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Diversidade solidária

Altruistic genetic diversity

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Diversidade solidária

Altruistic genetic diversity

Maria da Graça Bicalho

Chefe do Lababoratório de Imunogenética do Depto. Genética da Universidade Federal do Paraná, UFPR

Correspondência Correspondência: Maria da Graça Bicalho Universidade Federal do Paraná - Setor de Ciências Biológicas Departamento de Genética - Laboratório de Imunogenética e Histocompatibilidade (LIGH) Rua Francisco H. dos Santos s/n Centro Politécnico - Jardim das Américas Caixa Postal 19071 81530 990 - Curitiba-PR - Brasil Fones: 41 3261-1546 E-mail: ligh@ufpr.br

O transplante de células-tronco hematopoéticas (HSCT, haematopoietic stem cell transplantation) tornou-se uma terapia aceitável e bem sucedida no tratamento de malignidades hematopoéticas. Tem sido também utilizado no tratamento de câncer sólido, doenças genéticas do sangue, imunodeficiências e doenças metabólicas. Incompatibilidades ou mismatches HLA constituem um dos principais fatores de risco para pacientes transplantados e têm sido freqüentemente relacionadas com a rejeição do enxerto e a incidência da doença do enxerto versus hospedeiro (GvHD, graft versus-host disease), principal causa de morbidade e mortalidade entre esses pacientes. Essa doença tem sido atribuída às células T presentes na medula do doador, que reconhecem determinantes antigênicos estranhos no novo hospedeiro e iniciam uma resposta imune contra os mesmos. A doença do enxerto versus hospedeiro ocorre também, mais freqüentemente, quando o doador é uma mulher com gestações prévias, consistente com a ocorrência de microquimerismo fetal. Observações de que células maternas podem persistir em sua progênie durante a vida adulta,1 da mesma forma que células fetais podem ser encontradas na circulação de mulheres saudáveis e com gestações prévias, propiciaram um novo e interessante tema na biologia dos transplantes e motivou pesquisadores a investigarem e explorarem terapeuticamente os princípios de microquimerismo na seleção de doadores para o transplante.2

No que se refere à histocompatibilidade, o doador ideal para um paciente com indicação de transplante de células-tronco hematopoéticas (HSCs) seria aquele irmão com o qual compartilha ambos os haplótipos parentais e idênticos por descendência (HLA idênticos) para o complexo principal de compatibilidade humano (MHC, major histocompatibility complex). Essa identidade HLA é importante para um bom prognóstico e resultado clínico do alotransplante, rotineiramente definido como transplante de medula óssea, por ser essa a fonte mais comumente utilizada para obtenção de HSCs. Assim sendo, doador e receptor são pareados ao nível genômico para a extensa região do MHC e são concordantes e idênticos para os dois haplótipos HLA. No entanto, isso só ocorre para 30% dos pacientes com indicação de transplante. Doadores HLA idênticos são as melhores fontes de HSCs e, quando na família nuclear, onde mesmo com chance, a priori, de 25% de se encontrar o doador ideal essa busca não se confirma, inicia-se a busca estendida na família. Nessas circunstâncias, pode-se ampliar essa probabilidade até 30%, quando se identificam outros indivíduos (por exemplo, pais, tios, tias e primos) que compartilham um haplótipo idêntico por descendência. Quanto ao outro haplótipo, são fenotipicamente idênticos em decorrência de consangüinidade na família, homozigose e compartilhamento de antígenos HLA entre os pais ou, ainda, se o paciente é portador de haplótipos caracterizados como freqüentes na população.

Nesse número da RBHH, o artigo de Meinerz e colaboradores3 tem como objetivo avaliar o percentual de compatibilidade HLA entre membros da mesma família para pacientes à espera de transplante de medula óssea em Santa Catarina, Brasil. Através desse estudo pode-se visualizar o modelo genético amplamente aceito e estabelecido da herança de haplótipos HLA além da observação de que na dinâmica de busca de doadores no estado de Santa Catarina, um percentual maior de pacientes (45,4%) tem encontrado seu doador na própria família, em sua maioria entre irmãos (99%).

Para aqueles pacientes que não encontram doador na família, a diversidade do sistema HLA complica a estratégia de busca, que se estende a Registros Internacionais e requer expertise e conhecimento de freqüências haplotípicas, associações HLA e mismatches permissíveis, para o delineamento dessas estratégias. O polimorfismo HLA e a crescente diversidade alélica revelada por técnicas de análise do DNA, torna cada vez mais difícil selecionar nos Registros um doador HLA compatível não aparentado. Daí a importância do estudo de Meinerz e colaboradores,3 e outros similares,4 que alimentam instituições gestoras com informações que permitem definir políticas institucionais, além de estimar probabilidades, tamanho e composição dos Registros, de tal forma que todos os pacientes tenham iguais chances de encontrar seu doador compatível. Para finalizar é motivo de felicidade saber que o Redome (Registro Nacional de Doadores deMedula Óssea) conta até agosto de 2008 com 760.000 doadores cadastrados, de acordo com o boletim Medula Net Nº10 divulgado pelo Inca (Instituto Nacional do Câncer). Número expressivo, mas ainda não suficiente para que os mais de mil pacientes que aguardam pela diversidade solidária de um doador HLA compatível possam se beneficiar desse tratamento.

Recebido: 06/10/2008

Aceito: 07/10/2008

Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor

Suporte Financeiro: Convênio Funfar-LIGH

  • 1. Waldorf KM, Nelson JL. Autoimmune disease during pregnancy and the microchimerism legacy of pregnancy. Immunol Invest. 2008,37(5):631-44.
  • 2. Claas F. Chimerism as a tool to induce clinical transplantation tolerance. Curr Opin Immunol. 2004;16(5):578-83.
  • 3. Meinerz C, Bazzo ML, Chagas M, et al. Avaliação do percentual de compatibilidade HLA entre membros da mesma família para pacientes à espera de transplante de medula óssea em Santa Catarina, Brasil. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2008;30(5):359-62.
  • 4. Ruiz TM, Costa SMCM, Ribas F, Luz PR, Lima SS, Bicalho MG. Human leukocyte antigen allelic groups and haplotypes in a Brazilian sample of volunteer donors for bone marrow transplant in Curitiba, Paraná, Brasil. Transplantation Proceedings. 2005;37:2293-6.
  • Correspondência:
    Maria da Graça Bicalho
    Universidade Federal do Paraná - Setor de Ciências Biológicas
    Departamento de Genética - Laboratório de Imunogenética e Histocompatibilidade (LIGH)
    Rua Francisco H. dos Santos s/n
    Centro Politécnico - Jardim das Américas
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Out 2008
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