazônia seria a “periferia” da “periferia” do modernismo internacional.

A antropofagia converge para a busca das raízes por meio da devoração e da deglutição da tradição brasileira, voltando seus olhos para a Amazônia enquanto local tradicional por excelência. Nessa trilha, o movimento antropofágico assume duas intenções principais: devorar o elemento externo e o elemento interno, natural, para chegar à verdadeira concepção de arte, política e sociedade brasileira, e traz consigo um elemento do movimento pau-brasil, a exportação da cultura nacional. Esse caminho converge com as intenções de alguns modernistas paraenses: exportar a cultura do Norte por meio da tradição regional reinterpretada de acordo com sua nova realidade6 6 Em 1923, Abguar Bastos publicou o Manifesto à geração que surge na revista Belém Nova, conclamando artistas e intelectuais à defesa, valorização e produção da literatura e artes amazônicas para posterior exportação aos demais estados da federação. .

Por intermédio do sul-rio-grandense Raul Bopp7 7 Raul Bopp imortalizou em sua poesia o fascínio por Belém. Propenso a conhecer o país, iniciou a faculdade de Direito em Porto Alegre e concluiu cada ano em diferentes estados, sendo o quarto em Belém, para onde “viajava sempre que podia para assistir a festas folclóricas”. No Norte, fez uma série de poemas sobre “cidades velhas”, com sinos que “vão conversar com Deus sobre a saudade”. Em Belém integrou grupos artísticos e intelectuais com os quais manteve contato durante muito tempo, por meio de viagens e correspondências. As anotações de sua viagem ao Norte geraram seu famoso Cobra Norato (Figueiredo, 2021). , do paulista Mário de Andrade8 8 A viagem de Mário de Andrade à Amazônia, em 1927, fazia parte de seu anseio modernista em compreender a realidade brasileira num quadro latino-americano e vislumbrar a cultura nacional. Compreender o folclore e a cultura popular seriam as bases para o conhecimento profundo do povo brasileiro e necessário para estabelecer diferenças, especificidades e valores culturais próprios. De suas voltas pela Amazônia, portanto, foi possível a criação de Macunaíma. Cf. Figueiredo, 2021. e do paraense Clóvis de Gusmão9 9 O autor transitava entre Manaus, Belém, São Paulo e Rio de Janeiro e foi, junto com Raul Bopp e Mário de Andrade, um dos responsáveis por convidar literatos da Amazônia para publicar na Revista de Antropofagia. , que tinham trânsito entre Belém e São Paulo na década de 1920, os paraenses Abguar Bastos, Oswaldo Costa, Eneida de Moraes e o próprio Gusmão foram sendo conhecidos e reconhecidos no Sul, contribuindo com a Revista de Antropofagia e para a construção do movimento antropofágico por meio de publicações e de participação ativa na direção e na redação do periódico.

Em 12 de junho de 1929, sob o título “expansão antropofágica”, afirma-se, nas páginas da Revista de Antropofagia, a existência de um clube de antropofagia do Pará. Definindo a geração nova do Pará como uma das mais vigorosas do Norte e a “mais fuzarca” do Brasil, devido a uma questão “etnogeográfica”, é afirmado no artigo que os paraenses têm uma mentalidade potente que a natureza, por meio dos naturalistas, plantou em cada um dos seus elementos. E esses elementos, segundo a redação, possuem uma diversidade que só pode ser compreendida por quem viu e descobriu a Amazônia. Entretanto, há um pesar por não existir uma “literatura moça”.

Deve-se compreender, entretanto, que há indícios de bons literatos na Amazônia daquele período, apontados pelo artigo como “prováveis”, mas que não têm tempo para escrever obras continuamente, nem possibilidade de publicar livros, uma vez que a imprensa os absorvia. Sua inserção na imprensa, segundo o artigo, os obriga a escolher lados, isto é, revistas e jornais com os quais eles compartilham ideias e ideários políticos, “tocando pau nos governos. Pintando o diabo” (O Estado celebra, 1929O ESTADO CELEBRA. O Estado do Pará , Belém, p. 01, 09 abr. 1929., p. 01). Esses antropófagos amazônicos teriam um ponto de conversão, o jornal “de ideias jovens” e ponto de apoio O Estado do Pará10 10 Devido ao jornal estar em estado de conservação precário, as referências aos artigos aparecerão ora a partir do dia, mês e ano e ora a partir do ano e do número. , “o jornal mais importante de Belém”. Nele, publicaram antropofágicos conhecidos nos círculos paulista e carioca, como os paraenses Eneida e Clóvis de Gusmão, Oswald de Andrade e Raul Bopp, assim como autores locais que se identificaram ou questionaram o novo movimento de fins da década de 1920.

Inseridos nas redações e em suas realidades, esses jovens artistas seriam uma espécie de geração amazônica de protesto que não aceitaria, assim como os antropofágicos, a escravidão do ocidente, a mentalidade portuguesa, o “modernismo católico”, o imperialismo e a “invertebralidade nacional”. O artigo cita os principais integrantes: Bruno de Menezes, Eneida Moraes, Ernani Vieira, Paulo de Oliveira, Sant’Anna Marques, De Campos Ribeiro, Muniz Barreto e Orlando Moraes, totalizando oito, sem contar com os intitulados como a “classe dos antropófagos pais de família” - que dizem que não são -, como Alcindo Cacella, Alfredo Ladisláu e Edgar Proença. No fim do artigo, afirma-se que, a partir daquele momento e com aqueles intelectuais, estaria “fundado o clube de antropofagia do Pará”.

O presente artigo, dessa maneira, propõe-se a verificar a formação do Clube de Antropofagia do Pará a partir do seu local de apoio, isto é, o jornal O Estado do Pará, para compreender as especificidades de suas discussões perante o movimento paulista, defesas, ideias e os ideais que geraram o movimento antropofágico amazônico. Nesse ínterim, atenção especial será dada à escritora paraense Eneida, que mantinha relações próximas com os antropofágicos do Sul e que, segundo a documentação consultada, foi a responsável por incitar discussões e reunir tal clube, publicando no referido jornal reportagens, poemas, manifestos e convites para se pensar um Brasil a partir do prisma devorador amazônico.

“TOCANDO PAU NOS GOVERNOS”: JORNAL O ESTADO DO PARÁ

Não há bibliografia específica que tenha estudado o jornal O Estado do Pará enquanto objeto, tampouco especificamente por períodos, portanto, é fundamental embrenhar-se por suas páginas. Em artigo pulicado em 09 de abril de 1929, em comemoração aos 19 anos de circulação d’O Estado do Pará, a redação faz um resgate dos temas tratados ao longo de suas publicações. Nele, o jornal coloca-se como barreira oposta aos desmandos dos poderosos, como “vanguardeiro de todas as liberdades”, eixo da opinião popular nas suas vitórias e nas suas derrotas, cujo compromisso sempre teria sido a defesa de todas as causas da nacionalidade (Galvão Júnior, 2020GALVÃO JÚNIOR, Heraldo Márcio. Quem não pode morder não mostra os dentes: modernistas e antropofágicos entre São Paulo e Belém do Pará nos anos 1920. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Faculdade de História, Universidade Federal do Pará. Belém, 2020. ). Afirmava que a luta era contra os resquícios oligárquicos provenientes ainda do passado colonial.

Figuramos assim, ao lado dos que legitimamente incorporam a nobreza do regime democrático - como delegados das aspirações e amarguras do povo - promovendo campanhas, que visam a desmoralização e queda dos traficantes politiqueiros. Paralelamente, [...] indicando processos límpidos de administração, normas honestas e liberais, que substituam as iniquidades e opressões, tornadas pragmática de governo por estadistas ferozes e peculatários [...] O ESTADO resistiu como uma catedral gótica aos desvarios do ateísmo (O Estado celebra, 1929O ESTADO CELEBRA. O Estado do Pará , Belém, p. 01, 09 abr. 1929., p. 01).

Esse trecho revela que o jornal, na disputa política local, colocava-se enquanto porta-voz do povo, contra a opressão e, consequentemente, contra os mandos e desmandos que envolvem as disputas políticas entre as oligarquias nas décadas de 1910 e 1920, chegando até o atual governo de Dionysio Bentes. Diversas políticas de seu governo, considerado entreguista pelo O Estado do Pará, foram criticadas nesse jornal a ponto de considerá-lo “maluco e devastador”, pois além de o político ser considerado entreguista das riquezas naturais brasileiras aos estrangeiros, era acusado de radicalizar contra todos os meios de comunicação que porventura fizessem oposição ao seu governo11 11 Houve uma contenda substancial entre o governo de Bentes e Belém Nova. Em 16 de agosto de 1927, Paulo de Oliveira, um dos diretores da revista, publicou uma foto sua com as marcas das chicotadas que teria levado em uma emboscada a mando de Bentes por fazer oposição ao seu governo, chamando-o de “Mussolini do Pará”. A violência policial com finalidade de censura promovida pelo governo em relação aos seus opositores aumentara consideravelmente a ponto de, em 1928, o governo ordenar a destruição das estruturas físicas do jornal O Estado do Pará. . Talvez os editores do jornal tenham acolhido o movimento antropofágico e se tornado seu maior expoente, congregando autores preocupados com a questão nacionalista e sendo a central do dito “Clube de Antropofagia do Pará”, porque o veículo assumia um viés de esquerda e por sua faceta em busca da questão nacional e da brasilidade. Além disso, a presença dos nomes ligados à Revista de Antropofagia e ao O Estado do Pará nos quadros do Partido Comunista do Brasil a partir de 1930 também deve ser levada em consideração. Entre eles, temos Oswald de Andrade, Eneida, Oswaldo Costa e Abguar Bastos. No ano em questão, em que foram publicados artigos, crônicas e poemas sobre a antropofagia, o jornal trouxe em suas capas o nome do “proprietário gerente” Justo Chermont, Alcindo Cacela como redator principal e Santanna Marques como redator secretário.

A primeira menção à antropofagia encontrada no jornal data de 27 de maio de 1928. Em artigo intitulado “Contra os ‘emboabas’”12 12 Nesse momento, a Revista de Antropofagia havia publicado seu primeiro número, que data de maio de 1928, no qual constam os dois manifestos mais importantes do movimento, o “Manifesto Antropófago”, de Oswald de Andrade, e “A ‘Descida’ Antropophaga”, do paraense Oswaldo Costa. A primeira dentição foi concebida para aglutinar a maior variedade de pensamentos, ideários, manifestos e regionalismos, mas sem uma teoria antropofágica bem definida nos contornos adquiridos na segunda dentição, que passou a ser mais combativa politicamente. , distribuído pela “Ocean”, de São Paulo, como “cópia especial para O ESTADO DO PARÁ”, Oswald de Andrade afirma que a geração de intelectuais que encabeça o movimento de renovação não está disposta a abdicar de seus direitos adquiridos, pois será ela que irá “dirigir os destinos do país” por meio da política, da imprensa, da orientação social, da estética e da pedagogia. Tudo teria se iniciado com uma dúzia de pessoas que foram vaiadas no Municipal durante a Semana de Arte Moderna, mas naquela data, do extremo norte ao extremo sul, quase todas as “inteligências moças” estavam a serviço da nacionalização e das reivindicações “atualistas” (Andrade, 1928ANDRADE, Oswald de. Contra os “emboabas”. O Estado do Pará, Belém, p. 01, 27 mai. 1928., p. 01). No entanto, como em todos os setores da vida, haveria desvios, erros, recordações emboabas e catequistas, mas ninguém poderia se deixar abater, afinal, teríamos nomes importantes, pelo menos “meia dúzia de grandes figuras” que se revelavam fortemente na ofensiva.

Oswald continua, no artigo anteriormente citado: “Há, porém, divergências de grupos? Numa coisa não podemos divergir. É na nova Guerra dos Emboabas que iniciamos em gloriosas chacinas e que promete se centralizar na Revista de Antropofagia”. Mesmo que houvesse divergências de grupos, como a mescla de verde-amarelos, antas, pau-brasil, entre outros, na primeira dentição, o sentido seria único, redescobrir o Brasil e lutar contra os “emboabas”, isto é, portugueses, pelo território nacional, com centralidade na Revista de Antropofagia. Dirigida em sua primeira dentição por Antônio de Alcântara Machado e Raul Bopp, a revista tinha o objetivo de conjugar todos os esforços “conscientes do Brasil moço” a fim de extirpar da nacionalidade o que lhe era estranho e antagônico. O autor afirma que cada um tem sua ideia de como isto deve ser feito e que todos são bem-vindos, mas que sua intenção inicial é “reabilitar o índio não catequisado e o seu extraordinário espírito endêmico. De outro lado, exaltar a relação racial com os bons elementos vindos de fora. Tirados o governador geral e os catequistas, considero todos apreciáveis e afins”, mas devoráveis.

Segundo Oswald de Andrade, a antropofagia poderia ser até um exemplo a ser seguido pela Europa da década de 1920, que procurava se “primitivizar” por meio dos movimentos artísticos como dadaísmo, futurismo, surrealismo, expressionismo. Quem escolheria um caminho a seguir seriam os antropófagos que, segundo o artigo, seriam frutos de uma deformação inquisitorial traduzida em português quinhentista pela violenta mediocridade do Padre Vieira. Faltava ainda derrubar o governador geral com a “invertebralidade nacional”, afinal, todas as revoltas, revoluções e reações brasileiras teriam ocorrido “dentro do bonde da civilização importada”, continua. “Siga as minhas ideias e verá como ainda não proclamamos direito a nossa independência”, assim termina sua fala Oswald de Andrade, que, ao mesmo tempo, explica sobre o movimento e conclama seus parceiros da Amazônia a fazerem parte desse pensamento novo, de sua nova proposta. Assim, o artigo/entrevista é, ao mesmo tempo, propaganda antropofágica e adesão d’O Estado do Pará ao movimento antropofágico.

Mesmo com essa adesão, as discussões sobre o movimento antropofágico na Amazônia ocorriam em meio aos grupos intelectuais e não chegaram a adentrar as páginas do jornal de maneira incisiva, ao menos enquanto era publicada a primeira dentição. Entretanto, a partir de abril de 1929, com o início da segunda dentição, diversas publicações de cunho antropofágico passaram a sair e o movimento passou a ser discutido nas páginas do jornal. Eneida, que contribuía em ambos os periódicos, lança, n’O Estado do Pará de 14 de abril de 1929, uma crônica intitulada Um Convite, na qual afirma que ouvira de um grupo de intelectuais uma frase que ficara martelando em seus ouvidos: “Em Belém não se procura embelezar a Vida com a Arte na propaganda da Arte”. Lamentando que isto era uma dolorosa verdade, desenhou a vida dos artistas como “egoísmo exclusivista”, pois mesmo vivendo em uma cidade maravilhosa como Belém, com diversas possibilidades, deixam-se cair no “burguesismo de aldeia”. Segundo ela, de sul a norte existiam artistas, poetas, músicos, pintores e escultores “vivendo e fazendo viver a Arte, pela Arte, na propaganda da Arte, educando o povo, fazendo com que o público aprenda a sentir, a ver, a gostar”, mas em Belém o povo se preocupava apenas em ir ao cinema, aos bailes e viver para a “Arte de dizer mal dos outros” (Moraes, 1929aMORAES, Eneida. Um convite. O Estado do Pará , Belém, p. 01, 14 abr. 1929a., p. 01).

A autora ainda menciona que poetas e pintores viviam na obscuridade, sem tentarem publicar boas obras ou sem fazerem exposições em salões, realizando apenas as recepções da Academia Paraense, nas quais pianistas e cantoras começaram a aparecer, poucos mecenas e poucos artistas buscariam cena - a exemplo de Eladio Lima13 13 Eladio Lima (1900-1943) foi um pintor e desenhista sem formação técnica em artes cujos trabalhos são importantes por tratarem da fauna amazônica. Membro da Academia Paraense de Letras e do IHGP, tem diversos de seus trabalhos agrupados no acervo de obras raras do Museu Paraense Emílio Goeldi. Além disso, foi importante ilustrador de obras clássicas da historiografia paraense, como no livro de Jorge Hurley sobre o movimento cabano. e Júlio Lima, que organizaram uma “festa de Arte” para o público paraense -, além de citar diversos nomes femininos, característica de Eneida, como Heliana Miranda, Mariazinha Malcher, Mariazinha Lima, Lygia e Lucy A. Olympio, Maria Britto. O convite, título do artigo, seria exatamente este, pois, como em Belém “dança-se muito... pensa-se pouco...”, deveriam “brincar de fazer arte”. Para compreender melhor as características apresentadas por ela no artigo, é indispensável a apresentação de sua formação e ativa participação n’O Estado do Pará.

ENEIDA, A “MISS” ANTROPOFAGIA

Eneida de Moraes, paraense, publicou seu primeiro conto infantil em 1910, no qual narra a história de uma personagem simbólica da Amazônia, o caboclo lenhador, após ganhar um concurso, com 7 anos, na Revista Tico-Tico, conquistando, ainda muito jovem, seu lugar enquanto sujeito político. De 1913 a 1918, estudou no colégio interno de Sion/RJ, onde desenvolveu seu estilo cronista característico (Santos, 2005SANTOS, Eunice Ferreira dos. Eneida de Moraes: militância e memória. Em Tese, Belo Horizonte, v. 9, pp. 99-106, 2005.). Em 1918, voltou para Belém em meio à formação do modernismo, das associações literárias, das revistas e dos jornais, integrando a Associação dos Novos, atuantes também na imprensa local. Segundo Santos (2005SANTOS, Eunice Ferreira dos. Eneida de Moraes: militância e memória. Em Tese, Belo Horizonte, v. 9, pp. 99-106, 2005.), o ambiente era propício aos seus primeiros ensaios poéticos e, após lutar contra a intolerância paterna, rompeu com o pátrio poder, lutou contra a normatização do comportamento feminino, integrou, aos dezessete anos, o jornalismo como secretária e colaborou com a revista A Semana.

N’A Semana assumiu o pseudônimo de Miss Fidelidade ao publicar O Triste, em homenagem a Peregrino Junior, amigo e incentivador. Com o mesmo nome, também escreveu poemas em prosa e crônicas em estilo epistolar, como Orvalhos do Coração e Cartas perdidas, e publicou algumas resenhas literárias. A partir de 1926, passou a grafar suas publicações com o nome Eneida, excluindo o nome do pai (Costa) e do marido (Moraes). Contribui, nessa época, com o jornal Para todos, dirigido por Álvaro Moreira, e com a Revista Belém Nova, editada por Bruno de Menezes e Paulo de Oliveira, na qual, em 1927, publica Canto Novo do Brasil:

Quem no Brasil precisa falar de Cleópatras que não vimos; de Phryneas que não sentimos; quem precisa falar de mares e céus que não estão em nossa sensibilidade, quando temos mares e céus ricos de cor, de luz e de beleza, neste Brasil? (Moraes apud Santos, 2007SANTOS, Eunice Ferreira dos. Eneida de Moares: rito de entrada e de permanência no cenário político e jornalístico literário brasileiro (1920-1970). Revista Moara, Belém, n. 27, pp. 26-38, 2007., p. 31)

Nesse trecho, podemos perceber a ideia de um Brasil novo, de uma nova arte e de concordância com o manifesto Flami-n’-assú14 14 Publicado em 1927 na Revista Belém Nova, intencionava combater o passadismo literário e convocar os intelectuais paraenses para o movimento renovador que na Amazônia deveria ganhar feições próprias. Bastos exaltava o homem amazônico, seu falar, costumes, folclore, fauna, flora, culinária, modo de vida, assim como defendia a mudança da visão do restante do país acerca da Amazônia, vista como exótica e idílica. Este manifesto é um contra mito amazônico, pois se deveria voltar definitivamente para a Amazônia. , de Abguar Bastos, mas também com a Poesia Pau-Brasil, de Oswald de Andrade. Deveríamos, segundo o trecho, manter nossa atenção para o que é nosso, evitando cópias estrangeiras que não fazem sentido para a nossa realidade, que “não estão em nossa sensibilidade”. Sabe-se que Abguar Bastos, assim como Eneida, apoiava certos aspectos do movimento pau-brasil, mas criticavam outros, conclamando os poetas amazônicos a fazerem frente ao movimento do Sul e a manterem os olhos focados no Norte. Entretanto, quando há o surgimento do Movimento Antropofágico, ambos colaboram com a Revista de Antropofagia, pois consideram o movimento como integrador nacional.

As experiências nas revistas e seu engajamento nos círculos literários paraenses propiciaram a entrada de Eneida no jornal O Estado do Pará, onde teve contato mais forte com a oposição ao governo local e com as reivindicações e os movimentos populares. Escreveu crônicas do tipo comentário, atuou como repórter noticiando eventos culturais e escreveu textos militantes. Em 1929, mesclando o discurso político com o literário, passou a atuar também no radiojornalismo, publicou seu livro de estreia Terra Verde, em que exaltava o homem nativo e o contexto amazônico, o que rendeu a ela o prêmio Muiraquitã. Segundo Santos (2005SANTOS, Eunice Ferreira dos. Eneida de Moraes: militância e memória. Em Tese, Belo Horizonte, v. 9, pp. 99-106, 2005.), da crônica-comentário Eneida passou a textos de direcionamento documental e militante, marcados pelo tom contestatório de uma cronista que vai consolidar esse estilo após 1930, quando continua a atuar em jornais partidários da chamada grande imprensa.

N’O Estado do Pará publicou, em 1928, uma crônica que discutiu explicitamente sobre sua concepção de feminismo, já definindo seus contornos contestatórios. Intitulada Conversando, a autora expressa: “Não sou feminista porque não sou - essa é a razão primeira. A segunda, é que ainda não compreendi o feminismo, como as mulheres querem que ele seja” (Moraes, 1928MORAES, Eneida. Conversando. O Estado do Pará , Belém, p. 12, 08 jan. 1928., p. 12). Nessa fase, em contato inicial com o Partido Comunista, teria uma visão diferente da corrente do feminismo liberal burguês, que defendia, segundo ela, quase que unicamente o sufrágio universal. O feminismo seria muito mais amplo, chegando às macro e micro relações entre os sexos, sempre afirmando a superioridade feminina:

a mulher é três ou quatro vezes mais inteligente de que o homem. Mais arguta, mais perspicaz. A mulher é o sexo forte. Sem mulher, não há arte, não há beleza, não há vida. Os homens mais antifeministas são os primeiros a confessarem isso. Mas o destino, essa coisa irônica e errada que faz o burro inteligente e a águia burra, quando devia ser francamente ao contrário, fez da mulher um objeto de luxo, que o homem não considera ou considera demais.

Por que estão as fábricas cheias de operárias? Por que prefere o comércio empregadas? É que a mulher tem muito mais disposição para o trabalho, muito mais inteligência e pede um ordenado a que nenhum homem, por mais tolo que seja, se sujeita. É assim meu amigo, que o feminismo vence. Uma vitória falsa (Moraes, 1928MORAES, Eneida. Conversando. O Estado do Pará , Belém, p. 12, 08 jan. 1928., p. 12).

Em meio a essas redações e discussões, Eneida revelou sua adesão ao movimento antropofágico, refletindo sobre pessoas que não concordavam com a antropofagia. Afirma ela, em 23 de abril de 1929, em artigo intitulado “Nós *** os antropófagos”, que os antropófagos não comem ninguém, pois são antropófagos sem o “ph”, isto é, não se trata de estômago, mas de cérebro e coração. O sentido de brasilidade não seria um sentimento novo no país, mas teria ressurgido depois de ter padecido, como Jesus Cristo. Muitos dos que criticavam a antropofagia, segundo ela, também o faziam em relação aos modernistas a partir de adjetivos como “loucos” ou outros “sem elegância”, por mero hábito. Modernistas e antropófagos, segundo ela, teriam uma loucura proveitosa que os fazia escrever sobre uma terra linda, uma natureza maravilhosa, uma constelação riquíssima e não fazer como os velhos, que não deixavam o mundo antigo para trás, falando sobre coisas que não poderiam sentir. Voltar ao indígena, na sua explicação, não seria para comer gente, mas para aprender a “amar, a glorificar, a sentir o nosso país” (Moraes, 1929MORAES, Eneida. Nós *** os antropófagos. O Estado do Pará , Belém, p. 01, 23 abr. 1929., p. 01).

Comenta que, em Belém, dois poetas já eram declaradamente antropofagistas na época, Abguar Bastos, “o maior, o mais amazônico, o mais admirável”, e Bruno de Menezes, que andava “tão em silêncio”. Entre os escritores, apenas Paulo de Oliveira havia se declarado, sendo muito pouco em uma “terra de poetas” como o Pará, que não conseguia abandonar a forma, a Grécia, Vênus, Apolo, a França e os românticos. Para ela, existiam autores paraenses que escreviam muito bem, modernamente, como Orlando de Moraes, De Campos Ribeiro e Muniz Barreto, mas que não publicavam. Seriam admiráveis poetas antropofagistas se não fosse o temor das críticas. Ela finaliza o artigo em tom de convite, como antes fizera, convidando todos a fundarem o “Club Antropofagista do Pará”, como em São Paulo e como no Rio: “Está aberta a inscrição. Quem se inscreve?” (Moraes, 1929MORAES, Eneida. Nós *** os antropófagos. O Estado do Pará , Belém, p. 01, 23 abr. 1929., p. 01). Seu artigo dá a entender que ela estaria à frente dos antropofágicos amazônicos.

Se o olhar para a história deveria ser novo, assim o faz Eneida em 24 de abril de 1929, quando devora Fernão Dias e o bandeirantismo para falar sobre a brasilidade nas artes. Assim como aquele bandeirante teria ido em busca de esmeraldas, lutou, sofreu pela sua bandeira e pelo seu ideal, o bandeirante novo, sem apresar o indígena nem explorar as riquezas naturais, desejava, a exemplo de Paschoal Carlos Magno, expandir o mundo das artes. Magno, considerado por ela, seguindo o título do artigo, um “bandeirante da brasilidade” (Moraes, 1929MORAES, Eneida. Bandeirante da brasilidade. O Estado do Pará , Belém, p. 07, 24 abr. 1929., p. 07), nasceu no Rio de Janeiro em 1906, foi diplomata e teve como paixão as artes, em especial a literatura e o teatro. Aos doze anos lançou seu primeiro livro e aos 20 anos recebeu um prêmio da Academia Brasileira de Letras pela obra Drama da Alma e do Sangue. Em 1929, quando cursava o último ano de ciências jurídicas e sociais, percorreu sozinho o norte do país durante oito meses para promover feiras de livros, conferências, encontros com prefeitos, governadores, intelectuais e população em geral, com a finalidade de conseguir auxílio para a Casa do Estudante do Brasil, que auxiliaria estudantes pobres e os introduziria na arte.

Eneida teve contato com Paschoal Magno em Belém do Pará e, segundo ela, sua bandeira e sua luta eram um ideal de patriotismo e de sonho, pois ele tornaria conhecida no Sul a intelectualidade do Brasil Norte, seus valores, sua cultura, sua inteligência, levando para a capital o “nome luminoso dos poetas das províncias” e, com o produto dessa propaganda literária e patriótica, fundaria a Casa do Estudante. Ele ajudaria, dessa maneira, a aproximar os estados do país para a sua conquista efetiva, brasileira. Eneida comenta que diversos autores, como Castro Alves, Casimiro de Abreu, Santa Rita Durão e Fagundes Varela foram poetas para o Brasil, mas que deveríamos buscar os poetas do Brasil, como Olavo Bilac, “que foi o grito patriótico do seu tempo”. Euclydes da Cunha teria estudado “a Amazônia sem otimismo”, o que deveria se modificar a partir dos primeiros poetas do Brasil. Segundo ela, a missão de Paschoal Magno ao Norte era comovente e nobre, pois demonstrava a todos que há a necessidade de acreditarmos em nós enquanto brasileiros e confiarmos no futuro da pátria:

Precisamos fazer o Brasil brasileiro: cantando a nossa constelação mais rica em astros que todas as constelações, o nosso solo mais rico em produtos que os outros solos e fazendo do Brasil todo o cântico da nossa poesia, o poema da nossa raça e da nossa sentimentalidade (Moraes, 1929MORAES, Eneida. Bandeirante da brasilidade. O Estado do Pará , Belém, p. 07, 24 abr. 1929., p. 07).

Segundo Eneida, dois grandes ideais se uniam com a chegada de Paschoal Carlos Magno: a abertura de uma casa de auxílio aos estudantes e a intenção de Magno de divulgar as artes do Norte no Rio de Janeiro. Era necessário, em sua visão, “fazer o norte conhecido do sul”, apresentando ao tumulto carioca Alfredo Ladislao, “prosador em verso”, Severino Silva, “talento forte e orador vibrante”, Santana Marques, “cultura rija e polemista inconfundível”, e outros tantos talentos modernos e antropofágicos do Pará, “desde a Trova ligeira até o Verso magnífico de De Campos Ribeiro”. Como, para serem conhecidos nacionalmente, os autores da Amazônia deveriam deixar seus lares e ir viver no Rio de Janeiro, o trabalho de Magno seria extremamente nobre, assim, não privaria o Pará de seus autores e ainda lhes daria o valor que mereciam. O tom de Eneida no artigo parece unir o movimento antropofágico a Flami-n’-assú, pois devora o bandeirantismo que explorava as regiões mais distantes, ou seja, não é mais o bandeirante explorador de riquezas naturais que vai até terras distantes retirar recursos e explorar, mas o bandeirante da brasilidade que vai ao Norte em busca de “esmeraldas” artísticas a fim de divulgá-las às demais regiões brasileiras, concluindo a exportação da arte do Norte ao restante do país, defendida por Abguar Bastos em seu manifesto.

A estada de Magno em Belém também foi motivo de comentário de Nuno Vieira que, em 20 de maio de 1929, publicou um artigo intitulado Movimento antropofágico como carta aberta a Paschoal Carlos Magno. Nela, afirmou que assistiu à palestra de Magno em Belém e que se envergonhou porque foi pouca a assistência dada a ele pelos responsáveis pelo evento e por haver descaso do povo pelas coisas do espírito. Também se revoltou porque, segundo afirmou, percebeu que em Belém apoiavam-se mais fanatismos do que ideais que visavam levantar a mentalidade do povo. Nuno enquadra sua palestra no movimento antropofágico pois, segundo ele, Paschoal sugeriu que o Brasil ainda estava seguindo rastro de matuyús e que seria necessário caçar esses bichos “mentirosos até nas pegadas” (Vieira, 1929VIEIRA, Nuno. Movimento anthropophagico. O Estado do Pará , Belém, p. 03, 20 mai. 1929., p. 03). Os matuyús 15 15 Cerqueira e Silva (1833). Como um verdadeiro “cronista do império”, o autor descreveu, nesta obra, minuciosamente a situação da Província do Pará entre o final do período colonial e o distanciamento de Portugal, dedicando-se a compreender a maneira pela qual o passado regional influenciava a situação presente. Neste caso, o uso dos Matuyús como imagem não é fortuito. Cf. Figueiredo (2000). fazem parte de uma crença amazônica e são bichos que nascem com os pés virados. Para acabar com eles, dever-se-ia seguir o contrário do que mostram as pisadas. Passadistas e até mesmo modernistas indicariam um caminho ilusório, mentiroso, devendo os novos andar nos sentidos contrários para apagá-los de nossa história, pois o Brasil estaria cheinho de “Matuyús: na Arte, na política, na Administração, nas Academias. Matuyú que até parece mineral”. Aqui tem mormaço na inteligência, completa o autor.

Paschoal teria vindo com sua inúbia fazer um apelo aos “guerreiros” do norte, que parecem não ouvir, talvez pela pouca densidade populacional, porque iaras transformam os sons em flores ou até porque os caboclos são anarquizados pelos japiins e bem-te-vis. Afirma que todos estão tão acostumados com a cópia, com o estrangeiro ou então com o mormaço “da terra que dá preguiça” que, mesmo quando o Sul grita “Alerta!”, e quando um morubixaba como Abguar Bastos grita “Flami-n’-assú”, “há apenas um lento mover de orelhas buscando nortear um entendimento”. Estariam mesmo empenhados em copiar Anatole France ou “os satanismos” de Baudelaire, “toda a mofineza de uma civilização decadente”, quando temos uma natureza fértil em símbolos, tão fértil que teríamos um para hipocrisia, o camaleão. Deveríamos trocar o cisne, sem sentido, pela jaçanã, a romã pela sapotilha “sumarenta”, continua. Por que dar taça grega para quem bebe água na concha das mãos e Vênus de Milo para quem “fica bestinha por uma morena bem requebrada?”, indaga o autor.

Vieira compreendeu que o movimento já havia começado, mas ainda sem muitos adeptos. A antropofagia seria como a lua anunciando a pororoca e essa, quando viesse, levaria afogadas as caravelas portuguesas, muitos jardinzinhos bonitinhos, “muito terreiro engraçadinho muita lavoura bem cuidadinha, bem adubadinha com salitre do Chile”. Todos seriam arrasados pela onda da pororoca nacionalista, menos as frágeis vigilengas, com seus “patrões broncos”, porém criados para aquela realidade, aquelas águas, “na nossa terra”. A antropofagia, assim, teria como lugar importante a Amazônia, segundo o autor.

Entretanto, a vinda de Paschoal e a propaganda da antropofagia parecem não ter agradado a todos e geraram discussões na página d’O Estado do Pará. No mesmo mês, foi publicado um artigo em tom de crítica ou deboche em que o autor, assinando J. Catuaba, afirmou que a antropofagia é uma bandalheira, uma moxinifada. O artigo começa com uma pequena história pela qual teria passado o autor. Conta ele que, certa vez, disse a um “teatrólogo indígena”:

“Creditarei no teu talento quando me apresentares uma peça plena de chiste e vazia de bandalheiras”.

Ele riu-se e prometeu que se esforçaria por demonstrar-me o seu talento.

[...] “Está pronta a coisa. No dia tal assistirás ao ensaio”.

Assisti e sai desiludido (Catuaba, 1929CATUABA, J. Moxinifada antropofágica. O Estado do Pará , Belém, p. 03, 22 mai. 1929., p. 03).

Segundo o autor, o “tal negócio” mais parecia um “rendez-vous” de todas as bandalheiras e “pornografias baratas” saídas da caixa de Pandora. Afirmou que voltou a ver umas quatro vezes as apresentações públicas daquela “mixórdia” para verificar a aceitação do público, o “bom gosto do nosso povo”. Com risos, gargalhadas, não se ouvia aplausos. Quem havia visto uma vez não voltava mais àquela “porcaria”. Contrariando essa “bandalheira” escrita e ensaiada por meses, o autor conta que foi levado a um encontro de arte no Palace, onde havia “qualquer coisa de benefício de qualquer outra coisa”, em meio a uma plateia avultada e escolhida. Ao que parece, o autor debocha da palestra de Paschoal Magno, pois, como indicaram Eneida e Nuno Vieira, ele teria vindo fazer uma palestra antropofágica a fim de arrecadar fundos para a Casa do Estudante. Ainda em tom de crítica, afirma que, após a palestra, “toca a gente a ir e a gostar da revistinha”, fazendo referência à Revista de Antropofagia, também divulgada nas palestras, segundo Eneida. O autor indica que a palestra foi tida como sucesso, com “bis pra cá, palmas pra acolá”, por um grupo seleto em evento promovido pelos irmãos Eladio e Julio Lima. Em tom de ironia, escreve que essa “peça” teria sido escrita e ensaiada em um pouco mais de um mês, diferente da peça indígena, e que isso seria “talento” dos autores, no caso os antropófagos, e dos atores, como Paschoal Carlos Magno e os irmãos Lima, pois “todos ou quase todos pisavam o palco pela primeira vez”.

Sem bandalheira, pornografia ou gestos tendenciosos, a plateia teria rido muito e, fazendo comparação ao episódio indígena, nesse evento as pessoas voltaram por mais de uma vez, sempre os mesmos rostos, mesmo a preços muito altos, e gostaram de ambos os eventos, dizendo “muito bem, muito bem feito. Nunca vi coisa igual por estas bandas”. Foi informado que alguns “dinheirudos” ainda tentaram uma terceira representação “a conto de réis o camarote”, mas que não foi possível, pois o “principal comparsa” teve que embarcar para o sul”. Com esse texto irônico do início ao fim, o autor indica que os paraenses não acreditavam na cultura de sua própria região, na cultura indígena, mas bastou uma pessoa do Sul, no caso Magno, ter vindo falar da nova arte antropofágica, com o apoio dos irmãos Lima, que todos aplaudiram, isto é, os do Sul iriam a Belém propagar uma nova visão sobre o indígena que eles não conheciam. Assim, a crítica do artigo vai em direção a uma camada social paraense que sempre tenta se alinhar à arte do Sul, desprezando sua própria realidade. Parece indicar, ainda, que Magno teria ido a Belém, propagado a antropofagia, arrecadado dinheiro para a Casa do Estudante e ido embora rapidamente, terminando seu artigo dizendo: “Ora, muito bem! Isso é ou não é talento? Bandalheira e pornografia é que não demonstram talento... Nem aqui, nem na casa do diabo”.

Em meio a estas discussões que implicam ideias divergentes de regionalismo e de brasilidade, em 24 de maio de 1929 Eneida escreve, sob a perspectiva da antropofagia, a crônica “Desapontamento...”, que versa sobre o Concurso de Miss Brasil daquele ano, defendendo-o pelo viés da brasilidade e como “uma das mais entusiastas admiradoras” (Moraes, 1929bMORAES, Eneida. Desapontamento….O Estado do Pará , Belém, p. 01, 24 mai. 1929b., p. 01). Para ela, esse concurso poderia aproximar mulheres de todos os Estados brasileiros para a disputa de um título que orgulharia a todos, pois poderíamos mostrar para os estrangeiros que “temos mulheres lindas e somos civilizados. Precisamos mostrar que somos gente”. Assim, o concurso poderia servir para mostrar apenas uma das belezas brasileiras, a feminina, e refazer nossa imagem de simples colônia selvagem e bruta. Entretanto, apesar dessa excelente oportunidade de exportação da imagem brasileira e da união de mulheres, ela se mostra desapontada devido ao pouco desenvolvimento artístico “das minhas patrícias”. Segundo ela, ao ler as entrevistas concedidas pelas candidatas aos jornais do Rio de Janeiro, pôde perceber que quase todas “as moças, as meninas, as futuras mães brasileiras” liam ou diziam ler apenas Henry Ardel e Delly: “É horroroso”.

Henry Ardel (1863-1938) era o pseudônimo de Berthe Abraham, romancista francesa que foi professora de meninas e faz parte de um grupo de numerosas mulheres escritoras que usavam pseudônimos masculinos para serem mais bem aceitas nos meios intelectuais do século XIX e início do século XX. Escritora católica, foi autora de romances sentimentais “para mulheres”, publicados por Plon na coleção Stella ou na coleção Nelson. M. Delly é o pseudônimo de um casal de irmãos franceses, Frédéric de la Rosiére e Jeanne Marie de la Rosiére, romancistas, que passaram a ter seus livros editados a partir de 1920. Os romances desses escritores foram aprovados pela Igreja católica e passaram a ser editados simultaneamente em Portugal, em uma coleção chamada Biblioteca das Famílias. Esta coleção chegou ao Brasil, importada de Portugal, em 1924, e passou a ser vendida em bancas de jornal e em livrarias com preços acessíveis. Tiveram ampla aceitação entre as jovens normalistas, fazendo parte das bibliotecas das Escolas normais, e suas leituras foram incentivadas por serem “romances de família: leitura para senhoras e senhoritas cuja moral cristã seria conveniente preservar” (Cunha, 1995CUNHA, Maria Teresa Santos. Educação e Sedução: normas, condutas, valores nos romances de M. Delly. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo. São Paulo, 1995., p. 39). Assim, com a desaprovação feita a esses dois pseudônimos, Eneida sugere algumas críticas: o fato de as mulheres brasileiras lerem apenas literatura estrangeira; a frequência com que mulheres se escondiam atrás de pseudônimos; e um certo tipo de literatura ser feita para moças, cujas intenções seriam pedagogicamente ensinar o catolicismo, normas, condutas e valores.

A autora prossegue dizendo que certamente não gostaria de vê-las enfronhadas no classicismo nem perdidas nas “obras imortais dos grandes vultos antigos”, mas “Ardel e Delly! É da gente ficar com dor de cabeça”. Seria preferível que elas lessem histórias das vidas dos artistas de cinema, pois Ardel e Delly não seriam livros inocentes. Sugere que diversas obras importantes eram consideradas pela Igreja Católica como imorais, mas que não existem obras imorais e sim leitores imorais. Prossegue dizendo que apenas duas entre as candidatas demonstra uma cultura artística verdadeira, a Miss Paraná e a Miss Paraíba. Esta teria respondido à pergunta do jornal formidavelmente, segundo Eneida. Transcrevo:

- Lê?

- Sim! Mas sou diferente das minhas companheiras. Leio o que é nosso! O que aqui na capital talvez não conheça, porque ficam enterrados no isolamento do norte.

Da poesia o maior de todos! Alberto de Oliveira, na prosa Eudes de Barros e principalmente Americo de Almeida, o grande escritor de Bagaceira.

Dos franceses não quero falar.

Fico entre os nossos! (Moraes, 1929MORAES, Eneida. Nós *** os antropófagos. O Estado do Pará , Belém, p. 01, 23 abr. 1929., p. 01).

Eneida encontra, dessa maneira, a Miss brasilidade ou a Miss antropofagia, que “fez bem à dor de cabeça” que as outras lhe deram com Delly e Ardel. O remédio que a Miss lhe dera foi preferir ficar “entre os nossos... Diga sempre que prefere o que é nosso. E creia miss Paraíba, você nasceu um pouquinho mais brasileira que as outras”. Indo de um concurso de beleza à análise do papel da mulher escritora no Brasil dessa década, em 27 de março de 1929, Eneida, em artigo de cunho feminista intitulado “Terra Cabocla” (Moraes, 1929MORAES, Eneida. Terra Cabocla. O Estado do Pará , Belém, p. 10, 27 mar. 1929., p. 10), afirma que os brasileiros ainda não se conformaram com o aparecimento de nomes femininos fazendo literatura, o que poderia já ter se consolidado nas artes plásticas. Segundo ela, haveria no Brasil uma ingrata falta de admiração, acompanhada de críticas ferrenhas e desesperadoras. No artigo, cita alguns exemplos de “tenacidade e de coragem”, componentes esses do “eu feminino”, que podem nos dar pistas de seu pensamento acerca da arte: Gilka, Rosalina, Albertina Bertha, Arna Amelia, Maria Sabina, Maria Eugênia.

Gilka Machado (1893-1980), carioca, publicou em 1918 um livro de poemas eróticos, Meu glorioso pecado, considerado um escândalo e imoral por críticos mais conservadores, devido à afronta à moral sexual patriarcal e cristã. Ela rompeu os paradigmas masculinos dominantes e contribuiu para a emancipação da sexualidade feminina. Além de escritora, participou de movimentos em defesa dos direitos das mulheres, ao lado de Leolinda Daltro, com quem criou o Partido Republicano Feminino, em 1910 (Duarte, 2003DUARTE, Constância Lima. Feminismo e literatura no Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, v. 17, n. 49, pp. 151-172, 2003.). Rosalina Coelho Lisboa (1900-1975), paraibana, conquistou o primeiro prêmio, em 1921, no concurso literário da Academia Brasileira de Letras, com o livro Rito Pagão, considerado, por parte da imprensa, como triunfo da intelectualidade feminina. Defendia, a partir da imprensa, a participação da mulher na política e a igualdade de direitos entre os sexos (Duarte, 2003DUARTE, Constância Lima. Feminismo e literatura no Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, v. 17, n. 49, pp. 151-172, 2003.). Albertina Bertha (1880-1953), romancista e ensaísta carioca, apresenta em suas obras, como em Exaltação, seu livro de estreia, críticas ao papel atribuído à mulher na sociedade, isto é, criticou a sociedade patriarcal, defendeu a educação das mulheres, escreveu sobre adultério e desejo feminino e foi considerada corruptora de costumes (Faedrich, 2019FAEDRICH, Anna. A presença de Nietzsche na produção intelectual e literária de Albertina Bertha. Cad. Nietzsche, São Paulo, v. 40, n. 1, pp. 145-159, 2019.). Anna Amélia Carneiro de Mendonça (1896-1917), poetisa, tradutora e feminista carioca, ajudou a fundar a Casa do Estudante do Brasil, com Magno, e foi defensora do voto feminino.

Ao citá-las, Eneida mostra respeito e admiração às escritoras e poetisas, às mulheres “que tem, numa terra como a nossa, coragem de dizer alto um sentimento ritmando a vida, cantando o seu talento, afinal, a ‘mulher é sempre mais inteligente de que o homem’”, ameaçando provar isto com exemplos. Cita também o livro de Juanita Machado, que julga ser esplendoroso, mas que conheceu um silêncio da crítica por ter sido escrito por uma mulher, pois, “se um homem qualquer houvesse escrito, em Belém, um livro daqueles, os críticos o teriam elogiado e aplaudido”. Isso porque o homem continuaria cada vez mais inimigo da mulher, como cão e gato irreconciliáveis.

Essa realidade foi encontrada na Revista de Antropofagia, em que as mulheres, quando se fizeram presentes em suas duas dentições, ficavam responsáveis pelas ilustrações e pareciam ser devoradas pelas letras de autores masculinos. Essa sua crítica n’O Estado do Pará pode ajudar a compreender o porquê, mesmo sendo mais conhecida pela crônica do tipo comentário em Belém, resolve publicar dois poemas na Revista de Antropofagia. É possível que Eneida tenha encontrado, na defesa que Oswald de Andrade e seus conterrâneos Abguar Bastos, Oswaldo Costa e Clóvis de Gusmão fazem do “Matriarcado de Pindorama”, um movimento com o qual concordava, ajudando a construí-lo a partir do Pará. Após assumir publicamente sua adesão ao movimento antropofágico, refletir sobre ele nas páginas d’O Estado do Pará, defendê-lo e propagá-lo, Eneida publica na Revista de Antropofagia, em estilo e com intenções diversos de seus conterrâneos.

CONCLUSÃO

“Desde o Amazonas ao Prata, desde o Rio Grande ao Pará” - retomando a epígrafe - o pensamento antropofágico repercutiu com ampla intensidade, na argúcia dos intelectuais e artistas brasileiros inquietos de fins da década de 1920. A leitura aqui proposta considerou-o como o primeiro movimento que aglutinou concretamente frenesis regionais, a partir das páginas da Revista de Antropofagia, sem que isso significasse seguir um roteiro previamente estipulado ou algum “totem” da literatura nacional. A crítica direcionada ao efetivo “poder” influenciador de São Paulo, como polo irradiador de cultura aos demais estados brasileiros, encontrou, no jornal O Estado do Pará, espaço seguro para se compreender que, na imprensa amazônica, concomitantemente ao que ocorria na capital paulista, refletia-se sobre a necessidade de se pensar antropofagicamente o país, a cultura, a sociedade, a religião, a história e o patriarcado de pindorama.

Este novo prisma, que traz à tona outras dimensões do modernismo no Brasil, para além do espectro comumente propagado pela literatura e historiografia, apresenta a formação do Clube de Antropofagia do Pará. Liderado pela redação d’O Estado do Pará - periódico que se colocava enquanto porta voz do povo e opositor aos regimes oligárquicos - e defendido pela argumentação astuta de Eneida, o movimento foi tomando corpo a partir da óptica regional, cujos princípios do modernismo/antropofagia com características amazônicas foram importantes para a construção do próprio movimento ocorrido na capital paulista.

Eneida, que publicava com frequência crônicas e poesias relacionadas às classes populares e ao papel da mulher na sociedade, assumiu publicamente, na Belém de 1929, sua adesão à antropofagia, convidou os paraenses a integrar o novo Clube e se propôs a explicar seus principais conceitos ao leitor do referido jornal. Segundo ela, a antropofagia traria a brasilidade verdadeira ao país, e utilizou este conceito para analisar, por exemplo, tanto o que liam as mulheres que disputavam o título de Miss Brasil quanto o rebaixamento do papel da mulher a partir da leitura católica e mundana das normalistas. Seus escritos, vislumbrando uma realidade regional a partir da perspectiva da população, suas relações sociais, econômicas e seus costumes são encarados enquanto crítica ao patriarcalismo e defesa do “matriarcado de pindorama”, densamente defendido pelos antropófagos. Além disso, Eneida se insere, enquanto escritora, em uma sociedade cujo papel da mulher artista era relegado às imagens, ilustrações e artes plásticas.

REFERÊNCIAS

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  • FIGUEIREDO, Aldrin Moura. Outras margens, outros centros: o modernismo brasileiro a partir da Amazônia. In: AMARAL, Aracy A.; BARROS, Regina Teixeira de (Org.). Moderno onde? Moderno quando? A Semana de 22 como motivação. São Paulo: Museu de Arte Moderna, 2021. pp. 54-67.
  • FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Teias da memória: a Companhia de Jesus e a historiografia da Amazônia no século XIX. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 16, n. 23, pp. 77-96, jul. 2000.
  • GALVÃO JÚNIOR, Heraldo Márcio. Quem não pode morder não mostra os dentes: modernistas e antropofágicos entre São Paulo e Belém do Pará nos anos 1920. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Faculdade de História, Universidade Federal do Pará. Belém, 2020.
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  • SANTOS, Eunice Ferreira dos. Eneida de Moraes: militância e memória. Em Tese, Belo Horizonte, v. 9, pp. 99-106, 2005.
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  • VIEIRA, Nuno. Movimento anthropophagico. O Estado do Pará , Belém, p. 03, 20 mai. 1929.
  • 1
    A ortografia das fontes foi atualizada pois, como não se trata de uma análise genética textual, facilita a compreensão.
  • 2
    A Revista de Antropofagia teve duas dentições. A primeira teve 10 números publicados, de maneira independente, de maio de 1928 a fevereiro de 1929. A segunda, de março a agosto de 1929, foi publicada como um suplemento literário no interior do jornal Diário de S. Paulo.
  • 3
    Esta é uma característica inédita, já que a maioria das revistas paulistas publicavam essencialmente autores de SP, MG e RJ (Galvão Júnior, 2020GALVÃO JÚNIOR, Heraldo Márcio. Quem não pode morder não mostra os dentes: modernistas e antropofágicos entre São Paulo e Belém do Pará nos anos 1920. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Faculdade de História, Universidade Federal do Pará. Belém, 2020. ).
  • 4
    O termo foi colocado entre aspas para o relativizar, pois defende-se neste artigo que, embora houvesse um centro antropofágico em São Paulo, as discussões locais extrapolavam suas intenções por ocorrerem em realidades diversas.
  • 5
    Mesmo sendo o único da região Norte a publicar na Revista de Antropofagia, o Pará teve um aumento significativo de sua participação nos quadros da revista. Enquanto na primeira dentição participou com Abguar Bastos e Oswaldo Costa publicando uma vez cada um, alcançando 3% entre os autores e 2% entre as publicações, na segunda dentição, além de ter Oswaldo Costa e Clóvis de Gusmão na redação e publicando com pseudônimos entre os “sete cavaleiros da antropofagia”, os números saltaram para 8% entre os autores em 18% das publicações assinadas, ficando atrás apenas de São Paulo no quadro geral da quantidade de publicações. Isso quer dizer que a construção do ideário mais radical da antropofagia teve como componente fundamental as ideias vindas de uma Amazônia modernista interessada na brasilidade antropofágica e que o modernismo paulista se apropriou de uma ideia de Amazônia (Galvão Júnior, 2020GALVÃO JÚNIOR, Heraldo Márcio. Quem não pode morder não mostra os dentes: modernistas e antropofágicos entre São Paulo e Belém do Pará nos anos 1920. Tese (Doutorado em História) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Faculdade de História, Universidade Federal do Pará. Belém, 2020. ).
  • 6
    Em 1923, Abguar Bastos publicou o Manifesto à geração que surge na revista Belém Nova, conclamando artistas e intelectuais à defesa, valorização e produção da literatura e artes amazônicas para posterior exportação aos demais estados da federação.
  • 7
    Raul Bopp imortalizou em sua poesia o fascínio por Belém. Propenso a conhecer o país, iniciou a faculdade de Direito em Porto Alegre e concluiu cada ano em diferentes estados, sendo o quarto em Belém, para onde “viajava sempre que podia para assistir a festas folclóricas”. No Norte, fez uma série de poemas sobre “cidades velhas”, com sinos que “vão conversar com Deus sobre a saudade”. Em Belém integrou grupos artísticos e intelectuais com os quais manteve contato durante muito tempo, por meio de viagens e correspondências. As anotações de sua viagem ao Norte geraram seu famoso Cobra Norato (Figueiredo, 2021FIGUEIREDO, Aldrin Moura. Outras margens, outros centros: o modernismo brasileiro a partir da Amazônia. In: AMARAL, Aracy A.; BARROS, Regina Teixeira de (Org.). Moderno onde? Moderno quando? A Semana de 22 como motivação. São Paulo: Museu de Arte Moderna, 2021. pp. 54-67.).
  • 8
    A viagem de Mário de Andrade à Amazônia, em 1927, fazia parte de seu anseio modernista em compreender a realidade brasileira num quadro latino-americano e vislumbrar a cultura nacional. Compreender o folclore e a cultura popular seriam as bases para o conhecimento profundo do povo brasileiro e necessário para estabelecer diferenças, especificidades e valores culturais próprios. De suas voltas pela Amazônia, portanto, foi possível a criação de Macunaíma. Cf. Figueiredo, 2021FIGUEIREDO, Aldrin Moura. Outras margens, outros centros: o modernismo brasileiro a partir da Amazônia. In: AMARAL, Aracy A.; BARROS, Regina Teixeira de (Org.). Moderno onde? Moderno quando? A Semana de 22 como motivação. São Paulo: Museu de Arte Moderna, 2021. pp. 54-67..
  • 9
    O autor transitava entre Manaus, Belém, São Paulo e Rio de Janeiro e foi, junto com Raul Bopp e Mário de Andrade, um dos responsáveis por convidar literatos da Amazônia para publicar na Revista de Antropofagia.
  • 10
    Devido ao jornal estar em estado de conservação precário, as referências aos artigos aparecerão ora a partir do dia, mês e ano e ora a partir do ano e do número.
  • 11
    Houve uma contenda substancial entre o governo de Bentes e Belém Nova. Em 16 de agosto de 1927, Paulo de Oliveira, um dos diretores da revista, publicou uma foto sua com as marcas das chicotadas que teria levado em uma emboscada a mando de Bentes por fazer oposição ao seu governo, chamando-o de “Mussolini do Pará”. A violência policial com finalidade de censura promovida pelo governo em relação aos seus opositores aumentara consideravelmente a ponto de, em 1928, o governo ordenar a destruição das estruturas físicas do jornal O Estado do Pará.
  • 12
    Nesse momento, a Revista de Antropofagia havia publicado seu primeiro número, que data de maio de 1928, no qual constam os dois manifestos mais importantes do movimento, o “Manifesto Antropófago”, de Oswald de Andrade, e “A ‘Descida’ Antropophaga”, do paraense Oswaldo Costa. A primeira dentição foi concebida para aglutinar a maior variedade de pensamentos, ideários, manifestos e regionalismos, mas sem uma teoria antropofágica bem definida nos contornos adquiridos na segunda dentição, que passou a ser mais combativa politicamente.
  • 13
    Eladio Lima (1900-1943) foi um pintor e desenhista sem formação técnica em artes cujos trabalhos são importantes por tratarem da fauna amazônica. Membro da Academia Paraense de Letras e do IHGP, tem diversos de seus trabalhos agrupados no acervo de obras raras do Museu Paraense Emílio Goeldi. Além disso, foi importante ilustrador de obras clássicas da historiografia paraense, como no livro de Jorge Hurley sobre o movimento cabano.
  • 14
    Publicado em 1927 na Revista Belém Nova, intencionava combater o passadismo literário e convocar os intelectuais paraenses para o movimento renovador que na Amazônia deveria ganhar feições próprias. Bastos exaltava o homem amazônico, seu falar, costumes, folclore, fauna, flora, culinária, modo de vida, assim como defendia a mudança da visão do restante do país acerca da Amazônia, vista como exótica e idílica. Este manifesto é um contra mito amazônico, pois se deveria voltar definitivamente para a Amazônia.
  • 15
    Cerqueira e Silva (1833CERQUEIRA E SILVA, Ignacio Accioli de. Corografia paraense, ou descripção fisica, historica, e politica, da Provincia do Gram-Pará. Bahia: Tipografia do Diário, 1833.). Como um verdadeiro “cronista do império”, o autor descreveu, nesta obra, minuciosamente a situação da Província do Pará entre o final do período colonial e o distanciamento de Portugal, dedicando-se a compreender a maneira pela qual o passado regional influenciava a situação presente. Neste caso, o uso dos Matuyús como imagem não é fortuito. Cf. Figueiredo (2000FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Teias da memória: a Companhia de Jesus e a historiografia da Amazônia no século XIX. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 16, n. 23, pp. 77-96, jul. 2000.).
  • **
    Esta pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), mediante bolsa do Programa de Formação Doutoral Docente (Prodoutoral-Unifesspa) e do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE-EHESS-Paris). O pesquisador é líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Arte e Literatura (GEPHAL).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Dez 2021
  • Aceito
    18 Abr 2022
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