Resumos
OBJETIVOS: identificar enteropatógenos nas fezes de crianças hospitalizadas com diarréia. MÉTODOS: estudo de série de casos, com a participação de 36 crianças entre zero a 60 meses, com diarréia, hospitalizadas no Instituto Materno Infantil Prof. Fernando Figueira, IMIP, no período entre janeiro e maio de 2005. Foram coletadas as variáveis sócio-demográficas, características das mães e do episódio diarréico. A pesquisa etiologica utilizou coprocultura e testes sorológicos. RESULTADOS: a maioria das crianças (80,5%) tinha menos de 12 meses. As famílias tinham precárias condições socioeconômicas e 83,4% tinha renda per capita inferior a meio salário mínimo/mês. Quanto aos microorganismos recuperados nas culturas de fezes, a E. coli enteropatogênica clássica (EPEC) apareceu em 8,4% dos casos, não havendo crescimento de Salmonella sp. ou Shiguella sp. e a Klebsiella sp. ESBL + foi isolada em 33,3% dos pacientes. As Klebsiellas apresentaram um alto perfil de resistência no antibiograma, compatível com as cepas hospitalares catalogadas na instituição. CONCLUSÕES: o estudo apresentou uma baixa taxa de recuperação de bactérias enteropatogênicas mas revelou uma prevalência de Klebsiella multirresistente, o que tem importantes implicações no risco de infecção hospitalar e persistência do episódio diarréico.
Diarréia infantil; Enteropatias; Crianca hospitalizada
OBJECTIVES: to identify enteropathogens in the stools of children hospitalized with diarrhea. METHODS: case series studies, comprising 36 children aged between zero and 60 months old with diarrhea hospitalized in the Instituto Materno Infantil Prof. Fernando Figueira, IMIP, between January and May, 2005. Social and demographic variables were collected, mothers'characteristics and diarrhea episode. Etiological research used stools culture and serologic tests. RESULTS: the majority of the children (80.5%) were under 12 months old. Families had very poor social and economic conditions and 83.4% had per capita incomes under half a minimum salary per month. As for the microorganisms detected in stools culture, classis enteropathogenic E.coli (EPEC) appeared in 8.4% of the cases with no growth of Salmonella sp. or Shiguella sp. and Klebsiella sp. ESBL + was isolated in 33.3% of the patients. Klebisiellas demonstrated a high resistance profile in the antibiogram, compatible with hospital strains catalogued by the institution. CONCLUSIONS: the study presented a low enteropathogenic bacteria recovery rate but revealed a prevalent mutiresistant Klebsiella strain with important nosocomial infection risk implications and diarrhea persistence.
Infantile diarrhea; Intestinal diseases; Child Hospitalized
ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLES
Estudo etiológico da diarréia em crianças hospitalizadas no Instituto Materno Infantil Prof. Fernando Figueira, IMIP, em Recife, Pernambuco
Etiological study of diarrhea in children hospitalized at Instituto Materno Infantil Prof. Fernando Figueira, IMIP, in Recife, Pernambuco
João Paulo de Souza Pontual; Ana Rodrigues Falbo; Josiana da Silva Gouveia
Grupo de Estudos de Saúde da Criança. Departamento de Pesquisa. Instituto Materno Infantil Prof. Fernando Figueira, IMIP: Rua dos Coelhos 300. Recife, PE, Brasil. CEP: 50.070-550
RESUMO
OBJETIVOS: identificar enteropatógenos nas fezes de crianças hospitalizadas com diarréia.
MÉTODOS: estudo de série de casos, com a participação de 36 crianças entre zero a 60 meses, com diarréia, hospitalizadas no Instituto Materno Infantil Prof. Fernando Figueira, IMIP, no período entre janeiro e maio de 2005. Foram coletadas as variáveis sócio-demográficas, características das mães e do episódio diarréico. A pesquisa etiologica utilizou coprocultura e testes sorológicos.
RESULTADOS: a maioria das crianças (80,5%) tinha menos de 12 meses. As famílias tinham precárias condições socioeconômicas e 83,4% tinha renda per capita inferior a meio salário mínimo/mês. Quanto aos microorganismos recuperados nas culturas de fezes, a E. coli enteropatogênica clássica (EPEC) apareceu em 8,4% dos casos, não havendo crescimento de Salmonella sp. ou Shiguella sp. e a Klebsiella sp. ESBL + foi isolada em 33,3% dos pacientes. As Klebsiellas apresentaram um alto perfil de resistência no antibiograma, compatível com as cepas hospitalares catalogadas na instituição.
CONCLUSÕES: o estudo apresentou uma baixa taxa de recuperação de bactérias enteropatogênicas mas revelou uma prevalência de Klebsiella multirresistente, o que tem importantes implicações no risco de infecção hospitalar e persistência do episódio diarréico.
Palavras-chave: Diarréia infantil, Enteropatias, Crianca hospitalizada
ABSTRACT
OBJECTIVES: to identify enteropathogens in the stools of children hospitalized with diarrhea.
METHODS: case series studies, comprising 36 children aged between zero and 60 months old with diarrhea hospitalized in the Instituto Materno Infantil Prof. Fernando Figueira, IMIP, between January and May, 2005. Social and demographic variables were collected, mothers'characteristics and diarrhea episode. Etiological research used stools culture and serologic tests.
RESULTS: the majority of the children (80.5%) were under 12 months old. Families had very poor social and economic conditions and 83.4% had per capita incomes under half a minimum salary per month. As for the microorganisms detected in stools culture, classis enteropathogenic E.coli (EPEC) appeared in 8.4% of the cases with no growth of Salmonella sp. or Shiguella sp. and Klebsiella sp. ESBL + was isolated in 33.3% of the patients. Klebisiellas demonstrated a high resistance profile in the antibiogram, compatible with hospital strains catalogued by the institution.
CONCLUSIONS: the study presented a low enteropathogenic bacteria recovery rate but revealed a prevalent mutiresistant Klebsiella strain with important nosocomial infection risk implications and diarrhea persistence.
Key words: Infantile diarrhea, Intestinal diseases, Child Hospitalized
Introdução
A doença diarréica da criança é, ainda nos dias correntes, uma síndrome freqüente, estando entre as principais causas de consulta, internação e letalidade, sobretudo em paises em desenvolvimento.1
No mundo, a doença diarréica é uma causa importante de morbidade e mortalidade em crianças menores de cinco anos, com 1,4 bilhões de episódios anuais. Desses casos, 1,29 bilhões necessitam de cuidados domiciliares, 124 milhões de visitas hospitalares, 9 milhões de hospitalizações e uma estimativa de 2,1 milhões de mortes ao ano.2
Bern et al.1 demonstraram a diarréia como uma importante doença infantil, sendo responsável por mais de 20,0% da mortalidade infantil em muitas áreas da américa latina.
O número total de mortes por diarréia ainda é excessivamente alto, mas houve uma redução substancial nas décadas de 80 e 90 com o advento da terapia de reidratação oral, implantada desde 1980, através do Programa de Controle da Doença Diarréica da World Health Organization (WHO).3 Em 1982, havia uma estimativa de 5 milhões de mortes ao ano e em 1992, esta estimativa declinou para três milhões.2
Em 1999, a mortalidade proporcional por diarréia aguda em menores de cinco anos foi 5,5% para todo o país, estando entre as cinco maiores causas. Essa mortalidade é elevada no Nordeste (10,0%) e baixa no Sudeste (2,7%).4
Segundo dados do Ministério da Saúde, a doença diarréica ocupa o segundo lugar entre as causas de hospitalização no Brasil. Em 1993, nas regiões Norte e Nordeste, era a primeira causa de internação, seguida da broncopneumonia. No ano de 2000, na região Norte, permanecia como primeira causa de hospitalização e segunda, no Nordeste.4
A diarréia pode ser classificada em aguda ou persistente. A diarréia aguda é definida como um processo sindrômico de duração igual ou inferior a 14 dias, de etiologia presumivelmente infecciosa (viral, bacteriana ou parasitária), que provoca má absorção de água e eletrólitos, aumento do número de evacuações e do volume fluido fecal, acarretando à criança depleção hidrossalina de intensidade variável.5 Conceitualmente, a diarréia persistente representa um episódio diarréico de início abrupto de etiologia presumivelmente infecciosa, com duração superior a 14 dias e que repercute negativamente sobre o estado nutricional.6
A diarréia aguda pode ser provocada por múltiplos agentes etiológicos, como bactérias, vírus e protozoários. Muitos estudos apontam o rotavírus como agente etiológico preponderante nos países desenvolvidos, enquanto as bactérias são mais importantes nas crianças de países em desenvolvimento.7-9 Esses dados, contudo, não são consensuais. Um estudo multicêntrico, em paises em desenvolvimento, promovido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) demonstrou uma maior prevalência do rotavirus em crianças menores que 12 meses de idade e uma maior prevalência bacteriana no segundo e terceiro anos de vida.10 Existem ainda trabalhos realizados em locais com precárias condições socioeconômicas que apontam o rotavirus como agente patogênico mais freqüente em crianças abaixo de cinco anos.11,12
A maioria das infecções gastrintestinais, incluindo as de etiologia bacteriana, são autolimitadas. Por isso o manejo da diarréia baseia-se em dois aspectos principais: correção da hidratação e alimentação. Evitar a desidratação e manter um aporte adequado de nutrientes garantem uma recuperação mais rápida e a manutenção do crescimento da criança.6,14 São poucas as situações em que os antimicrobianos são efetivos no controle da diarréia e ademais seu uso pode trazer, além dos efeitos colaterais inerentes a cada droga, um desequilíbrio da microflora intestinal, facilitando o crescimento de enteropatógenos.15
Apesar de não se encontrar unanimidade quanto à etiologia da doença diarréica em países em desenvolvimento, há nesses locais um grande número de fatores favorecendo a infecção bacteriana, tais quais: deficiências nutricionais, práticas inadequadas de higiene física e alimentar, desmame precoce, aglomerações no domicílio e institucionais, ausência de saneamento básico nos locais de permanência, acesso a coleções hídricas contaminadas.13 Torna-se claro, portanto, a relevância desse agente em regiões como o Nordeste do Brasil.
Nessa região encontra-se o Instituto Materno Infantil Prof. Fernando Figueira (IMIP), que é Centro de Referência Nacional para a Assistência Materno-Infantil pelo Ministério da Saúde, presta assistência a uma média mensal de 30.954 pacientes de Pernambuco e de outros estados do Nordeste do Brasil, dos quais 1.692 são pediátricos. Em 2003 foram atendidas na emergência pediátrica cerca de 4800 crianças com diarréia, com 11% de hospitalização.16
Tendo em vista o supracitado e a escassez das informações se faz importante a realização de estudos sobre a etiologia da diarréia no IMIP. Os resultados poderão contribuir não só para melhorar o conhecimento sobre essa doença, como também para adequar o seu manejo, diminuindo o impacto de um fator de risco tão importante como a diarréia para a morbimortalidade infantil
Métodos
Foi realizado um estudo de série de casos, do qual participaram 36 crianças com idade entre zero a 60 meses, apresentando diarréia, caracterizada pela presença de três ou mais dejeções de consistência diminuída num período de 24 horas ou pelo menos uma com sangue visível, hospitalizadas no IMIP, no período entre janeiro e maio de 2005. Inicialmente foram selecionadas 45 crianças das quais nove foram excluídas, por não ser possível a realização da coprocultura.
Foram estudadas variáveis sócio-demográficas tais como: renda per capita, local de residência, condição da habitação (água encanada, fossa ou esgoto e recolhimento de lixo); variáveis maternas: idade, escolaridade, paridade, ocupação; variáveis para caracterização do episódio diarréico: tipo e duração. Quanto ao manejo foi avaliada a utilização de antibioticoterapia. Para o estudo da etiologia foi utilizada a realização da coprocultura.
A coleta dos dados foi feita por meio de um formulário construído conforme as variáveis do estudo para permitir o alcance dos objetivos propostos. O formulário foi aplicado ao acompanhante responsável pelo menor após o consentimento livre e esclarecido. As amostras fecais foram obtidas das crianças após evacuação espontânea. As fezes pastosas eram coletadas da fralda com uma paleta logo após a defecação e colocadas em um saco coletor. As fezes líquidas eram colhidas em saco coletor devidamente posicionado.
A pesquisa bacteriana foi realizada no Laboratório de Análises Clínicas e Toxicológicas do IMIP de acordo com a rotina da instituição, como se segue: foi utilizado o meio Teague SS (Salmonella e Shiguella), HE (Hektoen Entero-agar) enriquecido com tetrationato de sódio. As culturas foram avaliadas em 24 e 48 horas. As amostras identificadas bioquimicamente, como Salmonella sp. foram submetidas à aglutinação com anti-soro polivalente, flagelar e VI. As amostras identificadas bioquimicamente como Shigella sp. foram submetidas à aglutinação com anti-soros polivalentes, específicos para Shigella dysenteriae, Shigella flexneri, Shigella boydii e Shigella sonnei. Quanto à Escherichia coli, foi utilizada a técnica de aglutinação em lâmina a partir de uma suspensão bacteriana, para identificação dos sorogrupos das bactérias enteropa-togênicas. As amostras identificadas bioquimicamente como E. coli eram submetidas às provas de aglutinação em lâmina, com anti-soro polivalente contra sorogrupos clássicos de E. coli (EPEC) dos grupos A, B e C. O grupo A representa os sorogrupos O26, O55, O111 e O119. O grupo B é composto pelos sorogrupos O114, O125, O142 e O158. O grupo C pelos sorogrupos O86, O126, O127. Sorogrupos invasores de E. coli (EIEC) também foram pesquisados, sendo divididos em grupos A e B. O grupo A englobando os sorogrupos O28ac, O29, O136, O144, O152, e o grupo B os sorogrupos O112ac,O124, O143, O164 e O167.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos do IMIP.
Resultados
Quanto às características das crianças, aproximadamente 60,0% eram do sexo masculino e 80,5% tinham idade inferior a 12 meses (Tabela 1). No geral, tinham precárias condições socioeconômicas com 83,4% das famílias apresentando renda per capita inferior a meio salário mínimo por mês. Quarenta e quatro por cento delas não possuíam água encanada, 19,4% não possuíam fossa ou esgotamento sanitário e em 25,0% dos casos não havia recolhimento de lixo no domicílio (Tabela 2).
A Tabela 3 aponta que aproximadamente 80,0% das mães não tinham trabalho remunerado e 94,5% tinham menos de oito anos de escolaridade.
Quanto à duração do episodio diarréico 86,1% dos casos foram agudos e 16,7% apresentaram sangue visível nas fezes (Tabela 4). Das 36 crianças analisadas, 33 utilizaram antibioticoterapia durante a hospitalização. As drogas usadas estão listadas na Tabela 5. Aproximadamente 70,0% das crianças já estavam em uso de antibiótico há pelo menos 24 horas no momento da coleta da amostra fecal.
Quanto aos microorganismos recuperados nas culturas de fezes, a E. coli enteropatogênica clássica (EPEC) apareceu em três dos casos, não houve crescimento de Salmonella sp. ou Shiguella sp. e a Klebsiella sp. ESBL + foi isolada em 33,3% dos pacientes (Tabela 6). Dentre as 12 crianças que apresentaram Klebsiella sp. ESBL+ na coprocultura, 6 estavam no terceiro dia de internamento quando a cultura foi solicitada, 2 estavam no quarto dia, 3 estavam no quinto e 1 estava no 18º dia.
Discussão
Como foram estudadas crianças hospitalizadas em um hospital terciário voltado para os usuários do Sistema Única de Saúde (SUS) era de se esperar que esse grupo apresentasse características sociodemográficas semelhantes às referidas na literatura para crianças com a mesma condição, ou seja, com a presença de diarréia e morando numa região pobre.1-4 De fato, a maior parte das crianças tinha idade inferior a 12 meses, com mais de 80,0% das famílias vivendo abaixo da linha de pobreza e mais de 90,0% das mães com menos de oito anos de escolaridade.
Foram identificadas bactérias enteropatogênicas clássicas em 8,4% das culturas. O único agente isolado foi a EPEC. Shiguella e Salmonella e outras cepas de E. coli não foram identificadas. Este percentual de recuperação é inferior ao descrito na literatura. Um estudo multicêntrico realizado pela OMS em paises em desenvolvimento obteve 48,0% de recuperação bacteriana em 3640 amostras fecais de crianças com diarréia. A E. coli foi o agente mais prevalente com 16,0% de E. coli enterotoxigênica (ETEC) e 9,0% de EPEC, a Shiguella spp. e a Campilobacter jejuni, cada uma aparecendo em 11,0% das amostras. A Salmonella spp. ocorreu em 3,0% das análises.10 Maraki et al.17 analizaram 7090 amostras fecais e isolaram um ou mais enteropatógenos em 14,0%.A Salmonella sp. foi detectada em 6,0%, seguida pela Campylobacter sp. (4,2%) e pela EPEC com 1,8%. A Yersinia enterocolitica, a Shiguella spp. e a Aeromonas hydrophila foram pouco freqüentes, aparecendo, cada uma, em menos de 1,0% das amostras. Souza et al.7 estudaram 154 crianças com diarréia aguda em São Paulo, recuperando um agente bacteriano em 34,4% dos casos. A E. coli foi o agente mais freqüente, encontrado em 65 crianças das quais 25 foram EPEC e 19 ETEC, a Shiguella em 19, a Salmonella em duas e a Y. enterocolitica em uma criança.
No presente estudo, foram identificados alguns aspectos que potencialmente podem estar relacionados com a baixa recuperação bacteriana encontrada. As amostras fecais não foram testadas para enteropatógenos como ETEC, Campylobater spp, Y. enterocolitica, Providencia alcalifaciens, A. hydrophila, Giárdia lamblia, e portanto diarréias com essas etiologias não poderiam ser identificadas. O fato de aproximadamente 70,0% das crianças já estarem em uso de antibiótico no momento da coleta da amostra fecal, sem dúvida também interferiu no resultado das coproculturas.18 Outro fato digno de nota foi o alto índice de antibioticoterapia (91,6%). O IMIP é um hospital de referência, recebendo freqüentemente pacientes em estado grave e apresentando co-morbidades. Diante desse perfil é freqüente o uso de antimicrobianos, não significando, no entanto, que sua indicação esteja correta em todos os casos. As implicações negativas advindas do uso de antibióticos, especialmente nessa doença, devem fazer com que sempre se tenha uma reflexão cuidadosa quanto a sua utilização.
A Klebsiella sp. ESBL+ (extended-spectrum beta-lactamase) foi isolada em 33,3% das amostras. Bactérias produtoras de ESBLs representam um problema universal.19 Elas têm sido responsáveis pela irrupção de numerosas infecções de difícil controle ao redor do mundo.20 Entre essas, as Enterobacteriaceae ESBL + ocupam lugar de destaque em infecções da faixa pediátrica.21-25
As ESBLs são um conjunto de enzimas capazes de hidrolisar penicilinas, cefalosporinas de largo espectro e monobactâmicos.22 São codificadas em genes localizados no cromossomo ou nos plasmídios. Os plasmídios podem ser transferidos intra e inter espécies bacterianas. Tal fato se reveste de grande importância quando se trata da transferência de ESBL entre as Enterobacteriaceae.20 A produção de ESBL pode estar associada à expressão de AmpC betalactamase, conferindo resistência aos aminoglicosídeos. Soma-se ainda o crescente numero de relatos da associação de ESBL à resistência a fluoroquinolonas.22 Diante do alto perfil de resistência, a identificação de bactérias produtoras de ESBL é clinicamente relevante e indica a necessidade de apropriada antibioticoterapia. Atualmente os carba-penêmicos são as drogas de escolha.19,20
As Klebsiellas isoladas nas amostras fecais apresentaram um alto perfil de resistência no antibio-grama, sendo compatíveis com as cepas hospitalares catalogadas pela CCIH do IMIP. Conclui-se, portanto, que esses agentes colonizaram o trato gastrintestinal das crianças após o internamento. Esta colonização provavelmente se deu em um tempo curto, já que 50,0% das culturas estavam positivas no terceiro dia de internamento. A colonização intestinal Klebsiella multirresistente é preocupante, pois a presença de bactérias nosocomiais na microflora intestinal é um fator de risco para infecção hospitalar, portanto para o aumento da morbimortalidade.26
Classicamente, a Klebsiella sp. é considerada parte da microbiota normal do intestino e não apresenta enteropatogenicidade. Contudo, alguns estudos vêm identificando cepas associadas à gastroenterite infecciosa.27,28 Além disso mecanismos entero-patogênicos tais como a produção de enterotoxinas termoestáveis29 e a aderência celular que leva ao influxo descontrolado de cálcio no epitélio intestinal.30
Além do potencial enteropatogênico, as Klebsiellas podem transferir plasmídios contendo o gene da ESBL para bactérias como E. coli, Yersinia, Serratia e Providencia, gerando sérios problemas no tratamento desses agentes.
As limitações apresentadas neste estudo, dificultaram um conhecimento mais aprofundado do perfil etiológico da diarréia na criança hospitalizada no IMIP. No entanto, os resultados revelaram um número preocupante de bactérias produtoras de ESBLs e, com base no que foi exposto acima, pode-se admitir que a presença de Klebsiella multirresistente no trato gastrointestinal tem implicação na persistência do episódio diarréico e em infecções hospitalares nas crianças internadas. Estes fatos podem estar associados ao aumento dos custos e da morbimortalidade dos pacientes.
Agradecimentos
Ao Instituto Materno Infantil Prof. Fernando Figueira, IMIP pelo suporte e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPQ pela bolsa do Programa de Iniciação Científica.
Recebido em 15 de outubro de 2005
Versão final apresentada em 18 de janeiro de 2006
Aprovado em 19 de fevereiro de 2006
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Ago 2006 -
Data do Fascículo
Maio 2006
Histórico
-
Aceito
19 Fev 2006 -
Recebido
15 Dez 2005