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Percepção de alunos de graduação em fonoaudiologia sobre o atendimento fonoaudiológico na área da surdez

RESUMO

Objetivo:

conhecer a percepção de alunos de graduação em Fonoaudiologia sobre o atendimento fonoaudiológico na área da surdez.

Métodos:

pesquisa qualitativa, com coleta de dados realizada com questionário autoaplicável e grupo focal. A amostra constituiu-se por 14 alunos matriculados no curso de graduação em Fonoaudiologia.

Resultados:

os resultados foram classificados por categorias tais como conhecimento, expectativas, necessidades, vínculo e práticas terapêuticas. Os alunos apresentaram sentimentos de angústia em lidar com as expectativas da família, quanto à oralização da criança e o medo de intervir. Os alunos esperavam que os familiares acreditassem no potencial do filho. Há necessidade de maior prática dos alunos na Língua Brasileira de Sinais. O apoio do familiar é crucial para o bom andamento do acompanhamento terapêutico, pois quando há confiança no aluno, na terapia e na forma de abordagem que é adotada com relação ao caso, coopera para a evolução de todo o processo terapêutico, facilitando o vínculo. Ao acreditar na eficácia da terapia e na possibilidade de resultados, o familiar ou responsável é efetivo quanto à assiduidade do sujeito. Além disso, o vínculo com os familiares e os sujeitos ajuda o aluno a perceber as reais dificuldades do paciente e o que necessita ser aprimorado. Foi apontado que a abordagem bilíngue coopera para o auto reconhecimento da cultura e da identidade surda.

Conclusão:

a experiência adquirida ao longo do estágio propiciou conhecimento teórico-prático para atuar com a família, reconhecer a importância desta para o sucesso terapêutico e para lidar com as expectativas de ambas as partes.

Descritores:
Estágio Clínico; Fonoaudiologia; Surdez; Educação Superior

ABSTRACT

Objective:

to know the perception of undergraduate students in speech-language pathology about speech therapies in the area of deafness.

Methods:

qualitative research, with data collection accomplished with a questionnaire and a focus group. The sample was accomplished by 14 students enrolled at a speech pathology course.

Results:

the results were discussed by means of categories: knowledge, expectations, needs, bond and therapeutic practices. The students presented feelings of anguish in dealing with family expectations, especially regarding to the speech work and the fear for intervening caused by inexperience and necessities of the family. It was also evidenced that the students hoped that family members believed in the potential of the child. There is a need for more practice in Brazilian Sign Language. The support of the family members is crucial for a good therapeutical accompaniment, because when they trust on the student, the kind of therapy, and on the adopted approach, he or she cooperates with the evolution of the therapeutical process, facilitating the bond. When the family believes in the effectiveness of the therapy and the possibility of good results, the child does not miss sessions. Moreover, the bond created with the family and the patient helps the student to see the real difficulties of the child and what should be done to be improved. It was pointed out that the bilingual approach cooperates for the self-recognition of deaf culture and identity.

Conclusion:

on students' perception, the experience gained along the stage provided theoretical-practical knowledge to work with the family, recognizing the importance of this to the therapeutic success and to deal with the expectations of both parties.

Keywords:
Clinical Clerkship; Speech, Language and Hearing Sciences; Deafness; Education, Higher

Introdução

A Fonoaudiologia é a ciência da área da Saúde que trabalha com os aspectos da comunicação humana em seus diferentes domínios e abrangências. A formação do fonoaudiólogo tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício de competências e habilidades para o aperfeiçoamento da comunicação humana, da terapia em habilitação e/ou reabilitação e da orientação a pacientes e seus familiares11. Conselho Federal de Fonoaudiologia. Resolução CNE/CES 5, de 19 de fevereiro de 2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Fonoaudiologia. Disponível em: http://www.fonoaudiologia.org.br/cffa/wp-content/uploads/2013/07/dc.pdf
http://www.fonoaudiologia.org.br/cffa/wp...
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As clínicas-escola são o ponto de intersecção entre a formação e o exercício profissional. Possuem importância social na área da saúde, justamente por representar a ligação entre o produtor do conhecimento científico, a demanda social e o compromisso com a formação. Em função da relevância e representatividade na área da saúde, a assistência em clínicas-escola além de diversificar as possibilidades de atuação, contribui para uma formação mais ampliada dos alunos indo, portanto, ao encontro das reais necessidades da comunidade22. Goldberg K, Kieling ML, Guzzo F. Centro de psicologia aplicada da uri-campus de Erechim: da concepção à construção. Rev. Ciênc. Hum. 2012;9(12):125-40..

A formação de profissionais criativos, com compromisso social e com práticas interdisciplinares é uma exigência cada vez maior no mercado de trabalho. Faz-se necessário que ações possam auxiliar em mudanças na formação acadêmica e na melhoria no ensino para formar esses profissionais. Desta forma, é necessário que o aluno seja exposto a atividades teóricas e práticas, que possibilitem avaliação e enriquecimento para o seu aprendizado33. Peixoto LF, Celeste LC, Silva EM, Mangili LD. Quality assessment/satisfaction of the learning of practical discipline of the Speech, Language and Hearing Sciences course. Distúrb. Comun. 2017;29(4):625-35.).

A complexidade do estágio curricular supervisionado ocorre pois, o aluno, que adquiriu um conteúdo teórico específico, utiliza este conhecimento para a resolução dos problemas da população atendida. Assim, desenvolve competências técnicas e humanísticas para o exercício da profissão, por meio de orientações e feedback, do docente supervisor, acerca do seu desenvolvimento profissional e educacional, objetivando realizar um atendimento adequado; ampliar seu conhecimento teórico-prático e formar um profissional crítico e reflexivo, capaz de atuar dentro do cenário vivido e apto às demandas sociais44. Queiroz MAS, Teixeira CLV, Braga CM, Almeida KA, Pessoa RX, Almeida RCA et al. Curricular supervised traineeship: perceptions of student-therapist in Speech, Language and Hearing Sciences in a hospital. Rev. CEFAC. 2013;15(1):135-43.).

No Curso de Fonoaudiologia da instituição de origem, a disciplina Estágio em Fonoaudiologia Clínica é oferecida no quinto e sexto semestres do Curso e é dividida em duas temáticas: atuação com crianças e adolescentes com atraso de linguagem e atuação com crianças e adolescentes surdos. No caso dos atendimentos de pacientes surdos, a disciplina tem como ementa a avaliação da linguagem do paciente, a continuidade no acompanhamento terapêutico de pacientes já avaliados, além da análise do processo terapêutico, incluindo a evolução e prognóstico da criança/adolescente surdo, a partir da perspectiva bilíngue. Além disso, propõe discussão grupal dos casos atendidos pelos alunos sob a orientação de docentes, incluindo a elaboração de relatórios de acompanhamento terapêutico. Abaixo as características da disciplina (Figura 1).

Figura 1:
Ementa, carga horária, objetivos e conteúdo programático da disciplina FN509- Estágio em Fonoaudiologia Clínica I

Em estudo realizado com alunos de graduação da área da saúde verificou-se que no estágio prático há uma constante tensão porque na atuação com os pacientes, esses alunos não conseguiram desvincular o lado pessoal (sentimental) do lado profissional44. Queiroz MAS, Teixeira CLV, Braga CM, Almeida KA, Pessoa RX, Almeida RCA et al. Curricular supervised traineeship: perceptions of student-therapist in Speech, Language and Hearing Sciences in a hospital. Rev. CEFAC. 2013;15(1):135-43.. Estudos que abordam a formação profissional contribuem para o aperfeiçoamento e a eficiência ao atendimento ao cidadão55. Isotani SM, Ávila CRB, Puccini RF. Curricular changes in the undergraduate degree in Speech, Language and Hearing Sciences from UNIFESP. Distúrb. Comun. 2017;29(2):237-50.. No que diz respeito à surdez, é esperado que o aluno compreenda a criança/adolescente surdo como um todo e busque entender como eles se auto percebem diante da condição de não ouvintes e dos obstáculos a que são expostos, ou seja, as dificuldades naturais do crescer, os conflitos familiares, as frustrações, assim como as questões relacionadas à identidade pessoal e aos sentimentos de pertencimento cidadão66. Moraes BA, Costa NMSC. Compreendendo os currículos à luz dos norteadores da formação em saúde no Brasil. Rev. Esc. Enferm. USP. 2016;50(especial):9-16..

A aproximação entre o fonoaudiólogo, a família do paciente e a maneira como cada terapeuta age em relação ao seu atendimento estão intimamente associados à forma de conceber a clínica. A aproximação entre o fonoaudiólogo e as famílias e o intercâmbio de informações contribuem para o desenvolvimento de uma parceria indispensável na efetivação do cuidado77. Souza DMB, Lopes SMB. The family's perception of speech therapy in an outpatient unit. Rev. CEFAC. 2015;17(1):80-7.. Saber e conhecer a família com quem se está trabalhando é crucial para o bom resultado da terapia e para isso é necessário que o terapeuta entenda a diversidade que rege as famílias, e fundamentalmente consiga responder tal questão, conquistando experiência pessoal e melhor eficácia no trabalho com a família em seus mais diversos âmbitos.

A forma como os pais percebem a intervenção fonoaudiológica, a função dos recursos utilizados, a influência da atitude do profissional que os atendeu, bem como a qualidade do aconselhamento, influencia nas decisões que serão tomadas na relação entre o paciente, a família e o estagiário que os atende44. Queiroz MAS, Teixeira CLV, Braga CM, Almeida KA, Pessoa RX, Almeida RCA et al. Curricular supervised traineeship: perceptions of student-therapist in Speech, Language and Hearing Sciences in a hospital. Rev. CEFAC. 2013;15(1):135-43..

Diante disso, esta pesquisa teve como objetivo conhecer a percepção de alunos de graduação em Fonoaudiologia sobre o atendimento fonoaudiológico na área da surdez.

Métodos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, sob parecer número 1.656.788 e CAAE: 57822516.0.0000.5404. Os alunos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A presente pesquisa se apresenta sob a metodologia de grupo focal e aplicação de instrumento semiestruturado, caracterizando-se como sendo de abordagem qualitativa que, trabalha com o universo dos significados, dos motivos, dos valores, das aspirações, das atitudes e das crenças88. Minayo MCS. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc. Saúde Coletiva. 2012;17(3):621-6..

Foram definidos como critérios de inclusão da amostra, alunos do 3º e 4º ano do Curso de Graduação em Fonoaudiologia da instituição de origem, que haviam atendido ou estavam atendendo crianças e adolescentes surdos. O recrutamento dos alunos do Curso de Fonoaudiologia que participaram da pesquisa foi realizado por meio de convite on-line (e-mail), após sorteio dentre a lista de matriculados no estágio curricular oferecido por essa instituição de ensino.

A condução do grupo focal99. Sehnem GD, Alves CN, Wilhelm LA, Ressel LB. Focal group utilization as data gathering technic to researches: experience report. Ciênc. Cuid. Saúde. 2015;14(2):1194-200. ficou a cargo da pesquisadora e as questões disparadoras para a discussão desse grupo foram: “Percepção dos estagiários em fonoaudiologia em relação ao atendimento fonoaudiológico na área da surdez”.

Participaram da pesquisa 14 alunos e a composição e a distribuição desses para os grupos focais ocorreram da seguinte forma: No Grupo Focal 01 (G1) participaram sete alunos do 3º ano do Curso, identificados pela letra “A” e no Grupo Focal 02 (G2) participaram sete alunos matriculados no 4º ano do Curso (identificados pela letra “B”).

Para a coleta de dados, além do grupo focal, também foi elaborado um questionário autoaplicável semiestruturado que abordou os tópicos: “Questões referentes ao estágio supervisionado em surdez”; “Percepções e sentimentos quanto ao estágio”; “Necessidades apresentadas pelas crianças e adolescentes surdos”; “Facilidades e dificuldades para a atuação com os pacientes e familiares dos pacientes em um estágio supervisionado”; “Percepção sobre a interação com os familiares e as crianças e/ou adolescentes e a formação de vínculo”.

A coleta de dados foi realizada no Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação “Gabriel Porto” (CEPRE), que é a clínica escola da Graduação em Fonoaudiologia. Inicialmente os alunos receberam e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e após o aceite em participarem da pesquisa responderam o questionário autoaplicável.

Para garantir confiabilidade e validade dos dados coletados na pesquisa, o questionário foi testado com alunos do 3º e do 4º ano do Curso de Fonoaudiologia, visando verificar a interpretação das questões e obter subsídios para aperfeiçoar o instrumento. Esses alunos que participaram desse teste prévio do instrumento deram sugestões e explicitaram suas perspectivas quanto ao instrumento a fim de aperfeiçoá-lo e não participaram da coleta de dados definitiva.

Após o preenchimento desse instrumento pelo grupo participante da pesquisa, deu-se início à realização do grupo focal que teve uma hora de duração.

Os grupos focais foram gravados, em áudio e em vídeo, com o auxílio de uma câmera Sony® DSC- W610, para posterior transcrição das falas. Após a coleta dos dados, realizou-se um levantamento prévio de possíveis categorias para os resultados coletados por meio do preenchimento do questionário e do grupo focal.

Utilizou-se a técnica de análise temática, na qual por meio da categorização, agrupa-se dados considerando a parte comum existente entre eles. Todos os questionários foram revisados e as discussões transcritas. Os dados coletados com base nas respostas apresentadas no questionário, na observação e na participação nos grupos focais, deram origem às categorias, as quais referem-se aos aspectos de maior latência de acordo com a opinião dos alunos que participaram dessa pesquisa, sendo elas: Conhecimentos para atuar na área de surdez, Expectativas dos alunos e dos familiares, Necessidades específicas, Vínculo e práticas terapêuticas.

Resultados

Os resultados apresentaram-se a partir de quatro categorias temáticas:

Conhecimento para atuar na área da surdez

Observa-se que a maioria dos alunos acredita ter conhecimentos, tanto teóricos quanto práticos, para atuarem na área da surdez (Figura 2). Apesar de referirem que têm conhecimento, nas discussões do grupo focal (G1) os alunos apresentaram interesse em deter conhecimentos mais específicos, principalmente à respeito das próteses implantáveis (Implante Coclear) e ao aparelho de amplificação sonora individual (AASI). Como refere a participante:

Figura 2:
Conhecimentos para atuar na área de surdez

A1: “Acredito ter conhecimento, mas não o suficiente. São familiares sedentos por respostas e expectativas e nem sempre sei o que responder, ou qual a melhor maneira de responder as perguntas. Também por não dominar os assuntos prótese ou implante”.

O G2 referiu que as disciplinas teóricas de surdez e de família, oferecidas nos primeiros períodos da graduação, anteriormente ao estágio, auxiliaram com muitos conhecimentos para atuarem na área da surdez, independente da faixa etária do paciente que chega para a terapia, assim como o contexto social e familiar no qual está inserido.

B1: “Somos muito privilegiados em nossa formação, temos uma disciplina que vai falar de família e uma disciplina que vai falar de surdez, temos uma base que é para poder trabalhar com isso, a gente tem que lembrar que é uma família que tem demandas específicas da surdez, mas é uma família, e tem configurações de espaços e tempos que todas as famílias vão passar. E aí tem mais essa questão da surdez, a gente tem muito suporte para trabalhar com essas questões familiares, o nosso curso trabalha muito bem. O CEPRE trabalha muito bem essas questões familiares, ter essa formação para a gente é muito importante, talvez a gente fique um pouco perdido assim na parte da prática terapêutica, mas o trabalho com a família assim, é muito forte na nossa formação, para atuar junto com os pais, desde o primeiro ano é uma coisa muito certa aqui. Nossos professores sempre nos falam.”

Segundo os alunos, os conhecimentos mais necessários para trabalho em terapia e que devem ser claros ao terapeuta, são as concepções da surdez quanto aos modelos e abordagens que podem ser utilizados com cada criança ou adolescente surdo, de acordo com as necessidades que eles apresentam; problemas e dificuldades relacionados à minoria linguística e surdez, quanto ao bilinguismo e a educação dos surdos; o papel da família no desenvolvimento da criança surda, e os sentimentos que podem surgir ao longo do processo de desenvolvimento do sujeito e da família.

A2: “É aquilo que a gente viu em família (disciplina), né, o sujeito está no processo de luto, daí vem a aceitação e assim, cada família vai ter um período para isso, as vezes a pessoa vai ficar um ano no luto, sabe? O estagiário tem que entender isso.”

Considerando os métodos e abordagens na educação para a criança/adolescente surdo, os alunos do curso de graduação esclareceram que a disciplina de LIBRAS oferecida no segundo ano do curso apresentou os conceitos básicos mas, devido ao pequeno número de créditos, o conteúdo programático foi insuficiente para atender todas as demandas trazidas por essa população surda em termos de domínio de uma língua. Declararam que seria importante que a disciplina fosse ministrada com maior carga horária, porque dessa forma teriam maior fluência.

Para o desenvolvimento da linguagem escrita da criança/adolescente surdo, os alunos destacaram a importância da utilização dos recursos visuais para ajudá-los no aprendizado da leitura e da escrita. Enfatizaram também que para facilitar a comunicação dessa criança/adolescente é importante o aprendizado do português como uma segunda língua, porque irá propiciar a socialização com os sujeitos ouvintes.

É necessário ainda, conhecer o processo de escolarização do sujeito surdo, para abordar em terapia os processos inclusivos, como a inserção da Língua de Sinais (LIBRAS) no ambiente social e o uso de tecnologias e recursos visuais na educação desses sujeitos.

B2: “A gente está falando de um curso de graduação que se fosse realmente para ter fluência, teria que ter LIBRAS em todos os semestres, porque um semestre é muito pouco, muito pouco. Por que como que você adquire fluência em inglês? Nem em quatro semestres, nem em quatro anos você consegue, então é mesma coisa para ser fluente. Sempre vai faltar alguma coisa, então já que sempre vai faltar alguma coisa, então assim, infelizmente ou felizmente, a gente tem que procurar. ”

A3: “Por que assim, a gente não vai conversar com a criança totalmente em LIBRAS, porque a gente não tem essa fluência, e é uma língua né, você tem que ter uma fluência."

B3: “Acredito que a disciplina de LIBRAS deveria ser ministrada em mais créditos, pois senti dificuldades em me comunicar com meu paciente e outros pacientes do estágio, por não ter vocabulário suficiente.”

Enfim, os alunos declararam a importância de conhecer a família com quem vão trabalhar, de desenvolverem ações visando favorecer o trabalho conjunto, de deterem conhecimento teórico e das práticas aplicadas na terapia fonoaudiológica e de possuírem valores como sensibilidade, empatia e paciência.

Expectativas dos Alunos

Os alunos apresentaram as seguintes expectativas: a evolução da criança/adolescente surdo e a utilização de uma língua comum (LIBRAS). Destacaram a necessidade dos familiares da criança/adolescente surdo serem acolhidos para superarem o luto pela perda da criança idealizada e também que esses se empenhassem no cuidado das especificidades de seu (sua) filho (a) Segundo a percepção dos alunos, ocorre muita pressão sobre eles por parte dos familiares, que demonstram em boa parte das terapias as expectativas em relação à oralização da criança /adolescente surdo.

Figura 3:
Expectativas dos alunos em relação à criança/adolescente surdo.

Sobressaíram-se também as expectativas dos familiares em como deter conhecimento a respeito das causas que levam a surdez e as particularidades dessa deficiência. Para os alunos, sobressaiu-se a importância da família se apropriar e compreender as especificidades da atuação fonoaudiológica (abordagens do cuidado na surdez, cultura, identidade surda, próteses auditivas e implantes) e a necessidade de se instituir uma língua comum com a criança/adolescente surdo e se necessário que os familiares recebam o acolhimento psicológico.

A principal expectativa dos alunos foi de que os familiares se interessassem em aprender a LIBRAS, para fazer com que a criança/adolescente surdo se reconheçam como um ser humano que tem seu lugar no espaço, com uma identidade e uma cultura.

Verificou-se também como expectativa dos alunos, que os familiares adotassem o bilinguismo para estabelecerem uma língua em comum e que, essencialmente, acreditassem no potencial do seu filho, além de estimularem outros membros da família e as pessoas do convívio a aprenderem a LIBRAS.

B1: “Espero que consigam no tempo que for necessário, compreender a importância da prática do bilinguismo para uma aquisição de linguagem mais rica para seus filhos, assim como a importância da terapia fonoaudiológica para que isso se concretize”.

Os alunos apresentaram também a expectativa de que a família, após compreender a importância da terapia fonoaudiológica, coopere com o trabalho fora do ambiente da clínica, fazendo do ambiente social, também um ambiente terapêutico e de aprendizado.

A2: “A gente espera que essa família ajude a gente a ajudar essa criança. Ficamos uma hora com essa criança, a gente acaba fazendo pouco, por que, quem fica o tempo todo com a criança é a família. Então assim, fazemos tudo que podemos, mas quem vai exercitar tudo que a gente fez na terapia, é a família. Esperamos muito que a família acabe colocando em prática, tudo que a gente tá tentando colocar e mostrar para a criança”.

B5: “Muitas vezes esperam que o fonoaudiólogo faça um milagre e que a criança saia falando da terapia. É necessária muita sensibilidade para mostrar o real papel do fonoaudiólogo”.

Para o G2, a família do paciente deve expor suas dúvidas e angústias para que possa ocorrer um trabalho conjunto com o estagiário. É natural que a família passe pelo processo de lidar com um filho com deficiência. A família possui o estereótipo do filho perfeito, e quando este não supre as expectativas ao nascimento, ocorre um processo intenso de luto, fase que deve ser vivida e vencida, até chegar na aceitação e no trabalho para melhorar a qualidade de vida do sujeito surdo.

B6: “Inicialmente, a gente espera que ao receber a notícia, os pais passem por um processo de luto do filho esperado, em que cada família lida de um jeito, cada família terá a sua reação. Após isso, os pais buscam as possibilidades dos filhos oralizarem ou usar apenas LIBRAS. Cada família escolhe o que considera o melhor. É difícil dizer o que se espera, mas espero diversas reações, justamente por uma família ser diferente da outra. Algumas famílias podem aderir a terapia, participar de todo processo, outras podem não se envolver, permanecer mais na deles. Então, o fonoaudiólogo tem o trabalho de integrar a família e saber lidar com cada uma”.

Na opinião dos alunos, no início da terapia fonoaudiológica, a família possui expectativas que vão além da simples assistência à criança e ao adolescente surdo e que se referem às possibilidades de ter maior conhecimento sobre a evolução e possibilidades do sujeito surdo.

Percepção dos estagiários em relação à criança/adolescente surdo

A maioria dos estagiários acredita que tanto a criança/adolescente surdo como os seus familiares apresentam necessidades específicas, com enfoque principalmente sobre a importância das orientações sobre os recursos de tecnologia assistiva para o sujeito surdo, como o implante coclear e o AASI, além de serem conscientizados sobre a importância de recursos visuais para esse sujeito. Acreditam também que há necessidade de proporcionar ao familiar o acolhimento, o suporte emocional e o acompanhamento psicológico para eles conseguirem a lidar com o luto do filho idealizado.

B5: “Eles precisam de alguém que enfrente a situação com eles, mostrando as possibilidades e potencialidades que seus filhos têm/terão. Acredito que sim pois a surdez em muitos casos mexe com a identidade do sujeito, sua linguagem e isso pode alterar a dinâmica familiar, como lidam com a criança, necessitando de atenção específica, levando em consideração suas demandas.”

O G1 acredita que os familiares devem conhecer o diagnóstico da criança/adolescente e compreender a cultura surda.

A4: “Cada deficiência é diferente uma da outra. Os familiares dos surdos necessitam de diversas explicações sobre a surdez, as abordagens, os aparelhos e implantes. E isso quer dizer que os pais/familiares podem ter as mesmas duvidas por muito tempo, pela necessidade de saber o que e como funciona. É preciso acolher os familiares com paciência, entendendo que cada um tem seu tempo para lidar com as situações”.

A7: “Acredito que precisam compreender a cultura surda, como estimular a criança surda, entender o que passa com ela, o grau da surdez e conhecer as diferentes abordagens terapêuticas. Entender a forma de interação do surdo no mundo é complexa, têm necessidade de um trabalho focado e específico, não sendo possível realização de trabalho com outras deficiências apenas, mas, além disso, um trabalho individual”.

Para o G2, é fundamental que os familiares frequentem as aulas de LIBRAS e se apropriem da mesma, além de estabelecerem contato com surdos adultos, para conhecerem e descobrirem perspectivas futuras para seus filhos, como possibilidades de atuação no mercado de trabalho e questões relacionados à autonomia e independência. Ao estabelecerem contato com surdos adultos, os familiares podem propiciar à criança ou adolescente surdo o incentivo e a motivação em realizar uma atividade no futuro e reconhecerem a importância de todo o processo terapêutico de conhecimento e aprendizado, que será útil não somente nas atividades que são vivenciadas no presente, mas também para competências futuras.

B6: “Necessidades de frequentar aulas de LIBRAS, receber orientações sobre a surdez e sobre o AASI, por exemplo, conhecer mesmo o diagnóstico, sabe? Para poder entender que tem uma cultura da comunidade surda”.

B2: “Então esse trabalho junto, que a gente tem, de ter vários profissionais, e também com os pais, têm a psicóloga, tem o instrutor surdo, é sobre a importância de ver surdos adultos. Quando os pais chegam eles têm muito daquela coisa: - Mas o que vai ser do meu filho? E ver uma pessoa surda adulta, é muito importante para ver: - Olha, ele faz isso, faz aquilo, olha como é. Então, ter uma equipe para dar um apoio, é muito importante, para a gente que é fono, é fundamental. A gente talvez não tenha todos os recursos, então a gente tem que ter com quem trabalhar junto, para ajudar essa família a ver possibilidades”.

Vínculos e Práticas Terapêuticas

Em relação às práticas terapêuticas que favorecem o vínculo, foram ressaltadas as práticas de aproximação entre o aluno, o familiar e a criança ou o adolescente surdo. Para favorecer o vínculo, os resultados evidenciaram que 11 alunos buscaram formas de se aproximarem dos familiares. Além disso, outras ações foram citadas como importantes: conhecer a história e o quadro clínico da criança e do adolescente surdo e o preparo do aluno com conteúdos teóricos e práticos para uma adequada atuação.

Segundo relatos dos alunos, os familiares possuem certa dificuldade em interagir com a criança ou o adolescente surdo, por não possuírem uma língua comum, por acharem que o filho não possui habilidades para estabelecer a conversa, ou por não aceitação do diagnóstico. Esse fato pode causar reflexos na evolução da terapia. Quando os familiares compreendem a importância da terapia, os resultados da evolução são visíveis.

A respeito das práticas que desfavorecem o vínculo foram citados: o ambiente da clínica-escola, o alto número de faltas das crianças e dos adolescentes surdos, a falta de confiança dos familiares no trabalho do aluno, além da ausência dos familiares na continuidade do trabalho fonoaudiológico em casa.

De acordo com o G1, a evolução das práticas terapêuticas é prejudicada devido a não adesão de algumas crianças/adolescentes surdos ou de seus familiares ou, a maneira como ocorre a relação entre aluno terapeuta/familiar, fato que consequentemente atrapalha a criação do vínculo e a relação do aluno, com o paciente, fato evidenciado na Figura 4.

Figura 4:
Vinculo e Práticas Terapêuticas segundo a percepção dos alunos

A1: “É de extrema importância a interação, para o bem da criança e da família. Para que a criança se sinta acolhida pelos familiares. Nem todos os familiares interagem com os surdos, talvez por não aceitar, ou por acomodação e isso deve ser trabalhado, por que também faz parte do processo terapêutico”.

Para o G2 a dificuldade de vínculo com os familiares se deve ao fato desses procuraram os docentes responsáveis pelo estágio quando possuem alguma dúvida. Devido ao ambiente da clínica-escola, o aluno fica somente seis meses com a criança/adolescente, enquanto o docente supervisor está presente o tempo todo. Dessa forma, quando há alguma dúvida ou quando, os familiares necessitam de alguma informação, essas são direcionadas ao docente supervisor. Apesar dessa percepção, foi declarado que a adesão à terapia proposta não foi vista como problemática, visto que os alunos consideraram a devolutiva e a avaliação do docente em relação ao desempenho no estágio.

B6: “Em diversos momentos conversamos e traçamos juntos aspectos para serem trabalhados (terapeuta e supervisor), contudo como é usuária há muito tempo do serviço (clínica-escola), a mãe às vezes procura outros profissionais para levar suas demandas inicialmente. Durante muito tempo, isso fez com que eu sentisse que não existia vínculo entre nós”.

B3: “Quanto a ser estagiário, nunca senti nenhuma diferença nas expectativas, pelo menos não no familiar, mas ao fato de trocar todo semestre, isso atrapalha um pouco”.

B1: “Como ela já estava a muito tempo no serviço, eu sentia que quando ela tinha dúvida, ela procurava todo mundo primeiro, e depois ela me falava alguma coisa, ou as vezes a demanda chegava por meio da supervisora: - A mãe de fulano me parou no corredor, e ela está preocupada com tais questões, você pode trabalhar isso? Então assim, eu não sei se é por eu ser estagiária, ou se é por ela conhecer a supervisora, por que a criança está num processo muito grande. Então ela já conhece a supervisora desde o começo, ela me procurava por último, ela levava demandas dela para outras pessoas”.

Algumas famílias veem no aluno a única alternativa de melhora e depositam todas as esperanças na terapia, o que facilita o desenvolvimento da prática terapêutica.

B2: “A gente fica pouco tempo, a gente fica seis meses só, então eles estão acostumados já, que no mesmo ano, vão ser duas terapeutas, essa troca de terapeutas para eles, o vínculo deles é bem maior com a supervisora do que com a terapeuta, e querendo ou não, eles viram para a gente e falam: - Vocês são tão novinhos, né? E aí cabe um pouco a gente mostrar também: - Ah, sou novinho mas eu estudei para isso, eu não estou aqui do nada, não saiu isso aqui da minha cabeça, eu tenho um referencial teórico que não é de uma pessoa novinha, é de uma pessoa que estudou também”.

Ambos os grupos de alunos reconheceram que a LIBRAS é importante para a contribuição do diálogo com a criança/adolescente e a evolução da terapia; a abordagem bilíngue coopera para o autoconhecimento da cultura surda, e do desenvolvimento do paciente.

B7: “O reconhecimento de que há uma quebra de expectativa e aceitar que a família precisa de tempo, mas também fortalecer a família para levantar as mangas e agir. Tudo isso só é possível com uma formação que pensa essas questões (referindo-se ao bilinguismo)”.

Para a maioria dos alunos, há o relato de vários sentimentos para lidar com as expectativas da família quanto à oralização da criança/adolescente surdo. A dificuldade de enxergar resultados, devido a evolução lenta de alguns casos, causa angústia e medo, os obstáculos na comunicação entre aluno e criança/adolescente também são empecilhos para a terapia, fazendo o aluno sentir-se incapaz, exaltando o medo de intervir com essa população pelo peso da inexperiência e as cobranças tanto da família, como do estágio enquanto disciplina.

A1: “O estágio de surdez, é um estágio que me angustia bastante, justamente pela evolução minuciosa e pela dificuldade de modos para tentar uma evolução mais visível”.

B1: “Será que eu dou conta de conversar com aquele pai? Você treme na base um pouquinho sim, mas quando você pega o jeito, a gente já sabe. Então mesmo que o paciente olhe para você de cima a baixo e: - Mas é você que vai atender meu filho? Você já sabe como, a gente consegue, começa a pegar o jeito de como você conversa”.

A3: “Ainda tem a dificuldade, trabalhar com o outro, trabalhar com o humano, com as dores do outro, que o outro traz para você, nem sempre é fácil, às vezes você pode ter anos de experiência e ainda se pegar uma hora paralisado”.

Em ambos os grupos os alunos relataram que muitas vezes não encontram situações que classificam como fáceis durante o processo terapêutico. No início do estágio, o trabalho é difícil, principalmente por causa da inexperiência.

B4: “Acredito que não tenha uma situação fácil, acredito que varia de indivíduo para indivíduo. Porém, o vínculo com a criança facilita o acesso com os familiares, pois mostra que estão juntos em um mesmo objetivo: auxiliar a criança. É necessário muito estudo, dedicação, sensibilidade, e até mesmo experiência. Tudo isso se adquire com o tempo e, portanto, o estágio é apenas um ‘gostinho’”.

Visando melhorar o vínculo e a evolução da terapia o G2 sugeriu que esse estágio deveria durar um ano com a mesma criança/adolescente surdo. Também sugeriu que algumas disciplinas da graduação poderiam ensinar métodos para serem utilizados nos estágios, com maior aprofundamento, para que ao iniciarem os estágios, não tenham que aprender tudo muito rápido.

Ao elencarem os principais sentimentos em relação ao estágio de surdez, destacaram-se a angústia, frustração, incapacidade e o receio em atender as crianças e os adolescentes surdos. No entanto, os alunos também apresentaram os pontos fortes e vivências positivas durante o estágio: respeito ao ritmo da criança e do adolescente surdo na realização da terapia, a empatia necessária para o sucesso do estágio e a conquista e o orgulho após o término da terapia.

Discussão

Os dados referentes às percepções dos alunos quanto ao estágio supervisionado em surdez apontam que encontraram dificuldades ao iniciarem o estágio no quinto semestre do curso porque esta atividade ainda era desconhecida e devido à inexperiência no trabalho com a criança e/ou adolescente surdo. Além disso, tinham que lidar com suas expectativas pessoais e acadêmicas, como também lidar com as expectativas dos familiares das crianças/adolescentes surdos com os quais estavam trabalhando, de forma a atingir o sucesso do projeto terapêutico.

A relação entre o conteúdo teórico e prático foi considerado satisfatória e os capacitou para atuarem na área da surdez com segurança, mesmo com os desafios de estarem em uma clínica-escola, dos familiares das crianças/adolescentes surdos apresentarem dificuldades em apoia as terapias, compreender os reais objetivos e aceitar que os alunos são os terapeutas. Os alunos consideraram-se privilegiados em sua formação acadêmica.

Estudo realizado com alunos do curso de Fonoaudiologia e que teve como objeto de estudo a inserção e vivência junto à prática em leito hospitalar44. Queiroz MAS, Teixeira CLV, Braga CM, Almeida KA, Pessoa RX, Almeida RCA et al. Curricular supervised traineeship: perceptions of student-therapist in Speech, Language and Hearing Sciences in a hospital. Rev. CEFAC. 2013;15(1):135-43., relata que o ambiente de estágio traz preocupações adicionais às avaliações curriculares, pois o aluno deve contribuir no atendimento à pacientes que merecem cuidados, compreensão e respeito. Em adição, há um ambiente que pode ser estressante, tanto para a criança/adolescente, quanto para os alunos e supervisores que nele atuam. Há uma sobrecarga em lidar com o estágio, como uma disciplina que os avaliará de acordo com o desempenho, e a responsabilidade de trazer o sucesso terapêutico, tanto para o paciente que está sendo acompanhado, como para a família deste44. Queiroz MAS, Teixeira CLV, Braga CM, Almeida KA, Pessoa RX, Almeida RCA et al. Curricular supervised traineeship: perceptions of student-therapist in Speech, Language and Hearing Sciences in a hospital. Rev. CEFAC. 2013;15(1):135-43..

É importante ressaltar que é nesse quinto semestre que os alunos de graduação iniciam o contato com os pacientes e seus familiares, o que pode ter potencializado as dificuldades encontradas por eles.

As disciplinas de família, dinâmica de grupo e surdez, foram consideradas as que mais subsidiaram os alunos para atuarem na área. A disciplina de LIBRAS foi inúmeras vezes citada como de essencial importância, tanto para os alunos, como para o grupo de familiares e até mesmo aos pacientes, no entanto, ainda é oferecida com poucos créditos, fato esse que deixa um déficit no trabalho com a pessoa surda, dificultando a comunicação.

A complexidade do estágio curricular aparece quando o aluno aplica o conhecimento teórico na resolução das demandas trazidas pelo paciente no atendimento44. Queiroz MAS, Teixeira CLV, Braga CM, Almeida KA, Pessoa RX, Almeida RCA et al. Curricular supervised traineeship: perceptions of student-therapist in Speech, Language and Hearing Sciences in a hospital. Rev. CEFAC. 2013;15(1):135-43.. Colocar em execução os conhecimentos teóricos adquiridos requer compreender quais são as necessidades da criança/adolescente surdo, para que ocorra a intervenção clínica. Trata-se de um desafio, que é facilitado com o decorrer dos atendimentos e a consequente aquisição da experiência prática.

O estágio supervisionado buscará formar profissionais com competência técnica e política, dotados de conhecimento, raciocínio, percepção e sensibilidade para as questões da vida e da sociedade, devendo estar capacitados para intervir em contextos de incertezas e complexidade. A educação formal é essencial à construção do ser humano como sujeito histórico, político e social e, portanto, o estágio supervisionado é local de compartilhamento desses saberes1010. Lima TC, Paixão FRC, Cândido EC, Campos CJG, Ceolim MF. Supervised curricular internship: analysis of the students' experience. Rev Bras Enferm. 2014;67(1):133-40..

O aluno encontra também, desafios ao lidar com famílias e pacientes de diferentes realidades, que diferem da sua própria e de toda uma perspectiva que foi estudada na teoria, ou constituída por experiência social. Dessa maneira, há que se reconhecer a importância e necessidade deste processo vivencial pelo aluno, uma vez que o torna preparado para enfrentar uma realidade que não vem moldada, mas sim, aberta a adquirir uma nova forma1111. Benito GAV, Tristão KM, Paula ACSF, Santos MA, Ataíde LJ, Lima RCD. Developing of general competencies during supervised clinical practice. Rev Bras Enferm. 2012;65(1):172-8..

Mesmo com todas as dificuldades e pressões presentes, buscam e conseguem lidar com os sentimentos e angústias, que muitas vezes os incapacitam e desanimam, revertendo esses sentimentos, e tornando-os capazes de realizar um cuidado de boa qualidade, que traz satisfação a quem o realiza e a quem o recebe, traduzindo o exercício adequado das competências na área da saúde. Portanto, durante sua formação, o aluno almeja aproximar-se do ideal, por meio da aquisição de habilidades que permitam a ele realizar o cuidado com perfeição1010. Lima TC, Paixão FRC, Cândido EC, Campos CJG, Ceolim MF. Supervised curricular internship: analysis of the students' experience. Rev Bras Enferm. 2014;67(1):133-40..

Para manejo das situações, o aluno necessita aprender a lidar com os sentimentos de transferência e contratransferência, que podem influenciar em sua atuação como terapeuta. A constante tensão vivida pelos estagiários, em relação ao que tem que ser feito para ajudar os pacientes e aquilo que conseguem realizar, leva-os a ter os sentimentos citados, como angústia, ansiedade e receio em atender. Os sentimentos de ansiedade descritos pelos alunos no primeiro contato com o paciente comprometem a sua atuação, dificultando ou até mesmo bloqueando a ação e possibilidade de cuidar efetivamente do mesmo.

Lidar com os familiares da criança/adolescente surdo foi um ponto fortemente abordado, tanto no grupo focal, quanto no preenchimento dos questionários. Há uma pressão específica depositada ao aluno, que necessita ser capaz de melhorar o quadro o mais rápido possível. O apoio do familiar é crucial para o bom andamento do acompanhamento terapêutico, pois o familiar que confia no aluno, na terapia e na forma de abordagem que é adotada com relação ao caso, coopera para a evolução de todo o processo terapêutico, facilitando o vínculo. Ao acreditar na eficácia da terapia e na possibilidade de resultados, o familiar ou responsável é efetivo quanto a assiduidade do sujeito. O vínculo com os familiares e os sujeitos ajuda o aluno a enxergar as reais dificuldades do paciente e os pontos que necessitam ser trabalhados.

O docente é fator importante também durante o estágio, tanto como compartilhador do conhecimento, como um porto-seguro durante o processo de formação. Alguns alunos em sua experiência inicial de estágio curricular supervisionado, apresentam inseguranças quanto aos procedimentos técnicos e no relacionamento com o paciente. O docente supervisor, pode auxiliar na conquista de autoconfiança e segurança, até que atinjam o empoderamento profissional. Considera-se que o aluno estabelece um relacionamento interpessoal tanto com o objeto de sua atuação, o paciente, quanto com o docente que lhe acompanha em campo. Acredita-se que as relações humanas são ricas de significações e contradições, e que se tornam fonte de conhecimento da realidade vivida44. Queiroz MAS, Teixeira CLV, Braga CM, Almeida KA, Pessoa RX, Almeida RCA et al. Curricular supervised traineeship: perceptions of student-therapist in Speech, Language and Hearing Sciences in a hospital. Rev. CEFAC. 2013;15(1):135-43..

O docente pode possibilitar aos alunos o aprendizado em conjunto com a oportunidade de atuar como fonoaudiólogo na clínica-escola, o que garante a ele, aparentemente, tranquilidade no desenvolvimento de suas atividades e a satisfação pelo fazer, além da autonomia e responsabilidade frente ao paciente1010. Lima TC, Paixão FRC, Cândido EC, Campos CJG, Ceolim MF. Supervised curricular internship: analysis of the students' experience. Rev Bras Enferm. 2014;67(1):133-40..

Alguns alunos referiram que a fragmentação dos estágios em diferentes períodos durante a graduação desfavorece o acompanhamento terapêutico. O estágio curricular supervisionado pode ser uma experiência rica no ponto de vista clínico, porém é extremamente pontual, onde os alunos não buscam identificar suas limitações e sentimentos, devido à impossibilidade de um vínculo sólido. A duração oferecida é pequena, no estágio supervisionado em surdez, são apenas 5 meses de intervenção com o paciente, o que algumas vezes, leva a um impacto negativo da atuação na melhora do paciente.

Conclusão

A análise da percepção de alunos de graduação em Fonoaudiologia sobre o atendimento fonoaudiológico na área da surdez demonstrou que, inicialmente, os alunos possuem apenas conhecimentos teóricos e as dificuldades aparecem devido à ausência do conhecimento clínico, fazendo com que busquem durante a supervisão, a orientação do docente e também, a articulação com o conteúdo teórico já estudado. A experiência adquirida ao longo do estágio propiciou o conhecimento teórico-prático para atuar com a família, reconhecer a importância desta para o sucesso terapêutico e para lidar com as expectativas de ambas as partes. Lidar com a surdez tendo-se como objetivo o incentivo à expressão e à comunicação já não se mostra como uma tarefa fácil, porém as dificuldades têm sido trabalhadas e vencidas de acordo com a aquisição de novas experiências, o apoio do familiar e a criação do vínculo entre o aluno, a criança/adolescente e os seus familiares.

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  • Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq; Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica - PIBIC.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Mar 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    11 Set 2018
  • Aceito
    19 Nov 2018
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