Open-access A avaliação pré-anestésica para cirurgia oftalmológica em idosos é realmente necessária? A realidade de um hospital público

RESUMO

Objetivos:  A avaliação pré-anestésica (APA) e a realização de exames laboratoriais são questionadas para cirurgias oftalmológicas ambulatoriais por acrescentarem custos e retardarem a cirurgia. Estas são de baixo risco, mas os pacientes são idosos e com várias comorbidades. O objetivo deste estudo foi determinar se a APA é realmente necessária nestes pacientes em um hospital público.

Métodos:  Foi conduzido um estudo retrospectivo em 297 prontuários contendo a APA de pacientes para cirurgias oftalmológicas em um hospital público. Foram avaliados através da história, exame clínico e exames complementares, a proporção de pacientes que apresentaram na APA doenças desconhecidas ou não controladas e alterações dos exames complementares.

Resultados:  A média de idade dos pacientes foi de 71,5 anos, com 95,28% tendo pelo menos uma doença crônica. A doença mais prevalente foi hipertensão arterial sistêmica (62,96%), que em 7,7% dos pacientes estavam sem controle adequado; 2.3% não tinham diagnóstico de HAS. O diabetes mellitus tipo 2 apareceu em segundo (22,22%), com 5,3% sem controle adequado. Glicemia acima de 100 mg.dl-1 foi encontrada em 25,92%, sem diagnóstico conhecido. Do total, 84,8% tomavam pelo menos um medicamento. Somente 73,4% dos pacientes foram liberados para a cirurgia na primeira consulta.

Conclusão:  A APA em oftalmologia é capaz de detectar doenças não diagnosticadas, ou condições clínicas instáveis, e exerce um papel não só de otimização do paciente para a cirurgia como de atendimento primário, desempenhando papel importante na saúde global da população e, portanto, considerada necessária nos pacientes idosos do sistema público de saúde.

Descritores: Avaliação pré-anestésica; Anestesia; Anestesia ambulatorial; Extração de catarata; Idoso

ABSTRACT

Objectives:  Pre-anesthetic assessment (PAA) and laboratory tests are questioned for ophthalmic procedures due to their additional costs and surgery delays. These are lower risks, nonetheless, patients are elderly and suffer from multiple comorbidities. The aim of this study was to determinate if it is really necessary in a public hospital.

Method:  a retrospective study on 297 medical records containing the pre-anesthetic questionary from ophthalmic surgery patients in a public hospital was leaded. By the anamnesis, clinical examination and laboratory tests, the rate of patients who came up with unknown or uncontrolled diseases for the pre-anesthetic evaluation among with unsettled lab tests were analyzed.

Results:  The patients's mean age was 71.5 years old. 95.28% of them suffer from at least one chronic disease. The most prevailer illness was systemic arterial hypertension (SAH) (62.96%), which in 7.7% of were uncontroled. Also 2.3% had no diagnosis of SAH. The DM2 appeared in second (22.22%), with 5.3% without proper management. Glycaemia above 100 mg.dl1 was found in 25.92%, undiagnosed; 84.8% of the total were taking at least one medication. Only 73.4% of patients were released for surgery in the first moment.

Discussion:  To sum up, PAA in ophthalmology surgery is able to bring up undiagnosed diseases, or unstable medical conditions, and it plays a role not only in optimize the patient for surgery, but also as primary care. It can be an important deal to improve population's health, therefore, considered necessary in elderly patients in the public health system.

Keywords: Pre-anesthetic assessments; Anaesthesia; Ambulatory anaesthesia; Cataract extraction; Aged

INTRODUÇÃO

Os pacientes programados para cirurgia com anestesia têm a avaliação pré-operatória e a solicitação de exames complementares1 realizadas pelo cirurgião, que em seguida encaminha os pacientes para a avaliação pré-anestésica (APA). Esta faz parte dos cuidados perioperatórios, para as cirurgias eletivas, e tem sido realizada pelo serviço de Anestesiologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (HC-UFTM) desde 2005, seguindo um modelo já consolidado2. Entre as várias especialidades, a oftalmologia possui grande volume cirúrgico. Com o número já elevado e previsão de aumento futuro, é essencial ser capaz de melhorar a segurança, mas também a eficácia, tanto na prontidão da realização da cirurgia como também nos custos destes procedimentos. A eliminação de exames pré-operatórios extensos, e também de consultas, representaria uma área promissora de economia no sistema de saúde, além de evitar atrasos no processo cirúrgico e não representando uma causa de suspensões3-5. De forma ambulatorial, a maioria dessas cirurgias são realizadas e, para que ela seja segura e tenha bons resultados, uma seleção cuidadosa dos pacientes é crucial. Entretanto, há certa incerteza entre os anestesiologistas em relação à adequação de determinados pacientes para algumas cirurgias ambulatoriais. Como são consideradas cirurgias de baixo risco, não há diretrizes claras se uma avaliação préanestésica deve ser realizada, assim como o momento de sua realização6-9. Estudos mostram diferentes abordagens para a seleção de pacientes ambulatoriais, assim como o modelo para a realização da APA, a necessidade de avaliações interdisciplinares e dos exames complementares10-16. A maioria das cirurgias é representada pela correção de catarata, em pacientes predominantemente idosos, e com uma prevalência elevada de comorbidades sistêmicas relacionadas à idade.

O presente trabalho teve como objetivo avaliar se o modelo de APA, para as cirurgias oftalmológicas, realizado pelo serviço de Anestesiologia do Hospital de Clínicas da UFTM é realmente necessário, através da análise da proporção de pacientes com doenças sabidamente conhecidas, mas não controladas clinicamente; da capacidade da APA fazer diagnóstico de novas doenças, desconhecidas até então pelos pacientes; e de detectar alteração nos exames complementares.

MÉTODOS

Após aprovação do CEP da UFTM, conforme a resolução 466 de 12 de dezembro de 2012, foi realizado um estudo exploratório transversal retrospectivo de prontuários de pacientes da Unidade Ambulatorial da UFTM, que passaram por consultas de avaliação pré-anestésica para cirurgias oftalmológicas nos anos de 2014 e 2015. Todos os pacientes passaram inicialmente por uma consulta com o médico oftalmologista, que após a indicação da cirurgia, realizava os pedidos dos exames pré-operatórios, conforme rotina da especialidade, e os encaminhava para a consulta pré-anestésica ambulatorial com o anestesiologista. A pesquisa teve início com a construção de uma lista de pacientes atendidos pelo Serviço de Oftalmologia, e que foram encaminhados para a avaliação pré-anestésica, após serem programados para cirurgias de correção de catarata, glaucoma, retina, transplante e oculoplastia. Considerando aspectos demográficos e das condições de saúde, uma análise demográfica foi realizada. Os critérios de inclusão foram os prontuários de pacientes adultos, com idade maior ou igual a 60 anos, que passaram pela consulta pré-anestésica, e os de exclusão foram aqueles prontuários que não continham a ficha de avaliação pré-anestésica anexada. Após a inclusão, os dados foram coletados a partir da revisão das fichas das consultas, anexadas ao prontuário, como já descrito. Foram avaliados os aspectos demográficos e os aspectos clínicos obtidos da história médica, do exame físico e dos exames complementares. Para diferenciar a presença de doenças previamente existentes, mas sem controle adequado, daquelas diagnosticadas na avaliação pré-anestésica, foi feita uma revisão dos registros do prontuário.

As alterações médicas foram classificadas de acordo com a área médica que apresentava alteração: cardiologia, pneumologia, neurologia, gastroenterologia, hematologia ou oncologia, dermatologia, nefrologia e endocrinologia.

Foi feito o registro das medicações utilizadas pelos pacientes e, finalmente, o número de consultas no APA até a liberação final do paciente para a cirurgia oftalmológica.

Análise estatística

Foi organizado um banco de dados em Excel ® 2010 e transposto para análise estatística em SPSS versão 17.0. Foi empregada a análise estatística descritiva, empregando para as variáveis numéricas, medidas de tendência central e dispersão, e para as variáveis categóricas, frequências absolutas e relativas.

Considerou-se para desfecho para análise da necessidade do modelo de avaliação pré-anestésica vigente, a necessidade de realizar consulta pré-anestésica antes de cirurgias oftalmológicas, o comportamento dos seguintes fatores: comorbidades, número de medicamentos em uso, medidas da pressão arterial, resultados de exames complementares (glicemia, ureia, creatinina, radiografia de tórax e eletrocardiograma) e classificação da ASA. Foi considerado como desfecho para a necessidade da avaliação pré-anestésica um comportamento diferente do normal para uma ou mais variáveis desse conjunto.

RESULTADOS

Foram revisados 519 prontuários, seguindo uma lista de pacientes agendados para cirurgia oftalmológica, mas apenas 297 (57,22%) deles foram incluídos no estudo por apresentarem a ficha de avaliação pré-anestésica anexada. Os 222 (42,78%) restantes não continham a ficha de avaliação, o que pode ser justificado pela falta de rotina dos cirurgiões oftalmologistas em encaminharem todos os pacientes para a consulta pré-anestésica.

As principais características demográficas e clínicas dos pacientes podem ser vistas na tabela 1.

Tabela 1
Características clínicas e demográficas dos participantes do estudo

A média de idade foi de 71,5 anos. A maioria dos pacientes tinha a cirurgia de correção de catarata como a principal indicação cirúrgica (86,5%), seguida de doenças na retina (5,4%), oculoplastia (5,1%), glaucoma (2,0%) e outras cirurgias mais raras (1,0%), como procedimentos sobre a córnea e canal lacrimal. Na avaliação de comorbidades, houve relato da presença de pelo menos uma doença em 95,28% dos pacientes, sendo que 77,10% dos mesmos relataram a presença de doença cardíaca, cujos diagnósticos foram principalmente a hipertensão arterial sistêmica, em 62,96%, e doença arterial coronariana, arritmias, ou doença de Chagas nos demais. As doenças endócrinas apareceram como a segunda mais prevalente (32,9%), sendo principalmente o diabetes mellitus tipo 2 (22,22%), seguido pelo hipotireoidismo (10,77%). As doenças pulmonares foram a terceira patologia mais prevalente (17,1%), e incluíram o tabagismo e a doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Outras doenças menos frequentes como as doenças neurológicas (acidente vascular cerebral, epilepsia, doenças de Parkinson e de Alzheimer) e doença renal, como a insuficiência renal crônica (IRC), totalizaram 14,8%.

Quando foram analisados os dados anormais obtidos do exame físico ou os resultados anormais dos exames complementares, estes foram principalmente em relação à aferição da pressão arterial (PA), que se mostrou elevada em 24 pacientes (8,0%), sendo que 17 pacientes já possuíam diagnostico prévio de HAS e 7 pacientes (2,3%) desconheciam a doença.

Os exames complementares, solicitados rotineiramente pelo cirurgião, são o hemograma, as dosagens de ureia, creatinina, sódio, potássio e a glicemia de jejum, o tempo de sangramento e de coagulação, o eletrocardiograma (ECG) e a radiografia de tórax. Os resultados alterados foram principalmente da dosagem da glicemia, da ureia, da creatinina, laudo do ECG e da radiografia de tórax.

Do total, 153 (51,85%) não apresentavam história de DM e apresentaram valores de glicemia de jejum inferior a 100 mg.dl-1. Em 144 pacientes (48,48% do total) o resultado da glicemia de jejum foi acima de 100 mg.dl-1, sendo que 50 (16,83% do total) eram sabidamente portadores de DM2 e tinham o valor da glicemia inferior a 180 mg.dl-1, mas 16 pacientes (5,38% do total), também com diagnóstico DM2 estavam com a glicemia acima de 180 mg.dl-1. Setenta e oito pacientes (25,92% do total) relataram não serem portadores de DM, mas apresentaram o resultado da glicemia maior ou igual a 100 mg.dl-1. (Figura 1).

Figura 1
Número (porcentagem) de exames alterados obtidos da análise de prontuários de 297 pacientes.

Alteração dos valores da dosagem de ureia e creatinina foram em 15 pacientes (5%). (Figura 1).

No ECG foram encontradas alterações do tipo isquemia, arritmias, bloqueios de ramos e sobrecargas atriais e ventriculares em 103 pacientes (34,68%). Na radiografia de tórax, a principal alteração encontrada foi cardiomegalia, além de bronquiectasias e presença de nódulos em 71 pacientes (23,9%). (Figura 1).

Também foi feito uma análise quanto ao uso de medicamentos. Foi visto que 15,2% dos pacientes não faziam uso de nenhum medicamento; dos 84,8% dos pacientes usuários de medicamentos, 32,3% deles usavam de 1 a 2 medicamentos; 28,3% de 3 a 4; 22,5% usavam 5 ou mais, enquanto que 5 (1,68%) pacientes relataram usar algum medicamento, mas não sabiam informar sobre dados como o número, nome ou posologia. (Tabela 2)

Tabela 2
Número de pacientes (porcentagem) de medicamentos em uso obtidos da análise de prontuários de 297 pacientes

Finalmente foi realizada uma avaliação da liberação do paciente para a cirurgia na primeira consulta, ou se o mesmo necessitaria de uma avaliação complementar. Foi verificado que 233 pacientes (78,5%) foram liberados com consultas apenas com o anestesiologista, sendo 218 (73,4%) em apenas uma consulta e outros 15 (5,05%) necessitaram de duas consultas devido à falta de exames complementares. Outros 64 pacientes (21,5%) necessitaram de retorno ao ambulatório de avaliação préanestésica, devido à solicitação de interconsultas com outras especialidades para controle clínico, principalmente na cardiologia, pneumologia e endocrinologia. Dessa forma, 48 pacientes (16,2%) foram ao consultório de APA duas vezes, sendo que 33 desses passaram por interconsultas com especialistas de outra área e foram liberados na segunda avaliação; outros 22 pacientes (7,4%) necessitaram de três consultas e, 4 pacientes (1,3%), de quatro consultas. Esses dados encontram-se na Figura 2.

Figura 2
Número de consultas (porcentagem) pelas quais passaram os pacientes até a liberação para cirurgia.

Apenas cinco pacientes, o que corresponde a 1,7%, tiveram sua cirurgia liberada apenas com uso de anestesia local, sem uso de bloqueio regional.

Os pacientes com resultado de glicemia maior ou igual a 100 mg.dl-1, que não tinham conhecimento do diagnóstico, foram encaminhados para avaliação nas unidades básicas de saúde.

DISCUSSÃO

A presente pesquisa demonstrou que a grande maioria dos pacientes com mais de sessenta anos, programados para cirurgias oftalmológicas, apresenta comorbidades, principalmente doenças cardíacas. Os dados obtidos também indicaram que a avaliação pré-anestésica revelou novas possibilidades diagnósticas e condições clínicas e laboratoriais alteradas, como a hipertensão arterial17 e o diabetes mellitus18.

As cirurgias oftalmológicas são as cirurgias mais comuns nos pacientes idosos, principalmente a correção de catarata19-25. Grande parte, ambulatoriais, com a utilização de anestesia local, normalmente em conjunto com sedação venosa. As taxas de morbimortalidade perioperatória associadas com a cirurgia de catarata são baixas12,26. No entanto, os pacientes tendem a ser idosos e ter doenças coexistentes importantes. Com isso, muitos cirurgiões acreditam que uma avaliação clínica sistemática, associada a testes laboratoriais, deva ser realizada antes que um paciente seja considerado elegível para a cirurgia. Como um paciente deve ser submetido a uma cirurgia eletiva em sua melhor forma clínica, a avaliação pré-anestésica desempenha um papel importante em confirmar o estado clínico adequado do paciente para a cirurgia, e se assim ele não estiver, encaminhar o mesmo para otimização de doenças já conhecidas, e também diagnosticar ou excluir outras doenças, como visto nesse trabalho em relação ao diabetes mellitus.

Muitos fatores atuais levaram a uma diversificação no modo de realização da abordagem pré-anestésica pelo anestesiologista, incluindo as admissões ambulatoriais, os avanços nas técnicas anestésicas e cirúrgicas, a idade e as comorbidades dos pacientes, e o custo. Isto ocasionou um aumento na pressão sobre os sistemas de saúde, sobre os cirurgiões e os anestesiologistas, para avaliar e conduzir de forma eficiente os pacientes, focando não mais apenas na segurança, mas também em cuidados de baixo custo27. A recessão econômica complica ainda mais os cuidados perioperatórios, porque os pacientes adiam ou eliminam as visitas de rastreio de doenças de rotina e apresentam-se para a cirurgia com condições médicas que podem atrasar ou até mesmo cancelar a cirurgia3. Várias abordagens para combater esses problemas têm sido propostas, incluindo o desenvolvimento de diretrizes mais específicas para testes e consultas antes da anestesia e da cirurgia7,8, e o desenvolvimento de clínicas de avaliação pré-operatória que avaliam sistematicamente pacientes e definem adequadamente os cuidados perioperatórios28,29. Com o contínuo crescimento de pacientes ambulatoriais, o anestesiologista passou a ter novos papéis, que aparentemente demandam habilidades adicionais à administração de uma boa anestesia. Na maioria das clínicas, o objetivo é resolver os problemas pré-operatórios com bastante antecedência do dia da cirurgia, minimizando cancelamentos e complicações³. E, este é o modelo de avaliação vigente no serviço da UFTM que, através da avaliação ambulatorial, encaminha os pacientes para as diversas especialidades clínicas, até que eles estejam em condições clínicas adequadas para serem submetidos a uma cirurgia. Existem poucos dados para classificar de forma confiável se um paciente adulto se encontra inadequado para uma cirurgia ambulatorial. Como os anestesiologistas tornaram-se mais experientes com a administração de anestesia ambulatorial, a lista de pacientes considerada inapropriada tem diminuído. É necessário individualizar uma decisão em relação a cada paciente para que a avaliação pré-anestésica desempenhe o seu maior papel. Com poucas exceções, a adequação de um caso para cirurgia ambulatórial é determinada por uma combinação de fatores, incluindo considerações do paciente, do procedimento cirúrgico, da técnica anestésica e conforto do anestesiologista e do cirurgião. Com a avaliação feita no ambulatorio de pré-anestesia, observamos que vários pacientes não puderam ser liberados para a cirurgia após uma única consulta, antes de um processo de avaliação por outras clínicas, e otimização do quadro clínico. Isso tudo se torna mais importante quando se depara com o aumento do número de pacientes idosos para cirurgia ambulatorial. E isto pode ser visto claramente no trabalho em que a média de idade foi de 71,5 anos. E estes pacientes, mais velhos, que estão "bem" são mais propensos a cirurgias eletivas, tanto para prevenir o agravamento de alguma doença já existente, mas também para melhorar a sua qualidade de vida. Neste contexto, a avaliação pré-anestésica é especialmente importante nos idosos para determinar seu status físico e funcional, melhorar as condições pré-existentes e implementar um plano perioperatório que inclui a escolha do local apropriado para a cirurgia e os cuidados pós-operatórios adequados30.

Considerando todos esses dados, a avaliação pré-anestésica tornou-se o momento da avaliação do paciente e assumiu um papel de atendimento primário, através da avaliação clínica dos pacientes. Além disso, outros itens devem ser considerados. Os pacientes idosos frequentemente fazem uso de vários medicamentos. Quarenta por cento deles tomam mais de cinco drogas por semana, 12%-19% mais de 10 drogas31. O nosso estudo mostrou que 84,8% dos pacientes usavam pelo menos um medicamento por dia, e 22,5% com cinco medicamentos por dia (Tabela 2). A instrução adequada para

o manejo perioperatório de medicações crônicas faz parte da avaliação pré-anestésica e é importante para evitar complicações e cancelamentos3,32-34.

A avaliação pré-anestésica tem função de identificar os pacientes que não estejam aptos para a cirurgia naquele momento. Pacientes classificados como sendo ASA 3 ou 4, instáveis clinicamente, não são considerados adequados para a realização de uma cirurgia ambulatorial. Os resultados deste estudo mostraram que 24,9% dos pacientes foram classificados como ASA 3 e 1,34% classificados como ASA 4, e foram liberados para o procedimento, após terem as suas doenças estabilizadas, principalmente pela cardiologia.

As principais doenças que necessitaram controle perioperatório foram a hipertensão arterial17 e o DM18. Isto se faz necessário para minimizar os eventos perioperatórios adversos35-37. Algumas complicações específicas das cirurgias oculares como a hemorragia supracoroidal, embora rara, pode potencialmente levar à cegueira. Pode ocorrer após a cirurgia de catarata, glaucoma, queratoplastia e cirurgia vítreo-retiniana. São fatores de risco sistêmicos normalmente associados com esta complicação, a hipertensão arterial mal controlada, a utilização pré-operatória de terapia anticoagulante, a história de doença isquêmica do coração, a presença de doenças respiratórias e de DM38,39. Embora seja uma complicação multifatorial, o controle de fatores sabidamente envolvidos pode minimizar os riscos e as consequências de uma hemorragia supracoroidal maciça.

Além da avaliação clínica, faz parte da consulta préanestésica a avaliação dos exames complementares, usualmente solicitados pelo cirurgião. A literatura já demonstrou que para a grande maioria dos pacientes idosos com doenças estáveis, os testes laboratoriais de rotina representam um desperdício de tempo e de recursos financeiros1,3-5,12,14-16,40. Neste estudo, foram realizados aproximadamente dez exames por paciente, e somente a dosagem da glicemia sanguínea pode ser considerada como tendo um valor importante para a avaliação dos pacientes, pois os resultados mostraram que 25,92% dos pacientes apresentaram níveis glicêmicos acima de 100 mg.dl-1, e que outros 5,38% tinham o conhecimento de apresentarem DM, mas estavam com níveis glicêmicos considerados inadequadamente controlados (superiores a180 mg.dl-1). Obviamente nem todos estes 25,92% foram considerados como portadores de DM, mas considerando-se que, de acordo com a American Diabetes Association18, mais de 25 % dos adultos com idade superior a 65 anos têm diabetes, e que muitos não são diagnosticados, se faz necessária a investigação desses resultados, e o controle daqueles que não se encontram bem medicados, com a finalidade de reduzir as complicações, principalmente infecciosas41,42. Além dos exames laboratoriais, o eletrocardiograma (ECG) é um exame que também faz parte da solicitação rotineira dos cirurgiões. Alterações eletrocardiográficas foram encontradas em 34,68% dos pacientes nessa pesquisa. Um estudo43 mostrou que 75,2% dos pacientes acima de 75 anos apresentaram pelo menos uma anormalidade no ECG, e os autores concluíram que essas anormalidades têm um valor limitado em predizer complicações cardíacas pós-operatórias. Sendo assim, os autores recomendam a realização de um ECG préoperatório principalmente para efeito comparativo, caso seja necessário realizar outro exame43. Recentemente, Philips et al.44 em um centro ambulatorial na Flórida, Estados Unidos, no qual a avaliação pré-anestésica médica é necessária para a realização da cirurgia oftalmológica, concluíram que a consulta pré-anestésica para estas cirurgias é capaz de identificar novos diagnósticos ou condições clínicas instáveis. O estudo compreendeu 530 pacientes e 40% destes foram identificados como tendo condições médicas novas ou instáveis. Consistente com trabalhos anteriores12 sobre a eficácia de muitos exames pré-operatórios, também demonstraram que a realização de exames pré-operatórios não impede a ocorrência de eventos perioperatórios em pacientes submetidos a cirurgias ambulatoriais para a correção de catarata.

Embora estes resultados não tenham um impacto significativo no período perioperatório5,14, muitos são suficientemente importantes para a saúde global do paciente, a longo prazo, desempenhando muitas vezes um papel de atendimento primário. A avaliação pré-anestésica pode apresentar uma oportunidade para rastrear doenças, como a diabetes mellitus e, assim, iniciar o tratamento mais cedo, mesmo não apresentando impacto no desfecho perioperatório16.

Embora o presente trabalho tenha várias limitações, como a de ser um estudo retrospectivo e com uma amostra relativamente pequena, pode ser capaz de demonstrar que o anestesiologista pode ter uma atitude mais focada em "descobertas" que sejam relevantes para um risco cirúrgico imediato. Também em relação a doenças já diagnosticadas, mas inadequadamente controladas, principalmente em relação àquelas de grande impacto social como a hipertensão arterial e DM.

Concluimos que a avaliação pré-anestésica para cirurgia oftalmológica, realizada em uma unidade ambulatorial pública, contribui para a melhora da saúde geral dos pacientes através da possibilidade de novos diagnósticos e da melhoria clínica de doenças mal controladas. Possibilitando uma cirurgia em sua melhor condição clínica e desempenha um papel na saúde geral dos pacientes, que vai além do período perioperatório imediato, sendo, portanto, considerada necessária na população idosa que utiliza o serviço público.

  • Trabalho realizado no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM.

REFERÊNCIAS

  • 1 Lira RP, Nascimento MA, Kara-José N, Ariera CE. Valor preditivo de exames pré-operatórios em facectomias. Rev Saúde Pública. 2003;37(2):197-202.
  • 2 Bisinotto FM, Pedrini Jr M, Alves AL, Andrade, MA. Implantação do serviço de avaliação pré-anestésica em Hospital Universitário. Dificuldades e resultados. Rev Bras Anestesiol. 2007; 57(2):167-76.
  • 3 Lira RP, Nascimento MA, Temporini ER, Kara-José N, Arieta, EL. Suspensão de cirurgia de catarata e suas causas. Rev Saúde Pública. 2001;35(5):487-9.
  • 4 Lira RP, Covolo GA, Monsanto AR, Kara-José N, Arieta CE. Influence of preoperative testing on cancellation of ambulatory cataract surgery in adults. Ann Ophthalmol. 2002;34(3):203-5.
  • 5 Lira RC, Nascimento MA, Morerira Filho DC, Kara-José N, Arieta EL. Are routine preoperative medical tests needed with cataract surgery? Rev Panam Salud Publica. 2001; 10(1):13-7.
  • 6 Mathis MR, Naughton NN, Shanks AM, Freundlich RE, Pannucci CJ, Chu Y, Haus J, Morris M, Kheterpal S. Patient selection for day case-eligible surgery: identifying those at high risk for major complications. Anesthesiology 2013;119(6):1310-21.
  • 7 Committee on Standards and Practice Parameters, Apfelbaum JL, Connis RT, Nickinovich DG; American Society of Anesthesiologists Task Force on Preanesthesia Evaluation, Pasternak LR, Arens JF, Caplan RA, Connis RT, Fleisher LA, Flowerdew R, Gold BS, Mayhew JF, Nickinovich DG, Rice LJ, Roizen MF, Twersky RS. Practice advisory for preanesthesia evaluation: an updated report by the American Society of Anesthesiologists Task Force on Preanesthesia Evaluation. Anesthesiology. 2012;116(3):522-38.
  • 8 Fleisher LA, Beckman JA, Brown KA. American College of Cardiology Foundation/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines, American Society of Echocardiography, American Society of Nuclear Cardiology, Heart Rhythm Society, Society of Cardiovascular Anesthesiologists, Society for Cardiovascular Angiography and Interventions, Society for Vascular Medicine, Society for Vascular Surgery: 2009 ACCF/AHA focused update on perioperative beta blockade incorporated into the ACC/AHA 2007 guidelines on perioperative cardiovascular evaluation and care for noncardiac surgery. J Am Coll Cardiol. 2009; 54(22):e13-e118.
  • 9 Thilen S, Treggiari M, Weaver E. An Opportunity for anesthesiologists to add value by controlling preoperative resources [abstract]. Presentation at ASA Practice Management Meeting; Orlando, FL. January 27, 2012. PM21.
  • 10 Gupta A. Preoperative screening and risk assessment in the ambulatory surgery patient. Curr Opin Anaesthesiol. 2009;22(6):705-11.
  • 11 Bryson GL, Chung F, Finegan BA, Friedman Z, Miller DR, Vlymen J, et al. Canadian ambulatory Anesthesia Research and Education group. Patient selection in ambulatory anesthesia - an evidencebased review: part I. Can J Anaesth. 2004;51(8):768-81. Review.
  • 12 Bryson GL, Chung F, Cox RG, Crowe MJ, Fuller J, Henderson C, et al. Patient selection in ambulatory anesthesia - An evidence-based review: Part II. Can J Anaesth, 2004;51(8):782-94. Review.
  • 13 Schein OD, Katz J, Bass EB, Tielsch JM, Lubomski LH, Feldman MA, et al. Study of Medical Testing for Cataract Surgery. The value of routine preoperative medical testing before cataract surgery. N Engl J Med, 2000;342(3):168-75.
  • 14 Arieta CE, Nascimento MA, Lira RP, Kara-José, N. Desperdício de exames complementares na avaliação pré-operatória em cirurgias de catarata. Cadern Saúde Pública. 2004; 20(1):303-10.
  • 15 Tallo, FS, Soriano ES, Alvarenga LS. Avaliação pré-operatória na cirurgia de catarata. Arq Bras Oftalmol. 2007;70(4):633-7.
  • 16 Nascimento MA, Lira RP, Kara-José N, Arieta CE. Valor preditivo da glicemia de jejum pré-operatória de pacientes diabéticos quanto ao resultado cirúrgico da cirurgia de catarata. Arq Bras Oftalmol. 2005;68(2):213-7.
  • 17 Rosendorff C, Black HR, Cannon CP, Gersh BJ, Gore J, Izzo JL, et al. Treatment of hypertension in the prevention and management of ischemic heart disease: A scientific statement from the American Heart Association Council for High Blood Pressure Research and the Councils on Clinical Cardiology and Epidemiology and Prevention. Circulation.2007; 115(21):2761-88.
  • 18 American Diabetes Association: Standards of Medical Care in Diabetes-2012. Diabetes Care. 2012; 35 Suppl. 1:s11-s6.
  • 19 Desai P, Reidy A, Minassian DC. Profile of patients presenting for cataract surgery in the UK: national data collection. Br J Ophthalmol. 1999; 83(8):893-6.
  • 20 McKibbin M. The pre-operative assessment and investigation of ophthalmic patients. Eye (Lond). 1996;10(1):138-40.
  • 21 Bryson GL, Wyand A, Bragg PR. Preoperative testing is inconsistent with published guidelines and rarely changes management. Can J Anaesth. 2006; 53(3):236-41.
  • 22 Richman DC. Ambulatory surgery: How much testing do we need? Anesthesiol Clin, 2010; 28(2):185-97.
  • 23 Cullen KA, Hall MJ, Golosinskiy A. Ambulatory surgery in the United States, 2006. Natl Health Stat Report. 2009; (11):1-25.
  • 24 Thilen SR, Bryson CL, Reid RJ, Wijeysundera DN, Weaver EM, Treggiari MM. Patterns of preoperative consultation and surgical specialty in an integrated healthcare system. Anesthesiology. 2013;118(5):1028-37.
  • 25 Thilen SR, Treggiari MM, Lange JM, Lowy E, Weaver EM, Wijeysundera DN. Preoperative consultations for medicare patients undergoing cataract surgery. JAMA Intern Med, 2014;174(3):380-8.
  • 26 Keay L, Lindsley K, Tielsch J, Katz J, Schein O. Routine preoperative medical testing for cataract surgery. Cochrane Database Syst Rev. 2012; 3:CD007293.
  • 27 Newman MF, Mathew JP, Aronson S. The evolution of anesthesiology and perioperative medicine. Anesthesiology. 2013;118(5):1005-7.
  • 28 Harnett MJ, Correll DJ, Hurwitz S, Bader AM, Hepner DL. Improving efficiency and patient satisfaction in a tertiary teaching hospital preoperative clinic. Anesthesiology. 2010;112(1):66-72.
  • 29 Correll DJ, Bader AM, Hull MW, Hsu C, Tsen LC, Hepner DL. Value of preoperative clinic visits in identifying issues with potential impact on operating room efficiency. Anesthesiology. 2006; 105(6):1254-9.
  • 30 Oresanya LB, Lyons WL, Finlayson E. Preoperative assessment of the older patient: a narrative review. JAMA. 2014; 311(20):2110-20.
  • 31 Barnett SR. Polypharmacy and perioperative medications in the elderly. Anesthesiol Clin. 2009;27(3):377-89.
  • 32 Deiner S, Silverstein JH. Anesthesia for geriatric patients. Minerva Anestesiol. 2011,77(2):180-9.
  • 33 Smith J, Jackson I. Beta-blockers, calcium channel blockers, angiotensin converting enzyme inhibitors and angiotensin receptor blockers: should they be stopped or not before ambulatory anaesthesia? Curr Anaesthesiol. 2010;23(6):687-90.
  • 34 Lermitte J, Chung F. Patient selection in ambulatory surgery. Curr Opin Anaesthesiol. 2005;18:598-602.
  • 35 Gupta A. Strategies for outpatient anaesthesia. Best Pract Res Clin Anaesthesiol. 2004:18(4):675-92.
  • 36 Shnaider I, Chung F. Outcomes in day surgery. Curr Opin Anesth, 2006; 19:622-629.
  • 37 Aurinia L, White PF. Anesthesia for the elderly outpatient. Curr Opin Anesth. 2014;27(6):563-75.
  • 38 Obuchowska I, Mariak Z. Risk factors of massive suprachoroidal hemorrhage during extracapsular cataract extraction surgery. Eur J Ophthalmol. 2005;15(6):712-7.
  • 39 Jeganathan VS, Ghosh S, Ruddle JB, Gupta V, Coote MA, Crowston JG. Risk factors for delayed suprachoroidal haemorrhage following glaucoma surgery. Br J Ophthalmol. 2008;92(10):1393-6.
  • 40 Shalwala A, Hwang RY, Tabing A, Sternberg P, Kim SJ. The value of preoperative medical testing for vitreoretinal surgery. Retina. 2015;35(2):319-25.
  • 41 Imasogie N, Wong DT, Luk K, Chung F. Elimination of routine testing in patients undergoing cataract surgery allows substantial savings in laboratory costs. A brief report. Can J Anaesth. 2003; 50(3):246-8.
  • 42 Ata A, Lee J, Bestle SL, Desemone J, Stain SC. Postoperative hyperglycemia and surgical site infection in general surgery patients. Arch Surg. 2010; 145(9):858-64.
  • 43 Liu LL, Dzankic S, Leung J.M. Preoperative electrocardiogram abnormalities do not predict postoperative cardiac complications in geriatric surgical patients. J Am Geriatr Soc, 2002;50(7):1186-91.
  • 44 Phillips MB, Bendel RE, Crook JE, Diehl NN. Global health implications of preanesthesia medical examination for ophthalmic surgery. Anesthesiology, 2013; 118(5):1038-45.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    Maio 2016
  • Aceito
    20 Jun 2016
location_on
Sociedade Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 , 22231-170 Rio de Janeiro - RJ - Brasil, Tel.: (55 21) 3235-9220, Fax: (55 21) 2205-2240 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbo@sboportal.org.br
rss_feed Stay informed of issues for this journal through your RSS reader
Acessibilidade / Reportar erro