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O uso do aplicativo POTTER (Predictive Optimal Trees in Emergency Surgery Risk) para prever mortalidade e complicações em pacientes submetidos à cirurgia de emergência

RESUMO

Introdução:

a capacidade da equipe de atendimento de prever de forma confiável o risco pós-operatório é essencial para melhorar a tomada de decisões cirúrgicas, o aconselhamento ao paciente e à família e a alocação de recursos nos hospitais. A calculadora POTTER (Predictive Optimal Trees in Emergency Surgery Risk), alimentada por inteligência artificial (IA) e com uma interface amigável, foi baixada em seu formato para iPhone e Android por milhares de cirurgiões em todo o mundo e foi originalmente desenvolvida para ser usada em pacientes de cirurgia de emergência não traumática. No entanto, a POTTER ainda não foi validada fora dos EUA. Neste estudo, nosso objetivo foi validar a calculadora POTTER em um hospital acadêmico brasileiro.

Métodos:

a mortalidade e a morbidade foram analisadas usando a calculadora POTTER em pacientes de cirurgia de emergência com e sem trauma submetidos a tratamento cirúrgico entre novembro de 2020 e julho de 2021. Um total de 194 pacientes foi incluído prospectivamente nessa análise.

Resultados:

Em relação à presença de comorbidades, cerca de 20% da população era diabética e 30%, fumante. Um total de 47,4% dos pacientes eram hipertensos antes da admissão. Após a análise dos resultados, identificamos uma capacidade adequada de prever a mortalidade e a morbidade em 30 dias para esse grupo de pacientes.

Conclusão:

a calculadora POTTER apresentou um excelente desempenho para prever a morbidade e a mortalidade na população estudada, representando uma ferramenta importante para as equipes cirúrgicas definirem riscos, benefícios e resultados para a população de cirurgia de emergência.

Palavras-chave:
Inteligência Artificial; Complicações Pós-Operatórias; Mortalidade; Morbidade; Fatores de Risco

ABSTRACT

Introduction:

the ability of the care team to reliably predict postoperative risk is essential for improvements in surgical decision-making, patient and family counseling, and resource allocation in hospitals. The Artificial Intelligence (AI)-powered POTTER (Predictive Optimal Trees in Emergency Surgery Risk) calculator represents a user-friendly interface and has since been downloaded in its iPhone and Android format by thousands of surgeons worldwide. It was originally developed to be used in non-traumatic emergency surgery patients. However, Potter has not been validated outside the US yet. In this study, we aimed to validate the POTTER calculator in a Brazilian academic hospital.

Methods:

mortality and morbidity were analyzed using the POTTER calculator in both trauma and non-trauma emergency surgery patients submitted to surgical treatment between November 2020 and July 2021. A total of 194 patients were prospectively included in this analysis.

Results:

regarding the presence of comorbidities, about 20% of the population were diabetics and 30% were smokers. A total of 47.4% of the patients had hypertensive prednisone. After the analysis of the results, we identified an adequate capability to predict 30-day mortality and morbidity for this group of patients.

Conclusion:

the POTTER calculator presented excellent performance in predicting both morbidity and mortality in the studied population, representing an important tool for surgical teams to define risks, benefits, and outcomes for the emergency surgery population.

Keywords:
Artificial Intelligence; Complication; Morbidity; Mortality; Risk Factors

INTRODUÇÃO

As cirurgias gerais de emergência (CGE) representam um problema de saúde pública, aumentaram nas últimas décadas e continuam representando grande parcela das atividades cirúrgicas não eletivas em todo o mundo, inclusive no Brasil. Atualmente, o Brasil carece de dados confiáveis sobre o número de internações cirúrgicas de emergência e de uma metodologia padronizada para análise de risco cirúrgico.

Quando comparadas a cirurgias eletivas semelhantes, as cirurgias de emergência demonstraram ter um risco muito maior (até 8 vezes) de complicações e mortali dade pós-operatória11 Havens JM, Peetz AB, Do WS, et al. The excess morbidity and mortality of emergency general surgery. J Trauma Acute Care Surg. 2015;78: 306-11. doi: 10.1097/TA.0000000000000517.
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2 Ingraham AM, Cohen ME, Bilimoria KY, et al. Comparison of 30-day outcomes after emergency general surgery procedures: potential for targeted improvement. Surgery. 2010;148:217-38. doi: 10.1016/j.surg.2010.05.009.
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-33 Havens JM, Do WS, Kaafarani H, et al. Explaining the excess morbidity of emergency general surgery: packed red blood cell and fresh frozen plasma transfusion practices are associated with major complications in non massively transfused patients. Am J Surg. 2016;211(4):656-63. doi: 10.1016/j.amjsurg.2015.11.031.
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. Assim sendo, a capacidade da equipe médica de prever com segurança o risco pós-operatório é essencial para melhorias na tomada de decisões cirúrgicas, no aconselhamento de pacientes e familiares e na alocação de recursos em hospitais44 Bertsimas D, Dunn J, Velmahos GC, Kaafarani HMA. Surgical Risk Is Not Linear: Derivation and Validation of a Novel, User-friendly, and Machine-learning-based Predictive OpTimal Trees in Emergency Surgery Risk (POTTER) Calculator. Ann Surg. 2018 Oct;268(4):574-83. doi: 10.1097/SLA.0000000000002956.
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. Atualmente, existem muitos modelos de estratificação de risco, incluindo, entre outros, a classificação da Sociedade Americana de Anestesiologistas (ASA)55 Wolters U, Wolf T, Stu¨tzer H, et al. ASA classification and perioperative variables as predictors of postoperative outcome. Br J Anaesth. 1996;77: 217-22. doi: 10.1093/bja/77.2.217.
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, o Índice de Comorbidade Elixhauser66 Elixhauser A, Steiner C, Harris DR, et al. Comorbidity measures for use with administrative data. Med Care. 1998;36(1):8-27. doi: 10.1097/00005650-199801000-00004.
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, o Índice de Comorbidade Charlson77 Charlson M, Szatrowski TP, Peterson J, et al. Validation of a combined comorbidity index. J Clin Epidemiol. 1994;47(11):1245-51. doi: 10.1016/0895-4356(94)90129-5.
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, a Calculadora de Risco Cirúrgico (ACS-SRC)88 Bilimoria KY, Liu Y, Paruch JL et al. Development and evaluation of the universal ACS NSQIP surgical risk calculator: a decision aid and informed consent tool for patients and surgeons. J Am Coll Surg. 2013;217(5):833-42.e1-3. doi: 10.1016/j.jamcollsurg.2013.07.385.
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e o Escore de Cirurgia de Emergência (ESS)1111 Sangji NF, Bohnen JD, Ramly EP, et al. Derivation and validation of a novel Emergency Surgery Acuity Score (ESAS). J Trauma Acute Care Surg. 2016;81(2):213-20. doi: 10.1097/TA.0000000000001059.
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12 Nandan AR, Bohnen JD, Sangji NF, et al. The Emergency Surgery Score (ESS) accurately predicts the occurrence of postoperative complications in emergency surgery patients. J Trauma Acute Care Surg. 2017;83(1):84-9. doi: 10.1097/TA.0000000000001500.
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-1313 Peponis T, Bohnen JD, Sangji NF, et al. Does the emergency surgery score accurately predict outcomes in emergent laparotomies? Surgery. 2017;162(2):445-452. doi: 10.1016/j.surg.2017.03.016.
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. Com exceção do ESS, esses modelos foram derivados principalmente de e para pacientes de cirurgias eletivas, e sua precisão e uso em pacientes de cirurgia de emergência permanecem duvidosos99 Hyder JA, Reznor G, Wakeam E, et al. Risk prediction accuracy differs for emergency versus elective cases in the ACS-NSQIP. Ann Surg. 2016;264(6):959-65. doi: 10.1097/SLA.0000000000001558.
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,1010 Bohnen JD, Ramly EP, Sangji NF, et al. Perioperative risk factors impact outcomes in emergency versus nonemergency surgery differently: time to separate our national risk-adjustment models? J Trauma Acute Care Surg. 2016;81(1):122-30. doi: 10.1097/TA.0000000000001015.
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. Quando o ESS foi desenvolvido, foi sugerido como um melhor modelo preditivo para pacientes de cirurgia de emergência1111 Sangji NF, Bohnen JD, Ramly EP, et al. Derivation and validation of a novel Emergency Surgery Acuity Score (ESAS). J Trauma Acute Care Surg. 2016;81(2):213-20. doi: 10.1097/TA.0000000000001059.
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12 Nandan AR, Bohnen JD, Sangji NF, et al. The Emergency Surgery Score (ESS) accurately predicts the occurrence of postoperative complications in emergency surgery patients. J Trauma Acute Care Surg. 2017;83(1):84-9. doi: 10.1097/TA.0000000000001500.
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-1313 Peponis T, Bohnen JD, Sangji NF, et al. Does the emergency surgery score accurately predict outcomes in emergent laparotomies? Surgery. 2017;162(2):445-452. doi: 10.1016/j.surg.2017.03.016.
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.

No entanto, todos os modelos de estratificação de risco mencionados baseiam-se na ideia de que as variáveis utilizadas para calcular o risco interagem de forma linear e aditiva. Contudo, a realidade médica sugere que as comorbidades e os marcadores de doença dos pacientes interagem de forma complexa e não linear, e que algumas variáveis podem ganhar ou perder força, dependendo da presença ou ausência de outras variáveis1414 Chen JH, Asch SM. Machine learning and prediction in medicine-beyond the peak of inflated expectations. N Engl J Med. 2017;376(26):2507-9. doi: 10.1056/NEJMp1702071.
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.

Nesse contexto, a calculadora POTTER (Predictive Optimal Trees in Emergency Surgery Risk)44 Bertsimas D, Dunn J, Velmahos GC, Kaafarani HMA. Surgical Risk Is Not Linear: Derivation and Validation of a Novel, User-friendly, and Machine-learning-based Predictive OpTimal Trees in Emergency Surgery Risk (POTTER) Calculator. Ann Surg. 2018 Oct;268(4):574-83. doi: 10.1097/SLA.0000000000002956.
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, construída à base de Inteligência Artificial (IA), foi recentemente desenvolvida, usando quase 400 mil pacientes de cirurgia de emergência, usando uma metodologia de aprendizado de máquina não linear, nova e transparente, para estimar o risco de mortalidade pós-operatória e complicações. Desde então, o aplicativo POTTER, de interface amigável, foi baixado em formato iOS e Android por milhares de cirurgiões em todo o mundo.

A construção e validação do POTTER foram descritas anteriormente44 Bertsimas D, Dunn J, Velmahos GC, Kaafarani HMA. Surgical Risk Is Not Linear: Derivation and Validation of a Novel, User-friendly, and Machine-learning-based Predictive OpTimal Trees in Emergency Surgery Risk (POTTER) Calculator. Ann Surg. 2018 Oct;268(4):574-83. doi: 10.1097/SLA.0000000000002956.
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. Resumidamente, todos os pacientes submetidos a cirurgia de emergência no banco de dados ACS NSQIP (2007-2013) foram utilizados para treinar Árvores de Classificação Ótima (OCT). OCTs são metodologias novas e interpretáveis, baseadas em aprendizado de máquina (ML), que seguem uma sequência de divisões (nós) em variáveis-chave para fazer uma previsão final. O POTTER prevê efetivamente os resultados pós-operatórios de pacientes de cirurgia de emergência, superando todas as outras calculadoras de risco na área (a estatística C para prever a mortalidade em pacientes submetidos a CGE é 0,92).

No entanto, o POTTER ainda não foi validado fora dos EUA. Neste estudo, objetivamos validar a calculadora POTTER no Brasil, não apenas para pacientes de cirurgia de emergência, mas também ampliar seu uso para pacientes de trauma, visando avaliar sua capacidade de prever as mesmas variáveis que para casos de cirurgia de emergência.

MÉTODOS

População de pacientes

Este estudo de validação foi realizado em uma cidade do sudeste brasileiro, Sorocaba, com população estimada em cerca de um milhão de pessoas. Todos os pacientes maiores de 18 anos internados no serviço de Cirurgia Geral do Conjunto Hospitalar de Sorocaba, entre novembro de 2020 e julho de 2021, e que foram submetidos a qualquer tipo de procedimento cirúrgico de urgência, foram incluídos e estão apresentados na Tabela 1, conforme diagnóstico de admissão no prontuário. Incluímos pacientes de cirurgia de emergência traumáticos e não traumáticos. Embora o aplicativo POTTER tenha sido desenvolvido com inteligência artificial utilizando dados de pacientes submetidos a cirurgias de emergência e não vítimas de trauma, optou-se por adicionar casos de trauma submetidos a tratamento cirúrgico, para avaliar se a capacidade de estimar os riscos de complicações e mortes seria semelhante aos casos de pacientes que não foram vítimas de trauma. O comitê de revisão IRB do Conjunto Hospitalar de Sorocaba revisou e aprovou este estudo - registro IRB número 5.013.427.

Tabela 1
Diagnóstico na admissão dos pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos.

Variáveis de dados e previsão POTTER

Os prontuários médicos foram revisados sistematicamente e as seguintes informações foram coletadas de acordo com os requisitos do aplicativo baseado em banco de dados de inteligência artificial para calcular as complicações e taxas de mortalidade: Idade, valores laboratoriais (hematócrito, contagem de leucócitos, plaquetas, sódio, potássio, ureia, creatinina, albumina, bilirrubina, transaminase glutâmico-oxaloacética, fosfatase alcalina, tempo de tromboplastina parcial, razão normalizada internacional), comorbidades (DPOC, diabetes, tabagismo, hipertensão, insuficiência renal aguda, ascite, insuficiência cardíaca congestiva, câncer, distúrbios de sangramento), internação em unidade de terapia intensiva (UTI) e complicações (fístula, choque séptico, deiscência de aponeurose, tromboembolismo pulmonar, deiscência de anastomose, infecção de ferida, abscesso intracavitário e evisceração). Utilizamos as definições ACS NSQIP na coleta de dados. Usando os dados coletados, calculamos as previsões POTTER de mortalidade e morbidade em 30 dias para cada paciente, usando os algoritmos existentes e o aplicativo de smartphone. O desfecho primário foi a precisão do POTTER em prever a mortalidade em 30 dias. O desfecho secundário a precisão do POTTER na previsão da morbidade geral em 30 dias. As análises foram realizadas para a coorte geral, bem como para a subpopulação não traumática.

Análise estatística

Utilizamos a área sob a curva ROC (AUC), ou estatística C, para avaliar a relação entre as previsões do POTTER e os resultados de interesse. Para análise estatística, foi utilizado o software STATA, versão 15.1 (Stata Corp).

RESULTADOS

Foram incluídos neste estudo 194 pacientes do GCET (Grupo de Cirurgia de Emergência e Trauma). Destes, 169 eram pacientes de cirurgia de emergência sem trauma, e 25 pacientes vítimas de trauma, incluídos com o objetivo de compreender a aplicabilidade do modelo de predição nesse subgrupo. As características demográficas dos pacientes e comorbidades clínicas pré-operatórias são apresentadas nas Tabelas 2 e 3. Houve predomínio de homens de meia idade (112 pacientes), com bom estado funcional antes da admissão. Quanto à presença de comorbidades, cerca de 20% da população era de diabéticos e 30% eram tabagistas. Um total de 47,4% dos pacientes eram hipertensos na pré-admissão.

Tabela 2
Características demográficas.

Tabela 3
Comorbidades pré-operatórias.

Quanto à presença de sepse, aproximadamente 28% dos pacientes apresentaram esta condição durante a internação. O número de complicações foi de 22,6% e 10% dos pacientes morreram.

Após análise dos dados referentes à mortalidade no grupo Cirurgia de Emergência e Trauma (GCET) e no grupo Cirurgia de Emergência (CGE), podemos identificar uma capacidade adequada para prever a mortalidade em 30 dias (p<0,001), conforme demonstrado na Tabela 4 e Figuras 1 e 2.

Tabela 4
Desempenho preditivo do POTTER para grupos os GCET e CGE de mortalidade em 30 dias.

Figura 1
Curva Receiver Operating Characteristic (ROC) para mortalidade em 30 dias (GCET).

Figura 2
Curva Receiver Operating Characteristic (ROC) para mortalidade em 30 dias (CGE).

O desempenho do POTTER na predição de morbidade foi avaliado tanto para GCET quanto para CGE, conforme Tabelas 5 e Figuras 3 e 4 e, em todos os grupos, conseguimos demonstrar p<0,001, comprovando a aplicabilidade do POTTER.

Tabela 5
Desempenho preditivo do POTTER para grupos os GCET e CGE de morbidade combinada em 30 dias.

Figura 3
Curva Receiver Operating Characteristic (ROC) para morbidade em 30 dias (GCET).

Figura 4
Curva Receiver Operating Characteristic (ROC) para Morbidade Combinada (CGE) de 30 dias.

DISCUSSÃO

Neste estudo, conduzimos uma validação prospectiva da ferramenta de inteligência artificial POTTER em uma coorte mista de pacientes brasileiros de cirurgia de emergência e trauma. O algoritmo apresentou alta precisão preditiva para mortalidade e morbidade. O POTTER foi treinado no banco de dados do Programa Nacional de Melhoria da Qualidade Cirúrgica do Colégio Americano de Cirurgiões (ACS-NSQIP), que existe desde 2005 e contém dados pré-operatórios, operatórios e pós-operatórios de milhões de pacientes submetidos a intervenção cirúrgica de emergência ou não44 Bertsimas D, Dunn J, Velmahos GC, Kaafarani HMA. Surgical Risk Is Not Linear: Derivation and Validation of a Novel, User-friendly, and Machine-learning-based Predictive OpTimal Trees in Emergency Surgery Risk (POTTER) Calculator. Ann Surg. 2018 Oct;268(4):574-83. doi: 10.1097/SLA.0000000000002956.
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. É, sem dúvida, o maior e mais bem validado banco de dados cirúrgico do mundo. Existem duas outras ferramentas notáveis derivadas desse conjunto de dados que foram examinadas em cirurgia de emergência: a Calculadora de Risco Cirúrgico NSQIP (SRC) e a ESS 1,15, mas o POTTER tem vantagens claras sobre estes dois instrumentos.

Primeiro, em contraste com a calculadora oficial de risco cirúrgico NSQIP, que demonstrou ter um desempenho ruim em cirurgias gerais de emergência99 Hyder JA, Reznor G, Wakeam E, et al. Risk prediction accuracy differs for emergency versus elective cases in the ACS-NSQIP. Ann Surg. 2016;264(6):959-65. doi: 10.1097/SLA.0000000000001558.
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, o POTTER foi propositalmente projetado para uso em situações emergenciais e considerou apenas variáveis disponíveis no ambiente pré-operatório. Foi validado em laparotomias de emergência e em idosos22 Ingraham AM, Cohen ME, Bilimoria KY, et al. Comparison of 30-day outcomes after emergency general surgery procedures: potential for targeted improvement. Surgery. 2010;148:217-38. doi: 10.1016/j.surg.2010.05.009.
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,33 Havens JM, Do WS, Kaafarani H, et al. Explaining the excess morbidity of emergency general surgery: packed red blood cell and fresh frozen plasma transfusion practices are associated with major complications in non massively transfused patients. Am J Surg. 2016;211(4):656-63. doi: 10.1016/j.amjsurg.2015.11.031.
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, o que destaca a sua robustez nestas duas subpopulações. Nosso estudo é um dos primeiros a mostrar prospectivamente que o POTTER possui alta precisão preditiva em uma coorte externa.

Em segundo lugar, quando comparado ao ESS, que também foi projetado para emergências cirúrgicas, o POTTER não apenas o superou nas coortes originais de desenvolvimento e validação, mas devido à sua natureza dinâmica e não linear, representa, com mais fidelidade, as várias combinações de fisiologia-comorbidade que ocorrem no âmbito clínico. Além disso, quando o ESS foi validado prospectivamente, alcançou uma estática C de 0,84 para a predição de mortalidade em 30 dias e 0,74 para morbidade em 30 dias44 Bertsimas D, Dunn J, Velmahos GC, Kaafarani HMA. Surgical Risk Is Not Linear: Derivation and Validation of a Novel, User-friendly, and Machine-learning-based Predictive OpTimal Trees in Emergency Surgery Risk (POTTER) Calculator. Ann Surg. 2018 Oct;268(4):574-83. doi: 10.1097/SLA.0000000000002956.
https://doi.org/10.1097/SLA.000000000000...
. Em nosso estudo de validação, o POTTER alcançou uma estatística C de 0,89 para mortalidade e 0,86 para morbidade, o que confirma ainda mais a superioridade do POTTER como modelo preditivo.

Nosso estudo é a primeira validação internacional desta ferramenta de inteligência artificial desenvolvida nos Estados Unidos. Além disso, devido à inclusão de pacientes traumáticos e não traumáticos que necessitam de intervenção cirúrgica emergente, os resultados fornecem evidências de sua utilidade e aplicabilidade a uma população mais ampla do que a descrita anteriormente. Sua interface simples e fácil de usar, na forma de um aplicativo para smartphone, torna o POTTER muito fácil de implantar à beira do leito do paciente no pronto-socorro55 Wolters U, Wolf T, Stu¨tzer H, et al. ASA classification and perioperative variables as predictors of postoperative outcome. Br J Anaesth. 1996;77: 217-22. doi: 10.1093/bja/77.2.217.
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, o que o torna particularmente útil em ambientes onde o acesso a um prontuário eletrônico abrangente ou a interface similar é limitado, principalmente em locais como hospitais públicos de países em desenvolvimento, onde o acesso à internet ainda é restrito, tornando esta ferramenta prática e acessível.

Este estudo deve ser interpretado tendo em mente as seguintes limitações: primeiro, os pacientes foram recrutados em uma única instituição e o tamanho da amostra é limitado. Em segundo lugar, existem algumas variáveis clinicamente relevantes (outras comorbidades, gasometria arterial, resultados de imagem etc.) que não estão disponíveis no NSQIP e, portanto, não são consideradas pelo POTTER, podendo afetar a previsão de risco. Finalmente, devido ao número limitado de eventos, o desempenho do POTTER em complicações individuais não pôde ser avaliado. Apesar de o aplicativo POTTER ter sido desenvolvido para uso em cirurgias de emergência não relacionadas a trauma, conseguimos, ainda que com uma amostra pequena e limitada, demonstrar que a capacidade de prever complicações e mortalidade foi adequada mesmo quando foram acrescentados casos de trauma, levantando perspectivas para que novas ferramentas utilizando inteligência artificial sejam desenvolvidas especificamente para essa população e, assim, ajudar as equipes médicas a identificarem pacientes com maior risco potencial de complicações e morte após trauma.

Concluindo, validamos com sucesso a ferramenta Predictive Optimal Trees in Emergency Surgery Risk em uma população brasileira de cirurgia de emergência. Este modelo mostrou alta precisão preditiva para os desfechos de mortalidade em 30 dias e morbidade em 30 dias. Este algoritmo fácil de usar pode fornecer uma previsão confiável e rápida à beira do leito do paciente. Mais estudos são necessários para examinar como o seu uso impacta os resultados em diferentes sistemas de saúde em todo o mundo.

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  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2023
  • Aceito
    21 Out 2023
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