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Adaptação transcultural do projeto Milestones em otorrinolaringologia para a realidade brasileira

RESUMO

Introdução:

a formação médica baseada em competências é bem estabelecida, mas há uma escassez mundial de instrumentos capazes de avaliar esses médicos em formação.

Objetivo:

validar o instrumento The Otolaryngology - Head and Neck Surgery Milestone Project para uso nos Programas de Residência em Otorrinolaringologia no Brasil.

Método:

o estudo conteve 5 etapas. Na etapa I foram realizadas duas traduções independentes do Projeto Milestones em otorrinolaringologia. Na etapa II, foi realizada uma síntese das traduções. Posteriormente foram acrescentadas as competências que a Associação Brasileira de Otorrinolaringologia exige para formação do otorrinolaringologista no Brasil. Na etapa III foi realizada uma retro tradução do instrumento e enviado para os autores originais. Em seguida, o instrumento foi enviado para ser avaliado por um comitê com 8 experts. Na etapa IV, cada expert fez comentários acerca de cada um dos itens, e após análise das sugestões foi criado um novo instrumento. Na etapa V, este instrumento foi enviado para apreciação de otorrinolaringologistas de todo o país.

Resultados:

após as traduções e apreciação dos experts foi criado um instrumento com 19 itens. O instrumento foi submetido à análise de Otorrinolaringologistas de todo Brasil. As percentagens de aceitação foram: aplicabilidade (99,25%), fidedignidade (99,5%), reprodutibilidade (98,6%), confiabilidade (93,84%), relevância (93,15%).

Conclusão:

o instrumento criado foi considerado aplicável, reprodutível, relevante, confiável e fidedigno, apresentando validade de conteúdo.

Palavras-chave:
Otolarrinolaringologia; Internato e Residência; Avaliação Educacional; Educação Baseada em Competências; Estudo de Validação

ABSTRACT

Introduction:

competency-based medical education is well established, but there is a worldwide shortage of instruments capable of assessing these doctors in training.

Objective:

to validate the instrument The Otolaryngology - Head and Neck Surgery Milestone Project for use in Residency Programs in Otorhinolaryngology in Brazil.

Method:

The study had 5 stages. In stage I, two independent translations of the Milestones Project in otorhinolaryngology were carried out. In step II, a synthesis of the translations was performed. Subsequently, the competencies required by the Brazilian Association of Otorhinolaryngology for training otorhinolaryngologists in Brazil were added. In step III, a back-translation of the instrument was carried out and sent to the original authors. Then, the instrument was sent to be evaluated by a committee of 8 experts. In stage IV, each expert made comments about each of the items, and after analyzing the suggestions, a new instrument was created. In stage V, this instrument was sent for evaluation by otorhinolaryngologists across the country.

Results:

after translations and expert evaluation, an instrument with 19 items was created. The instrument was submitted to analysis by Otorhinolaryngologists from all over Brazil. Acceptance percentages were: applicability (99.25%), reliability (99.5%), reproducibility (98.6%), reliability (93.84%), relevance (93.15%).

Conclusion:

the created instrument was considered applicable, reproducible, relevant, reliable and trustworthy, presenting content validity.

Keywords:
Otolaryngology; Internship and Residency; Educational Measurement; Competency-Based Education; Validation Study

INTRODUÇÃO

Após egressar da graduação, uma parte considerável dos médicos procura a especialização, mediante concursos para residência médica. A residência médica é regulamentada pela Lei 6.932/1981 como modalidade de ensino de pós-graduação Lato Sensu destinada a formação médica complementar, sendo considerada o “padrão-ouro” da especialização médica brasileira11 Campos VDG, et al. Recorte demográfico da residência médica brasileira em 2019. Revistas Consensus. 2019 [cited 2020 Oct 10]; 32. Available from: http://www.conass.org.br/consensus/recorte-demografico-da-residencia-medica-brasileira-em-2019/
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A fim de permitir que residentes alcancem as metas de aprendizagem elencadas para cada especialidade, as instituições que ofertam os programas deverão prover condições para o desenvolvimento integrado e harmonioso de competências relacionadas com o mundo do conhecimento e com o mundo do trabalho11 Campos VDG, et al. Recorte demográfico da residência médica brasileira em 2019. Revistas Consensus. 2019 [cited 2020 Oct 10]; 32. Available from: http://www.conass.org.br/consensus/recorte-demografico-da-residencia-medica-brasileira-em-2019/
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Nos últimos 13 anos, a construção dos projetos pedagógicos dos programas de Residência tem sido delineada pela Resolução CNRM nº 2/20063, que estabelece temas prioritários para o conteúdo teórico de cada programa e a carga horária prática mínima em cada campo de ensino.

Após a conclusão do programa de residência, assume-se que o médico especialista possui as competências necessárias para desenvolvimento de sua profissão, sendo responsabilidade da instituição a avaliação e acompanhamento de todo o processo de aquisição destas.

Segundo a Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, as competências necessárias para formação do residente em otorrinolaringologia são dominar anatomia, fisiopatologia, interpretação de exames, tratamento clínico e cirúrgico nas áreas de: rinologia, pescoço, laringologia e traqueia, cavidade oral e glândulas salivares, otoneurologia, otologia, medicina do sono, otorrinolaringologia ocupacional, plástica facial e buco-maxilo-facial44 Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cervico Facial. Matriz de Competências da ORL. 2017 [cited 2021 Oct 20]. Available from: https://www.aborlccf.org.br/imageBank/matriz_de_competencias_otorrinolaringologia.pdf.
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No Brasil, não existe nenhum instrumento específico publicado para a avalição da evolução na aquisição de competências por parte do médico residente em otorrinolaringologia. Uma forma que outras especialidades têm encontrado para resolver este problema é realizar a adaptação de instrumentos já disponíveis em outras línguas, como por exemplo o Milestone Projects.

O Milestone Projects do Conselho Norte Americano de Acreditação para a Educação Médica na Graduação (ACGME) é um dos projetos que está sendo desenvolvido em conjunto com as Sociedades de Especialistas Americanas para o acompanhamento semestral/anual dos marcos de desenvolvimento dos conhecimentos, habilidades e atitudes durante a formação dos médicos nas mais diversas especialidades, incluindo na otorrinolaringologia55 Accreditation Council for Graduate Medical Education - ACGME. Program Requirements for Graduate Medical Education in Otolaryngology - Head and Neck Surgery. 2019 [cited 2019 Nov 15]. Available from: https://www.acgme.org/Portals/0/PFAssets/ProgramRequirements/280_OtolaryngologyHeadAndNeckSurgery_2019.pdf?ver=2019-06-19-094130-667
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Diante do desafio da avaliação por competências médicas na residência médica, e em especial na otorrinolaringologia, o objetivo deste trabalho é validar o instrumento The Otolaryngology - Head and Neck Surgery Milestone Project para uso nos Programas de Residência em Otorrinolaringologia no Brasil.

MÉTODO

O presente estudo trata-se de um estudo metodológico que almeja investigar o método de obtenção, a organização e a análise de dados obtidos durante a elaboração e validação de um instrumento de avaliação. Os estudos metodológicos visam à investigação de métodos para coleta e organização dos dados, tais como: desenvolvimento, validação e avaliação de ferramentas e métodos de pesquisa, o que favorece a condução de investigações com rigor acentuado66 Lima DVM. Desenhos de pesquisa: uma contribuição para autores. Online Braz J Nurs. 2011;10(2). doi: 10.5935/1676-4285.20113648.
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O estudo foi aprovado pelo CEP sob o número 4.282.391. O desenvolvimento do instrumento foi baseado no modelo proposto no guia da AMEE77 Artino AR, Rochelle LJ, Dezee KJ, Gehlbach H. Developing questionnaires for educational research: AMEE guide no. 87. Med Teach. 2014;36(6):463-74. doi: 10.3109/0142159X.2014.889814.
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A seguir serão descritas cada uma das etapas e na sequência os resultados obtidos em cada uma delas.

1 - Etapa I - Revisão da literatura

Foi realizada uma pesquisa nos bancos de dados das bases PubMed, Medline e Google Scholar com os seguintes descritores: cross-cultural adaptation, Milestones, otolaryngology, portuguese, acgme, otorrinolaringologia, avaliação, Brasil e residentes.

2 - Etapa II - Grupo focal

Na ausência de documentos para avaliação de competências em otorrinolaringologia disponíveis na literatura brasileira foram buscadas as competências exigidas pela ABORLCCFF (Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial), e separadas através de tabelas, ao longo dos três anos de formação do otorrinolaringologista.

Em seguida foi obtido o instrumento The Otolaryngology - Head and Neck Surgery Milestones Project e analisado sua estrutura e competências contempladas.

Com todas as competências necessárias para formação do otorrinolaringologista geral, segundo a ABORLCCF, dividias por ano de formação, e com o documento Milestones em otorrinolaringologia, foi realizada uma comparação entre os dois arquivos.

3 - Etapa III - Síntese

Foi solicitado permissão, para o autor original do Milestones em otorrinolaringologia. Após recebido autorização, foi realizado o seguinte processo:

Foram realizadas duas traduções do Milestones para Otorrinolaringologia (um tradutor da área da saúde e outro não). Os dois tradutores tinham o português como língua materna. Um conhecia os conceitos abordados no instrumento (área da saúde) e o outro tradutor não possuía conhecimento do conteúdo que estava sendo traduzido.

Cada tradutor realizou uma tradução separada produzindo os instrumentos A1 e A2.

Em seguida foi realizada uma síntese das traduções, criando o instrumento B. Para tal, foi construída uma tabela com as divergências entre as duas traduções A1 e A2. A tabela continha três colunas, na primeira coluna a texto do tradutor especializado, a segunda coluna com o texto do tradutor da área da saúde, e na terceira a opção escolhida. Para se chegar a opção escolhida, foi realizada uma reunião de consenso entre os tradutores e os autores.

4 - Etapa IV - Desenvolvimento do instrumento

Após a criação do instrumento B, com as sínteses das traduções, os autores realizaram a revisão deste frente às competências exigidas pela Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORLCCF). Foram acrescidas as competências elencadas pela ABORLCCF faltantes no instrumento B e criado o instrumento C.

5 - Etapa V - Validação dos experts

Para o estágio de avaliação do documento C foram convidados 12 experts. Os critérios de seleção foram: ser médico otorrinolaringologista membro da ABORLCCF; ser preceptor de residência ou especialização médica em otorrinolaringologia, com no mínimo 3 anos de experiência.

Os experts foram numerados, seguindo a ordem alfabética, e foi criada uma tabela com a síntese das opiniões emitidas pelos experts em cada um dos itens.

Foram analisadas todas as observações feitas pelos experts e sempre considerando as competências exigidas pela ABORLCCF (Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial), o instrumento C foi adaptado e reestruturado para o instrumento D.

Este novo instrumento foi reenviado para a apreciação dos experts e desta vez todos concordaram que o instrumento estava completo e abrangente, criando assim o instrumento D.

6 - Etapa VI - Piloto

Nesta etapa, o instrumento D foi adaptado ao programa Survey Monkey® sob forma de questionário semiestruturado no qual cada item de subespecialidade dentro da otorrinolaringologia, deveria ser avaliado quanto a fidedignidade, reprodutibilidade, confiabilidade e aplicabilidade.

Assim, o instrumento desenvolvido foi submetido ao julgamento de otorrinolaringologistas de todo o Brasil, para quantificar sua aceitação. Foi enviado um link com um convite para otorrinolaringologistas de todo o país, avaliarem o instrumento final criado. O critério para envio do questionário foi ser médico otorrinolaringologista e membro da ABORLCCF. Foi realizada a análise de validação do conteúdo, considerando os percentuais de adequação a partir das respostas dos profissionais.

Para a análise foram calculados os percentuais de aceitação para cada questão em cada uma das categorias e apresentado também um Intervalo de Confiança para esse percentual. Como referência foi considerado um percentual de aceitação de 90% como bom sendo utilizado nível de significância de 0,05 o qual equivale a uma confiança de 95%.

RESULTADOS

Com o aumento do número de projetos de pesquisa multinacionais e multiculturais, a necessidade de se adaptar instrumentos de avaliação em saúde cresceu rapidamente8. Muitos destes questionários e instrumentos de avaliação foram desenvolvidos na língua inglesa99 Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32. doi: 10.1016/0895-4356(93)90142-n.
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A adaptação de questionários e instrumentos de avaliação na área da saúde para utilização em outros países, culturas ou idiomas, necessita de métodos específicos para atingir a equivalência entre a fonte original e versão desejada. Para que os instrumentos originais tenham validade em realidades diferentes das quais foram criados, eles não devem apenas serem traduzidos de forma literal, mas também serem submetidos a uma adaptação rigorosa e sistemática para manter sua validade e conceitos entre culturas diferentes1010 Wagner A, et al. Cross-cultural comparisons of the content of SF-36 translations across 10 countries: results from the IQOLA project. J Clin Epidemiol. 1998;51(11):925-32. doi: 10.1016/s0895-4356(98)00083-3.
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Na ausência de documentos para avaliação de competências em otorrinolaringologia disponíveis na literatura brasileira foram buscadas as competências exigidas pela ABORLCCFF (Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial), e separadas através de tabelas, ao longo dos três anos de formação do otorrinolaringologista.

Em seguida foi obtido o instrumento The Otolaryngology - Head and Neck Surgery Milestones Project e analisado sua estrutura e competências contempladas.

1 - Etapa I - Revisão da literatura

Após realizada a revisão da literatura, não foi encontrada nenhuma adaptação do Projeto Milestones para o português brasileiro, não existindo nenhum instrumento específico publicado, no qual seja possível acompanhar, de forma contínua e progressiva a evolução da aquisição de competências por parte do médico residente/especializando em otorrinolaringologia.

2 - Etapa II - Grupo focal

Após análise, foi concluído que o documento Milestones para otorrinolaringologia possuía a maior parte das competências exigidas pela ABORLCCF, e apresentava uma estrutura que favorecia a avaliação de cada um dos residentes/especializandos durante seus anos de formação. Assim decidiu-se utilizar o Milestones em Otorrinolaringologia, para servir de referência para a criação de um novo instrumento.

3 - Etapa III - Síntese

Para síntese das traduções foram criadas tabelas e analisadas as divergências entre os tradutores. Ao todo foram levantadas 119 divergências, as quais foram divididas em três categorias para melhor classificação:

  • a) Categoria 1 (79 itens): as duas traduções estavam corretas

  • b) Categoria 2 (18 itens): as duas traduções estavam corretas, porém um dos termos médicos se mostrava mais adequado para uso no Brasil

  • c) Categoria 3 (19 itens): a tradução com termo médico estava correta, uma vez que a tradução literal não se aplicava

A categoria 1, apresentou 79 divergências. Neste caso, as duas traduções estavam corretas, porém foi optado por aquela que se mostrava mais adequada para um instrumento de avaliação. Assim, optou-se por “desenvolve relações positivas” em lugar de “desenvolve relacionamento positivo”; “demonstra entendimento básico” em vez de “demonstra limitado conhecimento”; a frase “capacidade de manejar complicações” foi escolhida no lugar de “capacidade de gerenciar complicações”; e “realiza avaliações apropriadas para o manejo do paciente” em lugar de “assegura consultas adequadas para o gerenciamento de pacientes”.

Na segunda categoria, com 18 divergências, ambas as traduções seriam adequadas para a utilização, porém, as realizadas por tradutor pertencente a área da saúde, mostraram uma semântica mais adequada para a construção de um instrumento de avaliação em otorrinolaringologia. “Cânceres” no lugar de “doença maligna”, “compreende a necessidade de um plano de acompanhamento por longo tempo” em vez de “entende a necessidade de um plano de vigilância a longo prazo”, “reconhece as referências endoscópicas” em lugar de “reconhece marcos cirúrgicos endoscópicos”.

Já na terceira categoria, em todas as 19 divergências encontradas, optou-se pela tradução do tradutor da área da saúde, uma vez que a tradução sem conhecimento prévio de termos técnicos, não se mostrou adequada. Citações como “esqueleto facial”, “patologia sinonasal”, “eleva abas de mucosa nasal”, “trompa de Eustáquio” e “incisão pós-auricular”, foram preteridas por “ossos da face”, “patologia nasossinusal”, “eleva retalho da mucosa septal”, “tuba auditiva” e “incisão retroauricular”.

4 - Etapa IV - Desenvolvimento do instrumento

O instrumento C final continha 17 itens englobando os subtemas dentro da otorrinolaringologia. Cada um dos 17 itens foi dividido em 5 níveis que englobavam a evolução esperada do residente/especializando durante seus anos de formação:

  • a) Nível 1: Competências esperadas para um residente que acabou de entrar ou está nos primeiros meses da residência

  • b) Nível 2: O residente está avançando e demonstra competências adicionais, porém ainda não apresenta um desempenho de nível médio na residência.

  • c) Nível 3: O residente continua a avançar e marcos adicionais, incluindo a maioria das competências almejadas para residência.

  • d) Nível 4: O residente avançou e agora demonstra substancialmente as competências almejadas para a residência. Este nível é projetado como objetivo da graduação.

  • e) Nível 5: O residente avançou além das metas de desempenho estabelecidas para a residência.

5 - Etapa V - Validação dos experts

Nesta etapa, 8 experts aceitaram responder o questionário de análise do instrumento. Seis especialistas fizeram considerações escritas a respeito dos itens, e 2 concordaram totalmente com o conteúdo do instrumento. A experiência dos experts com ensino de residentes variou de 3 a 30 anos, com média de 10 anos, mediana de 12 anos. Dos 17 itens avaliados, apenas 4 não receberam nenhuma observação. Em relação a clareza e pertinência, todos os itens foram avaliados de forma positiva em 100% dos experts. Na avaliação final do instrumento, o item “o conceito foi adequadamente coberto” foi avaliado positivamente por todos os experts, já o item “todos os itens foram incluídos” recebeu resposta negativa de apenas 1 expert, uma vez que ele observou que os temas relacionados a “tontura” e “tinnitus” não eram abordados de maneira completa no instrumento C. Assim dois novos tópicos com os temas sugeridos foram acrescentados, reestruturando o instrumento C para o instrumento D com 19 itens.

6 - Etapa VI - Piloto

Cinquenta e sete otorrinolaringologistas aceitaram participar desta etapa e a responderam de forma completa.

Na Tabela 1 apresentam-se as frequências e percentuais de respostas como adequada e os intervalos de confiança para esses percentuais.

Tabela 1
Percentuais e intervalos de confiança para adequação das questões.
Tabela 3
Avaliação do instrumento segundo otorrinolaringologistas de todo o país.

No Gráfico 1 transcrevem-se os mesmos percentuais de adequação e uma linha de referência em vermelho para adequação de 90%, conforme referência escolhida pelos autores.

Gráfico 1
Percentuais de Adequação das questões por categoria.

Ao se analisar os resultados, o instrumento foi considerado aplicável em 99,25% das respostas, reprodutível em 98,6%, relevante em relação aos temas abordados 93,15%, sugerindo que o instrumento pode ser aplicado em serviços de formação em otorrinolaringologia como forma de avaliação contínua e seriada. Em relação à confiabilidade o questionário teve 93,84% de aceitação, sugerindo que os respondentes do instrumento concordam que os itens avaliados estão abordados de maneira correta. Em relação a fidedignidade (99,5%) o instrumento de pesquisa teve uma excelente aceitação, o que mostra que a escolha dos autores em contemplar todas as subespecialidades no grupo de experts foi correta. Quando um item é considerado fidedigno ele traduz a realidade e pode ser tomado como verdadeiro.

Em resumo, conclui-se que de 96,86% concordam que o instrumento desenvolvido representa a realidade da formação do otorrinolaringologista, por período de formação de 3 anos.

DISCUSSÃO

Para que os instrumentos originais tenham validade em realidades diferentes das quais foram criados, eles não devem apenas serem traduzidos de forma literal, mas também serem submetidos a uma adaptação rigorosa e sistemática para manter sua validade e conceitos entre culturas diferentes1010 Wagner A, et al. Cross-cultural comparisons of the content of SF-36 translations across 10 countries: results from the IQOLA project. J Clin Epidemiol. 1998;51(11):925-32. doi: 10.1016/s0895-4356(98)00083-3.
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Uma das adaptações sugeridas para melhor adequação a realidade brasileira, foi que os marcos de desenvolvimento do instrumento criado sejam avaliados no final dos 6 primeiros meses da residência, ao final do primeiro ano, ao final do segundo ano e ao final do terceiro ano, no instrumento original é sugerido que as avaliações sejam anuais.

Durante o primeiro ano de formação estão previstas duas avaliações, pois o residente da otorrinolaringologia já é um médico formado, ou seja, deve apresentar alguns conceitos básicos em avaliação, diagnóstico e tratamento em otorrinolaringologia.

A primeira avaliação ocorre ao final do sexto mês do primeiro ano e tem função diagnóstica, pois médicos que se formam em serviços diferentes podem ter desenvolvido competências e habilidades diferentes, entretanto algumas habilidades técnicas e teóricas básicas devem ter sido desenvolvidas durante a formação inicial. Além de confirmar as competências previamente desenvolvidas, ao final dos 6 primeiros meses, o residente em otorrinolaringologia já deve estar aprimorando os conhecimentos das doenças de maior prevalência na especialidade, e desenvolver cuidados para o preparo pré-operatório e manejo pós-operatório das mesmas doenças1111 Laluna MCMC, Ferraz CA. Finalidades e função da avaliação na formação de enfermeiros. Rev. Bras. Enferm. 2007;60(6):641-5. doi: 10.1590/S0034-71672007000600005.
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As avaliações seguintes são anuais e de caráter formativo, pois acompanham a aquisição das competências, que vão se tornando mais complexas, sob o ponto de vista teórico e sob o ponto de vista técnico, conforme a residência vai ocorrendo. Em relação a estrutura do instrumento original, foi decido mantê-la, uma vez que apresenta de forma clara, objetiva e os caminhos a serem seguidos para aquisição das competências em cada um dos temas abordados, facilitando assim a sua avaliação.

Após realizadas as etapas de traduções, síntese e retrotradução, foi adaptado um instrumento para avaliação por parte dos 8 experts. O painel de experts foi composto por especialistas no conteúdo estudado. Os especialistas são profissionais que publicam ou trabalham na área estudada, esta seleção é essencial para determinar se um instrumento é bem construído e adequado1212 Davis LL. Instrument review: Getting the most from a panel of experts. Applied nursing research. 1992;5(4):194-7. doi: 10.1016/S0897-1897(05)80008-4.
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Na escolha dos experts houve a preocupação para que cada uma das subespecialidades da otorrinolaringologia (rinologia, otoneurologia, plástica facial, foniatria, laringologia, cirurgia de cabeça e pescoço, otorrinopediatria, otologia e medicina do sono) estivem contempladas como subespecialidade de pelo menos um dos experts.

O fato de cada um dos experts terem ao menos uma das subespecialidades se mostrou relevante, uma vez que todos os itens puderam ser avaliados de maneira criteriosa e rigorosa, não deixando assim que nenhum tópico fosse esquecido. As observações de todos os experts foram catalogadas e dividias em cada um dos 17 itens.

Ao final do questionário, havia um campo, onde os experts deveriam avaliar de forma global o instrumento, na qual havia duas questões. A primeira perguntava se “o conceito foi adequadamente coberto”, e a segunda se “todos os itens foram incluídos”. Na primeira questão, a totalidade dos experts respondeu que sim, que todos os conceitos haviam sido cobertos. Já na segunda, todos, com exceção de um expert, responderam que sim. A resposta negativa do expert, se deu por acreditar que estavam faltando dois subtópicos otorrinolaringológicos: tontura e tinnitus.

Ao realizar a revisão das competências exigidas pela ABORLCCF, foram identificadas competências, referentes a estes dois itens, que não estavam contempladas no instrumento original. Assim, foram criados dois novos itens, um para tontura e outro para zumbido, com todas as competências exigidas pela ABORLCCF, e acrescentadas no primeiro instrumento, e enfim criado um instrumento final com 19 itens.

Após a análise final pelos experts, o instrumento foi enviado para avaliação de otorrinolaringologistas de todas as subespecialidades envolvidas na formação do residente. A etapa final do processo de adaptação é o piloto, onde o objetivo é avaliar a aceitação da população que irá utilizar o instrumento, idealmente devem ser testados entre 30 e 40 pessoas22 Beaton D, Guillemin F. Guidelines for the Process of Cross-Cultural Adaptation of Self-Report Measures. Spine (Phila Pa 1976). 2000;25(24):3186-91. doi: 10.1097/00007632-200012150-00014.
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. Cinquenta e sete otorrinolaringologistas responderam ao questionário.

Ao analisar-se a resposta dos experts e dos especialistas, percebe-se que o instrumento pode ser usado como uma importante ferramenta para avaliação formativa, devendo ser amplamente aplicado a fim de determinar quais marcos do treinamento foram alcançados e orientar assim tanto residentes quanto preceptores sobre o status do desenvolvimento de cada uma das competências exigidas durante a formação do especialista em otorrinolaringologia.

O instrumento deverá ser constantemente atualizado e reestruturado, para que possa sempre estar em conformidade com os tratamentos, técnicas cirúrgicas e processos de ensino e aprendizagem atuais.

CONCLUSÃO

O trabalho concluiu todas as etapas propostas para a adaptação transcultural, fidedigno ao instrumento original, sendo assim considerado válido para utilização no Brasil.

REFERENCES

  • Fonte de financiamento:

    nenhuma.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Abr 2023
  • Aceito
    19 Maio 2023
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