Open-access Recomendações do Colégio Brasileiro de Cirurgiões para cirurgia videolaparoscópica durante a pandemia por COVID-19

RESUMO

Diante do quadro de pandemia da COVID-19, a comunidade cirúrgica enfrenta o possível risco de contágio de profissionais envolvidos no ato operatório; gerando preocupações e dúvidas referentes a escolha da via de acesso mais adequada nesse momento. Com objetivo de orientar os cirurgiões, baseado em diversos protocolos publicados até o momento, o Colégio Brasileiro de Cirurgiões traz recomendações acerca deste assunto. O objetivo desta nota técnica é, através de uma compilação de publicações e recomendações de Sociedades Científicas de Cirurgia de todo mundo, trazer orientações relativas ao acesso laparoscópico durante a pandemia por COVID-19.

Descritores: Coronavirus; Laparoscopia; Cirurgia Geral

ABSTRACT

During the current COVID-19 pandemic, the surgical community faces the possible risk of infection of health care professionals involved in the surgical procedure. This leaves to concerns and questions referred to the most adequate surgical approach at this moment. With the objective of guiding surgeons, and based in many different protocols published until now, the Brazilian College of surgeons brings recommendations about this subject. The aim of this technical note is, trough a compilaton of publications and recommendations from Scientific Societies of Surgery worldwide, to provide guidelines regarding laparoscopic access during the COVID-19 pandemic.

Headings: Coronavirus; Laparoscopy; General Surgery

Recomendações do Colégio Brasileiro de Cirurgiões para Cirurgia videolaparoscópica durante a pandemia de COVID-19.

Diante do quadro de pandemia da COVID-19, a comunidade cirúrgica enfrenta o possível risco de contágio de profissionais envolvidos no ato operatório, gerando preocupações e dúvidas referentes à escolha da via de acesso mais adequada, nesse momento. Com objetivo de orientar os cirurgiões, baseado em diversos protocolos publicados até o momento, o Colégio Brasileiro de Cirurgiões traz recomendações acerca deste assunto.

Cabe ressaltar que as presentes orientações são compilações de outras Sociedades Científicas e publicações preliminares, e dado o momento de incerteza sobra esta pandemia, tais orientações se encontram em constante atualização.

1. Adiamento de cirurgias eletivas.

Cirurgias não emergenciais devem ser adiadas para possível necessidade de leitos cirúrgicos, UTI e ventiladores mecânicos1. Ademais, a infecção de um paciente em pós-operatório de cirurgia eletiva pode agregar morbimortalidade ao procedimento.

2. Treinamento da equipe cirúrgica em equipamento de proteção pessoal e COVID-19.

Educar a equipe cirúrgica sobre o equipamento de proteção individual (EPI) é fundamental. Todos os membros da equipe devem ser treinados sobre o uso apropriado do equipamento. Sessões de treinamento são importantes para diminuir não só a transmissão, como também a perda de equipamentos por uso errado em cenário para o qual cada máscara importa. A situação atual nos mostra a importância de treinamento adequado para pandemias2.

3. Preparar área cirúrgica específica para pacientes COVID-19

A criação de área no centro cirúrgico, exclusiva para pacientes com COVID-19, é importante para conter a disseminação da doença. Centros nos Estados Unidos, Canadá e Singapura mostraram pontos chave:

  • a) centro cirúrgico específico para todos os pacientes com COVID-19, sem tráfico elevado de pessoas e sem material que não seja essencial, incluindo itens pessoais como celulares, canetas e chaves. Apenas o equipamento cirúrgico essencial deve estar na sala;

  • b) quando possível, a recuperação anestésica deve ser realizada no centro cirúrgico, com equipe apropriada até a transferência para sala isolada;

  • c) o caminho do paciente para o centro cirúrgico e para a Unidade de Terapia Intensiva ou quarto deve estar livre;

  • d) devem-se considerar abordagens cirúrgicas mais rápidas para diminuir a exposição da equipe cirúrgica2.

4. Triagem dos pacientes antes do procedimento

Todos os pacientes, quando possível, devem se submeter a anamnese dirigida sobre possível infecção / contaminação por COVID-193. A testagem imunológica rápida também é recomendada4, avaliando-se a urgência do procedimento e a disponibilidade do resultado em tempo hábil.

Não havendo disponibilidade da testagem rápida ou da obtenção do resultado em tempo hábil, os pacientes deverão ser considerados como possíveis portadores da doença. O uso da tomografia de tórax como método de triagem auxiliar tem sido recomendada por alguns autores, principalmente em pacientes que irão ser submetidos a tomografia de abdome para esclarecer o diagnóstico urgente/emergencial5.

5. Uso de EPIs e Equipe Cirúrgica

Os cuidados devem ser os mesmos adotados para pacientes com outras infecções virais com possível transmissão durante procedimentos operatórios. Atenção deve ser dada à proteção ocular ou dispositivos de proteção facial (“face-shields”)6.

Em relação às máscaras cirúrgicas, as recomendadas pelo ministério da saúde são do tipo N95/PFF27. Apesar de recente estudo8 demonstrar que o coronavírus-19 apresenta 50-200nm de tamanho, e a máscara N95 ser capaz de filtrar apenas partículas acima de 300nm, este dispositivo tem 95% de eficácia neste cenário9.

Recomendamos também o uso de dois pares de luvas, pois há o risco de contaminação durante a retirada das mesmas. Do mesmo modo, a retirada do capote descartável e demais paramentações, deve ser feita por outro profissional, como a circulante de sala6.

O procedimento cirúrgico deve ser realizado pelo cirurgião mais experiente, assim como o número de membros da equipe cirúrgica em campo deve ser restringido ao mínimo possível10.

6. Uso dos trocateres

Especial cuidado deve ser tomado na introdução e retirada dos trocateres, assim como na limpeza4. As válvulas e borrachas de vedação devem ser rigorosamente verificadas no intuito de se evitar vazamento do pneumoperitônio. Quando possível, diminuir o número de sítios de punção3. O uso de métodos de vedação em torno das incisões (trocater-balão, cerclagem com sutura etc...) são fortemente recomendados4. Todos os trocarteres só deverão ser retirados após o completo esvaziamento do pneumoperitônio11,12.

7. Manejo do pneumoperitônio

Apesar de não haver estudos específicos sobre a transmissão do coronavírus pela dispersão em aerosol produzida pelo pneumoperitônio, estudos prévios em outras viremias recomendam fortemente a precaução no manejo do pneumoperitônio durante procedimentos laparoscópicos13,14. Mecanismos de filtragem devem ser usados tanto na insuflação quanto na desinsuflação do pneumoperitônio10. É recomendável utilizar a menor pressão intra-abdominal possível, entre 10-12 mmHg1,3,11. Várias recomendações têm sido feitas para que o pneumoperitônio seja mantido em sistema fechado11,12. A técnica de esvaziamento do pneumoperitônio, seja durante a cirurgia para retirada de fumaça ou ao término da cirurgia, deve permitir a menor possibilidade de dispersão de gás carbônico para o ambiente cirúrgico. A proposta11 é a conexão de extensão (tipo um equipo de soro longo) ao portal menos utilizado durante a cirurgia. A outra extremidade deve ter algum dispositivo de filtragem e estar em distância segura da equipe de sala operatória, de pelo menos 2 metros15. Alguns dispositivos em selo d’água vêm sendo propostos16,17. Spinelli e Pellino16 recomendam sistemas fechados de quimioterapia intra-abdominal (PIPAC). Porém estes são dispendiosos e podem não estar disponíveis em todos os Serviços de Cirurgia. Se o insuflador em uso não tiver recurso de desinsuflação, feche a válvula no portal de trabalho que está sendo utilizada para insuflação antes que o fluxo de CO2 no insuflador seja desligado (mesmo se houver um filtro em linha no sistema). Sem tomar essa precaução, o CO2 intra-abdominal contaminado pode retornar para o insuflador quando a pressão intra-abdominal é maior que a pressão dentro desse15. Reduza o tempo de posição do Trendelenburg o máximo possível. Isso minimiza o efeito do pneumoperitônio na função e circulação pulmonar, no intuito de reduzir a suscetibilidade a patógenos e quadros pulmonares mais graves em pacientes com COVID-194.

8. Uso de dispositivos de energia

Estudos prévios já demonstraram dispersão aérea de patógenos pela fumaça produzida por eletrocirurgia18,19, o que leva a crer que o mesmo ocorra na COVID-19. Especificamente na laparoscopia, atenção maior deve ser dada pois a fumaça pode ser expelida para o meio externo sob maior pressão por conta do pneumoperitônio. O uso do equipamento elétrico ou ultrassônico por 10 minutos leva a uma concentração maior de partículas na fumaça em cirurgia laparoscópica do que na cirurgia aberta19. Um motivo para isso seria a pouca mobilidade do gás na cavidade abdominal, que tende a ficar concentrado. O risco de exposição é maior na laparoscopia do que na cirurgia aberta3. Cauterização excessiva e em um mesmo ponto devem ser evitadas3. A intensidade de dispositivos de eletrocautério devem ser ajustadas no mínimo possível nos geradores de energia4. O mesmo cuidado se deve ter com o uso de dispositivos ultrassônicos, pela capacidade de produzir partículas contendo sangue e tecidos3,20,21.

9. Anastomoses do tubo digestivo

Anastomoses intraabdominais devem ser preferíveis em relação às externas, visando diminuir o risco de contaminação por dispersão em aerosol do gás intra-intestinal e despressurização súbita do pneumoperitônio17. Entretanto, tal medida deve ser avaliada em relação ao aumento do tempo cirúrgico/pneumoperitônio assim como experiência do cirurgião com tais modalidades técnicas.

10. Extração de peças cirúrgicas, cirurgias vídeo assistidas e drenos

A extração de peças cirúrgicas deve ser feita após a desinsuflação do pneumoperitônio11,12. Cirurgias híbridas vídeo assistidas não são recomendadas pelo não controle do escape de gás do pneumoperitônio15. Do mesmo modo o uso de drenos deve ser indicado quando somente estritamente necessário, visto que a colocação de drenos pela incisão dos trocartes sob visão laparoscópica aumenta o risco de dispersão de gás para o meio externo de forma não controlada15.

11. Evitar ou não a via laparoscópica

Ainda que existam algumas recomendações para a via laparoscópica em casos selecionados22, a decisão de qual melhor via terá de ser avaliada caso a caso, levando-se em conta variáveis como tempo de pneumoperitônio e recuperação cirúrgica ao trauma cirúrgico. O benefício da via laparoscópica deve suplantar o risco de disseminação viral por aerosol do pneumoperitônio3. Em caso de pacientes com diagnóstico comprovado de COVID-19, avaliar tratamento não operatório ou técnicas menos invasivas sempre que possível3,22.

É importante frisar que todas estas recomendações têm como base princípios de cirurgia segura em vídeolaparoscopia, considerando outras doenças infecciosas, como hepatites, síndrome da imunodeficiência adquirida e não especificamente a Covid-19. Por tal, estão sujeitas a constante atualização, à medida que novas evidências forem comprovadas. Ademais, devem ser analisadas individualizadas de acordo com a estrutura dos Serviços de Cirurgia e experiência pessoal dos cirurgiões.

  • Fonte de financiamento: Não

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    13 Abr 2020
  • Aceito
    14 Abr 2020
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