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Fatores Motivacionais para o Mestrado Acadêmico: uma Comparação entre Alunos de Ciências Contábeis e Ciências Econômicas à luz da Teoria da Autodeterminação* * Trabalho apresentado no V Congresso Nacional de Administração e Ciências Contábeis (AdCont), Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2014. , ** ** Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro.

RESUMO

O objetivo geral deste estudo foi identificar o nível motivacional dos estudantes de Ciências Contábeis e Ciências Econômicas com relação à busca por uma pós-graduação stricto sensu. Além disso, buscou determinar as variáveis que influenciam significativamente a motivação desses indivíduos. Tomando por base a Teoria da Autodeterminação, construiu-se um questionário fundamentado na Escala de Motivação Acadêmica desenvolvida por Vallerand, Pelletier, Blais, Brière, Senécal e Vallières (1992), e traduzida para o português por Sobral (2003). A base de dados contou com 173 observações de universitários de instituições públicas de Minas Gerais, que ofertavam os cursos de Ciências Contábeis e Ciências Econômicas. O procedimento metodológico consistiu na realização de teste não paramétrico de médias para o Índice de Autodeterminação da Motivação (IAM) dos discentes, no cálculo das correlações entre o IAM e as características individuais dos estudantes e, finalmente, na estimação de regressões lineares múltiplas. Os resultados da pesquisa evidenciaram que os alunos de Ciências Contábeis não apresentam diferença de nível motivacional quando comparados com os alunos de Ciências Econômicas. Foi possível constatar, também, que as mulheres, os mais velhos, aqueles com bolsa de iniciação científica, os provenientes das classes socioeconômicas mais baixas e aqueles cujas mães são mais escolarizadas tendem a apresentar motivação mais autodeterminada. Adicionalmente, constatou-se que a inserção no mercado de trabalho aumenta a autodeterminação da motivação para a realização de um mestrado acadêmico stricto sensu apenas no caso de discentes de Ciências Contábeis. A pesquisa teve como limitação o fato de incluir na amostra apenas os estudantes de IES públicas de Minas Gerais. Para futuras pesquisas, sugere-se replicar os procedimentos deste estudo em IES da rede privada de ensino, e de diferentes estados do país.

Palavras-chave:
teoria da autodeterminação; mestrado acadêmico; motivação; ciências contábeis; ciências econômicas

ABSTRACT

The general aim of this study was identifying the motivational level of students in Accounting and Economics regarding the search for a stricto sensu graduate degree. Also, it sought to determine the variables that significantly influence the motivation of these individuals. Having the Self-Determination Theory as a basis, a questionnaire was prepared resorting to the Academic Motivation Scale developed by Vallerand, Pelletier, Blais, Brière, Senécal, and Vallières (1992), and translated into Portuguese by Sobral (2003). The database contains observations of 173 university students from public institutions in Minas Gerais, Brazil, which provided courses in Accounting and Economics. The methodological procedure consisted in conducting a non-parametric test of mean values for the Motivation Self-Determination Index (MSI) of students, in calculating the correlations between the MSI and individual characteristics of students, and finally in estimating multiple linear regressions. Research results indicated that students in Accounting showed no difference regarding the motivational level when compared to students in Economics. It was also possible to notice that women, older students, scientific initiation scholarship holders, those from lower socioeconomic backgrounds, and those whose mothers have higher educational level tend to have a rather self-determined motivation. Additionally, it was found that insertion into the labor market increases self-determined motivation to pursue a stricto sensu Master's degree only in the case of students in Accounting. The research was limited to the fact that the sample only included students of public education institutions from Minas Gerais. For future research, it is suggested that the procedures of this study be replicated in privet institution and in different states.

Keywords:
self-determination theory; master's degree; motivation; accounting; economics

1 INTRODUÇÃO

A capacidade de uma nação gerar conhecimento e convertê-lo em riqueza e desenvolvimento social depende da ação de alguns agentes institucionais agregadores e aplicadores desse conhecimento (Cruz, 2000Cruz, C. H. B. (2000). A universidade, a empresa e a pesquisa que o país precisa. Parcerias Estratégicas5(8), 5-30. ). No Brasil, as universidades e os governos são os principais componentes do sistema nacional de geração e divulgação do saber. Portanto, a pesquisa em Educação ganha importância pelo fato de seu objeto de estudo ser um suporte essencial para a formação de cidadãos, já que a atividade de ensino gera habilidades para a utilização do conhecimento em condições de refletir, criticar e criar (Andere & Araújo, 2008Andere, M. A., & Araújo, A. M. P. (2008). Aspectos da formação do professor de ensino superior de ciências contábeis: uma análise dos programas de pós-graduação. Revista Contabilidade & Finanças19(48), 91-102. ).

No que diz respeito à área contábil, e tendo em vista a rápida expansão dos cursos de Ciências Contábeis, o estudo da educação pode contribuir, ainda, para garantir a qualidade do ensino, que não deve ocorrer apenas em termos quantitativos, mas também no aspecto qualitativo (Ramirez, 2011Ramirez, N. O. (2011). Política de educação superior: a expansão do curso de Ciências Contábeis. (Master's Dissertation). Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, MS, Brasil.). Nesse cenário, a formação de mestres e doutores na área contábil mostra-se essencial para que a expansão dos cursos de graduação em Ciências Contábeis ocorra também em termos qualitativos, já que uma educação eficaz e de qualidade se sustenta, em certa medida, no seu corpo docente (Cornacchione, 2004Cornacchione, E. B. Jr. , (2004). Tecnologia da educação e cursos de ciências contábeis: modelos colaborativos virtuais. Tese de livre-docência, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.). Assim, os professores devem conhecer e dominar não apenas as práticas contábeis, mas também a arte de ensinar (Andere & Araújo, 2008Andere, M. A., & Araújo, A. M. P. (2008). Aspectos da formação do professor de ensino superior de ciências contábeis: uma análise dos programas de pós-graduação. Revista Contabilidade & Finanças19(48), 91-102. ).

Mesmo com a expansão dos cursos de Ciências Contábeis e a evidente importância da formação acadêmica do seu corpo docente, dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior () CAPES(2015)Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (2015). Cursos recomendados e reconhecidos. Retrieved on May 30, 2014, from Retrieved on May 30, 2014, from http://conteudoweb.capes.gov.br/conteudoweb/ProjetoRelacaoCursosServlet?acao=pesquisarAreaAvaliacao
http://conteudoweb.capes.gov.br/conteudo...
, referentes a maio de 2015, apontam 22 programas de mestrado acadêmico em Ciências Contábeis reconhecidos e recomendados pelo órgão, assim como 11 programas de doutorado na referida área. Em contrapartida, quando se analisa o número de cursos de pós-graduação stricto sensu em áreas do saber mais consolidadas, como Ciências Econômicas, por exemplo, encontra-se uma realidade completamente distinta. Em maio de 2015 havia 46 programas de mestrado acadêmico e 27 programas de doutorado naquela área. Contudo, não se pode deixar de mencionar que, nos últimos anos, houve uma grande expansão do número de cursos de pós-graduação na área de Ciências Contábeis, apesar de ainda haver disparidade em comparação a outras áreas de conhecimento.

Se, por um lado, há evidente escassez de cursos de pós-graduação stricto sensu em Ciências Contábeis, por outro, o número de cursos de graduação na área aprovados pelo Ministério da Educação (MEC) é bem superior ao de Ciências Econômicas. Com efeito, em agosto de 2014 havia no país 1.328 cursos de Ciências Contábeis na modalidade bacharelado presencial, enquanto na área de Ciências Econômicas os cursos de graduação na mesma modalidade não passavam de 266 (Ministério da Educação, 2014Ministério da Educação (2014). Instituições de educação superior e cursos cadastrados. Retrieved on August 10, 2014, from Retrieved on August 10, 2014, from http://emec.mec.gov.br
http://emec.mec.gov.br...
).

Assim, a reduzida oferta de pós-graduação stricto sensu em Ciências Contábeis pode ser um indicativo de que os estudantes da área não possuem motivação para continuar seus estudos. Nesse cenário, a escassez representaria um problema de demanda, e não de oferta. Na tentativa de compreender melhor esse fenômeno, formulou-se a seguinte questão de pesquisa: Qual o nível motivacional dos graduandos de Ciências Contábeis e Ciências Econômicas em relação à busca por uma pós-graduação "stricto sensu"? O estudo tem como objetivo geral, portanto, identificar o nível motivacional dos estudantes dos dois cursos com relação à busca por uma pós-graduação stricto sensu. Adicionalmente, descrevem-se os fatores que mais afetam essa motivação.

Para responder o problema de pesquisa e alcançar o objetivo delineado, este artigo compara a motivação dos discentes de Ciências Econômicas com a dos estudantes de Ciências Contábeis em relação à busca por uma pós-graduação stricto sensu, identificando, ainda, os fatores que mais influenciam essa motivação. Ao identificar e comparar os fatores motivacionais dos estudantes dessas duas áreas de conhecimento é possível propor soluções para que a demanda por profissionais mestres e doutores na área contábil seja atendida.

2 REVISÃO DE LITERATURA

Dentre as diversas teorias motivacionais existentes, grande parte relaciona-se a quatro vertentes principais: behaviorista, cognitivista, humanista e psicanalítica (Penna, 2001Penna, A. G. (2001). Introdução à motivação e emoção. Rio de Janeiro, RJ: Imago.). O teórico mais importante da primeira dessas vertentes é John Broadus Watson, figura tão essencial na história da Psicologia quanto Sigmund Freud (Strapasson, 2012Strapasson, B. A. (2012). A caracterização de John B. Watson como behaviorista metodológico na literatura brasileira: possíveis fontes de controle. Estudos de Psicologia17(1), 83-90.; Strapasson & Carrara, 2008Strapasson, B. A., & Carrara, K. (2008). John B. Watson: behaviorista metodológico? Interação em Psicologia12(1), 1-10.). A motivação, segundo a ótica behaviorista, busca mostrar a influência de uma variedade de estados fisiológicos sobre o comportamento do homem (Lopes & Abib, 2003Lopes, C. E., & Abib, J. A. D. (2003). O behaviorismo radical como filosofia da mente. Psicologia: Reflexão e Crítica 16(1), 85-94.). De acordo com Barrera (2011Barrera, S. D. (2011). Teorias cognitivas da motivação e sua relação com o desempenho escolar. Poíesis Pedagógica8(2), 159-175.), a teoria behaviorista enfatiza os fatores ambientais na determinação do comportamento, levando em conta os estímulos antecedentes e, principalmente, os estímulos consequentes, reforçadores ou punitivos.

A visão cognitivista, por sua vez, surgiu na década de 1970, com a rejeição de parte da filosofia behaviorista, e afirma que o ser humano é dotado de consciência, limitado, porém não redutível, à condição humana (Castañon, 2007Castañon, G. A. (2007). O cognitivismo é humanismo. Psicologia Argumento25(48), 51-64.). As premissas dos estudiosos cognitivistas consistem em (i) colocar os processos estruturais e funções mentais como foco de estudo dos psicólogos; (ii) associar à psicologia o objetivo do conhecimento e da aplicação prática; e (iii) priorizar métodos objetivos em detrimento da auto-observação e de autorrelatos, os quais são úteis, mas não suficientes para se entender a motivação (Davidoff, 2001Davidoff, L. L. (2001). Introdução à psicologia (3a ed.). São Paulo, SP: Makron Books.).

A visão humanista, representada principalmente por Abraham Maslow e Carl Rogers, defende a ideia de que as pessoas veem o mundo a partir de sua própria e única perspectiva, e os estudiosos dessa área afirmavam que o ser humano era muito mais complexo do que os animais, para ser estudado de forma quantificada (Schultz & Schultz, 2005Schultz, D. P., & Shultz, S. E. (2005). História da psicologia moderna (8th ed.). São Paulo, SP: Thomson.). Para Santos (2003Santos, R. V. (2003). "Jogos de empresas" aplicados ao processo de ensino e aprendizagem de contabilidade. Revista Contabilidade & Finanças 14(31), 78-95.), a abordagem humanista tem como enfoque o sujeito e suas relações interpessoais e objetiva entender o crescimento do indivíduo nos seus processos internos de construção e organização pessoal da realidade, interagindo com a sociedade de forma integrada.

A visão psicanalítica, que se inicia com os estudos de Freud, concebe a ação humana como sendo motivada por forças inconscientes, cujo objetivo é a satisfação de pulsões sexuais e/ou agressivas (Barrera, 2011Barrera, S. D. (2011). Teorias cognitivas da motivação e sua relação com o desempenho escolar. Poíesis Pedagógica8(2), 159-175.). Nesta corrente, entende-se que o comportamento humano é determinado pela motivação do inconsciente e pelos impulsos instintivos, sendo que o Id (entendido como o reservatório de impulsos instintivos), o Ego e o Superego, juntos, formariam a estrutura de personalidade de um indivíduo (Sampaio, 2005Sampaio, M. I. C. (2005). Motivação no trabalho cooperativo: o caso da rede brasileira de bibliotecas da área de psicologia - ReBAP (Master's Dissertation). Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.).

Nesse cenário, dentro das vertentes apresentadas, também são inúmeras as teorias que tentam explicar o processo de desenvolvimento da motivação, como, por exemplo, a Teoria das Necessidades, de Maslow, McClelland e Alderfer; a Teoria dos Dois Fatores, de Herzberg, Mausner e Snyderman; a Teoria das Expectativas ou Instrumentalidade, de Vroom; a Teoria do Reforço, de Skinner e Connellan; a Teoria dos Objetivos, de Locke e Bryan; e a Teoria da Equidade, de Homans e Adams (Robbins, 2002Robbins, S. P. (2002). Comportamento organizacional (9th ed.). São Paulo, SP: Prentice Hall.; Tamayo & Paschoal, 2003Tamayo, A., & Paschoal, T. (2003). A relação da motivação para o trabalho com as metas do trabalhador. Revista de Administração Contemporânea7(4), 33-54. ; Vieira, Vilas Boas, Andrade, & Oliveira, 2011Vieira, C. B., Vilas Boas, A. A., Andrade, R. O. B., & Oliveira, E. R. (2011). Motivação na administração pública: considerações teóricas sobre a aplicabilidade dos pressupostos das teorias motivacionais na esfera pública. Revista ADMpg Gestão Estratégica4(1), 1-18.). Neste estudo, trabalhou-se com a Teoria da Autodeterminação, de Deci e Ryan, em função de sua aplicação a contextos educacionais (Joly & Prates, 2011Joly, M. C. R. A., & Prates, E. A. R. (2011). Avaliação da escala de motivação acadêmica em estudantes paulistas: propriedades psicométricas. Psico-USF16(2), 175-184.; Sobral, 2003Sobral, D. T. (2003). Motivação do aprendiz de medicina: uso da escala de motivação acadêmica. Psicologia: Teoria e Pesquisa 19(1), 25-31., 2008Sobral, D. T. (2008). Autodeterminação da motivação em alunos de medicina: relação com motivos de escolha da opção e intenção de adesão ao curso. Revista Brasileira de Educação Médica32(1), 56-65.).

2.1 Teoria da Autodeterminação

Trata-se de teoria de base empírica sobre a motivação humana, desenvolvimento e bem-estar, que foca os tipos de motivação, com atenção particular para as autônomas e controladas. Também se relaciona com as condições sociais, propondo variações para cada necessidade psicológica básica por autonomia, competência e relacionamentos, entre outras (Deci & Ryan, 1985Deci, E. L., & Ryan, R. M. (1985). Intrinsic motivation and self-determination in human behavior. New York, NY: Plenum., 2000Deci, E. L., & Ryan, R. M. (2000). The "what" and "why" of goal pursuits: human needs and the self-determination of behavior. Psychological Inquiry11(4), 227-268., 2008Deci, E. L., & Ryan, R. M. (2008). Self-determination theory: a macrotheory of human motivation, development, and health. Canadian Psychology49(3), 182-185.).

Enquanto vários estudos e teorias sobre a motivação tratam-na como um conceito unitário, salientando as motivações gerais que cada indivíduo teria por comportamentos ou atividades particulares, a Teoria da Autodeterminação, conforme propõem Deci e Ryan (2008Deci, E. L., & Ryan, R. M. (2008). Self-determination theory: a macrotheory of human motivation, development, and health. Canadian Psychology49(3), 182-185.), diferencia a motivação em diversos níveis (subgrupos), com o objetivo de verificar que tipo ou qualidade de uma motivação específica seria mais importante que os demais para predizer ou influenciar determinados comportamentos.

Na Teoria da Autodeterminação, a motivação autônoma compreende motivações tanto intrínsecas quanto extrínsecas, enquanto a motivação controlada engloba fatores externos, como recompensas ou punições e introjeções, relacionadas a aspectos como necessidade de aprovação, vergonha, autoestima e ego (Sobral, 2003Sobral, D. T. (2003). Motivação do aprendiz de medicina: uso da escala de motivação acadêmica. Psicologia: Teoria e Pesquisa 19(1), 25-31.). Quando as pessoas são controladas, geralmente são obrigadas a pensar, sentir ou se comportar de modos determinados. Vale ressaltar, contudo, que tanto a motivação autônoma quanto a controlada direcionam comportamentos, contrapondo-se à desmotivação, que representa a ausência de intenção ou motivação (Deci & Ryan, 2008Deci, E. L., & Ryan, R. M. (2008). Self-determination theory: a macrotheory of human motivation, development, and health. Canadian Psychology49(3), 182-185.).

Com base nos estudos de Bowlby (1969Bowlby, J. (1969). Attachment and loss: Attachment (vol. 1). New York, NY: Basic Books.), DeCharms (1984DeCharms, R. (1984). Motivation enhancement in educational settings. In C. Ames, & R. Ames (Ed.) Research on motivation in education (Vol. 1, pp. 275-310). New York, NY: Academic Press.) e White (1975White, W. R. (1975). Motivation reconsidered: the concept of competence. In P. H. Mussem, J. J. Conger, & J. Kagan (Eds.) Basic and contemporary issues in developmental psychology (pp. 230-266). New York, NY: Harper & Row.), Deci e Ryan (1985Deci, E. L., & Ryan, R. M. (1985). Intrinsic motivation and self-determination in human behavior. New York, NY: Plenum.) apresentaram os pressupostos teóricos relacionados com a motivação intrínseca. Estes autores estabeleceram que, para se sentir intrinsecamente motivado, o ser humano necessita que três elementos fundamentais sejam atendidos: autonomia, competência e senso de pertencimento (Deci & Ryan, 2000Deci, E. L., & Ryan, R. M. (2000). The "what" and "why" of goal pursuits: human needs and the self-determination of behavior. Psychological Inquiry11(4), 227-268.). Ao contrário do discurso de Skinner (1998Skinner, B. F. (1998). Ciência e comportamento humano. São Paulo, SP: Martins Fontes.), segundo o qual o comportamento do ser humano seria função das necessidades fisiológicas, os autores da Teoria da Autodeterminação consideram que a realização da atividade é a própria recompensa do sujeito.

Segundo Almeida (2012Almeida, D. M. S. (2012). A motivação do aluno no ensino superior: um estudo exploratório. (Master's Dissertation). Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil.), a autonomia, a competência e o senso de pertencimento são necessidades psicológicas fundamentais para o desenvolvimento de orientações motivacionais autodeterminadas. Essas três necessidades são consideradas universais e se encontram presentes em indivíduos de diferentes culturas. Entretanto, algumas diferenças relacionadas aos meios requeridos para sua realização podem ser observadas, de acordo com as características de cada indivíduo (sexo, idade e cultura). Para o contexto educacional, que é o foco deste estudo, Guimarães e Boruchovitch (2004Guimarães, S. É. R., & Boruchovitch, E. (2004). O estilo motivacional do professor e a motivação intrínseca dos estudantes: uma perspectiva da teoria da autodeterminação. Psicologia: Reflexão e Crítica17(2), 143-150.) afirmam que a interação na sala de aula, e na escola como um todo, precisa ser fonte de satisfação dessas três necessidades.

Para DeCharms (1984DeCharms, R. (1984). Motivation enhancement in educational settings. In C. Ames, & R. Ames (Ed.) Research on motivation in education (Vol. 1, pp. 275-310). New York, NY: Academic Press.), e Reeve, Deci e Ryan (2004Reeve, J., Deci, E. L., & Ryan, R. M. (2004). Self-determination theory: a dialectical framework for understanding sociocultural influences on student motivation: In D. M. McInerney, & S. V. Etten (Ed.). Big Theories Revisited (Chap. 3, pp. 31-60). Greenwich: Information Age Publishing. ), a autonomia ocorre quando os indivíduos percebem um locus de causalidade interno e se veem como agentes e origem de suas ações. Entretanto, quando um indivíduo percebe que seu comportamento ocorre apenas por influência de agentes externos, por meio de controle, recompensas e pressões, não será observada a experiência de autodeterminação, ou seja, o indivíduo não estará intrinsecamente motivado (Bzuneck & Guimarães, 2007Bzuneck, J. A., & Guimarães, S. É. R. (2007). Estilos de professores na promoção da motivação intrínseca: reformulação e validação de instrumento. Psicologia: Teoria e Pesquisa23(4), 415-422.). Assim, a Teoria da Autodeterminação preconiza que um comportamento pode ser negativamente influenciado por fatores extrínsecos, já que as recompensas externas podem ser entendidas como uma tentativa de controle, o que prejudicaria a sensação de autonomia do indivíduo e, portanto, o desmotivaria (Deci & Ryan, 2008Deci, E. L., & Ryan, R. M. (2008). Self-determination theory: a macrotheory of human motivation, development, and health. Canadian Psychology49(3), 182-185.).

A necessidade da competência tem fundamento teórico nos estudos de White (1975White, W. R. (1975). Motivation reconsidered: the concept of competence. In P. H. Mussem, J. J. Conger, & J. Kagan (Eds.) Basic and contemporary issues in developmental psychology (pp. 230-266). New York, NY: Harper & Row.), e significa dizer que o ser humano, devido à sua pouca aptidão inata, precisa aprender e desenvolver capacidades exigidas pelo ambiente em que está inserido. Sendo assim, "a competência teria um aspecto motivacional que orientaria o organismo a tentativas de domínio, não podendo ser atribuídas a impulsos frente a necessidades específicas ou instintos" (Guimarães & Boruchovitch, 2004Guimarães, S. É. R., & Boruchovitch, E. (2004). O estilo motivacional do professor e a motivação intrínseca dos estudantes: uma perspectiva da teoria da autodeterminação. Psicologia: Reflexão e Crítica17(2), 143-150., p. 146). Além disso, ao dominar tarefas desafiadoras capazes de proporcionar o aumento da competência, o indivíduo atingiria o que White (1975)White, W. R. (1975). Motivation reconsidered: the concept of competence. In P. H. Mussem, J. J. Conger, & J. Kagan (Eds.) Basic and contemporary issues in developmental psychology (pp. 230-266). New York, NY: Harper & Row. chamou de sentimento de eficácia.

O senso de pertencimento refere-se à percepção de segurança nos relacionamentos dos indivíduos e, no contexto do ensino, aplica-se aos relacionamentos dos estudantes com os pais, professores e colegas, o que é associado à autonomia, ao controle interno, ao bom relacionamento com figuras de autoridade e a níveis adequados de ansiedade (Guimarães & Boruchovitch, 2004Guimarães, S. É. R., & Boruchovitch, E. (2004). O estilo motivacional do professor e a motivação intrínseca dos estudantes: uma perspectiva da teoria da autodeterminação. Psicologia: Reflexão e Crítica17(2), 143-150.).

Desse modo, no contexto escolar, há indicadores de que a motivação intrínseca facilita a aprendizagem e o desempenho dos estudantes. O discente intrinsecamente motivado se envolve em atividades que oferecem oportunidade para aprimoramento de seus conhecimentos e de suas habilidades (Neves & Boruchovitch, 2004Neves, E. R. C., & Boruchovitch, E. (2004). A motivação de alunos no contexto da progressão continuada. Psicologia: Teoria e Pesquisa 20(1), 77-85. ).

2.2 A Escala de Motivação Acadêmica

Vallerand, Pelletier, Blais, Brière, Senécal e Vallières (1992Vallerand, R. J., Pelletier, L. G., Blais, M. R., Brière, N. M., Senécal, C., & Vallières, E. F. (1992). The academic motivation scale: a measure of intrinsic, extrinsic, and amotivation in education. Educational and Psychological Measurement52(4), 1003-1017.) desenvolveram a Escala de Motivação Acadêmica (EMA), a partir dos conceitos da Teoria da Autodeterminação. Esse instrumento vem sendo amplamente utilizado na área da Educação (Joly & Prates, 2011Joly, M. C. R. A., & Prates, E. A. R. (2011). Avaliação da escala de motivação acadêmica em estudantes paulistas: propriedades psicométricas. Psico-USF16(2), 175-184.). Foi traduzido para o português pela primeira vez por Sobral (2003Sobral, D. T. (2003). Motivação do aprendiz de medicina: uso da escala de motivação acadêmica. Psicologia: Teoria e Pesquisa 19(1), 25-31.), com o objetivo de analisar a motivação dos acadêmicos do curso de Medicina no tocante à própria graduação. A partir daí, foram realizados diversos estudos em âmbito nacional, buscando analisar e validar as características psicométricas desse instrumento (Guimarães & Bzuneck, 2008Guimarães, S. E. R., & Bzuneck, J. A. (2008). Propriedades psicométricas de um instrumento para avaliação da motivação de universitários. Ciências & Cognição3(1), 101-113.; Joly & Prates, 2011Joly, M. C. R. A., & Prates, E. A. R. (2011). Avaliação da escala de motivação acadêmica em estudantes paulistas: propriedades psicométricas. Psico-USF16(2), 175-184.).

O instrumento traduzido por Sobral (2003Sobral, D. T. (2003). Motivação do aprendiz de medicina: uso da escala de motivação acadêmica. Psicologia: Teoria e Pesquisa 19(1), 25-31.) reúne 28 itens, distribuídos em 7 subescalas (4 itens buscam mensurar cada subescala). Três subescalas correspondem a tipos de motivação intrínseca, três incorporam os tipos de motivação extrínseca e uma procura captar a desmotivação ou ausência de motivação (amotivation). As diferentes subescalas da EMA são descritas na Tabela 1.

Tabela 1
Níveis de motivação da EMA de acordo com a Teoria da Autodeterminação

O presente estudo se baseou, portanto, na Teoria da Autodeterminação, e utilizou uma adaptação da EMA traduzida por Sobral (2003Sobral, D. T. (2003). Motivação do aprendiz de medicina: uso da escala de motivação acadêmica. Psicologia: Teoria e Pesquisa 19(1), 25-31.), em virtude da grande aplicabilidade, tanto da teoria escolhida quanto do questionário adaptado em pesquisas relacionadas à motivação estudantil (Akoto, 2014Akoto, E. O. (2014). Cross-cultural factorial validity of the academic motivation scale. Cross Cultural Management21(1), 104-125.; Fairchild, Horst, Finney, & Barron, 2005Fairchild, A. J., Horst, S. J., Finney, S. J., & Barron, K. E. (2005). Evaluating existing and new validity evidence for the academic motivation scale. Contemporary Educational Psychology30(3), 331-358.; Joly & Prates, 2011Joly, M. C. R. A., & Prates, E. A. R. (2011). Avaliação da escala de motivação acadêmica em estudantes paulistas: propriedades psicométricas. Psico-USF16(2), 175-184.; Sobral, 2003, 2008; Spittle, Jackson, & Casey, 2009Spittle, M., Jackson, K., & Casey, M. (2009). Applying self-determination theory to understand the motivation for becoming a physical education teacher. Teaching and Teacher Education25(1), 190-197.; Stover, Iglesia, Boubeta, & Liporace, 2012Stover, J. B., Iglesia, G., Boubeta, A. R., & Liporace, M. F. (2012). Academic motivation scale: adaptation and psychometric analyses for high school and college students. Psychology Research and Behavior Management5, 71-83.; Sun & Chen, 2010Sun, H., & Chen, A. (2010). An examination of sixth graders' self-determined motivation and learning in physical education. Journal of Teaching in Physical Education29(3), 262-277.).

2.3 Estudos Empíricos

Sobral (2009Sobral, D. T. (2009). Padrão de motivação e desfechos de progresso acadêmico: estudo longitudinal com estudantes de medicina. Educação Temática Digital10(n. esp.), 228-248. ) teve como propósito analisar a motivação educacional de estudantes de Medicina, com indicadores de progresso acadêmico durante a graduação na Universidade de Brasília (UnB). Para isso, o autor utilizou o arcabouço teórico da Teoria da Autodeterminação, aplicando a EMA em 285 discentes matriculados no início do segundo ano do curso. Entre os principais resultados da pesquisa, o autor destaca a correlação positiva e significativa entre a motivação intrínseca e o rendimento acadêmico dos estudantes. Além disso, os achados da pesquisa permitiram concluir que os indicadores de motivação caracterizados no início da graduação têm efeito preditivo pequeno, porém significante, no desempenho acadêmico continuado dos estudantes de Medicina.

Ferreira (2010Ferreira, E. E. B. (2010). A percepção de competência, autonomia e pertencimento como indicadores de qualidade motivacional do aluno. (Ph.D. Thesis) Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Marília, SP, Brasil.) examinou, em uma amostra de estudantes do ensino fundamental, as relações entre a percepção das necessidades psicológicas básicas de competência, autonomia e pertencimento e a qualidade motivacional, avaliada pelo continuum da Teoria da Autodeterminação. A amostra reuniu 625 estudantes da 5ª e 6ª séries de uma cidade do interior do Paraná. Dentre os principais resultados, a autora evidencia que a satisfação das três necessidades psicológicas básicas favorece a presença da motivação intrínseca e as formas autorreguladas de motivação extrínseca. Além disso, os resultados da pesquisa deixam claro que todas essas formas de autorregulação são preditoras significativas do engajamento emocional dos alunos, confirmando o postulado da Teoria da Autodeterminação, segundo o qual quanto maior for a autopercepção de competência, autonomia e pertencimento, maior tende a ser a autorregulação motivacional.

Joly e Prates (2011Joly, M. C. R. A., & Prates, E. A. R. (2011). Avaliação da escala de motivação acadêmica em estudantes paulistas: propriedades psicométricas. Psico-USF16(2), 175-184.) aplicaram uma versão brasileira da EMA, idealizada por Vallerand et al. (1992Vallerand, R. J., Pelletier, L. G., Blais, M. R., Brière, N. M., Senécal, C., & Vallières, E. F. (1992). The academic motivation scale: a measure of intrinsic, extrinsic, and amotivation in education. Educational and Psychological Measurement52(4), 1003-1017.), em 170 universitários paulistas de 5 cursos de graduação (Ciências Biológicas, Educação Física, Nutrição, Pedagogia e Psicologia). Por meio desse estudo, as autoras identificaram diferenças significativas na autopercepção da universidade apenas em função do curso frequentado. Além disso, os resultados referentes à validade e precisão possibilitaram que as autoras atribuíssem características psicométricas à EMA para os universitários paulistas.

Leal, Miranda e Carmo (2013Leal, E. A., Miranda, G. J., & Carmo, C. R. S. (2013). Teoria da Autodeterminação: uma análise da motivação dos estudantes do curso de Ciências Contábeis. Revista Contabilidade & Finanças 24(62), 162-173.) analisaram, também pela ótica da Teoria da Autodeterminação, a motivação dos estudantes de um curso de Ciências Contábeis de uma universidade pública brasileira. A partir de uma amostra constituída de 259 discentes matriculados nos diversos períodos letivos, os autores encontraram evidências de que, por um lado, há estudantes preocupados em aprofundar o nível de conhecimento ou atingir uma fundamentação adequada para o desempenho de sua futura atuação, enquanto, de outro lado, encontram-se estudantes preocupados apenas em obter o diploma ou interessados em comparecer às aulas para garantir a frequência.

3 METODOLOGIA

Este artigo se classifica, segundo seus objetivos, como descritivo e explicativo, já que estabelece relações entre diferentes variáveis, procurando descrevê-las e correlacioná-las e, além disso, busca explicar os determinantes da motivação para a realização de uma pós-graduação stricto sensu. Quanto à abordagem do problema, trata-se de estudo quantitativo, já que lança mão de testes estatísticos e modelos econométricos para medir o grau de interação das diferentes variáveis em estudo. Finalmente, quanto aos procedimentos de pesquisa, realizou-se levantamento por meio da aplicação de questionários em estudantes do ensino superior (Lakatos & Marconi, 2007Lakatos, E. M., & Marconi, M. A. (2007). Fundamentos de metodologia científica (5th ed.). São Paulo, SP: Atlas.; Martins & Theóphilo, 2009Martins, G. A., & Theóphilo, C. R. (2009). Metodologia da investigação científica para ciências sociais aplicadas. São Paulo, SP: Atlas .).

O questionário de pesquisa, disponível no anexo, foi construído com base na EMA, desenvolvida por Vallerand et al. (1992Vallerand, R. J., Pelletier, L. G., Blais, M. R., Brière, N. M., Senécal, C., & Vallières, E. F. (1992). The academic motivation scale: a measure of intrinsic, extrinsic, and amotivation in education. Educational and Psychological Measurement52(4), 1003-1017.) e aplicada pela primeira vez no contexto brasileiro por Sobral (2003Sobral, D. T. (2003). Motivação do aprendiz de medicina: uso da escala de motivação acadêmica. Psicologia: Teoria e Pesquisa 19(1), 25-31.). A amostra da pesquisa foi constituída por acessibilidade e abrange estudantes dos cursos de Ciências Contábeis e Ciências Econômicas de cinco instituições de ensino superior (IES) públicas brasileiras, localizadas em Minas Gerais, e que oferecem os dois cursos. A base de dados final é composta por 173 questionários válidos, sendo 87 de estudantes de Ciências Contábeis e 86 de Ciências Econômicas.

Cabe salientar que a escolha por comparar a motivação para a realização de uma pós-graduação stricto sensu entre os estudantes de Ciências Contábeis e Ciências Econômicas deve-se ao fato de essas duas graduações estarem inseridas na grande área das Ciências Sociais Aplicadas, o que garante uma similaridade entre os assuntos tratados. Além disso, acredita-se que a comparação entre os discentes dessas duas graduações torna-se útil para a literatura nacional visto que, do lado das Ciências Contábeis, encontram-se indivíduos com formação acadêmica mais voltada para o tecnicismo, com grade curricular formada, principalmente, por matérias aplicáveis, e, do lado das Ciências Econômicas, há estudantes com uma formação acadêmica notadamente teórica. Assim, ao comparar indivíduos oriundos de dois extremos e que, ao mesmo tempo, pertencem à mesma área geral, acreditou-se ser possível traçar comparações e realizar inferências mais ricas para o estudo. Não obstante, cabe salientar que limitações de tempo, de recursos financeiros e de acessibilidade inviabilizaram a aplicação do questionário da pesquisa em discentes de outras graduações da área de Ciências Sociais Aplicadas, como Administração e Direito, por exemplo.

O instrumento de coleta de dados foi aplicado no final do primeiro semestre e início do segundo de 2014. Utilizaram-se apenas as respostas dos discentes que tinham ingressado havia, pelo menos, dois anos, nas respectivas IES. Essa restrição se justifica pelo fato de esses alunos já estarem familiarizados com o ambiente universitário e, portanto, possuírem melhores condições de responder a um questionário sobre os possíveis fatores que os motivariam a cursar um mestrado acadêmico.

O questionário da pesquisa é dividido em três partes. Na primeira foram coletadas informações pessoais sobre o discente, como escolaridade dos pais, renda familiar, se possuía vínculo empregatício e se era bolsista de iniciação científica. A segunda parte, construída com base na EMA (Sobral, 2003Sobral, D. T. (2003). Motivação do aprendiz de medicina: uso da escala de motivação acadêmica. Psicologia: Teoria e Pesquisa 19(1), 25-31.; Vallerand et. al., 1992Vallerand, R. J., Pelletier, L. G., Blais, M. R., Brière, N. M., Senécal, C., & Vallières, E. F. (1992). The academic motivation scale: a measure of intrinsic, extrinsic, and amotivation in education. Educational and Psychological Measurement52(4), 1003-1017.), teve por objetivo mensurar a motivação dos discentes em relação à busca por um mestrado acadêmico. Essa parte do questionário apresenta 28 afirmativas para as quais os discentes deveriam assinalar o nível de concordância/discordância, variando de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente). Tendo em vista que a EMA foi elaborada a partir da Teoria da Autodeterminação, a escala do questionário apresenta, portanto, afirmativas que objetivam captar a motivação intrínseca e extrínseca dos indivíduos para a realização de mestrado acadêmico. Dessa forma, 12 afirmativas da escala referem-se aos diferentes tipos de motivação intrínseca (4 afirmativas para a motivação intrínseca para saber, 4 para motivação intrínseca para a realização e 4 para a motivação intrínseca para vivenciar estímulos), 12 relacionam-se às variações da motivação extrínseca (4 afirmativas para a motivação extrínseca por identificação, 4 para a motivação extrínseca regulada por introjeção e 4 para a motivação extrínseca por controle externo) e 4 à presença de desmotivação (amotivation). Ressalta-se que o agrupamento realizado para as afirmativas do instrumento fundamenta-se no trabalho original de Vallerand et al. (1992)Vallerand, R. J., Pelletier, L. G., Blais, M. R., Brière, N. M., Senécal, C., & Vallières, E. F. (1992). The academic motivation scale: a measure of intrinsic, extrinsic, and amotivation in education. Educational and Psychological Measurement52(4), 1003-1017. e nos trabalhos de (2003, 2008).

Adicionalmente, torna-se necessário justificar que a elaboração do questionário a partir da EMA deve-se ao fato de que as pesquisas realizadas com esse instrumento apresentam eficiência na mensuração dos níveis motivacionais, tanto de estudantes universitários quanto de discentes do nível básico, nos contextos nacional e internacional (Joly & Prates, 2011Joly, M. C. R. A., & Prates, E. A. R. (2011). Avaliação da escala de motivação acadêmica em estudantes paulistas: propriedades psicométricas. Psico-USF16(2), 175-184.; Rufini, Bzuneck, & Oliveira, 2012Rufini, S. E., Bzuneck, J. A., & Oliveira, K. L. (2012). A qualidade da motivação em estudantes do ensino fundamental. Paidéia (Ribeirão Preto)22(51), 53-62.; Sobral, 2003Sobral, D. T. (2003). Motivação do aprendiz de medicina: uso da escala de motivação acadêmica. Psicologia: Teoria e Pesquisa 19(1), 25-31., 2008Sobral, D. T. (2008). Autodeterminação da motivação em alunos de medicina: relação com motivos de escolha da opção e intenção de adesão ao curso. Revista Brasileira de Educação Médica32(1), 56-65.). A terceira etapa do questionário foi constituída por um termo de consentimento que informava ao estudante os objetivos da pesquisa e esclarecia que o seu preenchimento era voluntário.

Os procedimentos de análise de dados foram orientados pelo estudo de Sobral (2008Sobral, D. T. (2008). Autodeterminação da motivação em alunos de medicina: relação com motivos de escolha da opção e intenção de adesão ao curso. Revista Brasileira de Educação Médica32(1), 56-65.). Utilizaram-se, portanto, as seguintes ferramentas estatísticas: (a) coeficiente de correlação, para medir a associação entre pares de variáveis; (b) cálculo do Índice de Autodeterminação da Motivação (IAM), construído por Sobral (2008)Sobral, D. T. (2008). Autodeterminação da motivação em alunos de medicina: relação com motivos de escolha da opção e intenção de adesão ao curso. Revista Brasileira de Educação Médica32(1), 56-65. a partir das respostas obtidas pela aplicação da EMA; (c) teste de diferenças de médias, para verificar se o IAM dos estudantes de Ciências Contábeis difere do IAM dos estudantes de Ciências Econômicas; e (d) análise de regressões lineares múltiplas, para identificar os fatores que mais influenciam o nível de motivação dos estudantes da amostra.

Para realizar o procedimento descrito em "a", utilizou-se o ferramental disponível na planilha eletrônica do Microsoft Excel, após a tabulação do instrumento de coleta de dados. Para obter o IAM de cada um dos respondentes empregou-se a seguinte metodologia proposta por Sobral (2008Sobral, D. T. (2008). Autodeterminação da motivação em alunos de medicina: relação com motivos de escolha da opção e intenção de adesão ao curso. Revista Brasileira de Educação Médica32(1), 56-65.) (onde as letras referem-se aos níveis motivacionais da Teoria da Autodeterminação apresentados na Tabela 1): IAM = ((2(a+b+c)/3+d) - ((e+f)/2 + 2g)). O IAM pode variar, portanto, de -48 a +48, tendo em vista que para cada letra da sua fórmula existem quatro afirmativas, cujo valor podia variar de 1 a 5. Para realizar o teste presente em "c" e estimar as regressões de "d", foi empregado o aplicativo Stata 12. As variáveis utilizadas para explicar o IAM (variável dependente) nas regressões lineares múltiplas foram obtidas a partir da primeira etapa do instrumento de coleta de dados do estudo.

A Tabela 2 apresenta o evento que cada uma das variáveis construídas busca captar, o tratamento recebido por cada uma das variáveis, e a relação esperada entre a variável e o IAM.

Tabela 2
Síntese das variáveis utilizadas pelo estudo

A variável dicotômica "Curso" recebeu o valor 1 quando o discente estava vinculado ao curso de Ciências Contábeis, e 0 quando vinculado ao curso de Ciências Econômicas. A Teoria da Autodeterminação estabelece que os indivíduos intrinsecamente menos motivados apresentam maior chance de não alcançar os seus objetivos, tendo em vista que, para eles, a motivação se relaciona a um fator externo (Deci & Ryan, 2008Deci, E. L., & Ryan, R. M. (2008). Self-determination theory: a macrotheory of human motivation, development, and health. Canadian Psychology49(3), 182-185.). Nesse contexto, acredita-se que uma possível justificativa para a baixa formação de mestres e doutores em Ciências Contábeis possa estar relacionada ao fato de os estudantes de Ciências Contábeis apresentarem menor motivação intrínseca do que os graduandos de Ciências Econômicas. Dessa forma, dado que o IAM é mais elevado quanto maior for a motivação intrínseca do indivíduo para a realização de um mestrado acadêmico, esperava-se uma relação inversamente proporcional entre a variável "Curso" e o IAM.

A variável dicotômica "Gênero" recebeu o valor 1 quando o indivíduo declarou pertencer ao gênero feminino e 0 quando pertencente ao gênero masculino. De acordo com a literatura, as mulheres tendem a apresentar nível educacional mais elevado do que os homens (Matos & Machado, 2006Matos, R. S., & Machado, A. F. (2006). Diferencial de rendimentos por cor e sexo no Brasil (1987-2001). Econômica8(1), 5-27.). Sendo assim, esperava-se que os discentes do gênero feminino apresentassem maior motivação intrínseca para a realização de um mestrado acadêmico, quando comparados aos discentes do gênero masculino, independente do curso de formação. Esperava-se, portanto, uma relação diretamente proporcional entre a variável "Gênero" e o IAM.

Já para a variável contínua "Idade", esperava-se uma relação inversamente proporcional ao IAM. Isso porque quanto mais velho o indivíduo, maior a chance de apresentar necessidades financeiras e sociais, como a existência de filhos, por exemplo, que tendem a dificultar a realização de uma pós-graduação stricto sensu. Para esses indivíduos, portanto, a motivação para a realização de um mestrado acadêmico não estaria relacionada com a execução da atividade em si (motivação intrínseca), mas sim com os benefícios externos que poderiam advir da conclusão da tarefa (motivação extrínseca), como aumento salarial, melhor colocação profissional ou aumento do status social. De acordo com a Teoria da Autodeterminação, quanto mais extrínseca for uma motivação, mais chances o indivíduo tem de não atingir os seus objetivos (Deci & Ryan, 2008Deci, E. L., & Ryan, R. M. (2008). Self-determination theory: a macrotheory of human motivation, development, and health. Canadian Psychology49(3), 182-185.).

Na variável dicotômica "Estado Civil" foi atribuído o valor 1 aos discentes solteiros e 0 aos casados, em união estável, divorciados ou viúvos. Para essa variável era esperada uma relação diretamente proporcional, ou seja, esperava-se que indivíduos solteiros apresentassem maior motivação intrínseca para a realização de um mestrado acadêmico. Assim como a justificativa apresentada para a variável "Idade", a ideia por trás dessa mensuração é que os indivíduos solteiros apresentam um estilo de vida com menos obrigações financeiras e sociais, o que tornaria mais fácil a realização de um mestrado acadêmico. Sendo assim, para os discentes solteiros, a continuidade dos estudos pode estar associada à própria realização da atividade (motivação intrínseca) e não a recompensas externas (motivação extrínseca), o que tornaria mais factível a conclusão do mestrado acadêmico.

A variável dicotômica "Renda" apresentou valor 1 quando os discentes pertenciam às classes sociais A e B, e 0 caso o indivíduo pertencesse às classes C, D e E. A relação diretamente proporcional esperada para essa variável deve-se à facilidade que os indivíduos de classes sociais mais altas apresentam para a continuidade de seus estudos, após a graduação. Para eles, é possível dedicar-se exclusivamente às atividades de um mestrado stricto sensu, tendo em vista o suporte financeiro de seus familiares, o que pode não ser a realidade para os indivíduos das classes sociais C, D e E.

As variáveis dicotômicas "Escolaridade Mãe" e "Escolaridade Pai" receberam valor 1 caso a mãe ou o pai do discente apresentasse, pelo menos, pós-graduação lato sensu, e 0 caso a escolaridade fosse até o ensino superior completo. A relação esperada para as duas variáveis, portanto, era de proporcionalidade direta. Isso porque filhos de pais mais escolarizados, tendo em vista a relação entre educação e renda, tendem a receber maiores investimentos para a realização de seus estudos, o que gera maior possibilidade de realização de um mestrado acadêmico (Barros, Foguel, & Ulyssea, 2006Barros, R. P. de, Foguel, M. N., & Ulyssea, G. (Orgs.). (2006). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília, DF: IPEA. ; Reis & Ramos, 2011Reis, M. C., & Ramos, L. (2011). Escolaridade dos pais, desempenho no mercado de trabalho e desigualdade de rendimentos. Revista Brasileira de Economia65(2), 177-205.; Schultz, 1988Schultz, T. (1988). Education investment and returns. In H. Cheney, & T. Srinivasam (Eds.). Handbook of Development Economics (Chap. 13, pp. 543-630). Amsterdam: North-Holland.).

A variável dicotômica "Vínculo Empregatício" recebeu o valor 1 quando o discente afirmou apresentar vínculo, e 0 para aqueles que não apresentavam. Nesse sentido, a relação esperada para a variável e o valor do IAM era inversamente proporcional, uma vez que discentes que estão inseridos no mercado de trabalho tendem a apresentar dificuldades para abdicar do emprego (ou, pelo menos, conciliá-lo com as atividades acadêmicas). Adicionalmente, para esses indivíduos, um dos possíveis motivadores para a realização de um mestrado acadêmico relaciona-se com fatores externos, como aumento salarial ou melhores oportunidades profissionais, ambos relacionados à motivação extrínseca.

A variável dicotômica "Bolsa IC" apresentou o valor 1 para o discente que declarou receber bolsa de iniciação científica, e 0 em caso contrário. Para essa variável era esperada uma relação diretamente proporcional, na medida em que a concessão de bolsa de iniciação científica permite que o discente se insira no contexto acadêmico, relacionando-se com o ambiente de pesquisa e ensino. Assim, cria-se no indivíduo o senso de pertencimento ao ambiente acadêmico, possibilitando o desenvolvimento de motivação intrínseca para a realização de uma pós-graduação stricto sensu, sendo esta a forma mais forte de motivação para a consecução de determinado objetivo (Deci & Ryan, 2008Deci, E. L., & Ryan, R. M. (2008). Self-determination theory: a macrotheory of human motivation, development, and health. Canadian Psychology49(3), 182-185.).

Finalmente, para a variável dicotômica "Desempenho" foi atribuído o valor 1 caso o discente declarasse que seu desempenho na graduação era excelente ou bom, e 0 para aqueles indivíduos que declarassem apresentar desempenho acadêmico razoável, ruim ou péssimo. A ideia por trás dessa variável é que os estudantes com percepção de desempenho excelente ou bom apresentam maior perfil acadêmico e, portanto, estariam mais intrinsecamente motivados para a realização de um mestrado acadêmico. Assim, a relação esperada para a variável "Desempenho" e o valor do IAM era diretamente proporcional.

Para validar o instrumento da pesquisa, realizou-se o pré-teste com 6 graduandos (3 de Ciências Contábeis e 3 de Ciências Econômicas) de uma das IES que compuseram a amostra. Nenhuma modificação se fez necessária após a realização desse procedimento. Os discentes participantes do pré-teste não foram utilizados para formar a base de dados da pesquisa.

Adicionalmente, o coeficiente Alfa de Cronbach, calculado para a segunda parte do questionário, alcançou o valor 0,86. Esse resultado mostra que o questionário foi eficiente e se encontra em linha com o Alfa de Cronbach obtido pelos estudos que aplicaram a EMA (Joly & Prates, 2011Joly, M. C. R. A., & Prates, E. A. R. (2011). Avaliação da escala de motivação acadêmica em estudantes paulistas: propriedades psicométricas. Psico-USF16(2), 175-184.; Rufini, Bzuneck, & Oliveira, 2012Rufini, S. E., Bzuneck, J. A., & Oliveira, K. L. (2012). A qualidade da motivação em estudantes do ensino fundamental. Paidéia (Ribeirão Preto)22(51), 53-62.; Sobral, 2003Sobral, D. T. (2003). Motivação do aprendiz de medicina: uso da escala de motivação acadêmica. Psicologia: Teoria e Pesquisa 19(1), 25-31., 2008Sobral, D. T. (2008). Autodeterminação da motivação em alunos de medicina: relação com motivos de escolha da opção e intenção de adesão ao curso. Revista Brasileira de Educação Médica32(1), 56-65.).

3.1 Hipótese de Pesquisa

A hipótese de pesquisa que norteou este estudo é a seguinte: Os estudantes de Ciências Econômicas apresentam mais motivação intrínseca para realização de um mestrado acadêmico, comparativamente aos discentes de Ciências Contábeis. O embasamento teórico dessa hipótese encontra sustentação na Teoria da Autodeterminação, segundo a qual os indivíduos com motivação extrínseca mais preponderante apresentam maiores chances de não alcançar os seus objetivos. Isso porque, para eles, a motivação para a realização de determinada tarefa sustenta-se em fatores externos, como aumento salarial, melhor colocação no mercado de trabalho ou pressão familiar, por exemplo, e não em fatores relacionados com a própria realização da tarefa. Nesse contexto, uma pequena mudança na realidade enfrentada pelo indivíduo extrinsecamente motivado ou o surgimento de uma dificuldade ao longo da realização do mestrado acadêmico já seriam razões suficientemente fortes para não atingir o objetivo de obtenção do grau de mestre (Deci & Ryan, 2000Deci, E. L., & Ryan, R. M. (2000). The "what" and "why" of goal pursuits: human needs and the self-determination of behavior. Psychological Inquiry11(4), 227-268., 2008Deci, E. L., & Ryan, R. M. (2008). Self-determination theory: a macrotheory of human motivation, development, and health. Canadian Psychology49(3), 182-185.).

4 RESULTADOS

Visando validar o continuum de desenvolvimento da autodeterminação, correlacionaram-se os sete níveis (fatores) mensurados pelo instrumento da pesquisa, o qual foi adaptado da EMA. Nesse contexto, a Tabela 3 apresenta as correlações obtidas para cada uma das subescalas de motivação presentes no questionário. Assim como apresentado por outros estudos (Joly & Prates, 2011Joly, M. C. R. A., & Prates, E. A. R. (2011). Avaliação da escala de motivação acadêmica em estudantes paulistas: propriedades psicométricas. Psico-USF16(2), 175-184.; Sobral, 2003Sobral, D. T. (2003). Motivação do aprendiz de medicina: uso da escala de motivação acadêmica. Psicologia: Teoria e Pesquisa 19(1), 25-31.), a subescala "desmotivação" mostrou correlação negativa tanto com as subescalas de motivação intrínseca quanto extrínseca, com exceção da motivação "extrínseca por controle externo", com a qual apresentou correlação positiva. Adicionalmente, foi possível perceber que as correlações entre as diferentes subescalas estão em linha com o modelo simplex apresentado por Vallerand, Pelletier, Blais, Brière, Senécal e Vallières (1993Vallerand, R. J., Pelletier, L. G., Blais, M. R., Brière, N. M., Senécal, C., & Vallières, E. F. (1993). On the assessment of intrinsic, extrinsic and amotivation in education: evidence on concurrent and construct validity of the Academic Motivation Scale. Educational and Psychological Measurement 53(1), 160-172. ), com algumas diferenças. Os três níveis de motivação intrínseca apresentaram alta correlação positiva entre si. De forma similar, os três níveis da motivação extrínseca também apresentaram correlação significativa e positiva entre si, com exceção da motivação "extrínseca por controle externo", que apresentou baixas correlações com os demais níveis motivacionais, apesar de positivas. Além disso, de forma ainda mais forte do que apresentado por Sobral (2003)Sobral, D. T. (2003). Motivação do aprendiz de medicina: uso da escala de motivação acadêmica. Psicologia: Teoria e Pesquisa 19(1), 25-31., foi possível perceber uma associação significativa entre quase todas as subescalas de motivação intrínseca com as de motivação extrínseca.

Tabela 3
Correlações entre as subescalas de motivação do instrumento da pesquisa

Os resultados evidenciados pela Tabela 3 indicam que os indivíduos da amostra perceberam influência tanto de fatores inerentes ao próprio indivíduo quanto de fatores relacionados ao ambiente externo. Sendo assim, de forma geral, pode-se considerar que o instrumento utilizado pela pesquisa foi satisfatório em mensurar os fatores que motivam os estudantes dos cursos de graduação em Ciências Contábeis e Ciências Econômicas a realizar um mestrado acadêmico.

A Tabela 4 apresenta a análise descritiva dos respondentes da pesquisa. Como é possível perceber, a amostra está equilibradamente distribuída entre os dois cursos, cada um deles reunindo metade dos respondentes. A idade média dos discentes de Ciências Contábeis é 25 anos, enquanto a dos discentes de Ciências Econômicas é 23 anos. É possível perceber, ainda, que 61% dos respondentes de Ciências Contábeis e 43% dos de Ciências Econômicas são do gênero feminino. Além disso, 97% dos respondentes de Ciências Econômicas e 89% dos estudantes de Ciências Contábeis declararam-se solteiros.

Tabela 4
Análise descritiva das variáveis

Ainda a partir da Tabela 4 é possível perceber que, no contexto da amostra da pesquisa, havia mais discentes de Ciências Contábeis pertencentes às classes sociais A e B (22%), com base na metodologia adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do que no curso de Ciências Econômicas (15%). Não obstante, apenas 3% das mães e 2% dos pais dos discentes de Ciências Contábeis apresentavam nível educacional igual ou superior à pós-graduação lato sensu. Já no contexto de Ciências Econômicas, as proporções chegaram a 9% e 7%, respectivamente.

Com relação à existência de vínculo empregatício e ao recebimento de bolsa de iniciação científica, foi possível perceber que, no curso de Ciências Contábeis, 61% dos respondentes estavam empregados e apenas 2% possuíam bolsa de iniciação científica. Já no curso de Ciências Econômicas, essas proporções foram de 28% e 26%, respectivamente. Isso demonstra que, no contexto da amostra, os discentes de Ciências Econômicas apresentavam um contato bem maior com o ambiente universitário e de pesquisa científica, quando comparados aos estudantes de Ciências Contábeis. Em contrapartida, os discentes de Ciências Contábeis apresentavam maior inserção no mercado de trabalho.

Com relação à percepção de desempenho, foi possível constatar que os alunos de Ciências Contábeis apresentaram uma percepção mais positiva sobre o seu desempenho acadêmico do que os respondentes de Ciências Econômicas. Isso porque 74% dos estudantes de Ciências Contábeis afirmaram ter desempenho acadêmico bom ou excelente, enquanto para os discentes de Ciências Econômicas a proporção foi de 66%.

A Tabela 5, por sua vez, apresenta os níveis motivacionais dos estudantes dos dois cursos por escala de motivação, conforme determinações da EMA. As letras "a" a "g" apresentadas na Tabela 5 correspondem aos respectivos níveis motivacionais descritos na Tabela 1, a saber: (a) motivação intrínseca para saber; (b) motivação intrínseca para realização; (c) motivação intrínseca para vivenciar estímulos; (d) motivação extrínseca por identificação; (e) motivação extrínseca por introjeção; (f) motivação extrínseca por controle externo; e (g) desmotivação. O IAM representa uma medida adotada por Sobral (2008Sobral, D. T. (2008). Autodeterminação da motivação em alunos de medicina: relação com motivos de escolha da opção e intenção de adesão ao curso. Revista Brasileira de Educação Médica32(1), 56-65.), e tem por intuito mensurar o índice de motivação final dos estudantes, conforme fórmula apresentada na seção 3 - Metodologia.

Tabela 5
Níveis motivacionais

A partir da Tabela 5 é possível perceber que os estudantes de Ciências Contábeis da amostra, com exceção da motivação intrínseca para realização (b) e da motivação extrínseca regulada por introjeção (e), apresentaram níveis motivacionais maiores que os dos discentes de Ciências Econômicas. Adicionalmente, analisando-se a desmotivação (g), foi possível perceber que, no contexto da amostra, os discentes de Ciências Econômicas mostraram-se mais desmotivados a cursar um mestrado acadêmico. Esses achados contrariam as expectativas definidas pela hipótese de pesquisa, a partir da qual se esperava que os estudantes de Ciências Econômicas apresentassem maior motivação intrínseca para a realização de mestrado na modalidade stricto sensu (consequentemente, maior IAM) do que os de Ciências Contábeis.

A Tabela 6 apresenta a correlação entre cada uma das variáveis analisadas pelo estudo, os tipos de motivação e o IAM. Como é possível perceber, o índice de correlação demonstrado para as variáveis da pesquisa foi baixo, considerando a metodologia proposta por Cohen (1988Cohen, J. (1988). Statistical power analysis for the behavioral sciences. Hillsdale, NJ: Erlbaum.). O resultado da correlação estabelecida para a variável "Curso" e o IAM (0,042) já é um indício de que não há diferença estatisticamente significativa entre o IAM dos estudantes do curso de Ciências Contábeis e os de Ciências Econômicas, no contexto da pesquisa. Essa relação, contudo, foi verificada mais robustamente pelo teste não paramétrico de médias e pelas regressões lineares múltiplas estimadas.

Tabela 6
Correlação entre as variáveis e os níveis motivacionais

Os testes de normalidade Shapiro-Wilk e Kolmogorov-Smirnov indicaram que a distribuição do IAM não apresentava normalidade. Sendo assim, aplicou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney, e, a partir do seu resultado, não foi possível rejeitar a hipótese nula de que as médias do IAM dos estudantes dos dois cursos provêm de populações com a mesma distribuição. Portanto, apesar de a média do IAM dos estudantes de Ciências Contábeis ser maior que a média do IAM dos discentes de Ciências Econômicas (Tabela 5), não é possível afirmar que a diferença entre as médias seja estatisticamente significante.

Realizou-se, ainda, a estimação de regressões múltiplas tomando-se por base as variáveis da Tabela 6. Cabe mencionar que, em nenhum momento, este estudo teve como objetivo explicar todos os fatores que motivam os estudantes dos cursos de Ciências Econômicas e Ciências Contábeis a cursar um mestrado acadêmico. Assim, mais importante do que o resultado apresentado pelo R² ajustado das regressões múltiplas são os coeficientes obtidos para as variáveis, assim como a sua significância estatística. Neste estudo, considerou-se como aceitável o nível de significância de até 10%, prática comum à área das Ciências Sociais Aplicadas (Loureiro & Gameiro, 2011Loureiro, L. M. J. & Gameiro, M. G. H. (2011). Interpretação crítica dos resultados estatísticos para lá da significância estatística. Revista de Enfermagem Referência3(3), 151-162.).

A primeira regressão estimada foi formada pelas variáveis explicativas "Curso", "Gênero", "Idade", "Estado Civil", "Escolaridade Mãe", "Escolaridade Pai", "Renda Familiar", "Vínculo Empregatício", "Bolsa IC" e "Desempenho". A Tabela 7 apresenta os resultados encontrados para o Modelo I.

Tabela 7
Resultado das regressões lineares múltiplas

Como é possível perceber, as variáveis "Curso", "Escolaridade Pai", "Vínculo Empregatício" e "Desempenho" não apresentaram significância estatística em níveis de 10%, 5% ou 1%. Já as variáveis "Gênero", "Idade" e "Estado Civil" apresentaram significância ao nível de 10%, as variáveis "Escolaridade Mãe" e "Renda Familiar" apresentaram significância ao nível de 5%, e a variável "Bolsa IC" apresentou significância ao nível de 1%. O teste F do Modelo I possibilitou rejeitar a hipótese nula de que as variáveis em conjunto não explicam a variação do IAM, sendo o R² ajustado do modelo igual a 0,1051, indicando que 10,51% da variação do IAM podem ser explicados pelas variáveis utilizadas, resultado que já era esperado, tendo em vista a baixa correlação verificada para as variáveis do estudo e o IAM.

A segunda regressão múltipla estimada acrescentou às dez variáveis presentes no Modelo I duas variáveis de interação, a saber: (i) "Interação 1" (Curso*Vínculo Empregatício), que recebeu o valor 1 para os estudantes de Ciências Contábeis e que trabalhavam, e o valor 0 para os casos em que o discente ou era de Ciências Econômicas ou não trabalhava, ou, ainda, ambas as opções; e (ii) "Interação 2" (Curso*Desempenho), que recebeu o valor 1 para os estudantes de Ciências Contábeis que declararam desempenho acadêmico excelente ou bom, e o valor 0 para o caso do discente ser de Ciências Econômicas ou ter declarado desempenho acadêmico razoável, ruim ou péssimo, ou, ainda, ambas as opções. A justificativa para a inclusão dessas interações no Modelo II reside no fato de as variáveis "Curso", "Vínculo Empregatício" e "Desempenho" não terem apresentado significância estatística compatível, quando da estimação do Modelo I. Não obstante, cabe ressaltar que a variável "Escolaridade Pai", que também não foi estatisticamente significante no Modelo I, não recebeu nenhum tratamento por meio de interações porque a variável "Escolaridade Mãe", significante no Modelo I, já capta o efeito do ambiente familiar mais ou menos escolarizado sobre o discente.

O resultado da estimação do Modelo II também está descrito na Tabela 7. Como é possível perceber, todas as variáveis que foram estatisticamente significantes no Modelo I também apresentaram significância estatística no Modelo II, e evidenciaram o mesmo sinal para os coeficientes estimados. Vale ressaltar, contudo, que a variável "Bolsa IC" apresentou significância estatística de 1% no Modelo I e de 5% no Modelo II. Todas as demais variáveis apresentaram as mesmas significâncias estatísticas nos dois modelos.

Adicionalmente, a variável "Interação 1", incluída no Modelo II, apresentou significância estatística ao nível de 10%. Já a variável "Interação 2" não apresentou significância estatística compatível com os limites estabelecidos pelo estudo. Vale destacar, ainda, que o teste F do Modelo II também possibilitou rejeitar a hipótese nula de que as variáveis em conjunto não possuem poder explicativo para a variação do IAM, sendo que o R² ajustado do Modelo II foi de 11,55%, maior, portanto, que o do Modelo I. Sendo assim, as análises teóricas das variáveis utilizadas, assim como os testes de multicolinearidade, má especificação do modelo e heterocedasticidade foram realizados com base nos resultados do Modelo II.

Nesse contexto, a partir da Tabela 7, é possível perceber que as mulheres da amostra apresentam mais motivação, em termos intrínsecos, para realização de mestrado acadêmico. O coeficiente da variável "Gênero", significante ao nível de 10% no Modelo II, foi positivo, conforme previsto quando da construção da variável, e da ordem de 3,8827. Dessa forma, pode-se dizer, para o contexto da amostra, que as mulheres apresentam, em média, um IAM 3,8827 maior que o dos homens, o que está em linha com a literatura da área de Educação, segundo a qual as mulheres tendem a ser mais escolarizadas (Matos & Machado, 2006Matos, R. S., & Machado, A. F. (2006). Diferencial de rendimentos por cor e sexo no Brasil (1987-2001). Econômica8(1), 5-27.) e, portanto, apresentam maior motivação intrínseca para os estudos.

Os resultados do Modelo II autorizam a concluir, para o contexto da amostra, que quanto mais velho é o discente, maior é a sua motivação, em termos intrínsecos, para a realização de um mestrado acadêmico stricto sensu. A variável "Idade", significante ao nível de 10% no Modelo II, apresentou coeficiente positivo no valor de 0,4808. Assim, o aumento de um ano na idade do discente gera, em média, um aumento de 0,4808 no IAM dos indivíduos da amostra. Esse resultado era o oposto do que se esperava quando da construção da variável "Idade".

A variável "Estado Civil", significante a 10% no Modelo II, apresentou coeficiente positivo e igual a 7,4955. Assim, pode-se afirmar que os discentes solteiros da amostra tendem a apresentar, em média, mais motivação, em termos intrínsecos, para a realização de um mestrado acadêmico stricto sensu, em comparação com os discentes casados, em união estável, divorciados ou viúvos, o que já era esperado quando da construção da variável. Os estudantes solteiros apresentam mais motivação autodeterminada para continuar estudando após a conclusão da graduação, justamente porque eles tendem a possuir menos compromissos e responsabilidades. Diferentemente, os discentes casados, em união estável, divorciados ou viúvos encontram-se em um estágio da vida que, provavelmente, dificulta a realização de um mestrado acadêmico na modalidade stricto sensu, devido à existência de filhos e à necessidade de trabalhar, por exemplo. Assim, para os indivíduos casados, em união estável, divorciados ou viúvos da amostra a motivação para a realização de um mestrado acadêmico pode estar mais relacionada às recompensas externas, tais como aumento salarial e melhor colocação profissional, por exemplo. De acordo com a Teoria da Autodeterminação, quanto maior a motivação extrínseca do indivíduo para a realização de determinada tarefa, maior a chance de fracasso na conclusão dessa atividade (Deci & Ryan, 2008Deci, E. L., & Ryan, R. M. (2008). Self-determination theory: a macrotheory of human motivation, development, and health. Canadian Psychology49(3), 182-185.).

A variável "Escolaridade Mãe", significante ao nível de 5% no Modelo II, mostrou que discentes filhos de mães com, pelo menos, pós-graduação lato sensu completa, no contexto da amostra, possuem mais motivação em termos intrínsecos para a realização de um mestrado acadêmico stricto sensu. Esse resultado vai ao encontro do que diz a literatura. Há uma tendência de os alunos procurarem igualar, ou, até mesmo, superar, o nível de escolaridade de seus pais. Isso se dá na medida em que as famílias mais escolarizadas tendem a possuir melhor situação econômica, o que possibilita mais investimento em educação (Barros, Foguel, & Ulyssea, 2006Barros, R. P. de, Foguel, M. N., & Ulyssea, G. (Orgs.). (2006). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília, DF: IPEA. ; Reis & Ramos, 2011Reis, M. C., & Ramos, L. (2011). Escolaridade dos pais, desempenho no mercado de trabalho e desigualdade de rendimentos. Revista Brasileira de Economia65(2), 177-205.; Schultz, 1988Schultz, T. (1988). Education investment and returns. In H. Cheney, & T. Srinivasam (Eds.). Handbook of Development Economics (Chap. 13, pp. 543-630). Amsterdam: North-Holland.).

A variável "Renda Familiar", significante a 5%, apresentou um resultado contrário ao que era esperado. Como demonstrado na Tabela 7, as famílias das classes sociais A e B da amostra apresentaram, em média, um IAM 6,8309 menor que as famílias das classes C, D e E. Dessa forma, pode-se dizer que, no contexto da amostra, os discentes oriundos de famílias mais ricas tendem a apresentar menor motivação extrínseca para a realização de uma pós-graduação na modalidade stricto sensu, logo após a conclusão da graduação.

Já a variável "Bolsa IC" apresentou o resultado que era esperado quando de sua construção. A partir do resultado da regressão do Modelo II, é possível perceber que os discentes da amostra que recebiam bolsa de iniciação científica apresentaram um IAM 8,8591 maior que os estudantes sem o benefício. Essa evidência relaciona-se com o sentido de pertencimento dos discentes com a IES, em função da bolsa de iniciação científica e do consequente envolvimento desses indivíduos com as pesquisas acadêmicas e com o ambiente universitário. De acordo com a literatura, um dos mecanismos fundamentais para que os indivíduos desenvolvam uma motivação autodeterminada é o senso de pertencimento (Guimarães & Boruchovitch, 2004Guimarães, S. É. R., & Boruchovitch, E. (2004). O estilo motivacional do professor e a motivação intrínseca dos estudantes: uma perspectiva da teoria da autodeterminação. Psicologia: Reflexão e Crítica17(2), 143-150.). Portanto, um estudante com bolsa de iniciação científica, ao apresentar maior contato com a IES, tende a se sentir mais envolvido, intrinsecamente mais motivado e a não encerrar os estudos após a conclusão da graduação.

A variável "Interação 1", significante a 10%, apresentou um resultado contrário ao que se esperava quando da construção da variável. Foi possível perceber que, no contexto da amostra, os discentes de Ciências Contábeis que estavam inseridos no mercado de trabalho (com vínculo empregatício) apresentaram mais motivação autodeterminada (maior IAM) que os de Ciências Contábeis que não trabalhavam e que os de Ciências Econômicas, quer trabalhassem ou não. Assim, tendo em vista o contexto da amostra, um discente do curso de Ciências Contábeis com vínculo empregatício apresenta, ceteris paribus, um IAM, em média, 7,9276 maior que o IAM de seus pares do curso de Ciências Contábeis que não estão inseridos no mercado de trabalho, ou que os discentes de Ciências Econômicas, independente de trabalharem ou não.

O teste Variance Inflation Factor (VIF), realizado para verificar a ausência de multicolinearidade entre as variáveis explicativas do Modelo II, permitiu concluir que elas não são multicolineares. O maior valor VIF encontrado está abaixo de 10, valor estipulado por Gujarati (2006Gujarati, D. N. (2006). Econometria básica (4th ed.). Rio de Janeiro, RJ: Elsevier.) como o limite a partir do qual as variáveis passam a ser altamente colineares. O teste de Ramsey Reset, utilizado para testar se o Modelo II apresenta problema de omissão de variáveis formadas por combinações não lineares de "x", demonstrou que não há indícios de má especificação. Finalmente, o teste de White para a heterocedasticidade não permitiu concluir que o Modelo II é homocedástico. Nesse sentido, para se verificar se a heterocedasticidade estava impactando a significância estatística das variáveis, estimou-se o Modelo II pelo método robusto de White, cujos dados são apresentados na Tabela 8.

Tabela 8
Modelo II robusto

Cabe ressaltar, contudo, que a correlação robusta de White não altera os valores dos coeficientes estimados. A única alteração ocorre nos erros padrão estimados e, consequentemente, nos testes de significância das variáveis. Assim, conforme mostra a Tabela 8, pela correlação robusta de White, as variáveis "Gênero", "Idade", "Estado Civil", "Escolaridade Mãe", "Bolsa IC" e "Interação 1" continuaram apresentando significância estatística nos mesmos níveis anteriormente verificados.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo teve como objetivo geral identificar o nível motivacional dos estudantes de Ciências Contábeis e Ciências Econômicas com relação à busca por uma pós-graduação stricto sensu. Com base na Teoria da Autodeterminação, criou-se um instrumento de coleta de dados inspirado na EMA, desenvolvida por Vallerand et al. (1992Vallerand, R. J., Pelletier, L. G., Blais, M. R., Brière, N. M., Senécal, C., & Vallières, E. F. (1992). The academic motivation scale: a measure of intrinsic, extrinsic, and amotivation in education. Educational and Psychological Measurement52(4), 1003-1017.), e aplicada pela primeira vez no Brasil por Sobral (2003Sobral, D. T. (2003). Motivação do aprendiz de medicina: uso da escala de motivação acadêmica. Psicologia: Teoria e Pesquisa 19(1), 25-31.). Dessa forma, a partir da metodologia proposta para se analisar as respostas de 173 discentes dos dois cursos (87 de Ciências Contábeis e 86 de Ciências Econômicas) de IES públicas de Minas Gerais, foi possível realizar algumas inferências.

A justificativa apresentada pela hipótese de pesquisa deste estudo para a escassez de profissionais da área de Ciências Contábeis com o título de mestre (principalmente quando comparada ao número de mestres de Ciências Econômicas) encontrava-se no fato de os discentes de graduação em Ciências Contábeis possuírem baixa motivação intrínseca para a continuidade dos estudos após o bacharelado, quando cotejados com discentes de outras áreas do saber cuja pós-graduação é mais consolidada, como as Ciências Econômicas, por exemplo. Contudo, pelo teste estatístico de diferenças de médias e pelas análises de regressões lineares múltiplas estimadas para a amostra da pesquisa, foi possível perceber que o nível motivacional dos estudantes de Ciências Contábeis não é estatisticamente diferente do nível motivacional dos discentes de Ciências Econômicas, rejeitando-se, portanto, a hipótese de pesquisa.

Sendo assim, o principal resultado deste estudo sugere, tendo em vista a base de dados utilizada, que a razão de existirem menos discentes de Ciências Contábeis que ingressam em um mestrado acadêmico (quando comparados com estudantes de Ciências Econômicas) não se relaciona com a motivação para a continuidade dos estudos. Por possuírem um perfil mais voltado para o mercado de trabalho (62% dos estudantes de Ciências Contábeis da amostra trabalhavam, contra 29% dos estudantes de Ciências Econômicas), pode-se considerar que os discentes de Ciências Contábeis acabam adiando o objetivo de obter um grau acadêmico mais elevado e, assim, ao ingressar de vez no mercado de trabalho, enfrentam barreiras que os impedem de realizar um mestrado acadêmico. Cabe ressaltar, entretanto, que o simples fato de estarem inseridos no mercado de trabalho não significa que os indivíduos apresentem baixa motivação, em termos intrínsecos, para a realização de um mestrado acadêmico. Isso porque, de acordo com o resultado encontrado para a variável de interação do curso de graduação com a inserção no mercado de trabalho, os discentes de Ciências Contábeis que trabalham possuem mais motivação autodeterminada para cursar um mestrado acadêmico do que seus pares que não trabalham e do que os discentes de Ciências Econômicas, quer trabalhem ou não. Nesse cenário, o mercado de trabalho não pode ser considerado como uma alternativa concorrente à realização do mestrado para os discentes de Ciências Contábeis, tendo em vista que, no contexto de nossa amostra, aqueles que trabalham estão intrinsecamente mais motivados do que aqueles que estão fora do mercado de trabalho. Reforça-se, portanto, que, em algum momento, mesmo apresentando uma motivação intrínseca para a realização de um mestrado acadêmico stricto sensu igual à dos discentes de áreas com grande quantidade de profissionais mestres e doutores, como é o caso de Ciências Econômicas, os estudantes de Ciências Contábeis encontram barreiras à continuidade dos estudos.

Outro resultado da pesquisa diz respeito à influência da educação dos pais na motivação dos discentes para a realização de um mestrado acadêmico. Conforme evidenciado pelo resultado das análises de regressão múltipla, a educação da mãe foi o fator de maior impacto na motivação autodeterminada dos estudantes da amostra. Não obstante, quando se analisou a proporção, por curso de graduação, de mães com, pelo menos, diploma de pós-graduação lato sensu, foi possível constatar que 9% dos discentes de Ciências Econômicas da amostra possuem mães com esse nível educacional, o que foi verdadeiro apenas para 3% dos estudantes de Ciências Contábeis. Sendo assim, talvez por viver em um lar onde os pais possuem menor índice educacional, os estudantes de Ciências Contábeis da amostra podem receber pouco incentivo dos familiares para ingressar em uma pós-graduação stricto sensu.

Os resultados da pesquisa evidenciaram, ainda, que um fator significativo com relação à motivação autodeterminada é a existência de bolsas de iniciação científica. Conforme demonstraram os resultados das análises de regressão, os discentes contemplados com bolsas de iniciação científica têm mais motivação para realizar uma pós-graduação stricto sensu. Não obstante, por meio da análise descritiva do estudo, foi possível perceber que apenas 2% dos estudantes de Ciências Contábeis da amostra eram bolsistas de iniciação científica, contra 26% dos discentes de Ciências Econômicas. Essa disparidade deve-se, principalmente, à grande oferta de empregos e estágios para os alunos da área de Ciências Contábeis. Além disso, grande parte dos cursos desta área analisados pela pesquisa é ministrada no período noturno, o que tende a facilitar e incentivar os estudantes a ingressar no mercado de trabalho e, consequentemente, a não se beneficiar de bolsas de iniciação científica. Contudo, tendo em vista que também ficou evidenciado que os estudantes que trabalham e cursam Ciências Contábeis apresentam maior motivação autodeterminada, tem-se que, para estes estudantes, a troca de um programa de iniciação científica pela inserção no mercado de trabalho não constitui um risco para o desenvolvimento da motivação intrínseca para a realização de um mestrado acadêmico. A importância das bolsas de iniciação científica tende a ser maior, portanto, para os discentes de Ciências Econômicas.

Esta pesquisa apresentou como limitação o fato de ter analisado apenas estudantes de IES públicas de Minas Gerais. Sendo assim, sugere-se que os procedimentos aqui adotados possam ser aplicados em futuras pesquisas, com amostras formadas por estudantes de instituições privadas, e também por discentes de IES de outros estados, para que seja possível confrontar os resultados obtidos por este estudo com aqueles realizados em contextos distintos.

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  • *
    Trabalho apresentado no V Congresso Nacional de Administração e Ciências Contábeis (AdCont), Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2014.
  • **
    Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro.

ANEXO

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    20 Jun 2015
  • Revisado
    13 Jul 2015
  • Aceito
    20 Abr 2016
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