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A Relação entre Board Interlocking e as Práticas de Suavização de Resultados* * Artigo apresentado no VIII Congresso da ANPCONT, Rio de Janeiro, RJ, 2014.

Resumos

Este estudo tem como objetivo investigar a influência do board interlocking nas práticas de suavização de resultados em companhias de capital aberto com ações negociadas na BM&FBOVESPA. Para isso, adotou-se uma amostra que compreendeu 58 empresas brasileiras componentes do índice Bovespa. O estudo classificado como empírico-analítico utiliza comoproxy para a suavização de resultados a métrica denominada fator de suavização (FS), obtida por meio da técnica de Análise Fatorial a partir das métricas EM1 e EM3 de Leuz, Nanda e Wysocki (2003). Como variáveis independentes, adotaram-se indicadores de Análise de Redes Sociais. Sob o ponto de vista teórico o estudo é relevante e inova ao fazer a conexão da teoria da dependência de recursos com a teoria da agência eboard interlocking. Em termos práticos, o estudo mostra o efeito dos elementos constitutivos das redes sociais corporativas decorrente da estrutura do board interlocking nas práticas de suavização de resultados contábeis. A regressão com Dados em Painéis utilizando efeitos fixos mostrou que os elementos constitutivos das redes sociais corporativas tendem a influenciar a prática de suavização da amostra pesquisada. Assim, os resultados da pesquisa denotam que empresas que compartilham conselheiros com outras organizações que suavizam seus resultados tendem a adotar mais facilmente tal prática organizacional, que pode ser explicada em função de a empresa: (i) provocar variações no desempenho decorrentes de decisões operacionais ou escolhas na divulgação de informações financeiras; e (ii) fazer uso de práticas discricionárias por parte dos gestores na divulgação dos lucros.

board interlocking; suavização de resultados; análise de redes sociais.


This study aims to investigate the influence of board interlocking in income smoothing practices in public companies with shares traded on the BM&FBOVESPA. To achieve this objective we adopted a sample comprised of 58 Brazilian companies included in the Bovespa index. The study is classified as empirical and analytical and uses as a proxy for income smoothing a metric called the "smoothing factor" (SF), obtained through the factor analysis technique using the metrics EM1 and EM3 from Leuz, Nanda and Wysocki (2003). As independent variables we employed indicators of social network analysis. From a theoretical point of view, the study is relevant and innovates in making the connection between the resource dependence theory, the agency theory and board interlocking. In practical terms, the study shows the effects of the constitutive elements of corporate social networks, arising from the board interlocking structure, on income smoothing accounting practices. Regression with panel data using fixed effects showed that the constituent elements of corporate social networks tend to influence the practice of smoothing in the sample used. The results of the study show that companies that share board members with other organizations which smooth their results tend to adopt this organizational practice more easily, which can be explained by: (i) companies causing variations in performance due to operational decisions or financial reporting choices; and (ii) managers making use of discretionary practices in the reporting of profits.

board interlocking; income smoothing; social network analysis.


1 Introdução

A teoria da agência (Fama & Jensen, 1983Fama, E., & Jensen, M. (1983). Separation of ownership and control. Journal of Law and Economics, 26, 301-325.) e a teoria da dependência de recursos (Pfeffer, 1972Pfeffer, J. (1972). Size and composition of corporate boards of directors: The organization and its environment. Administrative Science Quarterly, 17, 218-228.; Johnson, Daily, & Ellstrand, 1996Johnson, J., Daily, C., & Ellstrand, A. (1996). Boards of directors: a review and research agenda. Journal of Management, 22, 409-438.) são teorias que fundamentam os estudos sobre Conselhos de Administração. A teoria da agência atribui ao conselho de administração o papel de controlar e monitorar as decisões tomadas pelos gestores, na tentativa de minimizar os conflitos de interesses entre as partes da organização (Fama & Jensen, 1983). A teoria da dependência de recursos ajuda a compreender o conselho de administração como um mecanismo facilitador do acesso a recursos financeiros externos à organização.

Embora a maioria dos estudos sobre Conselhos de Administração esteja atrelada à teoria da agência (Hillman & Dalziel, 2003Hillman, A., Cannella, A., & Paetzold, R. (2000). The resource dependence role of corporate directors: strategic adaptation of board composition in response to environmental change. Journal of Management Studies, 37, 235-256.), a complexidade dos ambientes corporativos limita a aplicação prática desta teoria, pois ela é capaz de explicar somente alguns dos fenômenos sociais relacionados ao conselho de administração (Eisenhardt, 1989Eisenhardt, K.M. (1989). Agency theory: an assessment and review. The Academy of Management Review, 14(1), 57-74.). Em face dessa lacuna teórica, a teoria da dependência de recursos exalta a importância do conselho de administração como redutor das incertezas no ambiente corporativo. As ligações com outras empresas permitem aos conselheiros fazer uso de sua reputação pessoal para captar recursos externos necessários ao desenvolvimento da empresa (Pfeffer, 1972; Pfeffer & Salancik, 1978).

A participação de membros do conselho de administração em mais de uma corporação caracteriza o fenômeno denominado board interlocking (Knowles, 1973Knowles, J.C. (1973). The Rockefeller financial group. Andover Mass: Warner Modular Publications.). O board interlocking engloba, além dos conselheiros, os diretores responsáveis por ligações entre empresas (Mizruchi, 1996Mizruchi, M.S. (1996). What do interlocks do? An analysis, critique, and assessment of research on interlocking directorates. Annual Review of Sociology, 22, 271-298.). Tais elos são considerados importantes no contexto organizacional (Fontes Filho, 2012Fontes Filho, J.R., & Leal, R.P.C. (2012). Governança corporativa: discussões sobre os conselhos em empresas no Brasil. São Paulo: Saint Paul.) porque é devido a eles que as empresas conseguem mais acesso a parceiros comerciais e podem tomar ciência de conhecimentos específicos e estratégicos sobre determinadas empresas (Gales & Kesner, 1994Gales, L., & Kesner, I. (1994). An analysis of board of director size and composition in bankrupt organizations. Journal of Business Research, 30(3), 271-282.).

Estudos internacionais (Davis, 1991Davis, G.F. (1991). Agents without principles? The spread of the poison pill through the intercorporate network. Administrative Science Quarterly, 36, 583-613.; Haunschild, 1993Haunschild, P.R. (1993). Interorganizational imitation: the impact of interlocks on corporate acquisition activity. Administrative Science Quarterly, 38, 564-592.; Haunschild & Beckman, 1998) mostram que o board interlocking também é considerado um canal de informação organizacional que influencia a adoção de certas práticas corporativas. A lógica é que as empresas estão mais inclinadas a adotar tais práticas organizacionais quando compartilham de forma recorrente seus conselheiros com outras empresas alinhadas estrategicamente. Connelly e Slyke (2012)Connelly, B.L., & Slyke, E.J.V. (2012). The power and peril of board interlocks. Organizational Performance, 55, 403-408. constaram que, da mesma forma que o board interlocking repercute na adoção de práticas construtivas e positivas, ele também pode induzir a disseminação de práticas discricionárias com o objetivo de provocar a suavização de resultados contábeis.

No mercado acionário brasileiro a suavização de resultados tem sido objeto frequente de estudos científicos. Muitos desses estudos buscam explicar a prática de suavização por meio de distintos constructos: ADRs (Lopes & Tukamoto, 2007Lopes, A.B., & Tukamoto, Y.S. (2007). Contribuição ao estudo do "gerenciamento" de resultado: uma comparação entre as companhias abertas brasileiras emissoras de ADRs e não-emissoras de ADRs. Revista de Administração, 42(1), 86-96.); risco e retorno (Martinez & Castro, 2008Martinez, A.L., & Castro, M.A.O. (2009, julho). Ratings, custo de capital de terceiros e alisamento de resultados no Brasil. Anais do Encontro Brasileiro de Finanças, São Leopoldo, RS, Brasil, 9.); custo de capital de terceiros e estrutura de capital (Castro & Martinez, 2009 Martinez, A.L. (2001). Gerenciamento dos resultados contábeis: estudo empírico das companhias abertas brasileiras. Tese de Doutorado, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.); níveis de governança corporativa (Lyra & Moreira, 2011Lyra, I.X.M., & Moreira, R.L. (2011). Alisamento de resultados nas empresas listadas nos níveis de governança corporativa da Bovespa. Revista Contabilidade e Controladoria, 3(2), 78-93.); conservadorismo contábil (Almeida, Sarlo Neto, Bastianello, & Adoneque, 2012Almeida, J.E.F., Sarlo Neto, A., Bastianello, R.F., & Adoneque, E.Z. (2012). Alguns aspectos das práticas de suavização de resultados no conservadorismo das companhias abertas listadas na BM&FBOVESPA. Revista Contabilidade & Finanças, 23(58), 65-75.); e classificação das agências derating (Tonin, 2012 Tonin, J.M.F. (2012). Relação entre Income Smoothing e Ratings em companhias brasileiras de capital aberto. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil.).

Com o propósito de expandir os horizontes do conhecimento científico sobre as práticas de suavização de resultados, este estudo propõe investigar a sua relação com os elementos constitutivos de redes sociais corporativas originadas da estrutura do board interlocking. O objetivo é responder ao seguinte problema de pesquisa: qual a influência do board interlocking sobre as práticas de suavização de resultados em companhias de capital aberto com ações negociadas na BM&FBOVESPA?O estudo cobre o período 2009-2014. A hipótese subjacente é que os elementos constitutivos de redes sociais corporativas, representados pela centralidade de grau, centralidade de intermediação, centralidade da informação, tamanho do conselho e outsiders, tendem a influenciar positivamente as práticas de suavização de resultados.

O estudo ajuda a preencher lacunas relacionadas ao entendimento de aspectos organizacionais que tendem a influenciar a disseminação de práticas corporativas de gerenciamento de resultados. Especificamente, considera-se que a existência do board interlocking favorece a adoção de práticas de suavização de resultados relacionadas a (i) decisões operacionais e (ii) adoção de práticas discricionárias na divulgação dos lucros. Ressalta-se que não foram encontrados estudos no cenário nacional e internacional sobre a junção destas duas temáticas (suavização de resultados e board interlocking), representando, portanto, uma possibilidade profícua de discussão com amplo impacto teórico e empírico no campo da Contabilidade para usuários externos. Considerando que os estudos ainda são incipientes, esta pesquisa utiliza comoproxy para a suavização de resultados uma métrica denominada "fator de suavização" (FS), obtida por meio de análise fatorial, que agrupa as métricas EM1 e EM3 de Leuz et al. (2003)Leuz, C., Nanda, D., & Wysocki, P.D. (2003). Investor protection and earning management: an international comparison. Journal of Financial Economics, 69(3), 505-527. para constituir um único fator de análise. Este percurso matemático também representa uma das contribuições metodológicas deste trabalho.

2 BOARD INTERLOCKING E A TEORIA DA DEPENDÊNCIA DE RECURSOS

As expressões board interlocking (Santos & Silveira, 2007Silveira, A.M., Barros, L.A.B.C., & Famá, R. (2003). Estrutura de governança e valor das companhias abertas brasileiras. Revista de Administração de Empresas, 43(3), 50-64.; Mendes-da-Silva, 2010Mendes-da-Silva, W. (2010). Board Interlocking, desempenho financeiro e valor das empresas brasileiras listadas na Bovespa: análise sob a ótica da teoria dos grafos e de redes sociais. Tese de Doutorado, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.; Connelly & Slyke, 2012; Mindzak, 2013 Mindzak, J. (2013, May). Interlocked Boards of Directors, Voluntary Disclosures and Earnings Quality. Proceedings of the Canadian Academic Accounting Association Annual Conference, Montreal, Quebec, Canada, 37.), interlocking directorship (Zajac, 1988Zajac, E.J. (1988). Interlocking directorates as an interorganizational strategy: a test of critical assumptions. The Academy of Management Journal, 31(2), 428-438.;Hung, 1998Hung, H. (1998). A typology of the theories of the roles of governing boards. Corporate governance, 6(2), 101-111.; Au, Peng, & Wang, 2000Au, K., Peng, M.W., & Wang, D. (2000). Interlocking directorates, firm strategies and performance in Hong Kong: towards a research agenda. Asia Pacific Journal of Management, 17, 29-47.), board network(Battiston, Weisbuch, & Bonabeau, 2003Battiston, S., Weisbuch, G., & Bonabeau, E. (2003). Decision spread in the corporate board network. Advances in Complex Systems, 6(4), 631-644.; Kim, 2005Kim, Y. (2005). Board network characteristics and firm performance in Korea. Corporative Governance, 13(6), 800-808.),director interlocks (Haunschild & Beckman, 1998),interlocking directorates (Dooley, 1969Dooley, P.C. (1969). The interlocking directorate. American Economic Review, 59, 314-323.; Ornstein, 1982Ornstein, M.D. (1982). Interlocking directorates in Canada: evidence from replacement patterns. Social Networks, 4, 3-25.) têm sido utilizadas na literatura financeira para definir ligações entre as empresas por meio do conselho de administração.

O board interlocking refere-se a uma relação social criada entre duas ou mais empresas por meio da inclusão de um mesmo profissional no conselho de administração (Fich & White, 2005Fich, E.M., & White, L.J. (2005). Why do CEOs reciprocally sit on each other's boards? Journal of Corporate Finance, 11, 175-195.). Este profissional pode fornecer acesso a importantes recursos indispensáveis à empresa (Hung, 1998). Nos Estados Unidos, é bastante comum a participação de um mesmo conselheiro ou executivo em mais de uma empresa. Dooley (1969) constatou que, desde a década de 1930, 90% das maiores organizações americanas possuem, no mínimo, um conselheiro trabalhando em mais de uma companhia. Davis (1991) encontrou laços corporativos em 40 organizações americanas na década de 1980. Em média, os conselheiros atuavam em sete grandes corporações.

No Canadá, board interlocking é considerado um fenômeno comum nas maiores corporações. Ornstein (1982) constatou que, de 1946 a 1977, as 100 maiores empresas apresentavam, aproximadamente, 1600 laços corporativos no formato de redes sociais. Au et al. (2000) identificaram board interlocking em cerca de 61% das 200 maiores empresas de Hong Kong, em 1997. Este percentual ficou um pouco abaixo daqueles encontrados na Inglaterra (69%) e nos Estados Unidos (64%), no mesmo período. Cox e Rogerson (1985)Cox, B.A., & Rogerson, C.M. (1985). The corporate power elite in South Africa: interlocking directorships among large enterprises. Political Geography Quarterly, 4(3), 219-234. investigaram as 115 maiores empresas da África do Sul, e constataram que em 50% delas havia conselheiros atuando em mais de uma organização.

Santos e Silveira (2007) examinaram 320 companhias com liquidez no mercado de capitais brasileiro, entre 2003 e 2005, e os resultados indicaram que 74%, em 2003, e 68,8%, em 2005, possuíam laços constitutivos de redes sociais corporativas. E mais, em 2005, 50% dos profissionais que atuavam na Presidência do Conselho também participavam do Conselho de outra empresa, simultaneamente. Mendes-da-Silva (2010) estudou 452 empresas abertas, entre 1997 e 2007, e mostrou que, em média, 60% dos conselheiros estavam conectados a sete companhias, ao mesmo tempo.

Os principais estudos sobre board interlocking fundamentam-se na teoria da dependência de recursos para explicar as razões das conexões de redes estabelecidas entre as companhias (Hillman, Cannella, & Paetzold, 2000). Pfeffer e Salancik (1978) afirmam que, quando a organização nomeia um profissional para integrar seu conselho de administração, espera-se que este conselheiro propicie recursos que ajudem a empresa a se estruturar financeiramente e se desenvolver ao longo do tempo. Explicam que a adoção doboard interlocking proporciona vários benefícios para a entidade, entre eles: (i) obter recursos específicos; (ii) receber apoio estratégico de importantes agentes externos; (iii) propiciar a legitimação da organização; e (iv) criar importantes canais de comunicação entre as organizações.

A teoria da dependência de recursos entende o conselho de administração como um mecanismo de gestão de recursos externos (Pfeffer & Salancik, 1978), que age como redutor de incertezas (Pfeffer, 1972) e proporciona a diminuição dos custos de transação (Williamson, 1984Williamson, O.E. (1984). The economic institutions of capitalism: firms, markets, relational contracting. New York: Free Press.). Assim, sob a ótica da dependência de recursos, os diretores atuam como conexões entre a firma e o ambiente corporativo, minimizando as incertezas dos fatores contingenciais (Hillman et al., 2000).

A premissa da teoria da dependência de recursos é que as organizações, por mais independentes que possam parecer, não podem desconsiderar a relevância dos recursos externos para seu desenvolvimento ao longo do tempo. Em outras palavras, por mais autônoma que seja a organização, ela sempre necessitará de recursos de terceiros. O acesso a recursos externos é facilitado quando as corporações estabelecem ligações entre elas por meio dos conselheiros, porque estes tendem a trabalhar em prol de objetivos comuns (Zald, 1969Zald, M. (1969). The power and functions of boards of directors: a theoretical synthesis. American Journal of Sociology, 75, 97-111.). Consequentemente, o board interlocking é tido como uma fonte de facilitação de acesso a recursos financeiros externos. Por isso, empresas buscam conselheiros que já desempenham funções gerenciais em outras organizações com o propósito específico de aumentar as fontes de financiamento com capitais de terceiros (Hillman et al., 2000).

O board interlocking também favorece a inserção da empresa em grupos sociais estratégicos. A inclusão de conselheiros pertencentes a grupos ou movimentos sociais contribui para evitar ações conflitantes com organizações sociais que têm algum potencial de interferir nos planos estruturais da empresa. Outro benefício da rede de conselheiros refere-se à reputação da empresa no mercado financeiro (Pfeffer & Salancik, 1978), sendo que a reputação corporativa está intimamente relacionada com a teoria da dependência de recursos (Hillman et al., 2000).

A análise de Redes Sociais também contribui para o entendimento das relações entre práticas corporativas (Kosnik, 1987Kosnik, R.D. (1987). Greenmail: a study of board performance in corporate governance. Administrative Science Quarterly, 32(2), 163-185.; Haunschild, 1993; Davis, 1991). Kosnik (1987) investigou a relação entre o uso da recompensa privada de ações (greenmail) e oboard interlocking. Os resultados indicaram que as empresas estavam mais propensas a utilizar recompensas privadas quando possuíam em seu conselho de administração profissionais que também atuavam em outras empresas. Haunschild (1993) estudou 327 empresas americanas no período de 1981 a 1990 e constatou que as fusões e aquisições estavam diretamente associadas à presença de ligações entre os Conselhos de tais empresas.

Kim (2005) pesquisou a relação entre board interlocking e desempenho utilizando redes sociais em empresas coreanas, e encontrou indícios de que a densidade das redes corporativas influenciou o desempenho das empresas. Os resultados sugerem que as empresas conectadas em nível moderado conseguem melhores desempenhos, enquanto ligações muito fortes destroem valor. O estudo também destacou que o nível de escolaridade dos conselheiros está associado positivamente à performance financeira das empresas.

Normalmente, quando conselheiros atuam em várias organizações, eles observam as ações dos outros conselheiros e isto conduz a um importante processo de aprendizagem organizacional, especificamente sobre práticas estratégicas. Da mesma forma que essas ligações podem gerar resultados positivos, o contrário também pode ocorrer, a exemplo do mimetismo na adoção de práticas discricionárias que conduzem ao gerenciamento de resultados contábeis ou à adoção de comportamentos éticos duvidosos.

Quando se trata de padrões éticos, isso pode representar problemas que merecem atenção dos outsiders, em especial quando conselheiros estão conectados a empresas que possuam ações deturbadas e conturbadas no mercado acionário (Connelly & Slyke, 2012). Sob essa perspectiva, o estudo de Chiu, Theo e Tian (2012)Chiu, P.C., Teoh, S.H., & Tian, F. (2013). Board interlocks and earning management contagion. The Accounting Review, 88(3), 915-944., sobre a relação entre o board interlocking e as práticas discricionárias dos gestores em 1500 empresas americanas ranqueadas pela Standard & Poor's (S&P 1500), encontrou indícios de que as empresas estavam inclinadas a adotar práticas discricionárias de gerenciamento de resultados quando os conselheiros estavam ligados a outras empresas que possuíam classificação nas agências de rating. Por outro lado, Mindzak (2013) constatou que 120 empresas canadenses minimizaram a adoção de práticas contábeis discricionárias. Portanto, não há consenso de que realmente a rede de membros do conselho de administração favoreça práticas discricionárias de gestores. Neste contexto, a presente pesquisa avança na discussão, ao analisar a relação entre o board interlocking e o gerenciamento de resultados no mercado acionário brasileiro, por meio da modalidade suavização de resultados (income smoothing).

3 CARACTERIZAÇÃO E MÉTRICAS DE INCOME SMOOTHING

A suavização de resultados como uma forma intencional de amortecimento ou flutuação sobre algum tipo de rendimento é atualmente considerada normal na gestão de empresas (Beidleman, 1973Beidleman, C.R. (1973). Income smoothing: the role of management. The Accounting Review, 98(4), 653-667.). Neste sentido, representa uma tentativa por parte da administração de reduzir as variações anormais nos lucros. Para Fudenberg e Tirole (1995)Fudenberg, D., & Tirole, J. (1995). A theory of income and dividend Smoothing based on incumbency rents. Journal of Political Economy, 103(1), 75-93., ela consiste num processo de manipulação de rendimentos ou ganhos para tornar o fluxo de renda menos variável no longo prazo. Para Michelson, Jordan-Wagner e Wootton (1988)Michelson, S.E., Jordan-Wagner, J., & Wootton, C.W. (1995). A market based analysis of income smoothing. Journal of Business Finance & Accounting, 22(8), 1179-1193., a suavização de resultados é a forma pela qual os gestores selecionam práticas contábeis para reduzir flutuações ao longo dos exercícios sociais contábeis, de acordo com os princípios contábeis geralmente aceitos.

O Income Smoothing tem como característica principal reduzir a variabilidade dos lucros. Para Scott (2012)Scott, W.R. (2012). Financial accounting theory (6th ed) Toronto: Pearson Canada., essa é a forma de gerenciamento de resultados mais interessante para gestores avessos ao risco. Os estudos sobre esta modalidade mostram que as escolhas contábeis ajudam os gestores a diminuir a variabilidade das compensações recebidas, bem como identificar flutuações excessivas no resultado da empresa ao longo do tempo. Entender estes aspectos melhora a acurácia das prospecções elaboradas pelos analistas de mercado.

Norm Eckel publicou em 1981Eckel, N. (1981). The income smoothing hypothesis revisited. Abacus, 17(1), 28-40. o estudo intitulado "The Income Smoothing Hypotheses Revisited" no periódico Abacus, fornecendo uma classificação dos diferentes tipos de suavização de resultados (Belkaoui, 2003Belkaoui, A.R. (2003). Accounting: by principle or design? London: Praeger.). Para Eckel (1981), existem dois tipos de suavização: a natural e a intencional. A suavização natural é apresentada como algo inerente ao negócio, e se trata do resultado de ações tomadas pela administração em detrimento do processo de geração de lucro (Belkaoui, 2003). A suavização intencional resulta da vontade dos gestores de praticar certas ações com o propósito de obter um resultado alinhado ao seu interesse (Castro & Martinez, 2009).

Ronen, Tzur e Yaari (2007)Ronen, J., Tzur, J., & Yaari, V. (2007). Legal insider trading, CEO´s incentive, and quality of earnings. Corporate Governance and Control, 4, 210-219. defendem que a suavização intencional pode ser subdividida em Real e Artificial.

A suavização real refere-se às escolhas econômicas que afetam o fluxo de caixa da empresa. Originam-se a partir de decisões econômicas tomadas pelos gestores, como, por exemplo, a redução de despesas com treinamento, o aumento de despesas publicitárias e a venda de ativos da organização (Martinez, 2001). Tais práticas são basicamente uma escolha de conduta dos negócios, que deliberadamente alteram os fluxos de caixa e suavizam as flutuações de resultados (Belkaoui, 2003). A suavização artificial ocorre com a adoção de práticas contábeis que transferem as despesas e as receitas de um exercício para outro. Tais práticas não repercutem diretamente nos fluxos atuais de lucro da empresa, mas impactam seus fluxos futuros.

Existem diferentes métricas para capturar as práticas da suavização de resultados. Dentre elas, destacam-se as propostas por Leuz et al. (2003). Para atender ao objetivo deste estudo foram utilizadas apenas as métricas EM1 e EM3. A métrica EM1 assume que os gestores podem ocultar mudanças no desempenho da empresa por meio de escolhas na divulgação das informações contábeis (Leuz et al., 2003). Tais escolhas podem ser mensuradas pela razão entre o desvio padrão do Lucro Operacional (LOp) e o desvio padrão do Fluxo de Caixa Operacional (FCO), ambos divididos pelos ativos totais do período anterior.

Em que,

EM1 = Métrica nº 1 de suavização de resultados;

δLOp = desvio padrão do lucro operacional;

δFCO = desvio padrão do fluxo de caixa operacional.

O resultado da razão entre as duas variáveis oferece evidências da influência do poder discricionário dos gestores para manipular o lucro, a partir de alterações de componentes nos relatórios financeiros (Luiz, Nascimento & Pereira, 2008 Luiz, I.V., Nascimento, M., & Pereira, L.C.S. (2008, julho). Impacto do gerenciamento de resultados no retorno anormal: estudo empírico dos resultados das empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo - Bovespa. Anais do Congresso USP Controladoria e Contabilidade, São Paulo, SP, Brasil, 8.). Quanto menores forem os escores obtidos, maior será a prática de suavização, pois o resultado revela o nível em que os gestores reduziram a variabilidade dos lucros.

Leuz et al. (2003) também defendem que gestores podem utilizar seu poder discricionário para distorcer o desempenho econômico da empresa. A métrica EM3 detecta o uso de práticas discricionárias na divulgação dos resultados contábeis. Os escores são obtidos pela razão entre a taxa média dosaccruals totais e o valor absoluto dos fluxos de caixa operacional.

Em que,

EM3 = Métrica 3 de suavização de resultados;

|AT| = valor absoluto dos accruals totais em tempo t;

|FCO| = valor absoluto do fluxo de caixa operacional em tempot.

Os escores obtidos na métrica EM3 identificam as práticas discricionárias que tiveram o propósito de influenciar o desempenho operacional da companhia.

4 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

A população da pesquisa englobou as companhias brasileiras de capital aberto, que constituem o Índice Bovespa (IBOV). O conjunto de firmas empregado na amostra intencional está restrito às empresas brasileiras, não financeiras, componentes do IBOV, no mês de maio de 2015, que apresentam as informações necessárias para a estimação das métricas nº 1 e nº 3 de Leuz et al. (2003), no período de 2009 a 2014, totalizando seis anos. Compuseram a amostra final 58 companhias, 88% das empresas que formam o IBOV.

Na Figura 1, apresenta-se a estrutura de validação preditiva do estudo, abrangendo as definições conceituais e operacionais das variáveis analisadas, de acordo com o modelo de Libby, Bloomfield e Nelson (2002)Libby, R.; Bloomfield, R., & Nelson, M.W. (2002). Experimental Research in Financial Accounting. Accounting, Organizations and Society, 27(8), 775-810..

Figura 1
Estrutura de validade preditiva

A partir da teoria da dependência dos recursos (Pfeffer, 1972), o estudo propõe explicar, por meio dos elementos constitutivos da rede, a prática de suavização de resultados, mensurada por meio da variável fator de suavização, obtida pelo agrupamento das métricas EM1 e EM3 de Leuz et al. (2003), que capturam tipos de suavização de resultados: EM1 detecta se os gestores ocultaram mudanças no desempenho da empresa por meio das escolhas na divulgação das informações contábeis; e EM3 detecta se os gestores utilizaram seu poder discricionário para distorcer o desempenho econômico da empresa. Na Figura 2, estão descritas as variáveis da pesquisa e suas definições operacionais.

Figura 2
Variáveis da pesquisa

Neste estudo, a variável dependente é representada pelo fator de suavização, obtido por meio da análise fatorial construída com o agrupamento das métricas EM1 e EM3 de Leuz et al. (2003). As variáveis independentes são: centralidade de grau, centralidade de intermediação, centralidade da informação, tamanho do conselho e outsiders. Como variáveis de controle empregam-se o Desempenho, a alavancagem e o tamanho da empresa.

Os dados foram coletados de duas formas distintas. Para identificação dos dados referentes ao conselho de administração, utilizaram-se as informações contidas nos formulários de referência, disponibilizados no website da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBOVESPA). Tais informações possibilitaram a obtenção das variáveis e métricas empregadas na análise de redes sociais. Primeiramente foram coletadas, para cada um dos seis anos, informações sobre os conselheiros, como os nomes completos e as empresas nas quais atuam. Posteriormente, com ajuda do software MS Excel, foram criadas matrizes quadráticas, que auxiliaram na identificação das conexões entre empresas. Após a criação das matrizes, utilizaram-se os softwaresUcinet 6 e Net Minner 3.0 para a obtenção das métricas de redes sociais.

Para a obtenção das variáveis necessárias ao cálculo das métricas de suavização de resultados e das variáveis de controle, foi utilizada a base de dados Economática. Para o tratamento dos dados, empregaram-se dois tipos de análise: (i) a análise fatorial, e (ii) a análise de regressão de dados em painel. A análise fatorial foi empregada por ser considerada uma importante técnica estatística que tem como finalidade avaliar um conjunto de variáveis com o intuito de desvendar estruturas existentes, não observáveis diretamente. As regressões foram utilizadas para testar os efeitos da constituição de redes sociais corporativas na suavização de resultados, provenientes de mudanças no desempenho da empresa por meio das escolhas na divulgação das informações contábeis (EM1); e utilização do poder discricionário para distorcer o desempenho econômico da empresa (EM3). A regressão de dados em painel, de acordo com Adkins (2010)Adkins, L.C. (2010). Using Gretl for principles of econometrics. Retrieved on April, 1, 2013, from http://www.learneconometrics.com/gretl/ebook.pdf.
http://www.learneconometrics.com/gretl/e...
, compreende uma combinação de um grupo de unidades de corte transversal que são observadas ao longo do tempo.

5 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Inicialmente, são apresentados os resultados da análise descritiva das variáveis analisadas, conforme Tabela 1.

Tabela 1
Análise descritiva das variáveis

As variáveis de centralidade (degree, betweenness einformation centrality) demonstram que as empresas analisadas apresentam, em média, um baixo nível de ligações diretas (0,428) e indiretas (0,007), além da proporção de 40% de laços não redundantes. Nas empresas analisadas, os conselhos de administração são compostos, em média, por nove profissionais. Este número é bem superior ao mínimo estabelecido pelo Art. 140 da Lei 6.404/76, de três conselheiros. Este resultado é também superior ao número de conselheiros encontrados nas pesquisas de Mendes-da-Silva em 2010 (sete); Dooley em 1969 (um) e Davis em 1991 (sete). Pode-se inferir que o crescimento do número de conselheiros que participam em mais de uma empresa tem aumentado ao longo dos anos devido à percepção de que estes realmente têm potencial para facilitar o acesso a recursos externos, como apregoa a teoria da dependência de recursos, que vê o conselho de administração como um mecanismo de gestão de recursos externos (Pfeffer & Salancik, 1978), agindo como redutor de incertezas (Pfeffer, 1972). Considerando que as empresas dependem cada vez mais de recursos de terceiros, parece adequado que os diretores atuem como conexões entre a firma e o ambiente corporativo, minimizando as incertezas dos fatores contingenciais, como defendido por Hillman et al. (2000).

As variáveis de controle utilizadas no estudo mostram que as empresas apresentam, em média, rentabilidade de 5,69% sobre o ativo total. Possuem estrutura de capital composta, predominantemente, de capital próprio; o capital de terceiros representa, em média, 37,4% das fontes de recursos. Constatou-se, ainda, que as empresas possuem, em média, um Ativo Total de R$ 34 milhões. Em relação ao VIF (Variance Inflation Factor), observou-se que todas as variáveis apresentaram escores entre 1 e 10, fornecendo indícios da inexistência de problema de colinearidade.

Em virtude de características semelhantes identificadas nas variáveis de suavização de resultados capturadas pelas métricas EM1 e EM3, optou-se por utilizar a análise fatorial para compor um único fator de suavização. Essa escolha tem como intuito compor um fator representativo da suavização de resultados para que, posteriormente, esta variável seja utilizada como input na regressão com dados em painel. Um dos requisitos para a análise fatorial é a alta correlação entre as variáveis a serem agrupadas em fatores. Observou-se forte correlação entre as variáveis EM1 e EM3, de 66%, com significância ao nível de 1%. Isso sugere a existência do compartilhamento de fatores comuns entre as variáveis, o que justifica a utilização da análise fatorial. Os testes KMO (Kaiser-Mayer-Olkin) e de esfericidade de Bartlett foram empregados com o objetivo de confirmar os resultados da matriz de correlação.

O teste KMO, que compara a magnitude dos coeficientes de relação entre as variáveis com a magnitude dos coeficientes de correlação parcial, apresentou um coeficiente de 0,500, o que torna possível a aplicação da análise fatorial. O teste de Bartlett apresentou um nível de significância de 0,00. Logo, rejeitou-se a hipótese nula de que a matriz de correlação é a matriz identidade. Assim, é possível evidenciar a existência de correlação entre as variáveis, justificando o emprego da análise fatorial. Na Tabela 2 apresenta-se a determinação dos fatores do modelo e a verificação da variância explicada pelo número de fatores e serem utilizados no modelo.

Tabela 2
Determinação dos fatores do modelo

A utilização dos dois fatores corresponde a uma variância explicada total de 100%. No entanto, nota-se que, com a utilização de apenas um fator, a variância cumulativa explicada, ela é de aproximadamente 72%. Desse modo, a análise fatorial permitiu agrupar as variáveis EM1 e EM3 em um único fator que será denominado de "fator de suavização" na análise de regressão com dados em painel.

Para aplicação de dados em painel, primeiro utilizou-se o modelopooled (mínimos quadrados ordinários - MQO) para os indicadores constitutivos de redes sociais, considerados como variáveis explicativas, e o fator de suavização como proxy de suavização de resultados das empresas. A partir dos resultados, foram realizados os testes de diagnóstico de painel, com o objetivo de identificar o modelo mais adequado para a regressão.

Inicialmente, realizou-se o teste de Chow, que verifica se o modelopooled é mais adequado, sendo que a rejeição de H0 significa que o modelo de efeitos fixos é mais conveniente. O segundo teste, Breusch-Pagan, refutou a H0, confirmando que o modelo de efeitos aleatórios é mais apropriado ao modelo pooled. Por fim, fez-se uso do teste de Hausman para a opção entre efeitos fixos e efeitos aleatórios. De acordo com Gujarati (2006)Gujarati, D. (2006). Econometria básica (4a ed.). São Paulo: Elsevier., a hipótese nula subjacente ao teste de Hausman é que os estimadores do modelo de efeitos fixos e do modelo de correção dos erros não diferem substancialmente. Assim, se a hipótese nula (H0) for rejeitada, denota que o modelo de efeitos aleatórios não é adequado devido à inconsistência dos estimadores, e é preferível o emprego do modelo por efeitos fixos.

A partir dos resultados da Tabela 3, assumiu-se que a utilização do modelo de efeitos fixos seria mais consistente para a amostra em estudo. Na Tabela 4, apresentam-se os resultados do modelo de regressão de dados em painel com efeitos fixos da variável.

Tabela 3
Testes de dados em painel
Tabela 4
Fator de Suavização: Dados em Painel com Efeitos Fixos

Constatou-se que a presença de laços diretos, identificada por meio da métrica de centralidade de grau (Degree), apresenta uma relação positiva e significativa (ß = 0,3592; p < 0,05) com a prática de suavização de resultados. Isto sugere que a criação de laços diretos influencia positivamente a probabilidade de a organização gerenciar seus resultados. Notou-se, também, relação positiva e significativa com o desempenho (ß = 0,0343; p < 0,01) e negativa com o índice de endividamento (ß = -0,0011; p < 0,01) e tamanho da empresa (ß = -0,2167; p < 0,05), indicando que o retorno, endividamento e tamanho da organização podem influenciar a adoção da prática de suavização de resultados. Os valores encontrados fornecem indícios de que o poder discricionário dos gestores sobre decisões operacionais e sobre as escolhas de divulgação pode ser explicado, em média, em 22% pela presença de laços diretos entre as empresas.

Observou-se, também, a presença da relação positiva dos coeficientes de laços indiretos (betweenness) e Tamanho do Conselho (TAM_CONS), e a relação negativa da presença de ligações não redundantes eOutsiders com a prática de suavização de resultados. Porém, a ausência de significância não permite afirmar que tais elementos constitutivos influenciam na adoção da prática de suavização de resultados. Na Tabela 5, apresentam-se os estimadores para a suavização de resultados, mensurada pelo fator de suavização.

Tabela 5
Fator de Suavização: Parâmetros estimadores para suavização de resultados

Os coeficientes estimados na regressão 1 mostram que as variáveis de controle de alavancagem e tamanho da empresa apresentaram uma relação negativa e significativa com a prática de suavização, indicando que empresas maiores e com maior nível de endividamento estão mais inclinadas a adotar práticas discricionárias.

Na regressão 2, incluindo as variáveis referentes à centralidade de firma, juntamente com as variáveis de controle, constatou-se que a variável dedegree (ß = 0,3175; p < 0,05) apresenta significância estatística, apoiando-se na ideia de que a ligação direta entre empresas influencia a adoção de práticas de suavização de resultados. Outro fator que merece destaque são os valores dos coeficientes de determinação, R2, variando entre 11,17% e 23,43%, indicando um considerável poder explicativo das variáveis independentes. Destaca-se que as empresas pertencentes ao Índice Bovespa estão mais inclinadas a suavizarem seus resultados quando seus conselheiros participam em outras empresas por meio de redes sociais, além de obterem melhores desempenhos e baixos níveis de endividamento em ativos.

As particularidades do mercado de capitais nacional induzem a pensar que práticas como a suavização de resultados podem ser influenciadas pela presença de profissionais atuando simultaneamente em duas ou mais companhias. Portanto, essas conclusões apontam para a importância do conselho de administração, não apenas como controlador das decisões tomadas pelos executivos, mas, também, como um importante canal de recursos para a organização, característica esta respaldada pela teoria da dependência de recursos.

6 CONCLUSÕES

Uma das contribuições metodológicas deste estudo refere-se à criação de uma variável de suavização de resultados (fator de suavização) a partir do agrupamento de métricas para detectar a suavização proveniente de mudanças no desempenho da empresa. Isto foi obtido por meio das escolhas na divulgação das informações contábeis (EM1) e utilização do poder discricionário para distorcer o desempenho econômico da empresa (EM3), segundo Leuz et al. (2003).

Constatou-se que as empresas analisadas apresentam, em média, nove conselheiros que participam de outros conselhos de administração. Este resultado em empresas brasileiras denota que as companhias já perceberam como estrategicamente importante a configuração de redes sociais corporativas na obtenção de recursos de terceiros. Esta percepção guarda relação com o pressuposto da teoria da dependência de recursos, que exalta o potencial das redes sociais de conselheiros na viabilização de recursos externos. As redes corporativas, neste caso, atuam como mecanismos de gestão de recursos externos, contribuindo para amenizar as incertezas relacionadas à obtenção de recursos financeiros, e no delineamento de ações estrategicamente relevantes para o futuro das empresas.

Os resultados sugerem que as ligações diretas entre organizações por meio de seus conselheiros influenciam positivamente a probabilidade de as empresas gerenciarem seus resultados contábeis por meio das escolhas na divulgação das informações contábeis e da utilização do poder discricionário para distorcer o desempenho econômico. De acordo com Davis (1991), a localização da empresa na rede influencia a adoção de práticas semelhantes. Por isso, acredita-se que empresas que apresentam conexões com outras companhias têm acesso privilegiado a uma gama de informações, e isso aumenta a possibilidade de conhecer novas práticas e aplicá-las nas empresas pertencentes a sua rede. Os resultados encontrados estão em sintonia com os estudos precedentes de Kosnik (1987), Davis (1991), Mizruchi (1996), Haunschild (1993), Stearns e Mizruchi (1996)Stearns, L., & Mizruchi, M. (1996). Board composition and corporate financing: the impact of financial institution representation on borrowing. Academy of Management Journal, 36, 603-618. e Chiu et al. (2013), e contrariam os achados de Mindzak (2013). No que se refere às ligações entre organizações por meio dos profissionais do conselho de administração, conclui-se que estas influenciaram a adoção de práticas corporativas e contábeis na amostra analisada.

Também foram encontrados indícios de laços não redundantes (information centrality), e a presença de outsiders no conselho tende a influenciar negativamente a prática de suavização de resultados. Porém, a ausência de significância estatística não permite confirmar esses fatos. Acreditava-se que a presença de profissionais atuantes apenas no conselho de administração motivasse a prática do income smoothing, porém isso não foi evidenciado. Uma possível explicação pode ser a existência de um alto número de profissionais que atuam apenas no conselho, e que esta seja uma característica comum no mercado acionário brasileiro, tornando essa variável pouco influente.

Os resultados fornecem indícios de que a presença do board interlocking influencia a qualidade da divulgação das informações contábeis. Empresas que compartilham conselheiros com outras organizações, onde ocorre income smothing, tendem a manipular seus resultados contábeis mais facilmente. Todavia, os resultados obtidos estão limitados às empresas brasileiras pertencentes ao Índice Bovespa (IBOV) no período de 2009 a 2014. As limitações estão relacionadas, também, às variáveis selecionadas bem como às técnicas de análise de dados e às informações disponibilizadas pelo site da BM&FBOVESPA e pela base de dados Bloomberg. Para pesquisas futuras, sugere-se que seja investigada a relação do board interlockingcom as demais práticas utilizadas no mercado de capitais brasileiro, como conservadorismo contábil e outras modalidades de gerenciamento de resultados. Sugere-se, também, examinar possíveis associações teóricas e empíricas entre a presença do board interlocking e o custo de capital das empresas brasileiras.

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  • *
    Artigo apresentado no VIII Congresso da ANPCONT, Rio de Janeiro, RJ, 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Mar 2016
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2014
  • Aceito
    19 Ago 2015
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