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A representação do adoecer em adolescentes com lúpus eritematoso sistêmico Esta pesquisa se desenvolveu no Hospital Federal dos Servidores do Estado, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

RESUMO

Introdução:

Esse estudo, feito em um hospital federal na cidade do Rio de Janeiro, teve por objetivo analisar a representação social da doença crônica e de seu tratamento, na perspectiva de adolescentes e de seus cuidadores.

Métodos:

A amostra consistiu de 31 adolescentes (11–21 anos) com lúpus eritematoso sistêmico e 19 cuidadores (32–66 anos), seguidos em serviços pediátricos e de clínica médica durante seis meses. Foram coletados dados com a aplicação do Teste de Associação Livre de Palavras, com o uso dos impulsos doença crônica e tratamento da doença crônica, mais tarde submetidos à Análise de Correspondência Múltipla com o uso do programa de computador R.

Resultados:

O grupo de adolescentes associou o impulso doença crônica com as palavras remédio, ruim, doença, dificuldade, sem cura, , e alegria; e o grupo de cuidadores com as palavras carinho, tratamento, sem cura, e com a palavra “não”. O impulso tratamento da doença crônica foi associado, no grupo de adolescentes, com as palavras paciência, melhoria, ajuda, afeto, carinho e ruim; e, no grupo dos cuidadores, com as palavras carinho, esperança, horário, conhecimento, obediência, remédio, profissional e melhoria. Os cuidadores também associaram os impulsos e palavras de acordo com a faixa etária: doença crônica foi associado à palavra carinho (> 61 anos), dor e impotência (42–61 anos), tratamento (22–41 anos); e tratamento da doença crônica foi associado às palavras força (> 61 anos), profissional, conhecimento e melhoria (42–61 anos), afeto e horário (22–41 anos).

Conclusões:

Considerando a experiência do adoecer como subjetiva e dinâmica, o conhecimento das representações pode contribuir para a orientação da conduta e tipo de intervenção psicoterapêutica necessária.

Palavras-chave:
Lúpus eritematoso sistêmico; Doença crônica; Processo saúde-doença; Associação livre; Acolhimento

ABSTRACT

Introduction:

This study, developed in a federal hospital in the city of Rio de Janeiro, has aimed to analyze the social representation of chronic disease and its treatment, in the perspective of adolescents and their caregivers.

Methods:

The sample consisted of 31 adolescents (11–21 years) with systemic lupus erythematosus and 19 caregivers (32–66 years), followed in the pediatrics and in the internal medicine outpatient clinics for a period of six months. Data was collected from the free association of words test, using chronic disease and treatment of chronic disease impulses, and later submitted to the Multiple Correspondence Analysis using the R software.

Results:

The group of adolescents associated the impulse chronic disease with the words medication, bad, illness, difficulty, no cure, faith and joy; and in the group of caregivers, to care, treatment, no cure and the word ‘no’. The impulse treatment of chronic disease was associated, in the group of adolescents, with the words patience, improvement, help, affection, care and bad; and in the group of caregivers, to caring, hope, schedule, knowledge, obedience, medication, professional and improvement. Caregivers also associated impulses and words according to age: chronic disease was associated with the word care (over 61 years), pain and impotence (42–61 years), treatment (22–41 years); and treatment of chronic disease, with the words strength (over 61 years), professional, knowledge and improvement (42–61 years), affection and schedule (22–41 years).

Conclusions:

Considering as subjective and dynamic the experience of getting ill, knowing the representations can contribute to the orientation of conduct and type of psychotherapeutic intervention needed.

Keywords:
Systemic lupus erythematosus; Chronic disease; Health-disease process; Free association; User embracement

Introdução

O conceito de saúde vem sendo discutido ao longo dos anos e, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), a saúde passa a ser considerada como direito de todo cidadão e dever do Estado (Lei Orgânica de Saúde nº 8080/1990, com base no artigo 198 da Constituição brasileira de 1988). A partir do incremento nos debates priorizando a humanização, em 2004 o Ministério da Saúde regulamenta a Política Nacional de Humanização (PNH), com o objetivo de aprimorar as relações entre profissionais, usuários, hospital e comunidade.11 Brasil. HumanizaSUS: Política Nacional de Humanização: a humanização como eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS. Brasília: Secretaria Executiva, Ministério da Saúde; 2004.

A humanização surge como política transversal que supõe ultrapassar as fronteiras dos diferentes saberes e poderes na produção da saúde.22 Souza WS, Moreira MCN. A temática da humanização na saúde: alguns apontamentos para debate. Interface – Comunicação, Saúde, Educação. 2008;12:327-38.

Com a proposta de humanizar as práticas de atenção e gestão, a PNH atravessa a rede do SUS a partir de um conjunto de ações e dispositivos,33 Brehmer LCF, Verdi M. Acolhimento na atenção básica: reflexões éticas sobre a atenção à saúde dos usuários. Ciência Saúde Coletiva. 2010;15:3569-78. dentre os quais destacaremos o acolhimento, que se refere a um modo de operar os processos de trabalho, compreende desde a recepção do usuário no sistema de saúde e responsabilização integral das suas necessidades até a resolutividade do problema.33 Brehmer LCF, Verdi M. Acolhimento na atenção básica: reflexões éticas sobre a atenção à saúde dos usuários. Ciência Saúde Coletiva. 2010;15:3569-78.,44 Ayres JRCM. Cuidado e humanização das práticas de saúde. In: Deslandes SF, editor. Humanização dos cuidados em saúde: conceitos, dilemas e práticas. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2006. p. 49–83.

Com relação aos pilares do acolhimento, encontramos a qualificação das relações com escuta ampliada e atenção às necessidades do usuário. Ou seja, o acolhimento surge como uma ferramenta de intervenção que envolve preocupação com a qualidade e o tipo de escuta que se oferece. Poder ouvir e fazer-se ouvir é fundamental para fazer surgir na cena do cuidado, dois sujeitos e um objeto mediador (sofrimentos, riscos, disfunções), e não um sujeito-profissional e seu objeto-usuário.55 Franco TB, Bueno W, Merhy EE. O acolhimento e os processos de trabalho em saúde: o caso de Betim, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publ. 1999;15:345-53.

Especialmente na situação de adoecimento crônico – condição com a qual o sujeito tem que conviver pelo resto da vida66 Canesqui AM. Olhares socioantropológicos sobre os adoecidos crônicos. São Paulo: Hucitec/Fapesp; 2007. – torna-se essencial uma prática baseada na dimensão dialógica, interativa e cuidadora, na qual o sujeito se perceba como participante ativo e corresponsável no processo de produção de saúde.77 Kleinmam A. The illness narratives: suffering, healing and the human condition. New York: Basic Books Inc.; 1988.,88 Bury M. Illness narrative: fact or fiction? Sociol Health Illn. 2001;23:263-85.

Conhecer os significados do adoecimento, a partir do estudo das representações sociais, pode favorecer a escuta dos profissionais durante a assistência, facilitar a comunicação social e orientar condutas.99 Minayo MCS, Assis SG, Souza ER, Njaine K, Deslandes SF, Silva CMFP, et al. Fala galera: juventude, violência e cidadania na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Garamond; 1999.

O conceito de representação social (RS) foi definido por Moscovici em sua tese de doutorado intitulada La psychanalyse, son image et son public (1961) e, posteriormente, aprofundado por Jodelet (2001). RS seria, então, “uma forma de conhecimento socialmente elaborado e compartilhado, que contribui para a construção de uma realidade comum a um determinado conjunto social”.1010 Moscovic S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar; 1978.,1111 Jodelet D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: Jodelet D, editor. As representações sociais. Rio de Janeiro: Eduerj; 2001. p. 17–44.

Diversos autores assinalam existir uma sucessiva correspondência entre os significados que cada um atribui aos fatos no mundo partilhado em comum1212 Berger P, Luckmann T. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes; 2006.,1313 Bastos OM, Deslandes SFA. Experiência de ter um filho com deficiência mental: narrativas de mães. Cad Saúde Públ. 2008;24:2141-50. e que a realidade social exerce influência na forma como cada um pensa e age, inclusive diante da situação de doença.1414 Atkinson S. Anthropology in research on the quality of health services. Cad Saúde Públ. 1993;9:283-99.1616 Estevam ID, Coutinho MPL, Araújo LF. Os desafios da prática socioeducativa de privação de liberdade em adolescentes em conflito com a lei: ressocialização ou exclusão social? Rev Psico Porto Alegre. 2009;40:64-72. Quer dizer, a experiência da doença depende do que as pessoas e os grupos sociais entendem por doença e como nela se situam.1414 Atkinson S. Anthropology in research on the quality of health services. Cad Saúde Públ. 1993;9:283-99.,1717 Oliveira FA. Antropologia nos serviços de saúde: integralidade, cultura e comunicação. Interface – Comun, Saúde, Educ. 2002;6:63-74.,1818 Gomes R, Mendonça EA. A representação e a experiência da doença: princípios para a pesquisa qualitativa em saúde. In: Minayo MCS, Deslandes SF, editors. Caminhos do pensamento: epistemologia e método. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. p. 109–32.

A partir dessa perspectiva, considera-se que a análise dos significados da enfermidade pode ajudar na identificação dos sentimentos latentes e das percepções dos sujeitos, dentro da cena do adoecer e do cuidado.

A doença escolhida foi o lúpus eritematoso sistêmico (LES) – doença inflamatória crônica, multissistêmica, de causa desconhecida e natureza autoimune, caracterizada pela presença de autoanticorpos,1919 Sato EL, Bonfá ED, Costallat LTL, Silva NA, Brenol JCT, Santiago MB, et al. Consenso brasileiro para o tratamento do lúpus eritematoso sistêmico. Rev Bras Reumatol. 2002;42:362-70.,2020 Ayache DCG, Costa IP. Alterações da personalidade no lúpus eritematoso sistêmico. Rev Bras Reumatol. 2005;45:313-8. que pode levar à incapacidade física e/ou funcional.2121 Appenzeller S, Costallat LTL. Comprometimento primário do sistema nervoso central no lúpus eritematoso sistêmico. Rev Bras Reumatol. 2003;43:20-5.,2222 Borba EF, Latorre LC, Brenol JCT, Kayser C, Silva NA, Zimmermann AF, et al. Consenso de lúpus eritematoso sistêmico. Rev Bras Reumatol. 2008;48:196-207. Segundo alguns estudos, 24-59% dos casos de LES podem apresentar acometimento neurológico, síndromes neuropsiquiátricas e psicofuncionais.1919 Sato EL, Bonfá ED, Costallat LTL, Silva NA, Brenol JCT, Santiago MB, et al. Consenso brasileiro para o tratamento do lúpus eritematoso sistêmico. Rev Bras Reumatol. 2002;42:362-70.2121 Appenzeller S, Costallat LTL. Comprometimento primário do sistema nervoso central no lúpus eritematoso sistêmico. Rev Bras Reumatol. 2003;43:20-5.

A inclusão do ambiente e do social no entendimento dos pacientes com LES mostra-se relevante, na medida em que há um consenso na comunidade científica quanto à etiologia multifatorial do LES, sugere-se como causa fatores hormonais, genéticos, infecciosos, ambientais e psicológicos.2020 Ayache DCG, Costa IP. Alterações da personalidade no lúpus eritematoso sistêmico. Rev Bras Reumatol. 2005;45:313-8.2323 Freire EAM, Souto LM, Ciconelli RM. Medidas de avaliação em lúpus eritematoso sistêmico. Rev Bras Reumatol. 2011;51:70-80. Esses últimos por muitos associado como fator primordial para o agravamento da doença.2020 Ayache DCG, Costa IP. Alterações da personalidade no lúpus eritematoso sistêmico. Rev Bras Reumatol. 2005;45:313-8.,2323 Freire EAM, Souto LM, Ciconelli RM. Medidas de avaliação em lúpus eritematoso sistêmico. Rev Bras Reumatol. 2011;51:70-80.2525 Melo LF, Da-Silva SL. Análise neuropsicológica de distúrbios cognitivos em pacientes com fibromialgia, artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico. Rev Bras Reumatol. 2012;52:175-88.

A partir do exposto, este estudo buscou analisar as representações sociais da doença crônica e do seu tratamento, na ótica dos adolescentes e/ou de seus cuidadores, e espera trazer contribuições ao acolhimento dos adolescentes com LES.

Material e métodos

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE) sob o parecer nº 456.572.

A coleta dos dados foi feita de fevereiro a agosto de 2014, no ambulatório de pediatria e de clínica médica, e no hospital-dia. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Critérios de inclusão e exclusão

Definiram-se como participantes da pesquisa: os adolescentes, na faixa de 11 a 21 anos, com diagnóstico de LES bem definido segundo os critérios do American College of Rheumatology, e seus cuidadores. Os critérios de classificação propostos em 1982 e revisados em 1997 se baseiam em, pelo menos, quatro de 11 critérios: eritema malar, lesão discoide, fotossensibilidade, úlceras orais e nasais, artrite, serosite, comprometimento renal, alterações neurológicas, alterações hematológicas, alterações imunológicas, e anticorpos nucleares.2525 Melo LF, Da-Silva SL. Análise neuropsicológica de distúrbios cognitivos em pacientes com fibromialgia, artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico. Rev Bras Reumatol. 2012;52:175-88.2828 Costallat LTL, Appenzeller S, Bértolo MB. Lúpus neuropsiquiátrico de acordo com a nova nomenclatura e definição de casos do colégio Americano de Reumatologia (ACR): análise de 527 pacientes. Rev Bras Reumatol. 2001;41:133-41.

Como critério de inclusão, foram considerados somente os pacientes com tempo de evolução da doença de, pelo menos, seis meses.

Levando-se em conta que as doenças têm impacto diferente na qualidade de vida de quem as contrai, bem como na percepção da doença e do adoecer, excluíram-se os que apresentavam outra patologia, além do lúpus. Apesar de que o tipo e a intensidade das manifestações do LES implica doses maiores ou menores de corticosteroides e essa medicação provoca alterações psiquiátricas em curto prazo, além de vários efeitos adversos em longo prazo, e podem interferir nos resultados da pesquisa.

Os cuidadores não apresentavam lúpus e qualquer outra doença crônica, mas interessou incluí-los no estudo e apreender os significados por eles atribuídos ao adoecimento, para comparar os resultados entre os dois grupos (adolescentes e cuidadores), visto que o meio familiar e cultural pode interferir no processo de significação.1212 Berger P, Luckmann T. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes; 2006.,1313 Bastos OM, Deslandes SFA. Experiência de ter um filho com deficiência mental: narrativas de mães. Cad Saúde Públ. 2008;24:2141-50.

A amostra foi composta por 31 adolescentes e 19 cuidadores (pai, mãe, avós) e a idade e o nível de instrução foram categorizados. As faixas etárias: 11-21 anos relativa aos adolescentes; acima de 61 anos, 42-61 anos e 22-41 anos, relativas aos cuidadores. O nível de instrução (NI): nível superior (mais de 12 anos); ensino médio (10-12 anos); ensino fundamental II (6-9 anos); e analfabetismo até ensino fundamental I (0-5 anos).

O grupo dos adolescentes de 11 a 21 anos foi composto por quatro homens e 27 mulheres; e o dos cuidadores, 32 a 66 anos, dois homens e 17 mulheres. O nível de instrução (NI) variou em cada grupo. O NI dos adolescentes foi 12,90% nível superior, 64,52% ensino médio e 22,58% fundamental II. Dos cuidadores, foi 15,79% nível superior, 31,58% ensino médio, 21,05% fundamental II e 31,58% até fundamental I.

Os adolescentes da pesquisa apresentavam os seguintes critérios de classificação do LES: lesão discoide, fotossensibilidade, artrite, comprometimento renal, alterações hematológicas, alterações imunológicas.

Instrumento de coleta

O instrumento usado para a coleta de dados foi o Teste de Associação Livre de Palavras (TALP), concebido por Carl Jung (1905) com o objetivo de fazer o diagnóstico psicológico sobre a estrutura de personalidade dos indivíduos.2929 Guerreiro MR, Curado MA. Picar… faz doer! Representações de dor na criança, em idade escolar, submetida a punção venosa. Rev Enfermeira Global Enero. 2012;25:75-91. Em 1981, esse teste foi adaptado ao campo da psicologia social por Di Giacomo, passou a ser bastante usado nos trabalhos sobre representações sociais. Nesses casos, com objetivo de identificar as dimensões latentes das representações, sem que ocorra filtragem da censura na evocação, através da configuração de uma rede associativa entre um estímulo indutor e os conteúdos evocados.3030 Nóbrega SM, Coutinho MPL. O teste de associação livre de palavras. In: Coutinho MPL, editor. Representações sociais: abordagem interdisciplinar. João Pessoa: Universitária UFPB; 2003. p. 67–77.,3131 De Rosa AS. A rede associativa: uma técnica para captar a estrutura, os conteúdos e os índices de polaridade, neutralidade e estereotipia dos campos semânticos relacionados com as representações sociais. In: Moreira ASP, Jesuino BVCJC, Nóbrega SM, editors. Perspectivas teórico-metodológicas em representações sociais. João Pessoa: Universitária UFPB; 2005. p. 61–128.

O teste é feito a partir da enunciação de estímulos indutores e os sujeitos analisados devem definir, de forma rápida, palavras associadas aos estímulos. Apoia-se em um repertório conceitual que permite unificar universos semânticos e salientar universos de palavras comuns face aos estímulos indutores e participantes da pesquisa.2929 Guerreiro MR, Curado MA. Picar… faz doer! Representações de dor na criança, em idade escolar, submetida a punção venosa. Rev Enfermeira Global Enero. 2012;25:75-91.3333 Botêlho SM, Boery RNSO, Vilela ABA, Santos WS, Pinto LS, Ribeiro VM, et al. O cuidar materno diante do filho prematuro: um estudo das representações sociais. Rev Esc Enferm USP. 2012;46:929-34.

Método de aplicação

Para melhor definição dos estímulos-indutores a serem usados, houve uma etapa de estudo-piloto na qual se avaliaram alguns estímulos-candidatos. A partir dessa etapa, os estímulos definidos foram: doença crônica (estímulo 1) e tratamento da doença crônica (estímulo 2). Com esses estímulos, considerou-se que seria possível obter os significados dados tanto à experiência do adoecimento crônico como ao cuidado.

Houve, previamente, uma etapa explicativa para esclarecer o funcionamento do teste e familiarizar o entrevistado com a técnica, com o uso de um estímulo-indutor de fantasia e exemplos de respostas associadas: como estímulos, “futebol” e “sol”; e como respostas ilustrativas, “gol, emoção, paixão, sucesso, fama” (estímulo 1) e “felicidade, vida, alegria, praia e futebol” (estímulo 2). Foi enfatizada a importância de a associação ser feita de forma rápida, com o uso de apenas expressões ou palavras isoladas e evitar frases completas ou construções mais elaboradas.3030 Nóbrega SM, Coutinho MPL. O teste de associação livre de palavras. In: Coutinho MPL, editor. Representações sociais: abordagem interdisciplinar. João Pessoa: Universitária UFPB; 2003. p. 67–77.

O teste foi aplicado individualmente, em espaço reservado para evitar interferências e garantir a privacidade, durante as consultas ambulatoriais na pediatria e na clínica médica e no hospital-dia, quando os adolescentes iam receber medicação intravenosa.

O pesquisador, tendo em mãos papel e caneta, solicitava ao sujeito associar cinco palavras a cada um dos estímulos contido nas perguntas: “o que vem à sua mente quando eu digo doença crônica?”; e depois, “o que vem à sua mente quando eu digo tratamento da doença crônica?”.

Análise estatística

As cinco respostas para cada estímulo e as características pessoais dos entrevistados deram origem a uma matriz multidimensional cujas associações existentes puderam dar significado aos sentimentos relacionados ao adoecimento crônico.

O método mais comum de análise usado na literatura das representações sociais é o de Análise de Correspondência Múltipla (ACM), por ser uma técnica multivariada que possibilita descrever as associações encontradas nas dimensões de um espaço 5-dimensional em uma representação gráfica bidimensional das diferentes interrelações existentes entre as palavras ou variáveis. Nesse caso, a ACM permite analisar que expressões ou palavras estão associadas, para adolescentes e cuidadores, bem como as associações com as variáveis2929 Guerreiro MR, Curado MA. Picar… faz doer! Representações de dor na criança, em idade escolar, submetida a punção venosa. Rev Enfermeira Global Enero. 2012;25:75-91. que, neste estudo, foram: idade e nível de instrução.

Essa técnica, a partir de operações na matriz de dados, define relações de proximidade e de oposição entre as palavras obtidas em cada estímulo ou com outras variáveis ativas. A importância de cada palavra ou variável, em cada uma das dimensões ou fatores, é determinada a partir do seu peso, denominado de “carga fatorial”. A representação no eixo cartesiano das palavras e variáveis a partir dessas cargas fatoriais e a partir das oposições e proximidades permite buscar uma interpretação dos eixos de cada dimensão relacionada ao problema. Nessa análise também se verifica os níveis de participação das variáveis em termos de contribuição absoluta.

As análises estatísticas foram feitas com a biblioteca FactomineR, dedicada à Análise Exploratória Multivariada de Dados3434 Lê S, Josse J, Husson F. FactoMineR: an R package for multivariate analysis. J Stat Softw. 2008;25:1-18. do programa R (software livre) amplamente usado na área da estatística.

Resultados

As palavras evocadas por meio do teste foram agrupadas e levaram-se em consideração as sinonímias, semelhanças semânticas e os sinônimos (sob consulta ao dicionário da língua portuguesa),3535 Dicionário Editora da Língua Portuguesa. Coleção Dicionários Editora, Porto Editora, Edição 2014, ISBN 978-972-0-01866-3. colocadas no substantivo, singular e verbo infinitivo. As palavras devem ser retidas quando aparecem a partir de determinada frequência2929 Guerreiro MR, Curado MA. Picar… faz doer! Representações de dor na criança, em idade escolar, submetida a punção venosa. Rev Enfermeira Global Enero. 2012;25:75-91. e, neste estudo, foram consideradas as palavras evocadas três vezes ou mais. Isso foi feito para os dois grupos e para cada estímulo, o que resultou na composição de quatro listas finais de palavras.

Constituiu-se um banco de dados para cada grupo e para cada estímulo, composto pela faixa etária, sexo, nível de escolaridade e as cinco respostas evocadas.

Frente ao estímulo doença crônica, os adolescentes evocaram 147 palavras, das quais foram retidas 92 (14 distintas). Enquanto os cuidadores produziram 87 palavras, das quais 57 foram retidas (nove distintas). Frente ao estímulo tratamento da doença crônica, os adolescentes evocaram 148 palavras, das quais 107 foram retidas (18 distintas). Enquanto os cuidadores produziram 94 palavras, das quais 70 foram retidas (13 distintas). Para representar a frequência de palavras, usou-se uma nuvem de palavras produzida por aplicativo disponível no site http://www.wordle.net/create.3636 Nuvens de Palavras. Available in: http://www.wordle.net/create.
http://www.wordle.net/create...

Na nuvem de palavras, o tamanho das letras está associado à frequência da palavra. Quanto maior o tamanho da palavra, significa que mais vezes a palavra foi evocada na associação ao estímulo. Aparecem nas nuvens somente as palavras retidas (frequência igual ou superior a três ocorrências) e as diferentes tonalidades ou cores nada significam, servem apenas para facilitar a visualização das palavras retidas (fig. 1).

Figura 1
Nuvem de Palavras frente aos Estímulos 1 e 2.

A partir das nuvens de palavras produzidas pelo grupo de adolescentes, observou-se associação entre o estímulo doença crônica e as palavras (em ordem decrescente): tristeza e dor (em maior grau), remédio, dificuldade, aprendizado, sem cura, cuidado, doença, limitação, fé, alegria, ruim; e alguns não souberam designar. Frente ao estímulo tratamento da doença crônica surgiram associações com as palavras (em ordem decrescente): remédio e força (em maior grau), esperança, melhoria, consulta, disciplina, felicidade, responsabilidade, saúde, necessário, profissional, ajuda, cuidado, cura, “não”, paciência, ruim e afeto.

As nuvens de palavras produzidas pelo grupo dos cuidadores ilustraram associação entre doença crônica e as palavras (em ordem decrescente): impotência, tratamento, cuidado, dor, esperança, tristeza, sem cura, “não”; e alguns não souberam designar. O estímulo tratamento da doença crônica surgiu associado às palavras (em ordem decrescente): esperança (alta frequência), carinho, melhoria, força, remédio, conhecimento, horário, profissional, cura, exame, obediência, protetor (solar); e alguns não souberam designar.

Na análise dos resultados da ACM obtidos a partir do primeiro estímulo no grupo dos adolescentes, foram selecionados os fatores 1 e 2, que, juntos, explicaram 21,08% da estrutura de variabilidade dos dados.

Na representação visual desse resultado foi possível perceber que os jovens com nível de instrução superior (acima de 12 anos de estudo) associaram doença crônica à palavra remédio; com nível médio (10-12 anos de estudo) às palavras dificuldade, sem cura, e alegria; e com nível fundamental II (6-9 anos de estudo) às palavras ruim e doença (fig. 2).

Figura 2
ACM grupo Adolescentes: Estímulo “doença crônica”.

Na análise dos resultados da ACM obtidos a partir do primeiro estímulo no grupo dos cuidadores foram selecionados os fatores 1 e 3 que, juntos, explicaram 27,48% da estrutura de variabilidade dos dados.

Na representação visual desse resultado observou-se associação entre determinadas palavras, faixa etária e nível de escolaridade. Os cuidadores mais idosos associaram doença crônica à palavra cuidado, enquanto os mais jovens à palavra tratamento. Quanto às associações de acordo com o nível de instrução, observou-se que os cuidadores com nível médio (10-12 anos de estudo) associaram doença crônica às palavras tratamento e sem cura; com nível fundamental II (6-9 anos de estudo) à palavra não; e analfabetos até fundamental I (0-5 anos de estudo) à palavra cuidado (fig. 3).

Figura 3
ACM grupo Cuidadores: Estímulo “doença crônica”.

Na análise dos resultados da ACM obtidos a partir do segundo estímulo, foram selecionados para apresentar, em ambos os grupos, os fatores 1 e 2 que explicaram 15,48% da estrutura de variabilidade dos dados obtidos no grupo dos adolescentes e 20,04% no grupo dos cuidadores.

Na representação visual do resultado da ACM do segundo estímulo no grupo dos adolescentes, houve correlação entre palavras e nível de escolaridade. Os jovens com nível de instrução superior (acima de 12 anos de estudo) associaram tratamento da doença crônica à palavra paciência; com nível médio (10-12 anos de estudo) às palavras melhoria, ajuda, afeto e cuidado; e com nível fundamental II (6-9 anos de estudo) à palavra ruim (fig. 4).

Figura 4
ACM grupo Adolescentes: Estímulo “tratamento da doença crônica”.

Na representação visual do resultado da ACM obtido a partir do segundo estímulo no grupo dos cuidadores, percebeu-se associação entre palavras, faixa etária e nível de escolaridade. Os cuidadores mais idosos (acima 61 anos) associaram tratamento da doença crônica à palavra força; com 42-61 anos às palavras profissional, conhecimento e melhoria; e os mais jovens (22-41 anos) à palavra horário. Os cuidadores com nível de instrução superior (acima de 12 anos de estudo) associaram tratamento à palavra carinho; com ensino médio (10-12 anos de estudo) à palavra esperança; com fundamental II (6-9 anos de estudo) às palavras conhecimento e obediência; e analfabetos até fundamental I (0-5 anos de estudo) às palavras remédio e não sabe (fig. 5).

Figura 5
ACM grupo Cuidadores: Estímulo “tratamento da doença crônica”.

Discussão e conclusão

A vinda de um filho vem sempre carregada de desejos, sonhos, expectativas e significados – marcas fundantes da sua subjetividade sustentadas no vínculo inicial mãe-bebê.3737 Battikha EC, Faria MCC, Kopelman BI. As representações maternas acerca do bebê que nasce com doenças orgânicas graves. Psicol: Teoria e Pesquisa. 2007;23:17-24. Embora o filho real nunca corresponda ao filho imaginário porque esse é sempre idealizado, o nascimento de um filho com algum tipo de deficiência ou doença pode afetar a relação mãe-filho e confirmar as fantasias da mãe de poder ou não gerar “um filho perfeito”.3737 Battikha EC, Faria MCC, Kopelman BI. As representações maternas acerca do bebê que nasce com doenças orgânicas graves. Psicol: Teoria e Pesquisa. 2007;23:17-24.3939 Belini AEG, Fernandes FDM. Olhar e contato ocular: desenvolvimento típico e comparação na Síndrome de Down. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13:52-9.

Ter um filho em situação crônica de saúde acarreta mudanças na rotina da família, pode repercutir nas dinâmicas familiares1313 Bastos OM, Deslandes SFA. Experiência de ter um filho com deficiência mental: narrativas de mães. Cad Saúde Públ. 2008;24:2141-50. e trazer um impacto na vida cotidiana.1515 Lira GV, Nations MK, Catrib AMF. Cronicidade e cuidados em saúde: o que a antropologia da saúde tem nos ensinar? Texto Contexto Enferm. 2004;13:147-55. Estudo sobre as representações maternas acerca do nascimento de um filho com doença orgânica grave mostra que a fala das mães sobre os filhos se dá a partir do problema de saúde desse, como se não encontrassem outra possibilidade de simbolização a respeito do filho que não a doença.3737 Battikha EC, Faria MCC, Kopelman BI. As representações maternas acerca do bebê que nasce com doenças orgânicas graves. Psicol: Teoria e Pesquisa. 2007;23:17-24. Daí interessou incluir os cuidadores – responsáveis pelo tratamento do adolescente – neste estudo, conhecer sua percepção sobre doença e cuidado e se existe semelhança entre os significados atribuídos pelos dois grupos.

A doença crônica, especialmente quando ocorre na criança ou no adolescente, afeta a todos os envolvidos (paciente, família, profissionais), por vários fatores: dificuldades e limitações oriundas da própria doença, tratamento por toda a vida, sofrimento diante do estigma social,1313 Bastos OM, Deslandes SFA. Experiência de ter um filho com deficiência mental: narrativas de mães. Cad Saúde Públ. 2008;24:2141-50. ferida narcísica em não ser o filho perfeito,4040 Freud S. Sobre o narcisismo: uma introdução. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, xiv. Rio de Janeiro: Imago; 1976. p. 103–8.,4141 Martins BSO. O corpo-sujeito nas representações culturais da cegueira. Rev Psicol. 2009;21:5-22. questões econômicas (desde o custo do tratamento até a escolaridade e inserção no mercado de trabalho),4242 Resende OLC [Dissertação de Mestrado] O médico e a díade com doença ocular grave. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2010. entre outros.

O aspecto psicoemocional mostra-se sempre presente, em diversos níveis e momentos. Não apenas em doenças “psicossomáticas”, nas quais o emocional surge como fator desencadeante, mas na própria condição de estar enfermo. Embora o LES tenha evolução tipicamente marcada por períodos de remissão e exacerbação, e sofra influência de diversos fatores, alguns autores identificam o surgimento da doença após situações de “estresse” e a pioria da atividade clínica precedida por estressores cotidianos ligados a relacionamentos interpessoais.4343 Petri M. Systemic lupus erythematosus: clinical aspects. In: Koopman WJ, editor. Arthritis and allied conditions: a textbook of Rheumatology, 26, 14th ed. Lippincott Williams; 2000. p. 377–88.,4444 Nery FG, Borba EF, Neto FL. Influência do estresse psicossocial no lúpus eritematoso sistêmico. Rev Bras Reumatol. 2004;44:355-61. Outros observam a influência das emoções e do ambiente na imunidade e na doença física dos sujeitos.4545 Solomon GF, Moos RH. Emotions, immunity, and disease; a speculative theoretical integration. Arch Gen Psychiatry. 1964;11:657-74.

Considerando que a experiência do adoecimento depende do que o indivíduo entende por doença1818 Gomes R, Mendonça EA. A representação e a experiência da doença: princípios para a pesquisa qualitativa em saúde. In: Minayo MCS, Deslandes SF, editors. Caminhos do pensamento: epistemologia e método. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. p. 109–32. e os significados atribuídos aos fatos recebem influência do meio sociocultural,1414 Atkinson S. Anthropology in research on the quality of health services. Cad Saúde Públ. 1993;9:283-99.,1616 Estevam ID, Coutinho MPL, Araújo LF. Os desafios da prática socioeducativa de privação de liberdade em adolescentes em conflito com a lei: ressocialização ou exclusão social? Rev Psico Porto Alegre. 2009;40:64-72.,1818 Gomes R, Mendonça EA. A representação e a experiência da doença: princípios para a pesquisa qualitativa em saúde. In: Minayo MCS, Deslandes SF, editors. Caminhos do pensamento: epistemologia e método. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. p. 109–32. buscou-se analisar as representações sociais dos adolescentes com lúpus e dos seus cuidadores sobre o adoecimento crônico e tratamento, através de uma rede associativa de palavras.

A partir das listagens de palavras produzidas, observou-se sentimentos e percepções antagônicas, embora algumas evocações tenham sido semelhantes entre os dois grupos.

As associações feitas pelos adolescentes frente aos dois estímulos ilustraram evocações de dor, ao mesmo tempo que a necessidade de lutar: tristeza, dificuldade, superação, fé, alegria, força, esperança, paciência – apontaram para a importância do apoio (família, amigos, profissionais) no enfrentamento da doença. Nas suas evocações, os jovens reconheceram a importância do tratamento para melhoria da doença (remédio, consulta, disciplina, responsabilidade, necessário, paciência) e salientaram a figura do profissional e do cuidado.

As associações percebidas nas nuvens de palavras evocadas pelos cuidadores mostraram o mesmo antagonismo. Por um lado, palavras como dor, impotência, tristeza, sem cura, e, por outro, palavras como esperança, carinho, força. Também evocadas as palavras remédio, horário, conhecimento, obediência e a figura do profissional, que apontaram para a importância da adesão ao tratamento e comprometimento.

Surgiram palavras em comum aos dois grupos, o que corroborou com alguns autores sobre a influência do meio no processo de significação na situação de doença:1414 Atkinson S. Anthropology in research on the quality of health services. Cad Saúde Públ. 1993;9:283-99.,1616 Estevam ID, Coutinho MPL, Araújo LF. Os desafios da prática socioeducativa de privação de liberdade em adolescentes em conflito com a lei: ressocialização ou exclusão social? Rev Psico Porto Alegre. 2009;40:64-72.,1818 Gomes R, Mendonça EA. A representação e a experiência da doença: princípios para a pesquisa qualitativa em saúde. In: Minayo MCS, Deslandes SF, editors. Caminhos do pensamento: epistemologia e método. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. p. 109–32.doença crônica associada às palavras cuidado/tratamento, dor, tristeza, limitação/impotência; e tratamento da doença crônica, à força, remédio, melhoria.

Os resultados da análise de correspondência no grupo dos cuidadores diferiram entre as faixas etárias, provavelmente pela bagagem e experiências vividas, e interferiram no processo de significação. Para os cuidadores, doença crônica associou-se às palavras cuidado (acima de 61 anos), dor e impotência (42-61 anos) e tratamento (22-41 anos). A vinculação da doença crônica ao cuidado/tratamento sinaliza a percepção de uma situação que demanda acompanhamento contínuo.66 Canesqui AM. Olhares socioantropológicos sobre os adoecidos crônicos. São Paulo: Hucitec/Fapesp; 2007.

O estímulo tratamento da doença crônica foi associado pelos cuidadores às palavras: força (acima 61 anos); profissional, conhecimento e melhoria (42-61 anos); e carinho e horário (22-41 anos). Quer dizer, não apenas vincularam a doença ao cuidado, mas trouxeram para esse cenário a figura do profissional e os afetos –carinho e força.

Observou-se que nos dois grupos surgiram associações distintas a partir do nível de instrução, diante dos dois estímulos. Os adolescentes associaram doença crônica às palavras: remédio (acima de 12 anos); dificuldade, sem cura, fé e alegria (10-12 anos); ruim e doença (6-9 anos). Enquanto os cuidadores associaram às palavras: tratamento, sem cura e a palavra “não” (10-12 anos de estudo); e cuidado (0-5 anos de estudo).

Embora alguns estudos demonstrem que pacientes com LES apresentam significativa taxa indicadora de alteração psiquiátrica (ansiedade, irritabilidade, depressão),2525 Melo LF, Da-Silva SL. Análise neuropsicológica de distúrbios cognitivos em pacientes com fibromialgia, artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico. Rev Bras Reumatol. 2012;52:175-88. os resultados desta pesquisa mostraram sentimentos e percepções ambivalentes dos adolescentes com LES em relação ao estímulo doença crônica: evocações que expressam sentimentos negativos e positivos, valorização das possibilidades terapêuticas e exaltação da fé nesse enfrentamento. Se por um lado trouxeram um prognóstico ruim para a doença (dificuldade-ruim-incurável), se sobrepôs o fato de ela ser tratável (alegria-remédio).

Os cuidadores, apesar de ressaltar a importância do tratamento e do cuidado, associaram doença crônica à dor, impotência e ser incurável. Talvez pelo peso da responsabilidade que recai sobre eles por serem os responsáveis pelo tratamento do menor. Além da preocupação em relação ao futuro do adolescente, que muitas vezes têm sua vida escolar interrompida devido às constantes idas e vindas ao hospital4242 Resende OLC [Dissertação de Mestrado] O médico e a díade com doença ocular grave. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2010..

Em geral, o tratamento foi visto de forma positiva (melhoria, esperança, ajuda), com participação ativa do paciente (conhecimento, obediência, horário, remédio). E os participantes com nível de instrução mais alto trouxeram, em comum, a valorização de a doença ser tratável, a percepção do resultado do tratamento e sentimentos de esperança e afeto nesse enfrentamento. Ou seja, o nível de instrução parece interferir no processo de significação, ao promover a ampliação da visão de mundo, a percepção dos limites e das possibilidades. Resultado que corrobora autores acerca das experiências vividas, que são individuais mas os significados atribuídos são influenciados pelo meio familiar e sociocultural.1414 Atkinson S. Anthropology in research on the quality of health services. Cad Saúde Públ. 1993;9:283-99.,1616 Estevam ID, Coutinho MPL, Araújo LF. Os desafios da prática socioeducativa de privação de liberdade em adolescentes em conflito com a lei: ressocialização ou exclusão social? Rev Psico Porto Alegre. 2009;40:64-72.1818 Gomes R, Mendonça EA. A representação e a experiência da doença: princípios para a pesquisa qualitativa em saúde. In: Minayo MCS, Deslandes SF, editors. Caminhos do pensamento: epistemologia e método. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. p. 109–32.,4646 Geertz C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora; 1989.

A inclusão da figura dos profissionais na cena do cuidado convoca a uma reflexão sobre as mensagens por eles transmitidas nos encontros. De que forma podem interferir a partir da oferta, ou não, de apoio, força, carinho e transmissão das informações.

Corroborando alguns autores, o estudo mostra que a análise das representações pode contribuir para ampliar a escuta e a interpretação das falas e demandas dos pacientes,4747 Favoreto CAO, Cabral CC. Narrativas sobre o processo saúde-doença: experiências em grupos operativos de educação em saúde. Interface – Comunicação, Saúde, Educação. 2009;13:7-18. ao possibilitar o acesso aos significados latentes do adoecimento crônico. Essa metodologia não somente favorece uma escuta qualificada das necessidades dos pacientes e cuidadores, mas traz subsídios para ações que ofereça apoio psicológico, para ajudar na adaptação ao LES, redução da dor e agravamento da doença, melhoria da depressão e ansiedade, melhoria da autoestima e da qualidade de vida do paciente.4848 Cal SF, Borges AP, Santiago MB. Prevalência e classificação da depressão em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico atendidos em um serviço de referência da cidade de Salvador. J LIRNNE. 2006;2:36-42.,4949 Cal SFLM. Revisão da Literatura sobre a eficácia da intervenção psicológica ao tratamento do lúpus eritematoso sistêmico. Rev Psicol Teoria Pesquisa. 2011;27:485-90.

Algumas limitações do estudo ocorreram pela falta do registro sociodemográfico, considerando que o local de habitação poderia trazer dados sociais e econômicos interessantes, e a falta do registro sobre o uso e dose das medicações usas, que talvez pudessem interferir na representação do adoecer pelos adolescentes, já que são pacientes com tratamentos heterogêneos e existem os eventos adversos, principalmente em crianças e adolescentes.

Contudo, os significados que a pessoa usa para explicar a doença fornecem quadros parciais e inacabados, pois a realidade é dinâmica e a experiência, bastante complexa.1515 Lira GV, Nations MK, Catrib AMF. Cronicidade e cuidados em saúde: o que a antropologia da saúde tem nos ensinar? Texto Contexto Enferm. 2004;13:147-55. Outros estudos seriam necessários para elucidar diversas questões, na medida em que que existe uma variedade de fatores que podem interferir no processo de significação.

  • Esta pesquisa se desenvolveu no Hospital Federal dos Servidores do Estado, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2016

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2015
  • Aceito
    25 Fev 2016
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