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Repetição de cesárea e parto vaginal após cesárea, no Estado de São Paulo, em 2012

Resumo

Objetivos:

descrever características das mães, da gestação e do recém-nascido, segundo histórico de tipo de parto, analisando repetição de cesárea (RC) e parto vaginal após cesárea (PVAC), no Estado de São Paulo, em 2012.

Métodos:

os dados são provenientes do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos. Para encontrar o conjunto RC, selecionou-se o tipo de parto atual igual a cesárea e destes buscou-se todos com cesárea anterior. Para identificar o grupo PVAC, selecionou-se os recém-nascido com parto atual vaginal e destes buscou-se todos com cesárea anterior. Foram analisadas mães com história de RC e PVAC, segundo características da gestação, do recémnascido e hospital do parto.

Resultados:

estudou-se 273.329 nascidos vivos de mães com pelo menos um filho anterior. Destes, 43% nasceram por RC e 7,4% por PVAC. As mães que realizaram RC são mais velhas e mais escolarizadas, seus recém-nascidos apresentaram menor proporção de baixo peso ao nascer. Termo precoce foi a mais frequente idade gestacional dos que nasceram por RC. Os recém-nascidos por PVAC apresentaram maiores proporções de termo tardio. RC foi mais frequente nos hospitais sem vínculo com o Sistema Único de Saúde (44,1%).

Conclusão:

as altas taxas de RC, principalmente no setor privado, evidenciam necessidade de melhoras no modelo de atenção ao parto em São Paulo.

Palavras-chave
Recesariana; Nascimento vaginal após cesárea; Cesárea; Parto; Sistema Único de Saúde

Abstract

Objectives:

describe mothers, pregnancies and newborns’ characteristics according to the type of childbirth history and to analyze repeated cesarean section (RCS) and vaginal delivery after cesarean section (VBACS), in São Paulo State in 2012.

Methods:

data are from the Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Live Birth Information Systems). To find the RCS’s group, the current type of childbirth equal to cesarean section was selected and from these all the previous cesareans. To identify the VBACS’s group all live birth with current vaginal delivery were selected and from these all previous cesareans. Mothers with a history of RCS and VBACS were analyzed according to the characteristics of the pregnancy, newborn and the childbirth hospital.

Results:

273,329 mothers of live birth with at least one previous child were studied. 43% of these were born of RCS and 7.4% of VBACS. Mothers who underwent RCS are older and higher educated and their newborns presented a lower incidence of low birth weight. Early term was the most frequent rating for gestational age born of RCS. Live births were of VBACS and had greater proportions of late term. The RCS was more common in hospitals not affiliated with the Sistema Único de Saúde (SUS) (Public Health System) (44.1%).

Conclusion:

the high RCS’s rates, especially in the private sector, highlight the necessity of improvements in childbirth care model in São Paulo.

Keywords:
Repeated cesarean section; Vaginal birth after cesarean; Cesarean section; Childbirth; Public Health System

Introdução

A operação cesariana é um procedimento para ser realizado em situações onde as condições maternofetais não favorecem o parto vaginal e como qualquer intervenção cirúrgica não é isenta de complicações. Contudo, sua realização vem aumentando progressivamente no mundo, sendo considerada endêmica no Brasil.11 Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Saúde de mães e crianças no Brasil: progressos e desafios. Lancet. 2011; 377 (9780): 1863-76.

2 Sass N, Oliveira LG. Obstetrícia. 1 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.
-33 Silva CHM, Laranjeira CLS, Osanan GC, Bonomi IBA. Manual SOGIMIG de assistência ao parto e puerpério. 1 ed. Rio de Janeiro: Med Book; 2019.

No Brasil, a proporção de cesárea aumentou de 38%, em 2001, para 48,8%, em 2008, em diversas Unidades da Federação, sendo que no setor de saúde suplementar atinge de 80% à 90%.11 Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Saúde de mães e crianças no Brasil: progressos e desafios. Lancet. 2011; 377 (9780): 1863-76.

2 Sass N, Oliveira LG. Obstetrícia. 1 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.
-33 Silva CHM, Laranjeira CLS, Osanan GC, Bonomi IBA. Manual SOGIMIG de assistência ao parto e puerpério. 1 ed. Rio de Janeiro: Med Book; 2019.

O aumento das cesáreas nem sempre é justificado somente por indicações clínicas ou a fim de melhorar os resultados perinatais. Como resultado do uso excessivo da cesariana pode-se citar o aumento de custos, maiores morbidade e mortalidade materna e do recém-nascido, entre outros.11 Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Saúde de mães e crianças no Brasil: progressos e desafios. Lancet. 2011; 377 (9780): 1863-76.

2 Sass N, Oliveira LG. Obstetrícia. 1 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.

3 Silva CHM, Laranjeira CLS, Osanan GC, Bonomi IBA. Manual SOGIMIG de assistência ao parto e puerpério. 1 ed. Rio de Janeiro: Med Book; 2019.
-44 Trapani Júnior A, Hillmann BR, Borba KB, Faust LW. Cesárea: indicações e técnicas baseadas em evidências. In: Fernandes CE, Sá MFS. Tratado de obstetrícia FEBRASGO - Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2019. p. 917-29.

Dentre os fatores associados à cesárea, destacase a cesárea prévia, visto que esta é tida como um dos maiores determinantes da realização do procedimento no Brasil55 Pádua KS de, Osis MJD, Faúndes A, Barbosa AH, Moraes Filho OB. Fatores associados à realização de cesariana em hospitais brasileiros. Rev Saúde Pública. 2010; 44 (1): 70-9. e no mundo.66 Sentilhes L, Vayssière C, Beucher G, Deneux-Tharaux C, Deruelle P, Diemunsch P, Gallot D, Haumonté JB, Heimann S, Kayem G, Lopez E, Parant O, Schmitz T, Sellier Y, Rozenberg P, d'Ercole C. Delivery for women with a previous cesarean: guidelines for clinical practice from the French College of Gynecologists and Obstetricians (CNGOF). Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2013; 170: 25–32.

Uma série de estudos aponta a relação entre repetição de cesáreas e riscos para a saúde da mãe e do feto. Os riscos de placenta prévia, acretismo placentário e ruptura uterina aumentam em gestações futuras.22 Sass N, Oliveira LG. Obstetrícia. 1 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. Além desses efeitos adversos, há o aumento na incidência de complicações perinatais (crescimento fetal reduzido e nascimento prematuro) em gestações após a cesárea.33 Silva CHM, Laranjeira CLS, Osanan GC, Bonomi IBA. Manual SOGIMIG de assistência ao parto e puerpério. 1 ed. Rio de Janeiro: Med Book; 2019.

Embora a maioria dos partos realizados em mulheres com história de cesárea anterior seja cirúrgico, observa-se altos índices de partos vaginais com baixa incidência de complicações nas pacientes com cesárea anterior.33 Silva CHM, Laranjeira CLS, Osanan GC, Bonomi IBA. Manual SOGIMIG de assistência ao parto e puerpério. 1 ed. Rio de Janeiro: Med Book; 2019. Estudos de revisão tendem a apoiar esses achados.66 Sentilhes L, Vayssière C, Beucher G, Deneux-Tharaux C, Deruelle P, Diemunsch P, Gallot D, Haumonté JB, Heimann S, Kayem G, Lopez E, Parant O, Schmitz T, Sellier Y, Rozenberg P, d'Ercole C. Delivery for women with a previous cesarean: guidelines for clinical practice from the French College of Gynecologists and Obstetricians (CNGOF). Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2013; 170: 25–32. Do mesmo modo, a Agência de Investigação de Saúde e Qualidade do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA apresenta evidência mais forte de que o parto vaginal após cesárea (PVAC) é uma escolha razoável e segura para a maioria das mulheres com cesariana anterior.77 Agency for Healthcare Research and Quality of. U.S. Department of Health and Human Services - AHRQ. Vaginal Birth After Cesarean: New Insights. Evidence Report/Technology Assessment. Portland; 2010. (AHRQ Publication nº 10-E003)

A Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) sugere adequada uma decisão por parto vaginal em uma gestante com cesárea prévia, contanto que ocorra acompanhamento intensivo do trabalho de parto. A FEBRASGO e o Ministério da Saúde só recomendam cesárea eletiva quando existe mais de uma cesárea prévia ou em caso de extrema contraindicação do parto vaginal.44 Trapani Júnior A, Hillmann BR, Borba KB, Faust LW. Cesárea: indicações e técnicas baseadas em evidências. In: Fernandes CE, Sá MFS. Tratado de obstetrícia FEBRASGO - Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia. 1 ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2019. p. 917-29.,88 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de atenção à saúde. Departamento de ações programáticas estratégicas. Gestação de alto risco - Manual técnico (5ª Ed.). Brasília, DF; 2012.

Diante do exposto e considerando que o excesso de cesarianas no Brasil é um importante problema de saúde pública e tem sido um grande desafio para a área de saúde materna e infantil, o objetivo foi descrever as características das mães, da gestação e do recém-nascido, segundo histórico de tipo de parto, com ênfase na análise das mães que realizaram repetição de cesárea e parto vaginal após cesárea.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, de base populacional, a partir de dados secundários, provenientes do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) e do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), disponibilizados pela Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo.

Objetivando permitir a obtenção do perfil dos nascidos vivos, o SINASC foi implantado, na década de 1990, pelo Ministério da Saúde do Brasil. O sistema tem como documento de entrada de dados a Declaração de Nascido Vivo (DNV), que contém variáveis para a definição do perfil epidemiológico dos nascidos vivos, além de permitir analisar características das mães, da gestação e do parto.99 Mello Jorge MHP, Laurenti R, Gotlieb SLD. Análise da qualidade das estatísticas vitais brasileiras: a experiência de implantação do SIM e do SINASC. Ciên Saúde Coletiva. 2007; 12 (3): 643-54. Desde sua implementação, o formulário da DNV sofreu algumas alterações, visando seu aperfeiçoamento. No formulário anterior a 2011 não era possível identificar a via de parto das gestações anteriores, contudo, na nova DNV foram introduzidos os campos “número de partos vaginais” e “número de partos cesáreos”, o que possibilita conhecer melhor a história reprodutiva da mãe.

A população de estudo refere-se aos nascidos vivos (NV) residentes no Estado de São Paulo, nascidos em estabelecimentos de saúde, de gestantes não primíparas, registrados no SINASC no ano de 2012.

Do total de 618.933 NVs em 2012, não foram elegíveis os registros documentados pela DNV antiga (58.257), os de não residentes e de residentes que ocorrerem fora do Estado de São Paulo (3.943), que nasceram fora de estabelecimentos de saúde (1.583), provenientes de mães primíparas (251.910) e os de gestações múltiplas (7.086), visto que gestação gemelar é uma razão médica aceitável para a realização da cesárea, o que aumenta as chances de ocorrência do procedimento.22 Sass N, Oliveira LG. Obstetrícia. 1 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. Foram excluídos registros sem tipo de parto definido (522) e sem histórico de gestações anteriores (20.219), restando 275.403 NVs.

Esses registros foram vinculados ao CNES, a partir do código do estabelecimento de saúde e, na sua ausência, do nome do estabelecimento e do endereço de ocorrência registrados na DNV. Foram excluídos 74 registros (0,03%) sem código CNES válido, chegando-se à população de estudo de 275.329 NV de gestação única e de mães multíparas. Para encontrar o conjunto de mães com história de repetição de cesárea (RC), selecionou-se o tipo de parto atual igual a cesárea e destes, buscou-se no histórico de partos todos os resultados com cesárea anterior. Para identificar o grupo de mães que realizaram parto vaginal após cesárea selecionaramse todos os RN com parto atual vaginal e destes foram identificados todos os resultados com cesárea anterior (Figura 1).

Foi calculada a taxa de PVAC entre as mulheres com história de cesárea de acordo com a seguinte fórmula1010 MacDorman M, Declercq E, Menacker F. Recent trends and patterns in cesarean and vaginal birth after cesarean (VBAC) deliveries in the United States. Clin Perinatol. 2011:38; 179-92.: (n° de nascidos vivos por partos vaginais em mulheres com cesárea prévia)/(total de nascidos vivos de mulheres com uma cesariana anterior) ×100. A taxa de RC entre as mulheres com história de cesárea foi calculada da seguinte maneira1010 MacDorman M, Declercq E, Menacker F. Recent trends and patterns in cesarean and vaginal birth after cesarean (VBAC) deliveries in the United States. Clin Perinatol. 2011:38; 179-92.: (n° de nascidos vivos por cesáreas em mulheres com cesárea prévia)/(total de nascidos vivos de mulheres com uma cesariana anterior) ×100.

Foram analisadas as seguintes características: faixa etária da mãe (<20, 20 a 34, 35 anos e mais), escolaridade da mãe (sem escolaridade, ensino fundamental I completo e fundamental II incompleto; ensino fundamental II completo e médio incompleto; ensino médio completo e superior incompleto; e ensino superior completo e mais), situação conjugal (“com companheiro”: casada ou união estável e “sem companheiro”: solteira, viúva, separada judicialmente/divorciada), raça/cor da mãe (branca, preta, amarela, parda ou indígena), paridade (número de gestações anteriores, número de partos vaginais e número de cesáreas), peso ao nascer (baixo peso ao nascer: até 2.499 gramas, peso ao nascer normal: de 2.500g a 3.999g e alto peso ao nascer: igual ≥4.000g), idade gestacional (muito prétermo: <32 semanas, pré-termo: 32 - 36 semanas, termo precoce: 37 – 38 semanas, termo pleno: 39 – 40 semanas, termo tardio: 41 semanas e pós-termo: > 41 semanas), número de consultas pré-natal (nenhuma, de 1 a 3, de 4 a 6 e 7 ou mais), trimestre que iniciou o pré-natal (1º, 2º e 3º trimestres), apresentação fetal (cefálica, pélvica/podálica ou transversa) e vínculo do hospital de nascimento com o Sistema Único de Saúde (SUS) (SUS, misto e não-SUS).

Os dados foram descritos na forma de medidas de proporção (frequências) das variáveis de interesse, cujas diferenças foram verificadas pelo teste de proporção qui-quadrado. Para verificar diferenças entre as médias foi utilizado o teste de análise de variância ANOVA. Adotou-se o nível de significância de 5% para os testes estatísticos. O processamento dos dados e as análises foram feitas com o programa PASW/SPSS versão 17.0.

A pesquisa utilizou banco de dados de domínio público sem identificação individual e o projeto foi submetido à apreciação pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, sendo dispensado da necessidade de aprovação pelo mesmo.

Resultados

Dos 273.329 nascidos vivos de mães com pelo menos um filho anterior, praticamente 56% nasceu por cesárea, sendo 43% por repetição de cesárea e 13% por cesárea após parto vaginal (CAPV), indicando que RNs com mães com histórico de cesárea tem maior risco (RP= 3,26; IC95%= 3,23-3,29; p<0,0001) de nascer por cesárea (dados não apresentados). Quanto aos 44,1% RNs por parto vaginal, 36,7% foi por repetição de parto vaginal (RPV) e uma pequena parcela (7,4%) nasceu por parto vaginal após cesárea.

Verificou-se que as mães que realizaram RC são mais velhas e mais escolarizadas, sendo que quase 20% tem ensino superior completo, enquanto entre aquelas com PVAC, 5,4% atingem esse nível de escolaridade (Tabela 1).

Cerca de dois terços das mães com RC declaram ser brancas, enquanto metade daquelas com RPV é negra (51,7%). Vale destacar, também, que as mães com RC são as que têm maior proporção de estado civil “com companheiro” (68,1%) e menor (3,0%) de grandes multíparas (5 ou mais filhos), diferentemente daquelas com PVAC, que tem a maior proporção de grandes multíparas (8,8%). Todas as diferenças nas proporções foram estatisticamente significantes (Tabela 1).

Chama atenção a proporção mais elevada de baixo peso ao nascer no grupo CAPV (10,7%). Ao realizar uma estratificação dos recém-nascidos de BPN pela IG, observa-se maior proporção de muito pré-termos e pré-termos no grupo CAPV (66,8%) do que entre os demais grupos (RC:=59,3%, PVAC=59,4% e RPV=54,8%). As diferenças nas proporções e médias foram estatisticamente significantes (Tabela 1).

Quanto às características da atenção pré-natal e ao parto, o início do pré-natal no primeiro trimestre aconteceu em praticamente 84% dos casos de RC, quase 10 pontos percentuais a mais do que nas mães com parto vaginal. Do mesmo modo, 7 ou mais consultas de pré-natal foi mais frequente no grupo RC (78,6%), uma proporção quase 15 pontos percentuais maior que no grupo PVAC (63,8%). Todas as diferenças nas proporções foram estatisticamente significantes.

Nota-se que 85,3% das mulheres com pelo menos uma cesárea anterior tiveram RC. No entanto, na rede privada essa proporção alcança 95,7%. O percentual de mulheres com pelo menos uma cesárea anterior que teve PVAC é de quase 15 em 100. A análise por tipo de hospital mostra que esse valor alcança 28,7/100 mulheres na rede SUS e apenas 4,3 nos hospitais não vinculados ao SUS. Os hospitais mistos tem situação intermediária com 13,4 em cada 100 mulheres com pelo menos uma cesárea anterior realizando PVAC (Tabela 2).

Em relação às características do parto, a apresentação cefálica do RN esteve amplamente presente em todos os grupos, sendo de 95,2% no grupo RC, 91% no CAPV, 97,4% no PVAC e 99,3% no RPV. O trabalho de parto foi induzido em apenas 8,7% das mães com repetição de cesárea, quase seis vezes menos do que nos grupos de parto vaginal (PVAC= 50,1%; RPV= 53,4%). A cesárea ocorreu antes do trabalho de parto iniciar em 70,4% dos casos de RC e 59,2% dos CAPV. Todas as diferenças foram estatisticamente significantes.

Termo precoce foi a classificação mais frequente para idade gestacional (44,3%) no grupo RC, diferente dos demais grupos, que apresentaram mais RNs em termo pleno. Em contrapartida, os RNs por PVAC apresentaram maiores proporções (6,3%) de termo tardio do que aqueles no grupo RC (4,1%). As diferenças foram estatisticamente significantes (Tabela 1).

As diferenças de classificação de idade gestacional de acordo com os históricos gestacionais podem sem observados na Figura 2. Verifica-se que os RNs por cesárea tem curvas mais à esquerda, indicando menor duração da gestação do que nos partos vaginais.

A RC foi mais frequente nos hospitais não vinculados ao SUS (44,1%), diferente dos partos vaginais, que mais de 60% foram em hospitais SUS. Na Figura 3 são evidenciadas as diferenças entre os quatro grupos e tipo de hospital de nascimento, sendo que as cesáreas são mais frequentes nos não SUS e os partos vaginais naqueles com vínculo SUS.

Figura 1
Diagrama do histórico de tipo de parto e agrupamentos finais.
Tabela 1
Nascidos vivos, segundo características das mães, do recém-nascido, idade gestacional e histórico de tipo de parto. Estado de São Paulo, 2012.

Discussão

O tema da cesárea tem sido amplamente discutido, especialmente no Brasil devido a sua frequência elevada e tendência crescente. Diversos fatores explicam a sua ocorrência, dentre eles a presença de cesárea prévia. No presente estudo, foi observado que RNs com mães com histórico de cesárea tem maior risco de nascer por cesárea, o que corrobora com os achados em maternidades brasileiras55 Pádua KS de, Osis MJD, Faúndes A, Barbosa AH, Moraes Filho OB. Fatores associados à realização de cesariana em hospitais brasileiros. Rev Saúde Pública. 2010; 44 (1): 70-9. e estrangeiras.66 Sentilhes L, Vayssière C, Beucher G, Deneux-Tharaux C, Deruelle P, Diemunsch P, Gallot D, Haumonté JB, Heimann S, Kayem G, Lopez E, Parant O, Schmitz T, Sellier Y, Rozenberg P, d'Ercole C. Delivery for women with a previous cesarean: guidelines for clinical practice from the French College of Gynecologists and Obstetricians (CNGOF). Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2013; 170: 25–32.

A repetição de cesárea foi mais frequente na população estudada (42,9%), o que indica a magnitude do fenômeno no país, uma vez que a epidemia de cesárea já vem sendo considerada como um problema de saúde pública desde os anos 1980, visto que durante a década anterior suas taxas duplicaram.11 Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Saúde de mães e crianças no Brasil: progressos e desafios. Lancet. 2011; 377 (9780): 1863-76.,22 Sass N, Oliveira LG. Obstetrícia. 1 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. Estudos indicam que se somente as cesáreas necessárias fossem realizadas, haveria uma economia global de cerca de US$ 2 bilhões por ano e uma incrível redução da morbi-mortalidade em mães e crianças.22 Sass N, Oliveira LG. Obstetrícia. 1 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.,1111 Gibbons L, Belizán JM, Lauer JA, Betran AP, Meriald M, Althabe F. The global numbers and costs of additionally needed and unnecessary caesarean sections performed per year: overuse as a barrier to universal coverage. Geneve (SUI): World Health Report, Background Paper, 30; 2010. Disponível em: https://www.who.int/healthsystems/topics/financing/healthreport/30C-sectioncosts.pdf
https://www.who.int/healthsystems/topics...

Tabela 2
Taxa de repetição de cesárea e de parto vaginal após cesárea, segundo vínculo do hospital de nascimento com o SUS. Estado de São Paulo, 2012.
Figura 2
Nascidos vivos, segundo histórico do tipo de parto e idade gestacional. Estado de São Paulo, 2012.

O perfil do grupo de repetição de cesárea mostrou que as mães são em média mais velhas e mais escolarizadas que nos demais grupos, especialmente em hospitais privados. Diversos estudos sobre cesáreas, incluindo as primíparas, apontam sua associação com mães mais velhas e escolarizadas.55 Pádua KS de, Osis MJD, Faúndes A, Barbosa AH, Moraes Filho OB. Fatores associados à realização de cesariana em hospitais brasileiros. Rev Saúde Pública. 2010; 44 (1): 70-9. De forma geral, o panorama da fecundidade no Brasil tem apontado para uma redução contínua do número de filhos em todos os grupos etários, porém marcado, nessa última década, por uma estrutura de fecundidade mais envelhecida e claramente associada à escolaridade, ou seja, conforme aumenta o nível de instrução da mulher, o padrão etário da fecundidade passa a ter um contorno mais tardio.1212 IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censo Demográfico 2010. Nupcialidade, Fecundidade e Migração. Rio de Janeiro; 2012.

Figura 3
Nascidos vivos, segundo vínculo do hospital de nascimento com o SUS e histórico do tipo de parto. Estado de São Paulo, 2012.

Autores demonstraram que quanto maior o número de cesáreas de repetição maior o risco de morbidade materna.33 Silva CHM, Laranjeira CLS, Osanan GC, Bonomi IBA. Manual SOGIMIG de assistência ao parto e puerpério. 1 ed. Rio de Janeiro: Med Book; 2019.,1313 Marshall NE, Fu R, Guise J-M. Impact of multiple cesarean deliveries on maternal morbidity: a systematic review. Am J Obstet Gynecol. 2011; 205: 262.e1-8. Um estudo de revisão sistemática concluiu que a morbidade materna grave aumentou progressivamente de acordo com o número de cesáreas anteriores.1313 Marshall NE, Fu R, Guise J-M. Impact of multiple cesarean deliveries on maternal morbidity: a systematic review. Am J Obstet Gynecol. 2011; 205: 262.e1-8. Do mesmo modo, em um estudo brasileiro, observou-se associação entre o near miss materno (mulher que quase morreu, mas sobreviveu à complicação que ocorreu durante a gravidez, parto ou até 42 dias após o fim da gestação) e história de cesárea anterior.1414 Dias MAB, Domingues RMSM, Schilithz AOC, Nakamura-Pereira M, CSG Diniz, Brum IR, Martins AL, Theme Filha MM, Gama SGN, Leal MC. Incidência do near miss materno no parto e pós-parto hospitalar: dados da pesquisa Nascer no Brasil. Cad Saúde Pública. 2014; 30 (suppl.): S169-S181.

Apesar das implicações mencionadas, o presente estudo identificou que, dentre os RNs de mães com pelo menos uma cesárea prévia, 85,3% nasceram por repetição de cesárea, o que coloca a cesárea prévia como um preditor importante de nova cesárea. Essa proporção foi ligeiramente maior que a encontrada na Austrália em 2008 (83,2%)1515 Laws PJ, Li Z, Sullivan EA. Australia’s mothers and babies 2008. Camberra; 2010. (Perinatal statistics series; 24) e menor que nos EUA em 2007 (92%).1616 Martin JA, Hamilton BE, Sutton PD, Ventura SJ, Mathews TJ, Kirmeyer S, Osterman MJK. Births: Final data for 2007. Natl Vital Stat Rep. 2010; 58 (24): 1-85. Disponível em: http://www.cdc.gov/nchs/data/nvsr/nvsr58/nvsr58_24.pdf.
http://www.cdc.gov/nchs/data/nvsr/nvsr58...

Contudo, o antecedente de cesárea não determina necessariamente uma nova cesárea, isto é, de acordo com o Ministério da Saúde, a realização de um parto normal em uma gestante com cesárea prévia pode ser apropriada, contanto que haja acompanhamento intensivo do trabalho de parto e a paciente seja informada sobre os riscos.88 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de atenção à saúde. Departamento de ações programáticas estratégicas. Gestação de alto risco - Manual técnico (5ª Ed.). Brasília, DF; 2012. Deste modo, no presente estudo, entre os RNs de mães com antecedente de cesárea, quase 15% nasceram por parto vaginal após cesárea, proporção similar à encontrada no estudo Nascer no Brasil (14,8%),1717 Domingues RMSM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, Torres JA, d’Orsi E, Pereira AP. Processo de decisão pelo tipo de parto no Brasil: da preferência inicial das mulheres à via de parto final. Cad Saúde Pública. 2014; 30: S101-16. inferior às encontradas em estudo realizado na Austrália em 2008 (16,7%),1515 Laws PJ, Li Z, Sullivan EA. Australia’s mothers and babies 2008. Camberra; 2010. (Perinatal statistics series; 24) porém, superior à encontrada nos Estados Unidos em 2007 (8,3%).1616 Martin JA, Hamilton BE, Sutton PD, Ventura SJ, Mathews TJ, Kirmeyer S, Osterman MJK. Births: Final data for 2007. Natl Vital Stat Rep. 2010; 58 (24): 1-85. Disponível em: http://www.cdc.gov/nchs/data/nvsr/nvsr58/nvsr58_24.pdf.
http://www.cdc.gov/nchs/data/nvsr/nvsr58...

Nesse aspecto, também o tipo de hospital de nascimento é um fator importante na chance de realização de parto vaginal pós-cesárea. Esse procedimento foi muito mais frequente na rede hospitalar SUS do que nos hospitais mistos e nos não vinculados ao SUS; para as mães com cesárea anterior, parir no SUS significou uma chance de PVAC quase quatro vezes maior do que para as que deram à luz na rede Não-SUS. Contudo, neste estudo não foram controlados fatores que poderiam influenciar na contra-indicação de PVAC.

Muitas pesquisas têm analisado as vantagens e consequências do trabalho de parto após cesárea e da repetição de cesárea, contudo os resultados dos diferentes trabalhos são conflitantes e pouco definitivos.1818 Guise J-M, Denman MA, Emeis C, Marshall N, Walker M, Fu R, Janik R, Nygren P, Eden KB, McDonagh M. Vaginal Birth After Cesarean: New Insights on Maternal and Neonatal Outcomes. Obstet Gynecol. 2010; 115: 1267-78.

19 Lopez E, Patkai J, Ayoubi ME, Jarreau P-H. Bénéfices et risques néonataux de la tentative de voie basse comparée à la césarienne programmée en cas d’antécédent de césarienne. J Gynecol Obstet Biol Reprod. 2012;41:727-734.
-2020 Rozen G, Ugoni AM, Sheehan PM. A new perspective on VBAC: A retrospective cohort study. Women Birth. 2011; 24: 3-9. Autores encontraram proporções de ruptura uterina e de mortalidade perinatal maiores nas mulheres com trabalho de parto após cesárea (0,47% e 0,13%, respectivamente) comparadas às que realizaram repetição de cesárea eletiva (0,03% e 0,05%)1818 Guise J-M, Denman MA, Emeis C, Marshall N, Walker M, Fu R, Janik R, Nygren P, Eden KB, McDonagh M. Vaginal Birth After Cesarean: New Insights on Maternal and Neonatal Outcomes. Obstet Gynecol. 2010; 115: 1267-78. e taxas de necessidade de transfusão, infecção uterina e encefalopatia hipóxica menores no grupo com repetição de cesárea.22 Sass N, Oliveira LG. Obstetrícia. 1 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. Um estudo de revisão identificou que o risco de mortalidade perinatal, ventilação com bolsa valva-máscara e asfixia perinatal foi maior no grupo trabalho de parto após cesárea.1919 Lopez E, Patkai J, Ayoubi ME, Jarreau P-H. Bénéfices et risques néonataux de la tentative de voie basse comparée à la césarienne programmée en cas d’antécédent de césarienne. J Gynecol Obstet Biol Reprod. 2012;41:727-734.

Por outro lado, achados mostram que não houve aumento na hemorragia pós-parto, lacerações vaginais ou complicações neonatais nas mães que realizaram PVAC ao compará-las com mulheres nulíparas em trabalho de parto espontâneo ou induzido.2020 Rozen G, Ugoni AM, Sheehan PM. A new perspective on VBAC: A retrospective cohort study. Women Birth. 2011; 24: 3-9. Um estudo de revisão encontrou que, apesar de rara, a mortalidade materna foi significativamente maior para cesárea eletiva de repetição (0,013%) em comparação com o trabalho de parto após cesárea (0,004%).1818 Guise J-M, Denman MA, Emeis C, Marshall N, Walker M, Fu R, Janik R, Nygren P, Eden KB, McDonagh M. Vaginal Birth After Cesarean: New Insights on Maternal and Neonatal Outcomes. Obstet Gynecol. 2010; 115: 1267-78. Em outra revisão, foi encontrado que RNs por repetição de cesárea são mais propensos a apresentar taquipnéia transitória.1919 Lopez E, Patkai J, Ayoubi ME, Jarreau P-H. Bénéfices et risques néonataux de la tentative de voie basse comparée à la césarienne programmée en cas d’antécédent de césarienne. J Gynecol Obstet Biol Reprod. 2012;41:727-734.

Enfim, alguns tipos de morbidade materna e perinatal são mais elevados na repetição de cesárea e outros tipos no trabalho de parto após cesárea, mas, no geral, o trabalho de parto após cesárea pode ser uma escolha razoável para a maioria de mulheres.33 Silva CHM, Laranjeira CLS, Osanan GC, Bonomi IBA. Manual SOGIMIG de assistência ao parto e puerpério. 1 ed. Rio de Janeiro: Med Book; 2019.,77 Agency for Healthcare Research and Quality of. U.S. Department of Health and Human Services - AHRQ. Vaginal Birth After Cesarean: New Insights. Evidence Report/Technology Assessment. Portland; 2010. (AHRQ Publication nº 10-E003),1818 Guise J-M, Denman MA, Emeis C, Marshall N, Walker M, Fu R, Janik R, Nygren P, Eden KB, McDonagh M. Vaginal Birth After Cesarean: New Insights on Maternal and Neonatal Outcomes. Obstet Gynecol. 2010; 115: 1267-78.

Em relação ao tipo de apresentação do RN, somente há indicação de cesárea nos casos de mau posicionamento de fetos, como nas posições transversas e pélvicas. Ainda assim, a melhor via de parto na posição pélvica é controversa, havendo evidências de que, em pacientes selecionados e com médicos treinados para esse fim, o parto vaginal é uma boa opção. Mas, nos casos de indução de trabalho de parto após cesárea anterior, a apresentação fetal não cefálica é considerada contraindicação absoluta.22 Sass N, Oliveira LG. Obstetrícia. 1 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.,33 Silva CHM, Laranjeira CLS, Osanan GC, Bonomi IBA. Manual SOGIMIG de assistência ao parto e puerpério. 1 ed. Rio de Janeiro: Med Book; 2019. Contudo, neste estudo, 95,2% dos RNs por repetição de cesárea tiveram apresentação cefálica (ideal para parto vaginal), embora apenas essa variável não justifique a via de parto escolhida.

Outra possível justificativa para parte do volume das cesáreas é que a presença de fetos macrossômicos ou com restrição de crescimento resultam em contraindicação relativa para indução de trabalho de parto após cesárea22 Sass N, Oliveira LG. Obstetrícia. 1 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.,33 Silva CHM, Laranjeira CLS, Osanan GC, Bonomi IBA. Manual SOGIMIG de assistência ao parto e puerpério. 1 ed. Rio de Janeiro: Med Book; 2019. deste modo, no nosso estudo uma pequena parcela, 5,6% e 6,3%, dos casos de RC poderiam ser justificados pelos RNs serem de alto e baixo peso, respectivamente.

Além disso, mais uma possível causa para a grande proporção de cesáreas pode ser a realização da laqueadura intraparto. Até o final da década de oitenta a realização da esterilização cirúrgica era proibida no Brasil - salvo raras exceções.2121 Berquó E, Cavenaghi S. Direitos reprodutivos de mulheres e homens face à nova legislação sobre esterilização voluntária. Cad Saúde Pública. 2003; 19 (Supl 2): S441-53. Deste modo, a realização da cesárea foi, muitas vezes, o caminho utilizado para realizar ilegalmente e encobrir a cobrança adicional da laqueadura.2121 Berquó E, Cavenaghi S. Direitos reprodutivos de mulheres e homens face à nova legislação sobre esterilização voluntária. Cad Saúde Pública. 2003; 19 (Supl 2): S441-53. Contudo, mesmo após o Ministério da Saúde regulamentar e estabelecer regras para a realização da laqueadura tubária - como a proibição da sua realização durante o parto22 Sass N, Oliveira LG. Obstetrícia. 1 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. - estudos mostram que a prática da laqueadura intraparto ainda persiste, havendo associação entre partos cirúrgicos e laqueadura tubária.2222 Carvalho LEC, Osis MJD, Cecatti JG, Bento SF, Manfrinati MB. Esterilização cirúrgica voluntária na Região Metropolitana de Campinas, São Paulo, Brasil, antes e após sua regulamentação. Cad Saúde Pública. 2007; 23 (12): 2906-16.

A prematuridade tem sido associada com a cesárea.22 Sass N, Oliveira LG. Obstetrícia. 1 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.,2323 Guimarães EAA, Vieira CS, Nunes FDD, Januário GC, Oliveira VC, Tibúrcio JD. Prevalência e fatores associados à prematuridade em Divinópolis, Minas Gerais, 2008-2011: análise do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos. Epidemiol Serv Saúde. 2017; 26 (1): 91-8. A partir de dados do estudo Nascer no Brasil, observou-se que em hospitais privados com modelo de atenção padrão a maioria dos bebês nascidos por cesárea tinham IG de 37 ou 38 semanastermos precoces.2424 Torres JA, Domingues RMSM, Sandall J, Hartz Z, da Gama SGN, Theme Filha MM. Cesariana e resultados neonatais em hospitais privados no Brasil: estudo comparativo de dois diferentes modelos de atenção perinatal. Cad Saúde Pública. 2014; 30: S220-31. Da mesma forma, na Austrália, a maioria das cesáreas eletivas em bebês a termo foi realizada com IG entre 37 e 38 semanas.1515 Laws PJ, Li Z, Sullivan EA. Australia’s mothers and babies 2008. Camberra; 2010. (Perinatal statistics series; 24) Embora no nosso estudo não seja possível distinguir a cesárea eletiva, observou-se a mesma tendência, com maior concentração de RNs termos precoces no grupo RC (44,3%) e ainda maior ao considerar somente os RNs por RC nos hospitais Não-SUS (54,3%). Fato que se destaca no Estado de São Paulo, mas está presente em todo o Brasil, isto é, um terço dos nascimentos por cesárea ocorre nessa idade gestacional no país.2525 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação em Saúde. Saúde Brasil 2013: uma análise da situação de saúde e das doenças transmissíveis relacionadas à pobreza. Brasília, DF; 2014. Situação preocupante, uma vez que estudos mostram que esses RNs têm riscos mais elevados para morbi-mortalidade comparados aos RNs termo-plenos.2626 Spong CY. Defining “Term” Pregnancy: Recommendations From the Defining “Term” Pregnancy Workgroup. JAMA. 2013; 309 (23): 2445-6.

Do mesmo modo, ao estudarem os efeitos adversos nas diferentes idades gestacionais de RNs nascidos por cesáreas de repetição, autores encontraram que nascimentos com 37 e 38 semanas de gestação tinham significativamente riscos mais elevados de resultado neonatal adverso, enquanto os nascimentos com 39 e 40 semanas de gestação apresentaram melhores desfechos neonatais em comparação com a continuação da gravidez.2727 Chiossi G, Lai Y, Landon MB, Spong CY, Rouse DJ, Varner MW, Caritis SN, Sorokin Y, O’Sullivan MJ, Sibai BM, Thorp JM, Ramin SM, Mercer BM. Timing of delivery and adverse outcomes in term singleton repeat cesarean deliveries. Obstet Gynecol. 2013; 121: 561-9.

Pesquisadores concluíram que o momento ideal para a repetição de cesárea vem a ser em 39 semanas. Neste estudo, o grupo de repetição de cesáreas apresentou cerca de 38% de RNs a termo pleno, a menor proporção entre os grupos com diferentes históricos de parto estudados.2727 Chiossi G, Lai Y, Landon MB, Spong CY, Rouse DJ, Varner MW, Caritis SN, Sorokin Y, O’Sullivan MJ, Sibai BM, Thorp JM, Ramin SM, Mercer BM. Timing of delivery and adverse outcomes in term singleton repeat cesarean deliveries. Obstet Gynecol. 2013; 121: 561-9.

Autores mostram diferenciais na frequência de cesáreas e no perfil das mães segundo o tipo de financiamento do hospital.1717 Domingues RMSM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, Torres JA, d’Orsi E, Pereira AP. Processo de decisão pelo tipo de parto no Brasil: da preferência inicial das mulheres à via de parto final. Cad Saúde Pública. 2014; 30: S101-16. Na Austrália, enquanto nos hospitais públicos 15,7% dos partos de multíparas são cesáreos, nos privados essa taxa chega a 27,6%.2828 Dahlen HG, Tracy S, Tracy M, Bisits A, Brown C, Thornton C. Rates of obstetric intervention among low-risk women giving birth in private and public hospitals in NSW: a population-based descriptive study. BMJ Open. 2012; 2: 1-8. No Brasil, autores encontraram proporção duas vezes maior de cesárea entre os nascimentos com pagamento privado em relação àqueles com pagamento público.1717 Domingues RMSM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, Torres JA, d’Orsi E, Pereira AP. Processo de decisão pelo tipo de parto no Brasil: da preferência inicial das mulheres à via de parto final. Cad Saúde Pública. 2014; 30: S101-16. Tendência que também foi observada no presente estudo: taxa de repetição de cesárea variando de 26,6% no SUS para 44,1% em hospitais privados.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) reconhece o problema que vai além das altas taxas de cesárea no setor suplementar, abrangendo, também, a escassa autonomia da mulher na tomada de decisões sobre como conduzir seu parto e a baixa adesão às políticas e diretrizes propostas pelo Ministério da Saúde a respeito da atenção ao parto e nascimento. Em 2015, o Projeto Parto Adequado foi criado pela ANS com o apoio do Ministério da Saúde, tendo como objetivo incentivar a adoção de modelos de atenção ao parto e nascimento que propiciem a qualidade dos serviços, enalteçam o parto normal e contribuam para a minimizar os riscos consequentes de cesarianas desnecessárias.33 Silva CHM, Laranjeira CLS, Osanan GC, Bonomi IBA. Manual SOGIMIG de assistência ao parto e puerpério. 1 ed. Rio de Janeiro: Med Book; 2019.

Apesar de autores mostrarem boa confiabilidade e validade dos dados do SINASC,2929 Bonilha EA, Vico ESR, Freitas M, Barbuscia DM, Galleguillos TGB, Okamura MN, Santos PC, Lira MMTA, Torloni MR. Cobertura, completude e confiabilidade das informações do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos de maternidades da rede pública no município de São Paulo, 2011. Epidemiol Serv Saúde. 2018; 27 (1): e201712811. uma limitação se dá pelo instrumento de coleta de informação: a DNV. Apesar da DNV ter passado por uma recente melhora, com inserção de novos campos para informações, ela não traz informações sobre morbidade materna, o que poderia ser útil para explicar a realização das cesáreas.

A RC foi o meio de nascimento mais frequente no presente estudo. Identificou-se uma proporção importante de partos vaginais que ocorreram após uma cesárea prévia, principalmente nos hospitais SUS, já a RC é o fenômeno mais frequente nos hospitais privados. Essas informações indicam que a presente situação é influenciada pela organização dos serviços.

Embora parte das cesáreas realizadas sejam justificadas e recomendadas a fim de salvarem vidas, as altas taxas de repetição de cesárea, principalmente no setor privado, evidenciam a necessidade de ajustes no modelo de atenção ao parto no Estado de São Paulo, uma vez que intervenções desnecessárias estão atreladas a morbi-mortalidades maternas e neonatais de curto e longo prazo, e consequentemente a gastos elevados com Saúde Pública. Deste modo, mostra-se essencial que gestores e formuladores de políticas ajam no sentido de conter e regredir as intervenções desnecessárias no parto.

Agradecimentos

Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), pelo apoio financeiro, e à Secretaria Estadual de Saúde, pelos dados fornecidos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2020
  • Aceito
    19 Fev 2021
  • Preprint postado em
    15 Dez 2020
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