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Laminação tumoral nos tumores gigantes do mediastino

RESUMO

Tumores do mediastino podem crescer lentamente e atingir proporções gigantes sem apresentar sintomas, tornando a remoção cirúrgica problemática. As dimensões exacerbadas da neoplasia dificultam as manobras cirúrgicas, com risco de hemorragia incontrolável e comprometimento de estruturas adjacentes, levando à utilização de medidas de exceção, como a derivação circulatória veno-venosa, a embolização pré-operatória e a circulação extracorpórea total. Diante disto, descrevemos a técnica de laminação tumoral, que permite a ressecção total ou quase total de tumores considerados, muitas vezes, irressecáveis, tendo por base os resultados alcançados em quatro pacientes portadores de neoplasias gigantes do mediastino.

Descritores:
Cirurgia Torácica; Neoplasias do Mediastino; Procedimentos Cirúrgicos Operatórios.

ABSTRACT

Mediastinum tumors may grow slowly and reach giant proportions without symptoms, hindering surgical removal. Tumor big dimensions difficult surgical maneuvers, with risk of uncontrollable bleeding and prejudice to surrounding structures. It may be necessary the use of exceptional measures such as venous-venous circulatory deviation, pre-operatory embolization and total extracorporeal circulation. We describe the technique of tumor lamination that allows for complete or almost complete resection of such tumors that in many occasions are not resectable. The description is based on the results of four patients treated with mediastinum giant tumors.

Keywords:
Thoracic Surgery. Mediastinal Neoplasms. Surgical Procedures; Operative.

INTRODUÇÃO

Tumores do mediastino podem crescer lentamente e atingir proporções gigantes sem apresentar sintomas11. Mani VR, Ofkwu G, Safavi A. Surgical resection of a giant primary liposarcoma of the anterior mediastinum. J Surg Case Rep. 2015;2015(9). pii: rjv126.. A partir daí, fenômenos compressivos sobre estruturas nobres desencadeiam sintomatologia, levando o paciente a procurar auxílio médico. Nestas condições, a remoção cirúrgica é problemática, em consequência das dimensões exacerbadas da neoplasia que dificultam sobremaneira as manobras cirúrgicas pela exiguidade do espaço disponível, e/ou invasão de estruturas nobres vizinhas. A principal ameaça é a hemorragia incontrolável e o comprometimento de estruturas adjacentes. Diante de tais dificuldades o cirurgião se vê obrigado a lançar mão de medidas de exceção, tais como a derivação circulatória veno-venosa22. Zaho H, Zhu D, Zhou Q. Complete resection of a giant mediastinal teratoma occupying the entire rigth hemithorax in a 14-year-old boy. BMC Surg. 2014;(14):56-8.. A ressecção vídeo-assistida tem indicação nas neoplasias menores, sendo inadequada nas de maior volume33. Makdisi G, Roden AC, Shen RK. Successful resection of giant mediastinal lipofibroadenoma of the thymus by video-assisted thoracoscopic surgery. Ann Thorac Surg. 2015;100(2):698-700.. Também foram propostas a embolização pré-operatória e a circulação extracorpórea total44. Aydemir B, Çelik S, Okay T, Dogusoy I. Intrathoracic giant solitary fibrous tumor. Am J Case Rep. 2013;14:91-3.. Diante das limitações das soluções propostas julgamos oportuna a apresentação da técnica de laminação tumoral, tendo por base os resultados alcançados em quatro pacientes portadores de neoplasias gigantes do mediastino.

O projeto foi inicialmente submetido e aprovado pelo parecer 1.873.568 do Conselho de Ética em Pesquisa da Fundação de Ensino Superior do Vale do Sapucaí.

TÉCNICA

A via de acesso utilizada variou de acordo com a localização da neoplasia: toracotomia no sexto espaço intercostal, direito ou esquerdo, para as neoplasias do mediastino posterior (Figura 1) e esternotomia mediana para os portadores de neoplasias do mediastino ântero-superior (Figura 2). Uma vez exposto, o tumor é incisado com termo-cautério, procedendo-se a retirada de lâminas de tecido neoplásico e procurando-se manter sua cápsula, a fim de evitar lesões de estruturas adjacentes (Figura 3). As manobras prosseguem procurando-se esvaziar a neoplasia internamente com o cuidado de manter delgada lâmina externa ou a cápsula, quando esta for bem definida (Figura 4). A seguir mobiliza-se a cápsula, depois de esvaziado o tumor, expondo-se o pedículo vascular, que é convenientemente tratado. Note-se que a preservação da cápsula do tumor ou suas camadas externas, facilitam manobras, de mobilização para a abordagem de estruturas vizinhas e a exposição do pedículo. Quando não for possível identificar uma cápsula, a laminação tumoral retira fragmentos laminares da neoplasia de maneira a esvaziá-la, o que diminui a dimensão da mesma, facilitando sua mobilização e a visualização do pedículo (Figura 5). Quando há invasão de estruturas nobres, deve-se interromper a laminação nas vizinhanças das estruturas, como em um de nossos casos, em que havia invasão do plexo braquial e dos vasos subclávios (Figura 6). A região é então demarcada com clipes metálicos para orientação de tratamento adjuvante.

Figura 1
Neoplasia gigante do mediastino posterior.

Figura 2
Neoplasia gigante do mediastino ântero-superior.

Figura 3
Laminação tumoral com termocautério.

Figura 4
Redução progressiva da massa tumoral.

Figura 5
Massa tumoral retirada.

Figura 6
Neoplasia maligna invadindo plexo braquial.

DISCUSSÃO

O problema enfrentado pelos cirurgiões no tratamento dos tumores gigantes do mediastino é o tamanho da neoplasia, que praticamente ocupa o maior espaço da cavidade torácica e impossibilita as manobras cirúrgicas indispensáveis para a mobilização e retirada do tumor. Some-se ainda o comprometimento de estruturas nobres adjacentes e a vascularização do tumor, para justificar a utilização de manobras de exceção, sem as quais estaríamos diante de um paciente inoperável44. Aydemir B, Çelik S, Okay T, Dogusoy I. Intrathoracic giant solitary fibrous tumor. Am J Case Rep. 2013;14:91-3.. Entre as soluções propostas, a aspiração do conteúdo do tumor, tornando-o menor, não pode ser utilizada em tumores sólidos, ficando restrita às neoplasias císticas. Foram também usadas a embolização dos pedículos vasculares e o uso de circulação extracorpórea com a finalidade de diminuir o sangramento e facilitar a retirada da neoplasia, mas os resultados alcançados não foram satisfatórios44. Aydemir B, Çelik S, Okay T, Dogusoy I. Intrathoracic giant solitary fibrous tumor. Am J Case Rep. 2013;14:91-3..

A ressecção através da vídeo-toracoscopia não substitui a via aberta nos grandes tumores, uma vez que a falta de espaço suficiente para mobilização do instrumental cirúrgico pelos portais resultam em falta de visão e, embora seja uma técnica nova e promissora, deve ser utilizada apenas nas pequenas lesões, que constituem sua principal indicação55. Wang J, Yan J, Ren S, Guo Y, Gao Y, Zhou L. Giant neurogenic tumors of mediastinum: report of two cases and literature review. Chin J Cancer Res. 2013;25(2):259-62..

A toracotomia bilateral com secção transversal do esterno conhecida como clamshell operation foi também proposta. Apesar de oferecer uma visão ampla do campo operatório tem a desvantagem de aumentar o trauma cirúrgico com consequente aumento da incidência de complicações.

Não existe consenso quanto aos critérios clínicos para definição de tumor gigante do mediastino. Considera-se gigante a neoplasia que ocupa mais da metade de um hemitórax. Apesar das diferentes apresentações quanto à localização, uma vez estabelecido o diagnóstico, o tratamento cirúrgico se impõe66. Yang C, Zhao D, Zhang P, Fei K, Jiang G. Intrathoracic neurogenic tumor with malignant transition-20 years operation experience in a medical center of China. Neurosci Lett. 2017;(637):195-200.. Trata-se assim, de um assunto que apresenta aspectos de difícil solução justificando-se a procura por métodos que venham a resolver as dificuldades enfrentadas pelos cirurgiões. A técnica que apresentamos facilita as ressecções dos tumores gigantes sólidos do mediastino, e pode ser utilizada com qualquer tipo de incisão, na dependência da localização da neoplasia. Uma vez exposta, a lesão passa a ser ressecada com auxílio de instrumental rotineiramente presente numa intervenção torácica de grande porte.

Utilizamos o procedimento em quatro pacientes, sendo dois portadores de lesões malignas e dois de lesões benignas, que tiveram boa evolução no pós-operatório imediato. O único óbito ocorreu no 30o dia de pós-operatório, por embolia pulmonar. O outro portador de neoplasia maligna continua vivo em tratamento oncológico. Os dois portadores de neoplasias benignas estão vivos e assintomáticos.

Concluímos que a técnica da laminação tumoral oferece uma alternativa válida para a ressecção de neoplasias gigantes sólidas do mediastino possibilitando a retirada de tumores gigantes sem a necessidade de medidas de exceção.

REFERENCES

  • 1. Mani VR, Ofkwu G, Safavi A. Surgical resection of a giant primary liposarcoma of the anterior mediastinum. J Surg Case Rep. 2015;2015(9). pii: rjv126.
  • 2
    Zaho H, Zhu D, Zhou Q. Complete resection of a giant mediastinal teratoma occupying the entire rigth hemithorax in a 14-year-old boy. BMC Surg. 2014;(14):56-8.
  • 3
    Makdisi G, Roden AC, Shen RK. Successful resection of giant mediastinal lipofibroadenoma of the thymus by video-assisted thoracoscopic surgery. Ann Thorac Surg. 2015;100(2):698-700.
  • 4
    Aydemir B, Çelik S, Okay T, Dogusoy I. Intrathoracic giant solitary fibrous tumor. Am J Case Rep. 2013;14:91-3.
  • 5
    Wang J, Yan J, Ren S, Guo Y, Gao Y, Zhou L. Giant neurogenic tumors of mediastinum: report of two cases and literature review. Chin J Cancer Res. 2013;25(2):259-62.
  • 6
    Yang C, Zhao D, Zhang P, Fei K, Jiang G. Intrathoracic neurogenic tumor with malignant transition-20 years operation experience in a medical center of China. Neurosci Lett. 2017;(637):195-200.
  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2017
  • Aceito
    07 Set 2017
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