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Prolactina, estradiol e anticorpos anticardiolipina em amostra de mulheres pré-menopáusicas com lúpus eritematoso sistêmico: estudo-piloto

Resumos

INTRODUÇÃO: O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença autoimune com maior prevalência em mulheres. A maior incidência ocorre durante os anos reprodutivos, sugerindo que o estradiol tenha influência na apresentação clínica do LES. Anticorpos anticardiolipina (ac-ACL) estão relacionados com a síndrome do anticorpo antifosfolipídeo (SAF), mas podem estar presentes em pacientes com LES sem SAF, sendo relacionados com risco cardiovascular e nefrite. OBJETIVO: Determinar se a presença de ac-ACL está associada a alterações hormonais em uma amostra de mulheres com LES. MÉTODOS: Foram avaliadas 47 mulheres com LES de acordo com os critérios do American College of Rheumatology, com idade média de 30,8 ± 8,12 anos. Nenhuma fazia uso de anticoncepcional hormonal, e a atividade do LES foi estimada pelo índice de atividade da doença (SLEDAI). As pacientes foram estratificadas de acordo com a presença ou não de ac-ACL, e os níveis séricos de estradiol e prolactina foram determinados. RESULTADOS: Nove (19,1%) das 47 pacientes tiveram ac-ACL positivos. Idade, tempo de doença e o SLEDAI foram similares entre os grupos. No entanto, a mediana do estradiol foi menor no grupo com ac-ACL positivo [46,8 (21,0-72,1) pg/mL] com relação ao grupo com ac-ACL negativo [122,3 (64,8-172,7) pg/mL, P = 0,004]. CONCLUSÃO: Estes resultados sugerem, pela primeira vez, uma associação inversa entre ac-ACL e níveis de estradiol em pacientes pré-menopáusicas com LES. Considerando que tanto níveis reduzidos de estradiol endógeno quanto presença de ac-ACL estão associados a aterosclerose, este achado pode ser clinicamente relevante em predizer risco cardiovascular e/ou desenvolvimento de SAF no LES.

anticorpos; anticardiolipina; estradiol; lúpus eritematoso sistêmico; pré-menopausa; prolactina


INTRODUCTION: Systemic lupus erythematosus (SLE) is an autoimmune disease, with higher prevalence in women. An incidence peak occurs during the reproductive years, suggesting that estradiol may play a role in the clinical presentation of SLE. Anticardiolipin antibodies (ACA) are associated with antiphospholipid antibody syndrome (APLS), but can be found in patients with SLE without APLS, and relate to cardiovascular risk and nephrite. OBJECTIVE: This study aimed at assessing whether the presence of ACA is associated with hormonal changes in a sample of women with SLE. METHODS: Forty-seven women diagnosed with SLE according to the American College of Rheumatology criteria, aged 30.8 ± 8.12 years, were evaluated. None was on hormonal contraception, and their SLE activity was estimated using the SLE Disease Activity Index (SLEDAI). Patients were stratified, according to the presence or absence of ACA, and estradiol and prolactin levels were measured. RESULTS: Nine (19.1%) of 47 patients were positive for ACA. No differences were found between groups concerning age, duration of disease, and SLEDAI. In contrast, the median estradiol level was lower in the ACA-positive group [46.8 (21.0-72.1) pg/mL] than in the ACA-negative group [122.3 (64.8-172.7) pg/mL, P = 0.004]. CONCLUSION: These results suggest, for the first time, an inverse association between ACA and estradiol levels in premenopausal SLE patients. Considering that both lower endogenous estradiol levels and ACA positivity are related to atherosclerosis, our finding may be clinically relevant in predicting cardiovascular risk and/or APLS development in SLE.

systemic lupus erythematosus; antibodies; anticardiolipin; estradiol; premenopause; prolactin


ARTIGO ORIGINAL

Prolactina, estradiol e anticorpos anticardiolipina em amostra de mulheres pré-menopáusicas com lúpus eritematoso sistêmico: estudo-piloto

Fabiane TiskieviczI; Elaine S. MallmannII; João C. T. BrenolIII; Ricardo M. XavierIII; Poli Mara SpritzerIV

IMestre em Endocrinologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS; Especialista em Ginecologia e Obstetrícia

IIProfessora Titular da Universidade de Caxias do Sul - UCS; Doutora em Ciências Médicas pela UFRGS

IIIProfessor Adjunto do Departamento de Medicina Interna da UFRGS; Reumatologista do Serviço de Reumatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre - HCPA

IVProfessora Titular do Departamento de Fisiologia da UFRGS; Coordenadora da Unidade de Endocrinologia Ginecológica do Serviço de Endocrinologia do HCPA

Correspondência para Correspondência para: Poli Mara Spritzer Serviço de Endocrinologia, HCPA. Rua Ramiro Barcelos, 2350 - CPE 4º andar CEP: 90035-003. Porto Alegre, RS, Brasil Telefone: +55 51 3359-8027 E-mail: spritzer@ufrgs.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: O lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença autoimune com maior prevalência em mulheres. A maior incidência ocorre durante os anos reprodutivos, sugerindo que o estradiol tenha influência na apresentação clínica do LES. Anticorpos anticardiolipina (ac-ACL) estão relacionados com a síndrome do anticorpo antifosfolipídeo (SAF), mas podem estar presentes em pacientes com LES sem SAF, sendo relacionados com risco cardiovascular e nefrite.

OBJETIVO: Determinar se a presença de ac-ACL está associada a alterações hormonais em uma amostra de mulheres com LES.

MÉTODOS: Foram avaliadas 47 mulheres com LES de acordo com os critérios do American College of Rheumatology, com idade média de 30,8 ± 8,12 anos. Nenhuma fazia uso de anticoncepcional hormonal, e a atividade do LES foi estimada pelo índice de atividade da doença (SLEDAI). As pacientes foram estratificadas de acordo com a presença ou não de ac-ACL, e os níveis séricos de estradiol e prolactina foram determinados.

RESULTADOS: Nove (19,1%) das 47 pacientes tiveram ac-ACL positivos. Idade, tempo de doença e o SLEDAI foram similares entre os grupos. No entanto, a mediana do estradiol foi menor no grupo com ac-ACL positivo [46,8 (21,0-72,1) pg/mL] com relação ao grupo com ac-ACL negativo [122,3 (64,8-172,7) pg/mL, P = 0,004].

CONCLUSÃO: Estes resultados sugerem, pela primeira vez, uma associação inversa entre ac-ACL e níveis de estradiol em pacientes pré-menopáusicas com LES. Considerando que tanto níveis reduzidos de estradiol endógeno quanto presença de ac-ACL estão associados a aterosclerose, este achado pode ser clinicamente relevante em predizer risco cardiovascular e/ou desenvolvimento de SAF no LES.

Palavras-chave: anticorpos, anticardiolipina, estradiol, lúpus eritematoso sistêmico, pré-menopausa, prolactina.

INTRODUÇÃO

A diferença observada na prevalência das doenças autoimunes entre homens e mulheres tem intrigado muitos investigadores e estimulado estudos sobre o papel dos hormônios sexuais na imunidade. Em pacientes com lúpus eritematoso sistêmico (LES), a prevalência em mulheres durante os anos reprodutivos é de 9:1 com relação aos homens. Além disso, a apresentação clínica parece também diferir entre os gêneros, tendo os homens doença renal mais grave, assim como maior envolvimento neurológico e cardiorrespiratório que as mulheres.1,2

Tem-se demonstrado que os hormônios sexuais como testosterona, estradiol e prolactina exercem influência sobre mecanismos do sistema imunológico em animais e seres humanos, afetando várias funções imunes, incluindo maturação e ativação linfocitária, assim como síntese de autoanticorpos e citocinas.3 Os resultados observados são conflitantes com relação ao papel do estrogênio, talvez devido a efeitos distintos deste hormônio em diferentes linhagens celulares. No entanto, considera-se que ele promova um aumento da proliferação celular e da resposta imune humoral.4

Recentemente foi levantada a hipótese de que os hormônios sexuais poderiam estar associados às manifestações da síndrome do anticorpo antifosfolipídeo (SAF).5,6 Esta síndrome é definida pela presença de anticorpos antifosfolípídeos em pacientes com história de perda fetal e/ou tromboembolismo venoso e arterial recorrentes.

Os anticorpos antifosfolipídeos incluem o anticoagulante lúpico, os anticorpos anticardiolipina (ac-ACL) e a anti-β2-glicoproteína I, e podem causar um prolongamento nos testes coagulométricos dependentes de fosfolipídios, como o tempo de tromboplastina parcial ativada. Apesar dos achados laboratoriais, pacientes com anticorpos antifosfolipídeos apresentam maior risco para eventos tromboembólicos que para hemorrágicos.5 Os ac-ACL são detectados por ELISA (enzyme-linked immunosorbent assay) e possuem os isotipos IgG, IgM e IgA. O IgG apresenta forte associação com trombose.7,8

O presente trabalho tem como objetivo avaliar se existe relação entre a presença de ac-ACL (IgG e IgM) e os níveis de estradiol e prolactina em uma amostra de mulheres em idade reprodutiva com diagnóstico de LES.

PACIENTES E MÉTODOS

O delineamento deste trabalho é o de um estudo transversal, não controlado. Foram incluídas no estudo 47 pacientes pré-menopáusicas, consultando no Serviço de Reumatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), que não estivessem em uso de anticoncepcionais hormonais e com quatro ou mais critérios diagnósticos para LES segundo o American College of Rheumatology.9

Pacientes com alterações em provas de função hepática (TGO, TGP ou LDH), insuficiência renal (índices de creatinina acima de 1,5), alteração de função tireoidiana, presença concomitante de outra doença autoimune ou usuárias de drogas que alterem os níveis circulantes de prolactina foram excluídas do estudo.

O grau de atividade do LES foi aferido através do índice de atividade da doença (SLEDAI, do inglês, Systemic Lupus Erythematosus Disease Activity Index).10,11 Foi considerado LES ativo quando SLEDAI > 4, e inativo quando SLEDAI < 4.

Em todas as pacientes foram realizadas dosagens de estradiol e prolactina séricas, por eletroquimioluminescência (Elecsys, Roche Diagnostics, Mannheim, Alemanha), com sensibilidade analítica de 5,0 pg/mL e 0,047 ng/mL, respectivamente. Os valores de referência para estradiol são entre 10 a 520 pg/mL, e para prolactina entre 6,0 e 29,9 ng/mL. A coleta de amostras de sangue para essas dosagens foram simultâneas àquelas realizadas para os exames utilizados para a obtenção do SLEDAI.

A positividade para ac-ACL (IgG e IgM) foi avaliada por enzimaimunoensaio, kit Anticardiolipina Hemagen® (Hemagen Diagnostics, Columbia). Valores inferiores a 10 U GPL para IgG e 10 U MPL para IgM são considerados negativos. A sensibilidade relativa do teste é de 95%, e a especificidade de 100% (com concordância de 98% se comparado com o kit de referência fornecido pelo Antiphospholipid Standardization Laboratory). Com base nessas análises, as pacientes foram estratificadas em dois grupos: ac-ACL presentes ou ac-ACL ausentes no soro (IgG ou IgM).

No mesmo dia da coleta foi realizada entrevista sobre a história mórbida pregressa e os antecedentes gineco-obstétricos. Adicionalmente, foi feita revisão de prontuário para verificação da presença de diagnóstico prévio de SAF e história de comprometimento de órgãos-alvo.

O trabalho foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa e Ética em Saúde do HCPA (GPPG 04-215), e foi obtido consentimento pós-informado por escrito de todas as pacientes.

Análise estatística

Foram descritas as variáveis categóricas pela frequência absoluta e frequência relativa percentual e as variáveis quantitativas por média ± desvio-padrão quando sua distribuição fosse simétrica, ou pela mediana e intervalo interquartil quando assimétrica. Para comparar variáveis com distribuição simétrica entre categorias de variáveis dicotômicas foi usado o teste t de Student, e para aquelas com distribuição assimétrica utilizou-se o teste de Mann-Whitney. O grau de significância aceito foi de 95% (Pα < 0,05). A análise dos dados foi realizada utilizando-se o programa SPSS v.14.0 (Chicago, IL, EUA).

RESULTADOS

A amostra foi constituída por 47 mulheres pré-menopáusicas com idade média de 30,8 ± 8,12 anos, com diagnóstico de LES.

Entre as participantes do estudo, nove (19,1%) apresentavam positividade para ac-ACL no soro (IgG e/ou IgM). A maioria das pacientes apresentava LES em remissão ou com atividade leve, como pode ser observado pelos escores do SLEDAI (Tabela 1).

A Tabela 1 apresenta os dados da amostra das pacientes estudadas, estratificados pela presença ou não de ac-ACL IgG e/ou IgM. Foram avaliados fatores que poderiam influenciar nos níveis de estrogênio. Os grupos foram similares com relação à idade, idade da menarca e ao tempo de doença. Além disso, não houve diferença entre os grupos quanto à atividade lúpica estimada pelo SLEDAI ou presença de anti-DNA. Os níveis de prolactina também foram semelhantes entre os grupos (P = 0,43).

A Figura 1 mostra que as pacientes do grupo com ac-ACL presentes tiveram níveis de estradiol significativamente mais baixos que o grupo com anticorpos ausentes: 46,8 (21,0-72,1) versus 122,3 (64,8-172,7) pg/mL, respectivamente (P = 0,004).


Não houve diferença significativa nos níveis de estradiol entre as pacientes que coletaram amostras de sangue durante a fase folicular precoce do ciclo menstrual (até o oitavo dia do ciclo) e as que coletaram em outras fases do ciclo menstrual (P = 0,737).

Nenhuma das pacientes da amostra tinha história atual ou pregressa de infarto agudo do miocárdio ou acidente vascular cerebral (AVC). Não foram encontradas, também, associações entre os níveis de estradiol e presença de vasculite, nefrite ou outras alterações vasculares associadas à SAF.

DISCUSSÃO

Neste estudo procuramos correlacionar a presença de ac-ACL, frequentemente encontrados em pacientes com LES e associados à presença de eventos trombóticos e SAF, com os níveis de estradiol e prolactina em um grupo de mulheres em idade reprodutiva.

Nossos resultados evidenciam que, na amostra estudada, a presença de ac-ACL no soro esteve associada a níveis mais baixos de estradiol. Esse resultado diverge, em parte, da noção de que níveis de estrogênio mais elevados costumam estar associados à produção de autoanticorpos.12 Essa observação é relevante, tendo em vista que tanto deficiência em estrogênios quanto ac-ACL estão relacionados com risco para doença aterosclerótica. Até o momento, a associação entre hipoestrogenismo e presença de ac-ACL em mulheres pré-menopáusicas com LES ainda não havia sido descrita.

É amplamente reconhecido que a oxidação da LDL (do inglês, low-density lipoprotein) tem papel importante na aterogênese.13 Estudos recentes têm sugerido que a produção de ac-ACL está relacionada com a exposição a antígenos expressos em células endoteliais em processo de apoptose, bem como com a exposição à LDL oxidada.14 Um estudo publicado por Tuominen et al.15 evidencia que a oxidação do LDL também induz resposta imune a epítopos de cardiolipina oxidada. Alguns autores sugerem que a aterosclerose e a autoimunidade sejam eventos intrinsecamente correlacionados.14

Alguns estudos indicam que o estrogênio endógeno, ao contrário do exógeno, possa diminuir a apoptose das células endoteliais, levando a um efeito cardiovascular protetor.12,16 Nesse sentido, um trabalho publicado em 200817 investigou o efeito in vitro do estrogênio na apoptose de células endoteliais em cultura, demonstrando que o estrogênio inibe, embora de forma incompleta, a apoptose induzida por TNF-α e por LDL oxidada. Dessa forma, uma possível explicação para a associação de baixos níveis de estradiol e presença de ac-ACL seria o aumento de ativação e apoptose endotelial provocado pelos baixos níveis de estrogênio endógeno, levando ao aumento de exposição a antígenos do endotélio e mesmo subendoteliais, como a LDL oxidada.

Apesar de se tratar de uma observação original, a revisão da literatura inclui algumas evidências indiretas sobre associação entre estrógenos, SAF e risco cardiovascular. Em 2005, Jara et al.18 publicaram um estudo que compara, pela primeira vez, as diferenças clínicas entre homens e mulheres com SAF no momento do diagnóstico e durante o acompanhamento. Não foi observada diferença entre os gêneros quanto à trombose arterial e venosa ou nos níveis de ac-ACL. No entanto, a incidência de AVC foi maior em mulheres que em homens (31,5% e 10%, respectivamente). Embora a incidência de doença aterosclerótica em mulheres aumente na pós-menopausa com relação ao período da menacme,19 no estudo citado as pacientes eram jovens, mas não tiveram proteção em relação aos homens quando do surgimento de AVC - segundo o autor, provavelmente devido a um possível hipoestrogenismo associado à SAF.18

Existem alguns relatos sobre o efeito da administração exógena de estrogênios. Em um estudo publicado em 2004, Todorova et al.20 investigaram a presença de ac-ACL (IgG e IgM) durante o uso de terapia hormonal por um grupo de mulheres pós-menopáusicas saudáveis, sem história clínica de eventos trombóticos anteriores. As pacientes foram divididas em dois grupos: um grupo-controle e um grupo que utilizou terapia hormonal contendo 2 mg de 17-β estradiol mais 1 mg de acetato de noretisterona por seis meses. Não houve mudança significativa na prevalência de ac-ACL positivos no grupo-controle durante os seis meses de acompanhamento. No grupo que utilizou terapia hormonal, os níveis de ac-ACL IgM aumentaram durante o curso da terapia hormonal, sendo a mudança significativa após o terceiro mês de tratamento, ocorrendo uma redução dos níveis deste anticorpo no sexto mês de tratamento, mas sem retorno aos níveis basais.20

Nessa mesma direção, um estudo em animais utilizando ratos C57BL/6 sem doença autoimune21 mostrou que os animais tratados com estrogênio tiveram aumento na expressão de ac-ACL IgG e IgM.

Por outro lado, evidências esparsas citadas em artigo de revisão22 indicaram que em chinesas pós-menopáusicas tratadas com derivado de estradiol os níveis de ac-ACL IgG diminuíram e os de HDL (do inglês, high-density lipoprotein) aumentaram. Dessa forma, pode-se especular que os efeitos dos estrogênios sobre a expressão dos anticorpos antifosfolipídeos podem ser dependentes de sua concentração, etnia, origem (endógena vs. exógena) e do estado de ativação endotelial.23

É importante salientar que, no presente trabalho, a diferença nos níveis de estradiol entre os grupos com e sem ac-ACL positivos foi independente das concentrações de prolactina sérica. Hiperprolactinemia é um achado relativamente comum em pacientes com LES e pode induzir à menor secreção ovariana de estradiol através de mecanismos centrais comuns de regulação (via dopamina e hormônio liberador de gonadotrofina hipotalâmicos). A ausência de hiperprolactinemia em nossas pacientes deve-se, provavelmente, à baixa atividade lúpica no momento de sua inclusão no estudo;24,25 porém, mais importante, demonstra que a associação observada entre menores concentrações de estradiol e maior frequência de ac-ACL não foi contaminada por alterações relacionadas com a prolactina.

CONCLUSÃO

Observou-se que em pacientes lúpicas pré-menopáusicas a presença de anticorpos antifosfolipídeos esteve associada a níveis circulantes mais baixos de estradiol, sem correlação com os níveis de prolactina. Para explicar a associação inversa entre os níveis de estradiol e a presença de ac-ACL, podemos especular que com a diminuição dos níveis de estrogênio há um aumento da apoptose, com consequente exposição a antígenos que aumentam a expressão de ac-ACL. Essa observação, se confirmada em outros estudos, levanta questões interessantes ssobre a inter-relação entre estrogênios, endotélio e autoimunidade, com impacto potencial no risco de tromboses e de doença cardiovascular. Assim, estudos longitudinais são necessários para avaliar se níveis reduzidos de estradiol em mulheres com LES no menacme podem ser considerados marcadores de risco para aterosclerose e AVC, independente de SAF.

Recebido em 14/03/2011.

Aprovado, após revisão, em 01/07/2011.

Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse.

Suporte Financeiro: INCT de Hormônios e Saúde da Mulher/CNPq e FIPE-HCPA.

Comitê de Ética: GPPG/HCPA 04-215.

Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - HCPA/UFRGS.

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  • Correspondência para:

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2011

    Histórico

    • Aceito
      01 Jul 2011
    • Recebido
      14 Mar 2011
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