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A medida do lactato arterial intraoperatório não é determinante de mortalidade em pacientes cirúrgicos de alto risco

Resumos

OBJETIVOS: Classicamente, lactato elevado é considerado como marcador de pior prognóstico, entretanto poucos dados existem a respeito da cinética do lactato no periodo intraoperatório e sua associação com o prognóstico. O objetivo deste estudo foi avaliar em qual momento do período perioperatório o valor do lactato apresenta maior importância prognóstica. MÉTODOS: Estudo prospectivo observacional de um hospital terciário. Foram incluídos pacientes com solicitação de pós-operatório em unidade de terapia intensiva com idade >18 anos, submetidos a cirurgias de grande porte. Pacientes de cirurgias paliativas, com insuficiência cardíaca e/ou hepática grave foram excluídos. Valores de lactato arterial foram mensurados imediatamente antes do início da cirurgia (T0), após indução anestésica (T1), após 3hs de cirurgia (T2), na admissão da unidade de terapia intensiva (T3) e após 6 h da admissão na unidade de terapia intensiva (T4). RESULTADOS: Foram incluídos 67 pacientes. Os valores médios do lactato dos pacientes no T0, T1, T2, T3 e T4 foram respectivamente 1,5 ± 0,8mmol/L, 1,5 ± 0,7mmol/L, 1,8 ± 1,2mmol/L, 2,7 ± 1,7mmol/L e 3,1 ± 2,0mmol/L. A taxa de mortalidade hospitalar foi 25,8% e as dosagens de lactato dos pacientes sobreviventes e dos não sobreviventes 6 h após admissão na unidade de terapia intensiva foram 2,5 ± 1,3 e 4,8 ± 2,8 mmol/L (p<0,0001), respectivamente. As medidas nos demais períodos não demonstraram diferenças estatisticamente significativas dentre estes grupos. CONCLUSÕES: Em pacientes cirúrgicos o lactato arterial no período intraoperatório não apresentou valor prognóstico, entretanto quando avaliado no pós-operatório, ele foi melhor para determinar mortalidade hospitalar.

Período intraoperatório; Cuidados intraoperatórios; Perfusão; Lactatos; Prognóstico; Fatores de tempo


OBJECTIVES: An increased lactate level is classically considered a marker for poorer prognosis, however little information is available on intraoperative lactate's kinetics and its connection with prognosis. This study aimed to evaluate the time when perioperative lactate is most relevant for prognosis. METHODS: This was an observational prospective study conducted in a tertiary hospital. Patients with requested intensive care unit postoperative stay, aged > 18 years, undergoing major surgery were included. Palliative surgery patients and those with heart and/or severe liver failure were excluded. Arterial lactate levels were measured immediately before the surgery start (T0), after anesthesia induction (T1), 3 hours after the surgery start (T2), intensive care unit admission (T3) and 6 hours after the intensive care unit admission (T4). RESULTS: Sixty seven patients were included. The mean lactate values for the patients' T0, T1, T2 and T4 were 1.5 ± 0.8 mmol/L, 1.5 ± 0.7 mmol/L, 1.8 ± 1.2 mmol/L, 2.7 ± 1.7 mmol/L and 3.1 ± 2.0 mmol/L, respectively. The hospital mortality rate was 25.8%, and surviving and non-surviving patients lactate values in the intensive care unit were 2.5 ± 1. and 4.8 ± 2.8 mmol/L (P < 0.0001), respectively. The other times measurements showed no statistically significant differences between the groups. CONCLUSIONS: In surgical patients, intraoperative arterial lactate levels failed to show a predictive value; however during the postoperative period, this assessment was shown to be useful for hospital mortality prediction.

Intraoperative period; Intraoperative care; Perfusion; Lactates; Prognosis; Time factors


ARTIGO ORIGINAL

A medida do lactato arterial intraoperatório não é determinante de mortalidade em pacientes cirúrgicos de alto risco

João Manoel Silva JuniorI; Amanda Maria Ribas Rosa OliveiraII; Bruno Ricciardi SilveiraIII; Ulisses Pinto FerreiraIII; Rodrigo Natal AlbrethtIII; Tiago Bertacini GonzagaIII; Ederlon RezendeII

IMédico do Serviço de Anestesiologia e Terapia Intensiva do Hospital do Servidor Público Estadual "Francisco Morato de Oliveira" HSPE-FMO - São Paulo (SP), Brasil

IIMédico do Serviço de Terapia Intensiva Hospital do Servidor Público Estadual "Francisco Morato de Oliveira" HSPE-FMO - São Paulo (SP), Brasil

IIIResidentes do Hospital do Servidor Público Estadual "Francisco Morato de Oliveira" HSPE-FMO - São Paulo (SP), Brasil

Autor para correspondência Autor para correspondência: João Manoel Silva Jr. Rua Pedro de Toledo, 1800 - 6º andar - Vila Clementino CEP: 04039-901 - São Paulo (SP), Brasil Fone/Fax: (11) 5571-3561 E-mail: joao.s@globo.com

RESUMO

OBJETIVOS: Classicamente, lactato elevado é considerado como marcador de pior prognóstico, entretanto poucos dados existem a respeito da cinética do lactato no periodo intraoperatório e sua associação com o prognóstico. O objetivo deste estudo foi avaliar em qual momento do período perioperatório o valor do lactato apresenta maior importância prognóstica.

MÉTODOS: Estudo prospectivo observacional de um hospital terciário. Foram incluídos pacientes com solicitação de pós-operatório em unidade de terapia intensiva com idade >18 anos, submetidos a cirurgias de grande porte. Pacientes de cirurgias paliativas, com insuficiência cardíaca e/ou hepática grave foram excluídos. Valores de lactato arterial foram mensurados imediatamente antes do início da cirurgia (T0), após indução anestésica (T1), após 3hs de cirurgia (T2), na admissão da unidade de terapia intensiva (T3) e após 6 h da admissão na unidade de terapia intensiva (T4).

RESULTADOS: Foram incluídos 67 pacientes. Os valores médios do lactato dos pacientes no T0, T1, T2, T3 e T4 foram respectivamente 1,5 ± 0,8mmol/L, 1,5 ± 0,7mmol/L, 1,8 ± 1,2mmol/L, 2,7 ± 1,7mmol/L e 3,1 ± 2,0mmol/L. A taxa de mortalidade hospitalar foi 25,8% e as dosagens de lactato dos pacientes sobreviventes e dos não sobreviventes 6 h após admissão na unidade de terapia intensiva foram 2,5 ± 1,3 e 4,8 ± 2,8 mmol/L (p<0,0001), respectivamente. As medidas nos demais períodos não demonstraram diferenças estatisticamente significativas dentre estes grupos.

CONCLUSÕES: Em pacientes cirúrgicos o lactato arterial no período intraoperatório não apresentou valor prognóstico, entretanto quando avaliado no pós-operatório, ele foi melhor para determinar mortalidade hospitalar.

Descritores: Período intraoperatório; Cuidados intraoperatórios; Perfusão; Lactatos/administração & dosagem; Prognóstico; Fatores de tempo

INTRODUÇÃO

Aproximadamente 234 milhões de grandes cirurgias são realizadas a cada ano.(1) Complicações depois de cirurgias de grande porte são causas de morbidade e mortalidade.(2,3) A mortalidade observada para pacientes cirúrgicos de alto risco varia de 9,7% nos EUA a 35,9% na Inglaterra.(4)

Dados confirmam que desfechos desfavoráveis depois de cirurgias de alto risco são problema global.(5-7) Mesmo em pacientes que sobrevivem à internação hospitalar, as complicações permanecem como importante determinante de curto tempo de sobrevida.(7) Portanto, é essencial buscar ferramentas para melhorar os desfechos destes pacientes.

Numerosos relatos indicam que complicações após grandes cirurgias e pacientes de alto risco são fortemente associados com desarranjos na oferta de oxigênio, relacionada ao prejuízo no fluxo microvascular.(8-10)

Quando a disponibilidade de oxigênio na célula é limitada, ocorre metabolismo anaeróbico e conseqüentemente acidose metabólica. Esta acidose metabólica pode ser quantificada por análise dos gases arteriais examinando a diferença de base e as concentrações séricas do lactato.(11)

Dessa forma, um importante indicador de hipoperfusão é o lactato que vem sendo estudado há várias décadas,(12) mostrando que concentrações séricas elevadas estão fortemente associadas ao prognóstico dos pacientes.(11)

Em determinadas situações como na sepse, trauma e choque, o uso da dosagem do lactato sérico como indicador de hipóxia tecidual está estabelecido.(13-15) No entanto, existem poucos dados com relação à cinética do lactato arterial em pacientes cirúrgicos de alto risco no período perioperatório.(16)

Portanto, este estudo tem por objetivo avaliar a medida do lactato durante o período perioperatório e que momento permite discriminar sobreviventes dos não sobreviventes.

MÉTODOS

Após aprovação pela Comissão de Ética a pesquisa foi conduzida no centro cirúrgico e na unidade de terapia intensiva de um hospital terciário.

Trata-se de estudo prospectivo, cujos critérios de inclusão foram pacientes que assinassem o termo de consentimento livre esclarecido antes da cirurgia, com idade > 18 anos, submetidos a cirurgias com solicitação de pós-operatório em unidade de terapia intensiva (UTI), e presença de pelo menos um dos critérios:

- comorbidades cardiorrespiratórias graves (insuficiência coronariana, doença pulmonar obstrutiva crônica, acidente vascular cerebral prévio),

- cirurgias com planejamento de exérese de neoplasia (esofagectomia, gastrectomia total) com duração prolongada maior do que 8 h,

- idade acima de 70 anos com evidência de comprometimento de reserva fisiológica de pelo menos um órgão vital,

- insuficiência renal aguda (uréia > 100mg/dl ou creatinina > 3mg/dl),

- estágio avançado de doença vascular ou comprometimento da aorta,

- previsão de perda sanguínea maciça aguda no intraoperatório e

- pacientes com problemas nutricionais graves.

Foram excluídos, pacientes submetidos a cirurgias paliativas, com baixa expectativa de vida, pacientes com insuficiência hepática (Child B ou C), pacientes com insuficiência cardíaca classe funcional IV ou fração de ejeção no ecocardiograma menor que 30%.

O desfecho primário do estudo foi avaliar níveis de lactato no período intraoperatório e mortalidade hospitalar, enquanto o desfecho secundário foi verificar complicações no pós-operatório como presença de disfunção orgânica, ou seja, choque circulatório (necessidade de drogas vasoativas por mais que 1 h apesar de ressuscitação volêmica), piora de troca de oxigenação pulmonar (relação pressão parcial de oxigênio/fração inspirada de oxigênio (PaO2/FiO2 <200), insuficiência renal (aumento de creatinina em 50% ou diurese menor que 400 ml em 24 h ) confusão mental (alteração de comportamento, esquecimentos ou agitação psicomotora) e disfunção plaquetária (queda de plaqueta em 30% do basal) até 24 h de pós-operatório. Além disso, foi verificada infecção durante internação na UTI, tempo de internação hospitalar e fatores de risco para hiperlactatemia no intraoperatório como transfusão sanguínea e drogas vasoativas.

Posteriormente, os pacientes foram divididos em grupos, sobreviventes e não sobreviventes. Além disso, foram avaliadas complicações e correlacionadas com os momentos da coleta do lactato arterial.

A terapêutica adotada no período intraoperatório foi determinada pela equipe cirúrgica, enquanto no período pós-operatório pelo intensivista. Todos os pacientes foram acompanhados até a alta hospitalar.

No momento da inclusão foram avaliados os escores Multiple-Organ Dysfunction Syndrome (MODS),(17)Acute Physiology And Chronic Health Evaluation (APACHE II),(18) e Physiologic and Operative Severity Score for the enUmeration of Mortality and Morbidity (POSSUM escore),(19) utilizando-se para isso os piores valores das variáveis desses escores. Além disso, antes da cirurgia (T0), após indução anestésica (T1), 3 h de procedimento cirúrgico (T2), admissão da UTI (T4) e após 6 h de admissão na UTI (T5) foram coletadas gasometrias arterial e lactato. É importante enfatizar que, nesta instituição, os pacientes são transferidos para UTI imediatamente após a cirurgia e que a UTI e o centro cirúrgico são no mesmo local. Portanto, é esperado que o valor do lactato na admissão na UTI seja semelhante ao valor do final da cirurgia.

Análise estatística

Foram descritas as características demográficas, clínicas e fisiológicas dos pacientes incluídos no estudo. Para a descrição das variáveis categóricas foram calculadas as frequências e porcentagens. As variáveis quantitativas foram descritas com o uso de medidas de tendência central e de dispersão (médias e desvios padrão, medianas e percentis).

As variáveis categóricas foram analisadas pelo teste Qui-quadrado e contínuas pelas médias com Test t de student e ANOVA, para distribuição normal. Valores de p< 0,05 (bicaudal) foram considerados significantes. O SPSS 13,0 foi utilizado para análise desses cálculos. Os desfechos foram comparados aos momentos da coleta dos lactatos.

A habilidade preditiva dos índices em diferenciar sobreviventes e não sobreviventes foi verificada utilizando curvas ROC (Receiver Operating Characteristic).

RESULTADOS

Durante o período de 6 meses foram incluídos 67 pacientes, 37 masculinos e 30 femininos, com média de idade de 65,6±12,2 anos. Foram predominantes as cirurgias eletivas (Tabela 1).

A mortalidade hospitalar foi de 25,8% (17 pacientes). As dosagens de lactato dos pacientes sobreviventes e dos não sobreviventes em 6 h após admissão na UTI foram 2,5 ± 1,3 e 4,8 ± 2,8 mmol/L (p<0,0001), respectivamente. As medidas nos demais períodos não demonstraram diferenças estatisticamente significativas entre estes grupos (basais- p=0,46, inicio da cirurgia - p= 0,57, 3 h de cirurgia - p=0,51, admissão na UTI- p=0,23) (Figura 1).


Também na análise de sensibilidade e especificidade pela curva ROC, os valores de lactato no período intraoperatório não tiveram capacidade discriminatória para mortalidade hospitalar. Já os valores no período de admissão da UTI e após 6 h da admissão apresentaram melhor poder discriminatório (Tabela 2).

No momento da cirurgia, 50% dos pacientes receberam transfusões de sangue, 32,5% drogas vasoativas e ocorreram 54,5% de complicações no período pós-operatório, sendo choque circulatório mais prevalente. Evolutivamente, os valores de lactato foram mais elevados no período pós-operatório (Tabelas 3 e 4).

DISCUSSÃO

Um dos maiores desafios dos médicos que cuidam de pacientes graves é o controle da hipoperfusão tecidual. Esta alteração tem como consequência a disfunção de diversos órgãos com aumento da mortalidade. A identificação precoce da hipóxia tecidual para a rápida instituição da terapêutica torna-se fundamental na melhora do prognóstico desses pacientes.(20)

Atualmente, poucos parâmetros são utilizados na prática clínica para avaliar a hipóxia tecidual, como a diurese, diferença de bases e o lactato sangüíneo, porém estes parâmetros indicam que a hipoperfusão já está instalada e podem ser tardios para guiar o início de reanimação hemodinâmica.(21)

O presente estudo demonstrou que o valor de lactato no período intraoperatório até 3 h não foi capaz de discriminar prognóstico, enquanto a medida da admissão na UTI e após 6 h pode determinar evolução desfavorável.

O nível de lactato sérico tem sido classicamente aceito como indicador de metabolismo anaeróbico e de hipóxia tecidual.(22,23) As vias bioquímicas relacionadas à cinética do lactato sangüíneo são complexas, o que não invalida este indicador como excelente índice prognóstico em pacientes cirúrgicos. A concentração normal do lactato é inferior a 2 mmol/L em repouso, e concentrações maiores que 4 mmol/L indicam presença de síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) e aumento de mortalidade, mesmo em pacientes com níveis de pressões arteriais consideradas normais.(24)

A hipóxia tecidual aumenta os níveis de lactato por incremento da glicólise anaeróbica, a fim de manter a produção de energia na célula mais próxima do normal, situação comum nos estados de choque.(11)

Além disso, na fase precoce do choque, o aumento nos níveis de lactato sangüíneo foi associado com presença de dependência da oferta de oxigênio e assim, de hipóxia tecidual e aumento de mortalidade.(13,25) Contudo, é importante ressaltar que em condições normais, o fígado é capaz de aumentar a metabolização do lactato produzido, fazendo com que em situações de hipóxia e metabolismo anaeróbico ocorra um atraso de algumas horas entre o início do fenômeno e a detecção de concentrações elevadas de lactato no sangue,(26) fato que pode justificar em parte os achados do estudo em questão.

No choque circulatório, também pode haver aumento dos níveis de lactato na ausência de hipoperfusão. Aumento da produção pode ocorrer, por exemplo, quando o metabolismo da glicose excede a capacidade oxidativa da mitocôndria com a administração de catecolaminas, nos distúrbios da piruvato desidrogenase e na alcalose respiratória. Já na disfunção hepática pode haver diminuição na sua excreção.(27)

Dessa forma, durante o procedimento cirúrgico, principalmente em cirurgias de grande porte, ocorre maior utilização de fármacos vasopressores e diminuição da depuração hepática pela diminuição do consumo de oxigênio proporcionado pela anestesia.(28,29) Por esse motivo, pacientes no período pós-operatório imediato apresentam valores de lactado sérico mais elevado,(29) somando o fato que o restabelecimento pleno da função celular após anestesia poderia proporcionar fenômeno de "wash out",(30) acontecimento relatado conseqüência da ressuscitação circulatória.

Em adição, alguns órgãos já inflamados podem elevar os valores de lactato, estudos mostraram que o pulmão e músculo são importantes produtores de lactato(31) e em pacientes com lesão pulmonar pode ocorre um aumento importante das concentrações de lactato, De Backer et al.(32) demonstraram que o aumento na produção de lactato ocorre em pacientes com lesão pulmonar aguda, requerendo processo inflamatório difuso. Portanto, o período pós-operatório é o principal momento de inflamação dos órgãos o que pode estar relacionado com elevação do lactato neste período e com seu valor prognóstico em relação à mortalidade e complicações, como encontrado nesta amostra estudada, corroborando também a falta de valor prognóstico do lactato no período intraoperatório.

Meregalli et al.(33) mostraram que o valor de lactato de 3,1 mmol/L em pacientes cirúrgicos, hemodinamicamente estáveis no período pós-operatório não discriminou sobreviventes de não sobreviventes nas primeiras 12 h da admissão, porém somente o não clareamento desse valor foi o que determinou pior prognóstico. Em cirurgias cardíacas o valor de 3 mmol/L no período pós-operatório determinou risco aumentado de morbidade e mortalidade.(34) Almeida et al. (29) encontraram somente valores maiores que 3,2 mmol/L na admissão da UTI para discriminar mortalidade e não avaliaram a tendência do marcador.

Na tentativa de melhorar a acurácia do método, estudos destacaram-se avaliando a evolução do lactato como fator prognóstico, em um deles foi denominado como lactime(35) o tempo em que o lactato se mantinha elevado, conseguindo demonstrar que a duração da acidose metabólica lática é melhor preditor de disfunção de múltiplos orgãos e morte do que a medida inicial do lactato, em outro o clearance do lactato(26) precoce demonstrou melhor prognóstico, demonstrando piora na sobrevida dos pacientes que demoravam a normalizar o lactato após um período de intervenção.(36) Estudo mais recente, realizado em 21 UTIs Brasileiras, evidenciou que o lactato na admissão à UTI é um determinante precoce de risco de morte por disfunção de múltiplos órgãos e sistemas, em população de pacientes cirúrgicos de alto risco.(37)

Estas investigações fornecem fortes evidências para suportar o papel do lactato como guia de hipoperfusão e indicador prognóstico em pacientes cirúrgicos somente no período pós-operatório.

Contudo, devem-se considerar alguns aspectos limitantes neste estudo. Primeiro o estudo não avaliou se a prática de reanimação realizada pelos médicos frente à hiperlactatemia poderia de alguma forma ter impacto na sobrevida, entretanto o objetivo deste estudo foi avaliar em qual momento o lactato apresenta maior valor prognóstico no paciente cirúrgico, então discutir sobre terapêutica guiada pelo lactato além de ser controverso excede o objetivo inicial.(38)

Segundo é importante notar que o presente estudo trata-se de uma pequena população de pacientes e estudos maiores são necessários para melhor avaliar se estes resultados são factíveis. Também, medidas adicionais de lactato em momentos cirúrgicos diferentes poderiam mostrar outras informações, o que não invalida os achados, pois os tempos selecionados para a coleta do lactato correspondem a momentos crucias da cirurgia e pequenos intervalos foram relacionados à coleta, considerando a média de tempo cirúrgico 6 h e as medidas verificadas no inicio, na terceira hora e ao final do procedimento.

Por ultimo o tempo entre sala de operação e admissão na UTI poderia influenciar os resultados, todavia nenhum paciente apresentou intercorrência neste período e o tempo de transporte foi curto, já que a localização do centro cirúrgico e UTI é muito próxima.

CONCLUSÃO

Em pacientes cirúrgicos o lactato arterial no período intraoperatório não apresentou valor prognóstico, entretanto quando avaliado na UTI e após 6 h da admissão, foi melhor para determinar morbidade e mortalidade hospitalar.

Submetido em 5 de Julho de 2010

Aceito em 31 de Agosto de 2010

Recebido do Serviço de Terapia Intensiva Hospital do Servidor Público Estadual "Francisco Morato de Oliveira" HSPE-FMO - São Paulo (SP), Brasil.

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  • Autor para correspondência:
    João Manoel Silva Jr.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Aceito
      31 Ago 2010
    • Recebido
      05 Jul 2010
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