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Poder Discricionário do Gestor e Comparabilidade dos Relatórios Financeiros: Uma Análise do Processo de Transição Regulatória da Contabilidade Brasileira* * Trabalho apresentado no XXXIX Encontro Nacional da ANPAD, Belo Horizonte, Brasil, setembro de 2014.

Resumos

O objetivo desta pesquisa foi avaliar diretamente o impacto de um movimento de flexibilização regulatória contábil sobre a comparabilidade dos relatórios financeiros. O país escolhido para a análise foi o Brasil, pois foi um dos poucos no mundo onde houve um processo de mudança regulatória de um padrão totalmente baseado em regras com forte vínculo com a contabilidade fiscal (Lopes, 2011) para um padrão baseado em princípios com maior necessidade de julgamento pelos gestores que elaboram os relatórios financeiros. Para medir a comparabilidade foi usado o modelo de similaridade da função contábil desenvolvido por DeFranco, Kothari e Verdi (2011). As companhias analisadas foram todas as de capital aberto que apresentaram dados completos para o período analisado e tinham, no mínimo, uma companhia par no mesmo setor de atividades econômicas. Para chegar aos resultados da pesquisa foi adotado um modelo de dados em painel em que os anos 2005 a 2012 foram comparados com o ano 2004. Os resultados obtidos comprovam que, na média, não houve diminuição significativa do nível de comparabilidade within country durante o período de transição regulatória no Brasil. Pelo contrário, houve aumento da comparabilidade genuína no ano 2012 em relação a 2004. No modelo ajustado pelo stepwise, os anos 2011 e 2012 apresentaram comparabilidade média significativamente maior em relação a 2004. Os resultados encontrados corroboram outras pesquisas sobre a qualidade da informação contábil (Collins, Pasewark, & Riley, 2012; Psaros & Trotman, 2004; Agoglia, Doupnik, & Tsakumis, 2011) e comprovam a superioridade do padrão baseado em princípios também sobre a comparabilidade dos relatórios financeiros. A principal conclusão desta pesquisa é que aumentar o poder discricionário do gestor por meio da flexibilização dos padrões contábeis não diminui a comparabilidade dos relatórios financeiros.

comparabilidade; regulação; normas internacionais de contabilidade; princípios; regras


This research aimed to directly evaluate the impact of the accounting regulatory flexibility movement on the comparability of financial reports. The country chosen for the analysis was Brazil, because it was one of the few countries in the world where a process of regulatory change from a completely rule-based standard with a strong link to tax accounting (Lopes, 2011) to a principle-based standard with greater need for decision by managers who prepare the financial reports took place. To measure comparability, the accounting function similarity model developed by DeFranco, Kothari and Verdi (2011) was used. The companies analyzed were all listed ones with full data for the period concerned having, at least, a pair company within the same economic activity sector. To obtain the research results, we adopted a panel data model where the years 2005 to 2012 were compared to the year 2004. The results obtained prove that, on average, there was no significant decrease in the comparability level within country during the regulatory transition period in Brazil. On the contrary, there was an increase in genuine comparability in the year 2012 when compared to 2004. In the model adjusted by stepwise, the years 2011 and 2012 had a significantly higher average comparability when compared to 2004. The results found corroborate other researches addressing the quality of accounting information (Collins, Pasewark, & Riley, 2012; Psaros & Trotman, 2004; Agoglia, Doupnik, & Tsakumis, 2011) and prove the superiority of the principle-based standard also over the comparability of financial reports. The main conclusion of this research is that increasing manager's discretionary power through flexibility of accounting standards does not decrease the comparability of financial reports.

comparability; regulation; International Financial Reporting Standards; principles; rules


1 INTRODUÇÃO

Os escândalos corporativos do começo da década passada (p. ex., Enron e WorldCom) e a crise do subprime nos Estados Unidos reacenderam uma velha discussão entre os contadores sobre como a contabilidade deve ser regulada: com regras mais rígidas e específicas ou com princípios mais flexíveis e genéricos - para mais detalhes ver Merino e Coe (1978)Merino, B. D., & Coe, T. L. (1978, agosto). Uniformity in accounting: a historical perspective. The Journal of Accountancy, 62-69..

Segundo a Securities and Exchange Commission (SEC) (2003)Securities and Exchange Commission. (2003). Study pursuant to Section 108 (d) of the Sarbanes-Oxley Act of 2002 on the adoption by the United States financial reporting system of a principles-based accounting system. Retrieved from http://www.sec.gov/news/studies/principlesbasedstand.htm
http://www.sec.gov/news/studies/principl...
, os padrões contábeis geralmente podem ser divididos em dois tipos: os baseados em regras e os baseados em princípios. De acordo com a entidade, os baseados em princípios são tipicamente caracterizados por seu conteúdo ser mais voltado para as intenções e menos para as ações, ou seja, existem as diretrizes gerais, mas falta um guia de implementação detalhado. Já os padrões baseados em regras têm um nível de detalhamento acerca de sua implementação e compliance muito maior. Sobre esse tema, Collins, Pasewark e Riley (2012)Collins, D. L., Pasewark, W. R., & Riley, M. E. (2012). Financial reporting outcomes under rules-based and principles-based accounting standards. Accounting Horizons, 26(4), 681-705. afirmam que, de acordo com essa caracterização, para um dado cenário de relatório financeiro, os padrões baseados em princípios requerem do profissional contador um exercício maior de julgamento, ao passo que os padrões baseados em regras necessitam de uma expertise maior na busca de conhecimento legislativo. Os pesquisadores afirmam que a maioria dos padrões contábeis - sejam estadunidenses ou as normas internacionais de contabilidade (IFRS) - têm uma extensão baseada em regras, isto é, contêm regras que determinada entidade deve seguir para contabilizar transações específicas. Contudo, podem variar em seu grau de especificidade (bright lines), sendo que os mais específicos (menor espaço para julgamentos) são aqueles baseados em regras e os menos específicos (maior espaço para julgamentos) são os baseados em princípios.

No meio da discussão entre regras e princípios há argumentos em defesa dos dois lados. Os que apoiam os princípios afirmam que estes melhoram a qualidade do ambiente informacional e não necessariamente aumentam a variabilidade dos resultados contábeis (Silva, 2013Silva, R. L. M. (2013). Adoção completa das IFRS no Brasil: qualidade das demonstrações contábeis e o custo de capital próprio (Ph.D. Thesis). Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo.; Agoglia, Doupnik, & Tsakumis, 2011Agoglia, C., Doupnik, T., & Tsakumis, G. (2011). Principles-based versus rules-based accounting standards: the influence of standard precision and audit committee strength on financial reporting decisions. The Accounting Review, 86(3), 747-767. ; Donelson, McInnis, & Mergenthaler, 2012Donelson, D. C., McInnis, J. M., & Mergenthaler, R. D. (2012). Rules-based accounting standards and litigation. The Accounting Review, 87(4), 1247-1279.; Jamal & Tan, 2010Jamal, K., & Tan, H. (2010). Joint effects of principles-based versus rules-based standards and auditor type in constraining financial managers' aggressive reporting. The Accounting Review, 85(4), 1325-1346. ; Mergenthaler, 2009; Stolowy & Ding, 2003Stolowy, H., & Ding, Y. (2003). Regulatory flexibility and management opportunism in the choice of alternative accounting standards: an illustration based on large French groups. The International Journal of Accounting, 38, 195-213. ; Psaros & Trotman, 2004Psaros, J. I. M., & Trotman, K. E. N. T. (2004). The impact of the type of accounting standards on preparers' judgments. Abacus, 40(1), 76-93.; Iatridis, 2010Iatridis, G. (2010). International financial reporting standards and the quality of financial statement information. International Review of Financial Analysis, 19(3), 193-204. ). Os que apoiam as regras apontam o contrário: que sem estas não há comparabilidade e os gestores estariam suscetíveis a maior manipulação dos resultados (Sunder, 2009Sunder, S. (2009). IFRS and the accounting consensus. Accounting Horizons, 23(1), 101-111. ; Schipper, 2003Schipper, K. (2003). Principles-based accounting standards. Accounting Horizons,17(1), 61-72.; D'Arcy, 2000). Como é perceptível em ambos os argumentos, a discussão gira em torno da comparabilidade dos relatórios financeiros. Com a adoção das IFRS ao redor do globo, muitos países (p. ex., Brasil, Alemanha e China) sofreram uma alteração de seus padrões contábeis mais voltados para regras específicas, muitas vezes vinculados a questões fiscais, para padrões baseados em princípios - como as IFRS (Tweedie, 2007Tweedie, S. D. (2007). Can global standards be principle based? The Journal of Applied Research in Accounting and Finance, 2(1), 3-8.) - e talvez a principal justificativa em grande parte dos países que resolveram adotar as IFRS seja o aumento da comparabilidade entre diferentes países.

Apesar de haver uma relação real entre comparabilidade e regulação contábil, pouco se sabe sobre o comportamento desta (Ball, 2006Ball, R. (2006). International Financial Reporting Standards (IFRS): pros and cons for investors. Accounting and Business Research, 5-27. ; Madsen, 2011Madsen, P. E. (2011). How standardized is accounting? The Accounting Review, 86(5), 1679-1708. ). No caso da adoção dos padrões internacionais, o ganho de comparabilidade entre empresas de diferentes países ocorre devido ao uso de um padrão único e já é esperado, pois há uma convergência de regulação que limita as escolhas contábeis dos gestores e dos auditores dentro do mesmo espectro. Por outro lado, o ganho de comparabilidade entre companhias de diferentes países pode ter gerado uma diminuição da comparabilidade entre empresas do mesmo país que já adotavam um padrão contábil único, muitas vezes mais restritivo nas escolhas contábeis em comparação com as normas internacionais. Sobre essa questão, um trabalho técnico conduzido pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI) e Ernst & Young (2013Young, S., & Yang, J. (2011). Stock repurchase and executive compensation contract design: the role of earnings per share performance conditions. The Accounting Review, 86(2), 703-733., p. 7) ressalta, no contexto brasileiro, que "a forma de aplicação de algumas normas IFRS ainda não é um consenso entre os participantes do mercado, o que de certa forma levanta dúvidas sobre a comparabilidade das demonstrações contábeis".

Na academia também não há consenso a respeito do papel da regulação sobre a comparabilidade (Cole, Branson, & Breesch, 2012Cole, V., Branson, J., & Breesch, D. (2012). The uniformity: flexibility dilemma when comparing financial statements - views of auditors, analysts and other users. International Journal of Accounting & Information Management, 20(2), 114-141.). De um lado, alguns autores defendem que os padrões baseados em princípios aumentam o nível de julgamento e a diversidade de interpretações acerca dos fenômenos contábeis e, dessa forma, podem diminuir a consistência e a comparabilidade dos relatórios financeiros (Sunder, 2009; Schipper, 2003; D'Arcy, 2000). De outro, certos autores argumentam exatamente o contrário, ou seja, um crescimento no nível de julgamento permite que os gestores incorporem mais adequadamente os eventos econômicos e suas diferentes nuances nos números contábeis, aumentando, assim, sua comparabilidade (Dye & Verrecchia, 1995Dye, R. A. (1985). Strategic accounting choice and the effects of alternative financial reporting requirements. Journal of Accounting Research, 23(2), 544-575.; Securities and Exchange Commission, 2003; Agoglia et al., 2011). Nas pesquisas de Collins et al. (2012) e Agoglia et al. (2011) foram encontradas diferenças entre as escolhas contábeis (e, consequentemente, no produto final dos relatórios financeiros) dos gestores atuantes em regimes regulatórios mais rígidos em relação aos que atuam em regimes mais flexíveis, embora nestes não tenham sido encontrados resultados mais dispersos. Já Dye e Verrecchia (1995) argumentam, com base em sua pesquisa, que um padrão com maior poder discricionário é mais informativo do que um padrão rígido. Contudo, essa flexibilidade pode aumentar o gerenciamento oportunista dos resultados por parte dos preparadores dos demonstrativos contábeis.

Embora haja pesquisas empíricas que avaliaram os efeitos das alterações regulatórias sobre os resultados dos relatórios financeiros ou sobre o comportamento interpretativo do gestor na tradução de eventos econômicos em números contábeis (Agoglia et al., 2011; Collins et al., 2012; Dye, 1985; Dye & Verrecchia, 1995; Psaros & Trotman, 2004; Stolowy & Ding, 2003; Ashbaugh, 2001Ashbaugh, H. (2001). Non-US firms' accounting standard choices. Journal of Accounting and Public Policy, 20, 129-153.; Ashbaugh & Pincus, 2001; Nelson, 2003Nelson, M. W. (2003). Behavioral evidence on the effects of principles- and rules-based standards. Accounting Horizons, 17(1), 91-104.; Jamal & Tan, 2010; Donelson et al., 2012), há poucas evidências anteriores do impacto da flexibilização regulatória diretamente sobre a comparabilidade dos relatórios financeiros. Como essa característica da informação está vinculada à qualidade do ambiente informacional que, por sua vez, pode afetar o correto funcionamento da economia e a relação da regulação com a comparabilidade ainda não foi bem estabelecida, faz-se a pergunta direcionadora deste trabalho: Qual é o efeito da flexibilização regulatória sobre a comparabilidade dos relatórios financeiros?

Essa é uma questão crítica tanto no âmbito da adoção das normas internacionais quanto fora dele. Este trabalho, de forma geral, pode auxiliar a apontar o impacto de um padrão baseado em regras ou em princípios sobre a comparabilidade que, segundo Schipper (2003) e Kothari, Ramanna e Skinner (2010)Kothari, S. P., Ramanna, K., & Skinner, D. J. (2010). Implications for GAAP from an analysis of positive research in accounting. Journal of Accounting and Economics, 50(2-3), 246-286. , é a própria força motriz pela qual os padrões contábeis são criados. Já em relação ao processo de convergência é necessário avaliar até que ponto ocorre um trade-off da comparabilidade externa pela interna, ou seja, não adianta o mercado externo obter uma vantagem na alocação de capital se esse ganho ocorrer em detrimento de uma deficiência maior no processo de alocação de recursos internamente na economia. A questão é se o ganho de comparabilidade externa (between countries) comprovado empiricamente por algumas pesquisas (Yip & Young, 2012Yip, R. W. Y., & Young, D. (2012). Does mandatory IFRS adoption improve information comparability? The Accounting Review, 87(5), 1767-1789.; DeFond, Hu, Hung & Li 2011DeFond, M., Hu, X., Hung, M., & Li, S. (2011). The impact of mandatory IFRS adoption on foreign mutual fund ownership: the role of comparability. Journal of Accounting and Economics, 51(3), 240-258. ; Barth, Landsman, Lang & Williams, 2013Barth, M. E., Landsman, W. R., Lang, M., & Williams, C. (2012). Are IFRS-based and US GAAP-based accounting amounts comparable? Journal of Accounting and Economics, 54(1), 68-93. ) sobrevém em detrimento da diminuição da comparabilidade interna (entre as companhias do mesmo país - within country) gerada pela flexibilização regulatória. Para responder a essas questões práticas é necessário investigar como o processo de flexibilização regulatória pode impactar a comparabilidade.

O principal desafio desse tipo de pesquisa é encontrar uma janela factível de alteração de regime contábil para isolar os efeitos da flexibilização regulatória. Muitos países europeus passaram por alterações em seus regimes contábeis com a obrigatoriedade de adoção das IFRS em 2005. Contudo, são escassos os países em que esse processo foi tão claro e espaçado como no Brasil. De acordo com Carvalho e Salotti (2013)Carvalho, L. N., & Salotti, B. M. (2013). Adoption of IFRS in Brazil and the consequences to accounting education. Issues in Accounting Education, 28(2), 235-242. , o Brasil é um raro exemplo de país que adotou o padrão internacional completo, não apenas para os demonstrativos financeiros consolidados, mas também para os demonstrativos individuais. O que se percebe, no caso brasileiro, é a alteração gradual de um padrão contábil totalmente baseado em regras, vinculado aos normativos fiscais e sem muito espaço para interpretações (Lopes, 2011Lopes, A. B. (2011). Teaching IFRS in Brazil: news from the front. Accounting Education, 20(4), 1-9. ; Lopes & Walker, 2010) para um padrão contábil mais flexível e baseado em princípios, como as IFRS (Tweedie, 2007). Segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras e Ernst & Young (2013, p. 7), no Brasil houve uma "mudança de uma contabilidade baseada em regras para uma contabilidade baseada em princípios". De acordo com essas entidades, a flexibilização regulatória aumentou a complexidade dos processos de reconhecimento, mensuração e evidenciação das informações contábeis e, com isso, propiciou maior subjetividade e maior nível de julgamento para os demonstrativos. Cabe destacar também que essa mudança ocorreu de forma isolada, ou seja, as demais variáveis que poderiam impactar os resultados dos relatórios financeiros (e, consequentemente, a comparabilidade), como os incentivos aos gestores, a qualidade da auditoria, o nível de enforcement, a estrutura de propriedade e as características institucionais (Holthausen, 2009Holthausen, R. W. (2009). Accounting standards, financial reporting outcomes, and enforcement. Journal of Accounting Research, 47(2), 447-458. ) se mantiveram relativamente constantes nesse período, transformando o caso regulatório brasileiro no exemplo ideal para investigar essa questão de pesquisa.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Conceito de Comparabilidade

A visão de comparabilidade empregada nesta pesquisa é a mesma dos órgãos reguladores da contabilidade: o Financial Accounting Standards Board (FASB) e o International Accounting Standards Board (IASB). Segundo tais entidades:

Comparabilidade é a característica qualitativa que permite que os usuários identifiquem e compreendam similaridades dos itens e diferenças entre eles. Diferentemente de outras características qualitativas, a comparabilidade não está relacionada com um único item. A comparação requer no mínimo dois itens (Financial Accounting Standards Board, 2010Financial Accounting Standards Board. (2002). Proposal for a principles-based approach to U.S. standard setting. Norwalk, CT: FASB. ; International Accounting Standards Board, 2010International Accounting Standards Board. (2010). The conceptual framework for financial reporting. London: IASB. ).

Segundo Simmons (1967)Simmons, J. (1967, outubro). A concept of comparability in financial reporting. The Accounting Review, 680-692. , para os usuários conseguirem comparar efetivamente o desempenho econômico e financeiro de uma companhia com outra ou da mesma companhia, ao longo do tempo, é necessário que as companhias sujeitas ao mesmo evento econômico e às mesmas condições institucionais reconheçam e mensurem os fatos patrimoniais de modo similar. Apenas a divulgação dos números do mesmo modo não garante a comparabilidade; é preciso, também, que representem o mesmo objetivo. Essa talvez seja a principal limitação dos trabalhos anteriores que testaram a comparabilidade dos relatórios financeiros. Grande parte das pesquisas anteriores sobre o tema adotaram métricas baseadas em índices de concentração de mercado para políticas contábeis (Taplin, 2010Taplin, R. H. (2010). Statistical inference using the T index to quantify the level of comparability between accounts. Accounting and Business Research, 40(1), 75-103. ). Tais métricas capturam apenas a dimensão ex-ante da comparabilidade e não fazem a ligação entre o evento econômico e sua tradução no modelo contábil das companhias, ou seja, são medidas relacionadas apenas com os inputs. Para tais modelos o simples uso da mesma política contábil entre companhias já era considerado uma medida de comparabilidade. Agora, como saber se os eventos econômicos eram os mesmos para tal política já é outra questão que ficava fora do alcance de tais métricas. Essa limitação acabava restringindo a aplicação das medidas de índices de políticas contábeis mais como uma medida de uniformidade do que propriamente da comparabilidade, segundo o conceito do Financial Accounting Standards Board (2010) e do International Accounting Standards Board (2010).

A primeira medida de comparabilidade que conseguiu capturar as duas dimensões (ex-ante e ex-post) do fenômeno foi desenvolvida recentemente no trabalho de DeFranco, Kothari e Verdi (2011)DeFranco, G., Kothari, S. P., & Verdi, R. S. (2011). The benefits of financial statement comparability. Journal of Accounting Research, 49(4), 895-931. e foi denominada similaridade da função contábil. De acordo com esses autores, o raciocínio subjacente a seu modelo parte da premissa de que os resultados providos pela contabilidade são uma tradução dos eventos econômicos aos quais uma entidade está sujeita, ou seja, os números contábeis são uma função dos eventos econômicos, que pode ser representada da seguinte forma:

Demonstrações Financeiras i = fi [Eventos Econômicos]

Nessa função, fi [ ] representa o sistema contábil de uma firma i. DeFranco et al. (2011) afirmam que duas companhias têm sistemas contábeis comparáveis se, para um mesmo tipo de evento econômico, produzem outputs contábeis similares. Essa forma de medir a comparabilidade tem grande vantagem, pois, diferentemente dos índices de harmonização, que são medidas calculadas com base nos inputs do modelo contábil (é necessário calcular um índice para cada política contábil), o modelo de similaridade é uma medida de output, isto é, seu número é uma medida final de comparabilidade (DeFranco et al., 2011).

Para operacionalizar a medida de comparabilidade do modelo de DeFranco et al. (2011) são necessárias duas informações: o lucro e o retorno. O lucro representa o produto final do sistema contábil, no qual fica refletida grande parte das escolhas de uma companhia quanto à forma de reconhecimento e mensuração dos eventos econômicos a que ela esteja sujeita. Já o retorno é a proxy adotada para representar o evento econômico. De acordo com Beaver, Lambert e Ryan (1987)Beaver, H., Lambert, R. A., & Ryan, S. G. (1987). The information content of security prices: a second look. Journal of Accounting and Economics, 9, 139-157., o sistema contábil reconhece os eventos econômicos depois do reconhecimento do preço das ações, ou seja, o preço reflete mais rapidamente os eventos econômicos do que o lucro (para comprovação empírica ver Aylward & Glen, 2000Aylward, A., & Glen, J. (2000). Some international evidence on stock prices as leading indicators of economic activity. Applied Financial Economics, 10, 1-14., e Ryan, 1995, e, no Brasil, Brugni, Fávero, Flores, & Beiruth, 2015Brugni, T. V., Fávero, L. P. L., Flores, E. S., Beiruth, A. X. (2015). O vetor de causalidade entre o lucro contábil e o preço das ações: existem incentivos para informação contábil seguir o preço no Brasil? Revista Contabilidade Vista & Revista, 26(1), 79-103. , e Fávero, 2015). Tal representação permite inferir que o lucro (resultado final da tradução contábil do evento econômico) tem uma relação direta com o retorno (evento econômico), e, dessa forma, para se obter a medida de comparabilidade é preciso calcular a série temporal do lucro em função do retorno. O coeficiente linear e o coeficiente angular dessa reta são a função contábil da empresa.

Para alcançar a medida de comparabilidade é necessário calcular as funções contábeis para companhias individualmente. Em seguida, trava-se o evento econômico de uma companhia e aproveitam-se as funções das outras entidades sujeitas aos mesmos eventos econômicos (p. ex., companhias do mesmo setor de atividade econômica). A medida de comparabilidade final é a distância entre essas duas funções dado um evento econômico em comum.

O modelo de DeFranco et al. (2011) tem seu racional ligado ao conceito de comparabilidade subjacente à estrutura conceitual, ou seja, a comparabilidade é a característica da informação contábil que permite identificar similaridades e diferenças entre as funções contábeis de duas ou mais companhias (International Accounting Standards Board, 2010; Financial Accounting Standards Board, 2010). Assim, se duas companhias apresentam o mesmo conjunto de eventos econômicos, quanto mais comparáveis suas funções contábeis, mais similares são seus números contábeis.

2.2 Padrões Baseados em Regras ou em Princípios

Embora não haja uma fronteira de diferenciação total entre os padrões baseados em regras ou princípios, há uma diferença fundamental: seu nível de especificidade. Kothari et al. (2010) afirmam que, em uma visão extrema, sob um regime regulatório baseado em princípios, os reguladores definem uma gama de princípios e permitem a todas as partes interessadas a aplicação desses princípios nos contextos econômicos específicos encontrados. Contrariamente, em um regime baseado em regras, os reguladores fornecem às mesmas partes interessadas guias detalhados sobre como estas devem reconhecer, mensurar e evidenciar os diferentes contextos econômicos, minimizando a obrigação de exercer julgamento por parte dos gestores e de outras partes relacionadas.

Devido a tais aspectos, uma questão central para reguladores é decidir qual é o nível ideal de discricionariedade a ser permitido aos gestores em suas práticas contábeis. De acordo com Kothari et al. (2010), o nível de discricionariedade dos gestores na elaboração dos relatórios financeiros está relacionado com o tipo de padrão contábil a que ele está sujeito. Segundo os autores, o debate entre os reguladores dos custos e benefícios sobre permitir uma quantidade maior de escolhas na determinação dos números contábeis é o alicerce da discussão entre padrões baseados em regras ou em princípios.

Na Figura 1 observa-se o funcionamento da mecânica dos dois tipos de padrões regulatórios em relação às escolhas contábeis cabíveis a cada um deles. Segundo Kothari et al. (2010), o limite gradual das escolhas contábeis entre os reguladores, boards, contadores e auditores do evento patrimonial motivador até o eventual método contábil escolhido tem o formato de um funil fundo nos padrões baseados em princípio e um formato de um funil raso nos padrões baseados em regras. A moldura e a profundidade do funil, com efeito, refletem as restrições das companhias na aplicação de suas políticas contábeis. Tal limitação é uma função do grau de autonomia na escolha das políticas contábeis garantidas pelos níveis regulatórios.

Figura 1
Diferenças entre os espectros de escolhas contábeis no regime regulatório baseado em princípios comparativamente ao regime baseado em regras

Kothari et al. (2010) afirmam que a ideia, em teoria, por trás de um regime baseado em princípios é ajustar limites amplos de escolhas contábeis e deixar as empresas, incluindo seus gestores, auditores e contadores, desenvolverem as práticas contábeis dentro desses limites. O raciocínio subjacente a tal estratégia regulatória é de que os gestores têm conhecimentos específicos sobre a situação econômica de seu negócio, incluindo os ambientes regulatórios, contratuais, fiscais e políticos, e, por isso, eles conseguem satisfazer de modo mais adequado às demandas de diferentes partes contratuais, assim como considerar aspectos que apenas os fornecedores de tal informação poderiam prover ao elaborar seus relatórios financeiros. Já no regime baseado em regras, as formas de conduta e as escolhas contábeis são ditadas pelos padrões regulatórios de forma específica, deixando o gestor sem muito espaço para inovação, tendo em vista que ele teria de encaixar suas políticas contábeis em uma moldura que nem sempre refletiria as diferentes nuances de seu dinâmico ambiente de negócios (Securities and Exchange Commission, 2003).

2.3 Pesquisas Anteriores sobre Padrões Baseados em Regras ou em Princípios e suas Consequências para os Relatórios Financeiros

Não obstante a discussão sobre flexibilização versus uniformização seja um assunto antigo no cenário contábil, ganhou um fôlego extra com as recentes crises econômicas. As fraudes contábeis praticadas pelas empresas Enron e WorldCom suscitaram uma velha discussão sobre a existência de bright lines nos padrões contábeis baseados em regras (Kothari et al., 2010) e como os padrões baseados em princípios poderiam resolver tais problemas. Escorados em tal debate surgiram alguns trabalhos que procuraram analisar o impacto de cada tipo de regime em termos teóricos e empíricos. O FASB em 2002 e a SEC em 2003 criaram comitês para analisar em maior profundidade a diferença entre padrões baseados em regras ou em princípios. Os relatórios dos dois comitês chegaram a conclusões similares. Segundo o Financial Accounting Standards Board (2002), a adoção de um regime regulatório baseado em princípios (ao invés de em regras) resultaria em um maior nível de julgamento por parte dos responsáveis pela elaboração dos relatórios financeiros. Essa maior subjetividade, por sua vez, levaria a escolhas de políticas contábeis que espelhassem mais adequadamente a substância econômica das transações, aumentando a transparência, a comparabilidade, a capacidade de resposta aos novos fenômenos e a troca de fundos entre fronteiras. A Securities and Exchange Commission (2003) também chegou à conclusão de que o regime regulatório baseado em princípios é superior, contudo, a entidade fez uma diferenciação entre o regime baseado em princípios tradicional e o baseado em objetivos, cuja eficácia, segundo a entidade, é ainda maior.

Quanto aos trabalhos empíricos sobre as diferenças entre os regimes regulatórios e os seus efeitos na qualidade da informação contábil ou sobre a forma como o gestor decide suas políticas contábeis, quem leva vantagem também é o padrão baseado em princípios. Webster e Thornton (2004)Webster, E., & Thornton, D. B. (2004). Earnings quality under rules- vs. principles-based accounting standards: a test of the Skinner hypothesis (working paper). Kingston, ON: Queen's University School of Business. pesquisaram a qualidade dos accruals entre os relatórios de companhias canadenses que relataram em seu padrão local e em princípios contábeis norte-americanos (U.S. generally accepted accounting principles - USGAAP). Os pesquisadores concluíram que a qualidade dos accruals é maior no regime regulatório baseado em princípios do Canadá do que no regime baseado em regras dos Estados Unidos. Kohlbeck e Warfield (2010)Kohlbeck, M., & Warfield, T. (2010). Accounting standard attributes and accounting quality: discussion and analysis. Research in Accounting Regulation, 22(2), 59-70. encontraram, por sua vez, características do regime baseado em princípios relacionadas com uma qualidade maior da previsão dos analistas de mercado em seus relatórios de avaliação. Já Mergenthaler (2009) investigou o impacto do regime baseado em regras no gerenciamento de resultados e encontrou indícios de que esse tipo de regime tem uma relação significativa com a magnitude do gerenciamento de resultados e a probabilidade de o gestor ser penalizado pelo órgão de fiscalização do mercado é menor do que no regime baseado em princípios, ou seja, no regime regulatório mais restrito as companhias praticam mais gerenciamento de resultados e correm menor risco de ser punidas.

Outro trabalho que investigou a relação dos dois regimes de padrões contábeis foi o de Collins et al. (2012). O objetivo dessa pesquisa foi analisar a variação da classificação das operações de leasing nos dois tipos de regulamentos. Collins et al. (2012) encontraram evidências robustas de que as companhias sujeitas aos USGAAP apresentam uma probabilidade maior de classificar suas operações de leasing como operacionais do que as companhias sujeitas ao padrão IFRS. Os pesquisadores acharam indícios, também, de que os resultados relatados no padrão internacional são menos dispersos se comparados com os resultados relatados em USGAAP. Isso sugere que a variabilidade do produto final dos relatórios financeiros é menor no regime baseado em princípios, o que contraria um pouco a lógica dos padrões baseados em regras.

Na linha dos estudos experimentais, os resultados obtidos também favorecem os padrões baseados em princípios. Psaros e Trotman (2004) compararam os julgamentos dos gestores em relação à consolidação dos demonstrativos contábeis em dois ambientes regulatórios distintos, um mais rígido e outro mais flexível. Embora ambos os grupos tivessem o mesmo incentivo para não consolidar (sendo que a consolidação era a resposta correta), os pesquisadores depararam-se com uma quantidade significativamente maior de sujeitos que optaram por não consolidar no regime regulatório baseado em regras comparativamente ao regime baseado em princípios. Segundo os autores, seus achados contrariam os argumentos de que a imprecisão dos padrões que levam em conta a substância sob a forma os torna menos efetivos no combate dos vieses dos relatórios financeiros comparativamente aos padrões baseados em regras. Corroborando os achados de Psaros e Trotman (2004), Agoglia et al. (2011) observa em seu experimento que os diretores financeiros sujeitos ao regime regulatório mais flexível são menos expostos a práticas agressivas de relatórios financeiros do que os diretores financeiros dos regimes mais rígidos. De forma geral, com base nessas pesquisas, constata-se a existência de uma superioridade comprovada do padrão baseado em princípios sobre o padrão baseado em regras. A flexibilidade regulatória pode não diminuir a variabilidade dos resultados apontados nos relatórios financeiros, pelo contrário, Collins et al. (2012) encontraram exatamente o oposto.

3 DESENHO DA PESQUISA

Metodologicamente, esta pesquisa pode ser classificada como descritiva e, predominantemente, quantitativa. Os dados são secundários e foram coletados com o auxílio do programa Economática(r) e dos websites da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). A variável dependente é a comparabilidade das demonstrações financeiras e o objetivo da pesquisa é investigar como tal medida se comportou diante da flexibilização regulatória ocorrida no Brasil em um universo temporal que envolve os anos de 2004 a 2012. Para medir a comparabilidade foi adotado como métrica o modelo de similaridade da função contábil desenvolvido por DeFranco et al. (2011). Para testar o comportamento da variável em relação à flexibilização regulatória, optou-se pela abordagem estatística de dados em painel.

3.1 Medida de Comparabilidade

A medida de comparabilidade empregada nesta pesquisa foi a similaridade da função contábil de DeFranco et al. (2011). Por ser uma medida de output, a comparabilidade obtida por meio desse modelo apresenta algumas vantagens, como maior robustez no tratamento estatístico, menor viés do pesquisador e maior confiabilidade na coleta dos dados. Além disso, foi muito usada em pesquisas recentes sobre o tema (DeFranco et al., 2011; DeFond et al., 2011; Barth, Landsman, Lang & Williams, 2012; Brochet, Jagolinzer & Riedl, 2013Brochet, F., Jagolinzer, A. D., & Riedl, E. J. (2013). Mandatory IFRS adoption and financial statement comparability. Contemporary Accounting Research, 30(4), 1373-1400. ; Lang, Maffett & Owens, 2010; Fang, Li, Xin & Zhang, 2012Fang, X., Li, Y., Xin, B., & Zhang, W. J. (2012). Accounting comparability and loan contracting (working paper). Rochester, NY: Social Science Research Network.; Neel, 2013Neel, M. (2013). Accounting comparability and economic outcomes of mandatory IFRS Adoption (working paper). Rochester, NY: Social Science Research Network.; Peterson, Schmardebeck & Wilks, 2012Peterson, K., Schmardebeck, R., & Wilks, J. T. (2012). Accounting comparability and earnings attributes (working paper). Rochester, NY: Social Science Research Network. ; Yip & Young, 2012; Barth et al., 2013; Sohn, 2011Sohn, B. C. (2011). The effect of accounting comparability on earnings management (working paper). Hong Kong: City University of Hong Kong. ; Cascino & Gassen, 2012Cascino, S., & Gassen, J. (2012). What drives the comparability effect of mandatory IFRS adoption? (working paper). Rochester, NY: Social Science Research Network.; Kim, Kraft & Ryan 2013Kim, S., Kraft, P., & Ryan, S. G. (2013). Financial statement comparability and credit risk (working paper). New York: Stern School of Business. ), o que já lhe garante uma validação externa.

O primeiro passo para a composição de tal métrica foi estimar a função contábil individual de cada companhia com base nos 12 últimos trimestres usando a seguinte equação:

onde:

ROAit = Lucro líquido trimestral sobre o ativo total final da empresa i no período t não consolidado.

Retornoit = Retorno médio trimestral da empresa i no período t, calculado com base no preço de fechamento das ações com maior presença ajustado para proventos e desdobramentos.

A utilização das ações com maior presença foi para evitar distorções na medida de comparabilidade que pudessem surgir devido à possível falta de negociação de algumas ações ordinárias. Para selecionar o tipo de ação foi calculada a média da quantidade de dias com negociação em pregão. Foram selecionados os tipos de ação (ordinária ou preferencial) que apresentaram a maior presença diária média no período analisado. Após essa seleção, não houve troca entre o tipo de ação de um trimestre para o outro. Isso serviu para evitar o efeito dessa troca no retorno, pois os preços das ações preferenciais e ordinárias são diferentes.

Depois de estimar os parâmetros das funções individuais, foi preciso projetar o ROA esperado - E(ROA) - de cada empresa com base nas regressões obtidas. Primeiro, foi necessário estimar o ROA esperado específico da companhia no período de acordo com a seguinte função:

Posteriormente foi calculado o ROA esperado da mesma empresa com os estimadores das outras companhias do mesmo setor, segundo esta equação:

A ideia é manter o evento econômico constante, usando os estimadores de uma companhia no evento econômico da outra, assim a medida de comparabilidade é a média da distância entre essas duas funções para cada trimestre - E(ROAiit) - E(ROAijt). De acordo com DeFranco et al. (2011), quanto mais próximas forem as duas funções, maior é a comparabilidade entre as companhias.

Para medir a comparabilidade individual entre os pares foi calculada a média da proximidade de cada função por período (trimestre) de acordo com a seguinte fórmula:

onde:

Compbijt = Medida de comparabilidade individual relativa da empresa i baseada na empresa j.

E(ROAiit) = Retorno sobre o ativo esperado da empresa i com base nos estimadores da empresa i e o retorno da empresa i no período t.

E(ROAijt) = Retorno sobre o ativo esperado da empresa i com base nos estimadores da empresa j e o retorno da empresa i no período t.

A medida de comparabilidade obtida conforme a equação acima é uma medida relativa, isto é, mede as distâncias médias entre as funções de duas empresas isoladas. Para obter uma medida de comparabilidade individual geral com as pares do setor é necessário calcular a média dessas distâncias entre as companhias de referência, conforme a seguinte equação:

onde:

COMPMit = Medida de comparabilidade individual de cada companhia em relação às suas pares do setor.

Compbijt = Medida de comparabilidade relativa de cada par de empresas.

n = Número de companhias no setor (ou sendo comparadas).

Em relação ao modelo original de DeFranco et al. (2011) foram feitas três adaptações neste trabalho: no período de estimação das funções individuais (16 para 12 trimestres), no deflator para tirar o efeito tamanho (ativo total) e na medida de lucro usada (devido ao período de transição, a medida de lucro operacional originalmente empregada tem elementos diferentes antes e depois das normas internacionais). O objetivo do lucro no modelo de comparabilidade é representar o conjunto de escolhas contábeis efetuadas pelo gestor em determinado período. O ideal seria usar o resultado abrangente, visto que é a medida que representa a maior quantidade de políticas contábeis possíveis adotadas pelo gestor. Entretanto, nesse caso, como o período estudado é anterior à adoção do padrão IFRS, essa medida não existia, o que impede seu uso. A segunda medida contábil que mais abrange as escolhas discricionárias do gestor é o lucro líquido que, embora possa ser afetado por problemas relacionados com alavancagem, é uma medida que pode ser comparada durante todo o período, antes e depois da adoção do padrão internacional. O lucro líquido também foi empregado em outros trabalhos, como Yip e Young (2012) e Brochet et al. (2013). Yip e Young (2012) usaram inclusive o ROA da mesma maneira que a calculada nesta pesquisa. Tanto nesta pesquisa quanto em outros trabalhos que adotaram adaptações similares (Yip & Young, 2012; Lang et al. 2010; Cascino & Gassen, 2012; Brochet et al., 2013) não foi percebido um viés significativo em relação à medida original de DeFranco et al. (2011).

3.2 Universo Pesquisado e Coleta dos Dados

O universo de companhias usadas neste trabalho foi selecionado de forma intencional com o auxílio do programa Economática(r). O primeiro recorte necessário foi o país base da pesquisa. Tendo em vista que o objetivo do trabalho é identificar como a flexibilização regulatória impacta a comparabilidade, optou-se pelo uso de apenas um país para limitar os efeitos das diferenças institucionais e econômicas sobre os resultados obtidos. O Brasil foi o país escolhido por ter acontecido nele um notório processo de flexibilização regulatória nos últimos anos.

O segundo recorte foi feito nos setores de atividades econômicas analisados. Para a escolha dos setores foi empregado o nível 2 do North American Classification System (NAICS). O nível 2 do NAICS foi usado por grande parte dos trabalhos que investigaram a comparabilidade dentro dos setores (DeFranco et al., 2011; Yip & Young, 2012; Lang et al., 2010). Os setores selecionados foram aqueles que apresentaram mais do que uma companhia com os dados trimestrais disponíveis no período de 2002 a 2012. A função contábil é estimada com base em dados trimestrais de três anos antes do período base. Portanto, para calcular o ano de 2004 foram necessários os dados do início de 2002.

Ao todo, nove setores cumpriram tal condição, excluindo-se o setor bancário, pois os bancos não arquivam seus demonstrativos trimestrais de acordo com o padrão IFRS. No fim, foram analisados oito setores de atividades econômicas (construção pesada; empresas de energia elétrica; indústria de equipamentos de transporte; indústria de produtos de metal; indústria têxtil; indústria química; siderurgia; e telecomunicações). A Embraer S.A. e a Gerdau S.A. foram excluídas da pesquisa porque a primeira apresenta moeda funcional em dólar e suas atividades são concentradas, basicamente, no exterior, o que poderia distorcer a comparabilidade com as demais companhias do setor. A segunda foi excluída por ter uma subsidiária integral no mesmo setor, o que também poderia enviesar os resultados. No fim, foi analisado um total de 54 empresas que tinham dados na janela de tempo entre 2002 e 2012.

Depois de determinar as companhias que fazem parte da análise, foi o momento de coletar os dados necessários para o trabalho. Para obter todas as informações necessárias para fazer a pesquisa foram empregados: o programa Economática(r) (para os indicadores e as variáveis relacionadas aos demonstrativos financeiros e de mercado), o website da CVM (para os dados relacionados às companhias de auditoria) e o website da Bovespa (para as informações sobre governança corporativa).

3.3 Análise dos Dados

Comparabilidade = f (D.ANO; Controles)

Para responder à pergunta proposta por esta pesquisa, foi escolhida a técnica de análise de dados em painel. O modelo teórico adotado nesta pesquisa pode ser representado da seguinte maneira:

A variável D.ANO é qualitativa e foi operacionalizada com dummies de cada ano que representam o período de 2005 a 2012 com o ano de referência em 2004. O ano de 2005 foi escolhido como ponto de partida, pois nele ocorreram as primeiras iniciativas mais concretas (como a criação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e emissão do CPC 01 sobre o teste de impairment) para a convergência do Brasil ao padrão internacional. Os demais períodos anteriores ao ano 2010 representam o período de transição regulatória e a partir de 2010 o período é considerado full-IFRS. O ano de 2004 foi escolhido como base, pois é um período relativamente recente e anterior ao efeito da convergência às IFRS. Como são necessários três anos anteriores de dados para se calcular a função contábil, retroceder em um período maior ocasionaria considerável diminuição de companhias com dados disponíveis para ser analisadas.

Já em relação às variáveis de controle, teoricamente a medida de comparabilidade empregada nesta pesquisa tem uma relação muito próxima das teorias sobre escolhas contábeis e qualidade do lucro. Por exemplo, a variável Lucro por ação (LPA) é uma medida que reflete o desempenho da companhia para o acionista e é muito usada nos contratos de remuneração variável dos gestores (Ittner, Larcker & Rajan, 1997Ittner, C. D., Larcker, D. F., & Rajan, M. V. (1997). The choice of performance measures in annual bonus contracts. The Accounting Review, 72(2), 231-255. ; Young & Yang, 2011). Em decorrência desse fato, para que se atinja determinada meta de lucratividade, os gestores podem se engajar em práticas de contabilização que não reflitam a realidade econômica de seus negócios e, assim, prejudicar a comparabilidade dos relatórios financeiros.

Dechow, Ge e Schrand (2010)Dechow, P., Ge, W., & Schrand, C. (2010). Understanding earnings quality: a review of the proxies, their determinants and their consequences. Journal of Accounting and Economics, 50(2-3), 344-401. separam os determinantes da qualidade do lucro em seis categorias: (i) características das companhias; (ii) práticas de relatórios financeiros; (iii) mecanismos de governança e controle; (iv) auditoria; (v) incentivos do mercado de capitais; e (vi) fatores externos. Neste trabalho, as categorias práticas dos relatórios financeiros e fatores externos já estão naturalmente controladas pelos setores. As demais variáveis, com suas referências, são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1
Variáveis usadas no modelo

Como não há um trabalho robusto que discorra sobre quais características das companhias podem afetar a comparabilidade dos seus relatórios financeiros, esta pesquisa adotou trabalhos relacionados com escolhas contábeis e qualidade do lucro para selecionar suas variáveis de controle.

No que tange ao modelo de painel, este pode ser classificado como curto (maior quantidade de indivíduos do que de anos) e fortemente balanceado (todos os indivíduos foram mantidos ao longo dos anos). A técnica escolhida na estimação do modelo foi pooled ordinary least square (POLS), já que demonstrou ser mais adequada do que o modelo que considera a existência de efeitos aleatórios, segundo o resultado do teste LM de Breusch-Pagan.

Antes do processamento dos dados, foi feito um tratamento multivariado para outliers nos dados. A técnica empregada foi a proposta por Hadi (1992)Hadi, A. S. (1992). Identifying multiple outliers in multivariate data. Journal of the Royal Statistical Society, 54(3), 761-771. e, como a finalidade desta pesquisa é verificar a tendência do comportamento ao longo dos anos da medida de comparabilidade, a existência de dados discrepantes poderia comprometer os resultados obtidos. Mesmo assim, para fins comparativos, foram tabulados os resultados do trabalho com e sem o tratamento de outliers, conforme a recomendação de Wooldridge (2013)Wooldridge, J. M. (2013). Introductory econometrics: a modern approach (5a. ed.). Mason, OH: South-Western Cengage Learning.. Segundo os resultados obtidos (não apresentados), não houve significativa distorção nos regressores.

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Antes que sejam analisadas as estatísticas descritivas das variáveis consideradas na pesquisa, foram demonstrados os resultados dos elementos das funções contábeis individuais das companhias usadas neste trabalho estimadas conforme a Equação 1 (Tabela 2). DeFranco et al. (2011), em uma amostra de 71.295 observações nos Estados Unidos, encontraram um R2 médio para funções individuais de 0,1218, um valor de 0,0026 para as companhias dentro do percentil 10% e um valor de 0,3217 para as companhias dentro do percentil 90%. O que se pode extrair de tal análise é que os valores dos elementos das funções individuais das companhias brasileiras adotadas neste trabalho foram similares aos valores dos elementos das funções das companhias norte-americanas do trabalho original de DeFranco et al. (2011).

Tabela 2
Resultados das funções contábeis individuais

Com base na Tabela 3, pode-se inicialmente verificar que a variável referente ao tempo (ANO) é invariante entre empresas (desvio padrão between igual a zero), já que os dados apresentam-se na forma de um painel fortemente balanceado. Além disso, embora as variações between e within tenham praticamente a mesma magnitude para a variável dependente, as demais variáveis (explicativas no modelo proposto) apresentam maior variação between do que within, à exceção das variáveis CRESCIMENTO e TROCA AUDITOR. Dessa forma, foram estimados modelos POLS e com a consideração de efeitos fixos e aleatórios, por meio de diferentes tipos de estimação, já que enquanto determinada variável com maior variância within (p. ex., a variável CRESCIMENTO) pode fazer com que o modelo estimado por efeitos fixos seja o mais adequado, por considerar que os termos do intercepto sejam correlacionados com essa variável, outra variável com maior variância between (p. ex., a variável PRICE BOOK RATIO) pode fazer, porém não obrigatoriamente, com que o modelo estimado por efeitos aleatórios seja o mais adequado, por considerar que os termos do intercepto não sejam correlacionados com os termos de erro idiossincrático do painel. No fim, o modelo POLS se mostrou mais robusto perante os testes de adequação e foi aquele apresentado nesta pesquisa.

Tabela 3
Estatísticas descritivas das variáveis

Os resultados obtidos nesta pesquisa para medida de comparabilidade com base nas companhias do mesmo setor (COMPM = -2,634) foram muito parecidos com aqueles obtidos por pesquisas feitas anteriormente em outros países. DeFranco et al. (2011), Fang et al. (2012) e Sohn (2011) encontraram médias de -2,7, -2,03 e -1,907, respectivamente, em suas análises com companhias dos Estados Unidos. Já Peterson et al. (2012), que pesquisaram as companhias europeias negociantes de ações no mercado dos Estados Unidos, encontraram uma média de -2,597. Esses resultados comprovam que a medida de comparabilidade obtida neste trabalho está em consonância com as mesmas medidas alcançadas em âmbito internacional, ou seja, não foram encontrados vieses em decorrência das adaptações propostas nesta pesquisa.

Em relação ao comportamento da comparabilidade durante o período de transição, como observado na Figura 2, em termos gerais, foi identificado um ligeiro aumento na comparabilidade média entre os anos de 2004 e 2005. Esse crescimento foi seguido por um declínio na mesma medida durante o início do período de transição revertido a partir de 2008, período coincidente com os esforços mais contundentes (maior quantidade de pronunciamentos do CPC) para adotar o padrão internacional no Brasil. No que tange às companhias com piores medidas de comparabilidade, notou-se um ganho de comparabilidade depois de 2004, mantendo-se estável pelo período de transição e introdução das IFRS. Já para as maiores comparabilidades, seu comportamento mostrou queda durante os primeiros anos de transição e retomada depois de 2008, comportamento similar ao da média geral. Infere-se, de tal avaliação, que o comportamento da comparabilidade das companhias com maiores medidas é diferente do comportamento das companhias com as piores comparabilidades durante o período de transição. As medidas de comparabilidades concentradas no percentil 90%, aparentemente, sofreram variação maior com as alterações regulatórias ocorridas durante os anos de 2004 a 2012. Esse comportamento também foi observado na média geral. Para as medidas concentradas no percentil 10% não houve variações acentuadas no período de transição. O que se pode concluir de tais resultados é que, de modo geral e sem considerar outros fatores que poderiam influenciar a relação da comparabilidade, houve perda passageira da comparabilidade durante o começo do período de transição regulatória apenas para as companhias que demonstraram um nível maior de comparabilidade. Para as piores companhias e para aquelas na média, essas diferenças não foram tão evidentes.

Figura 2
Comportamento da comparabilidade durante o período analisado na pesquisa.

Cabe destacar que a crise do subprime desencadeada nos Estados Unidos pode ter, de alguma forma, impactado os resultados da medida de comparabilidade (tendo em vista que essa medida usou retorno de mercado na sua composição). Embora a crise tenha produzido um choque maior nos anos de 2007 e 2008 e a queda no nível de comparabilidade tenha começado na média no ano de 2006, Costa, Reis e Teixeira (2012)Costa, F. M., Reis, D. J. S., & Teixeira, A. M. C. (2012). Implicações de crises econômicas na relevância da informação contábil das companhias brasileiras. REPeC, 6(2), 141-153. apontam que no período 2007 e 2008, no Brasil, a relevância do lucro para o mercado foi significativamente inferior em relação aos demais anos sem crise. Silva (2013) também mostra em sua tese que houve um aumento considerável no exercício de discricionariedade pelos gestores durante dois períodos no Brasil. O primeiro período foi durante a crise (2007 e 2008) e o segundo foi no primeiro ano da adoção do padrão internacional (2010).

Ficou evidente na Figura 2 que o nível de comparabilidade foi inferior nos anos de 2007 e 2008, mas não no ano de 2010, mesmo que esse tenha sido um período com muito uso de accruals discricionários (Silva, 2013). Esse aspecto permite inferir que possivelmente houve um efeito da crise sobre a medida de comparabilidade que coincidiu com o período de transição regulatória. Contudo, conforme descrito anteriormente, tal efeito só foi percebido para companhias com maiores níveis de comparabilidade. Na média, não foi evidente.

Na Tabela 4 estão os resultados do impacto do período de transição regulatória sobre a comparabilidade individual média (COMPM). Como pode ser observado, o modelo completo tem um poder explicativo de 0,3606. Esse número é similar aos obtidos por trabalhos relacionados com esta pesquisa (DeFranco et al., 2011, encontraram média de 20% nos seus modelos; DeFond et al., 2011, média de 36%; e Yip & Young, 2012, média de 34,1%). A significância geral do modelo também se mostrou robusta em um nível de significância de 0,01. O teste de Ramsey e a estatística VIF demonstraram que o modelo não tem viés de variável omitida (F = 1,09; Prob > F = 0,3527), tampouco problemas de multicolinearidade (Fávero, 2015). A média da estatística do fator de inflação da variância ficou em 2,02 e a variável com maior VIF foi Tamanho (4,38) e ficou muito abaixo dos 10 recomendados para problemas de multicolinearidade (Wooldridge, 2013).

Tabela 4
Resultados do modelo multivariado

Percebe-se, com base nos outputs obtidos, que não houve perda significativa de comparabilidade em nenhum modelo ao longo do período analisado. Durante a transição regulatória (2005 a 2009) não ocorreram diferenças significativas negativas. Depois da adoção do padrão IFRS, no modelo completo e no stepwise, foram encontrados resultados significativos e positivos para os anos 2011 e, principalmente, 2012 (período considerado full-IFRS pelo fato de as funções contábeis individuais terem sido estimadas apenas usando dados a partir de 2010). No que diz respeito às variáveis de controle, os setores, o grau de alavancagem operacional e o indicador price-to-book (PBR) foram significativos. O grau de alavancagem operacional mede o nível de sensibilidade da variação do lucro em relação à variação no volume de atividade, ou seja, esse grau é determinado diretamente pela estrutura de custos da empresa. Quanto maior for a capacidade de a companhia alavancar lucro maior será seu custo fixo em relação a seu custo variável. Se os custos fixos forem maiores em relação aos custos variáveis, menor será a capacidade de o gestor gerenciar esses custos operacionalmente e maior deverá ser a comparabilidade. Essa relação foi encontrada empiricamente no trabalho de Sohn (2011), que testou o efeito da comparabilidade sobre o gerenciamento de resultados. Sohn (2011) concluiu que os gestores das companhias com maior comparabilidade tendem a gerenciar mais seus resultados operacionalmente do que com o uso de accruals. Uma vez que um grau de alavancagem operacional maior limita o gerenciamento dos custos variáveis, é esperado que tal indicador tenha uma relação direta com a comparabilidade, isto é, quanto maior for o GAOP, maior deverá ser a comparabilidade e isso foi encontrado na pesquisa. Já o indicador PBR está relacionado com a capacidade de crescimento potencial da companhia e apresentou uma relação negativa com a comparabilidade. Isso segue o que preconiza a teoria sobre gerenciamento de resultados, isto é, quanto maior o crescimento real ou potencial, pior deve ser a comparabilidade. Lee, Li e Yue (2006)Lee, C.-W. J., Li, L. Y., & Yue, H. (2006, May). Performance, growth and earnings management. Review of Accounting Studies, 11, 305-334. afirmam que o principal objetivo dos gestores em gerenciar resultados é influenciar o preço de mercado das ações de suas companhias. Os autores complementam que a resposta endogenamente determinada do mercado ao lucro é mais sensível para companhias com alta taxa de crescimento ou crescimento em potencial. Isso dá aos gestores maior motivação para gerenciar resultados e aparentemente prejudica a comparabilidade de seus relatórios financeiros.

A última variável de controle significativa foram os setores de atividade econômica. O baixo R2 obtido com o modelo sem os controles (0,02) em comparação com o modelo com tais variáveis e a quantidade de setores com diferenças significativas em relação ao setor base no modelo são fortes evidências de que o comportamento da comparabilidade não foi homogêneo dentro dos diferentes setores de atividades econômicas.

Os setores com as maiores médias para comparabilidade foram de construção pesada, indústria de metais, siderurgia e energia elétrica, respectivamente. Os setores de energia elétrica, construção pesada e indústria de metais apresentaram valores mais concentrados para medida de comparabilidade. Os setores que mostraram as medidas menos dispersas foram também os que apresentaram os maiores níveis de comparabilidade (com exceção da indústria siderúrgica, que apresentou uma média relativamente baixa, mas uma dispersão alta entre os quartis). Uma possível razão para a existência de diferenças significativas entre os setores é o nível de competitividade dentro deles. Segundo Datta, Iskandar-Datta e Singh (2013)Datta, S., Iskandar-Datta, M., & Singh, V. (2013). Product market power, industry structure, and corporate earnings management. Journal of Banking & Finance, 37(8), 3273-3285., as companhias que atuam em setores mais competitivos têm maior propensão a gerenciar resultados. Corroborando Datta et al. (2013), Verrecchia e Weber (2006) encontraram evidências de que o nível de transparência em setores com maior competição diminui significativamente. Além da competitividade, Bagnoli e Watts (2010)Bagnoli, M., & Watts, S. G. (2010). Oligopoly, disclosure, and earnings management. The Accounting Review, 85(4), 1191-1214. apontam outros fatores relacionados com características setoriais os quais poderiam influenciar o nível de gerenciamento de resultados. Os pesquisadores encontraram evidências empíricas em seu trabalho de que as companhias que têm tecnologias similares de produção, cuja produção seja governada por processos químicos ou físicos (em contraste com o setor de serviços), e as empresas que atuam em mercados mais maduros são menos propensas a gerenciar resultados. Os autores descobriram, também, que as firmas com um portfólio maior de produtos gerenciam mais seus lucros.

Os outputs obtidos na Tabela 4 podem estar associados às descobertas dos trabalhos de Datta et al. (2013), Verrecchia e Weber (2006) e Bagnoli e Watts (2010). O setor com menor número de companhias, ou seja, menor competitividade, nesta pesquisa foi o de construção pesada (3), e este obteve o maior nível de comparabilidade. Outro setor considerado de baixa competitividade é o de energia elétrica. Embora tenha um número maior de companhias do que os demais setores, a atividade de geração e distribuição de energia elétrica no Brasil é altamente regulamentada e as companhias são obrigadas a seguir diretrizes de mercado ditadas por uma agência reguladora. Esse aspecto pode diminuir o nível de competitividade do setor. Os setores que obtiveram as piores médias nos níveis de comparabilidade foram a indústria de roupas e a indústria química. Tais atividades econômicas, diferentemente de setores como energia elétrica e construção pesada, têm um grande portfólio de produtos e permitem uma diversificação maior de subatividades na mesma classificação. Por exemplo, uma companhia que fabrica roupas tem uma gama de opções muito mais diversificada de produção (lonas, tecidos, roupas etc.) do que uma companhia que produz e distribui energia elétrica. Essa maior diversidade de produtos e atividades pode ter diminuído o nível de comparabilidade entre as companhias em tais setores.

Para encerrar, como foi observado no trabalho de Silva (2013), nos anos de 2007, 2008 e 2010 houve grande aumento no nível de uso de accruals discricionários pelos gestores responsáveis por elaborar os relatórios financeiros das companhias abertas brasileiras. Os resultados obtidos com base no modelo da Tabela 4 demonstram que, embora tenha ocorrido um maior nível de subjetividade durante o período de transição (seja pela flexibilização regulatória, seja em decorrência do período de crise), não houve perda significativa de comparabilidade. Esses achados estão em concordância com os resultados obtidos em pesquisas anteriores e expõem que a flexibilização regulatória não impacta negativamente a comparabilidade, pelo contrário: aparentemente seu efeito é positivo. Agoglia et al. (2011), em seu experimento sobre a norma de leasing, encontraram variação significativamente menor entre as decisões dos preparadores dos relatórios financeiros em um ambiente com padrões contábeis menos precisos. Segundo os autores, isso sugere que, ao contrário do pregado por algumas partes relacionadas ao processo regulatório contábil, a aplicação de padrões contábeis mais voltados para princípios ao invés de regras não resulta em comparabilidade menor. Na mesma linha, Collins et al. (2012) encontraram que a dispersão da classificação do leasing entre as IFRS e o padrão norte-americano não é maior. Os pesquisadores recomendam, com base nos resultados de sua pesquisa, que as preocupações expressas pela Securities and Exchange Commission (2003) e por Sunder (2009) em relação ao aumento da dispersão dos resultados contábeis diante do uso de regulamentos baseados em princípios são injustificáveis. Dye e Verrecchia (1995) vão na mesma linha e preconizam que a flexibilidade de um padrão contábil é necessária para que os gestores consigam diferenciar seus negócios e suas distintas nuances para os investidores. O conceito de comparabilidade pregado pelo Financial Accounting Standards Board (2010) e pelo International Accounting Standards Board (2010) respeita tais diferenças e, como visto pelos resultados desta pesquisa, a medida de comparabilidade teve um ganho significativo com a flexibilização regulatória.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A adoção das normas internacionais no contexto contábil brasileiro aumentou consideravelmente a necessidade de julgamento (poder discricionário) por parte dos gestores na elaboração de seus relatórios financeiros. Isso ocorreu porque o Brasil trocou um padrão baseado em regras e com forte vínculo com a contabilidade fiscal por um padrão baseado em princípios com ênfase na transparência, fundamentos das IFRS. O objetivo principal desta pesquisa foi investigar como o processo de flexibilização regulatória que culminou na adoção das IFRS no Brasil afetou o nível de comparabilidade within country das companhias que atuam no mercado brasileiro.

Os resultados obtidos no trabalho para comparabilidade entre diferentes companhias que atuam no mesmo setor de atividades econômicas (COMPM) foram estáveis durante o período de transição e aumentaram significativamente depois da adoção das normas internacionais. Embora esta pesquisa tenha encontrado comportamentos específicos diferentes para as companhias com maiores níveis de comparabilidade e entre os distintos setores de atividades econômicas, de modo geral não foram observadas perdas significativas no nível de comparabilidade (COMPM) durante o período de transição regulatória, pelo contrário: na média, houve significativo aumento no ano de 2012 (considerado full-IFRS por lidar apenas com dados depois de 2010) em relação ao ano de 2004.

Os resultados obtidos neste trabalho completam o objetivo da pesquisa de investigar como a comparabilidade reagiu ao processo de flexibilização dos padrões contábeis ocorrido no Brasil nos últimos anos e validam empiricamente a hipótese de que aumentar o poder discricionário do gestor não diminui a comparabilidade dos relatórios financeiros. Esta pesquisa encontrou fortes evidências empíricas de que o aumento da flexibilidade dos padrões contábeis ocorrido nos últimos anos no Brasil não prejudicou a comparabilidade dos relatórios financeiros das companhias nesta ocasião avaliadas. Esses achados vão na mesma linha da pesquisa de Dye e Verrecchia (1995). Segundo estes, quando os princípios contábeis (generally accepted accounting principles - GAAP) são rígidos, todas as firmas devem aplicar o mesmo procedimento contábil (p. ex., os custos com pesquisa e desenvolvimento devem ir para despesas do período). Em contraste, quando os GAAP permitem completa discricionariedade, todo procedimento economicamente viável é permitido. Dye e Verrecchia (1995) ressaltam que, quando os GAAP apresentam essa rica variedade de procedimentos, os lucros de diferentes companhias, em princípio, devem ser mais comparáveis do que quando o padrão contábil é rígido. Isso ocorre, pois, se cada companhia diferente selecionar um procedimento contábil apropriado para sua circunstância econômica, um dólar de lucro contábil será igual a um dólar de ganho econômico, resultando em lucros contábeis mais comparáveis entre companhias.

Assim como nos trabalhos de Collins et al. (2012) e Agoglia et al. (2011), esta pesquisa mostrou que os argumentos dos defensores da regulação rígida para atingir a comparabilidade são refutados. Os resultados obtidos nesta pesquisa legitimaram esse ponto de vista e comprovaram empiricamente que, com o aumento da flexibilização regulatória, a comparabilidade não diminuiu, pelo contrário, o aumento do poder discricionário do gestor sobrevindo no processo de transição para normas internacionais no Brasil, no geral, aumentou de forma significativa a comparabilidade entre os relatórios financeiros das companhias analisadas nesta pesquisa.

Como todo trabalho científico, este também apresenta algumas limitações. A amostra é não probabilística, o que impede a generalização dos resultados. Os efeitos contábeis das políticas que passam pelo resultado abrangente estão fora do escopo dessa medida. Não obstante o resultado abrangente possa carregar os efeitos de políticas contábeis que sejam relevantes para medir a performance de uma companhia, esta pesquisa resolveu usar o lucro por dois principais motivos. Primeiro, o resultado abrangente empiricamente não reflete uma medida de performance superior ao lucro do período (Dhaliwal, Subramanyam & Trezevant, 1999Dhaliwal, D. S., Salamon, G. L., & Smith, E. D. (1982). The effect of owner versus management control on the choice of the accounting methods. Journal of Accounting and Economics, 4, 41-53.) e, segundo, antes da adoção das normas internacionais no Brasil, esta não era uma medida usualmente adotada.

Algumas lacunas foram deixadas por este trabalho para serem investigadas em pesquisas posteriores. Esta pesquisa não testou se há uma relação direta entre o aumento da quantidade de accruals discricionários e a comparabilidade. Não avaliou, também, quais possíveis explicações para o resultado obtido com os auditores e com as diferenças setoriais. Esses assuntos estão em aberto e podem ser desenvolvidos em novas pesquisas.

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  • *
    Trabalho apresentado no XXXIX Encontro Nacional da ANPAD, Belo Horizonte, Brasil, setembro de 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    17 Abr 2015
  • Revisado
    19 Jun 2015
  • Aceito
    21 Dez 2015
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