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Modernização do direito societário: perspectiva transatlântica

The modernization of corporate law: a transatlantic perspective

Resumos

Este texto reproduz a palestra proferida pelo prof. Dr. Klaus hopt na direito gv em 17 de setembro de 2007. O autor aborda temas importantes do direito societário de uma perspectiva transatlântica, isto é, com o olhar para as influências recíprocas existentes entre o direito norteamericano e o europeu. Discorre sobre disclosure e transparência, analisa os diferentes problemas de agência na relação societária (acionista versus administradores, minoritários versus majoritários, e acionistas versus outros interessados na empresa); opina sobre a figura dos administradores independentes, sobre o difícil tema das operações entre partes relacionadas e conflito de interesses. Por fim, passa pelas regras de mercado, soft law societária, responsabilidade criminal e civil dos administradores e enforcement público e privado.

direito societário; direito comparado; estados unidos; europa


This text reproduces prof. Dr. Klaus hopt´s lecture at direito gv on september 17, 2007. The author writes about important subjects related to company law from a transatlantic perspective, it means, considering the reciprocal influences between american and european law. He analyses the following themes: diclosure and transparency, different agency problems on corporate relations (shareholders versus managers, minority versus majority, and shareholders versus other constituencies), independent directors, related party transactions, conflict of interest, market law, soft company law, criminal and civil liability of directors and, finally, public and private enforcement.

corporate law; comparative law; usa; europe


ARTIGOS

Modernização do direito societário: perspectiva transatlântica

The modernization of corporate law: a transatlantic perspective

Klaus J. Hopt

Professor do Instituto Max-Planck – Instituto de Direito Privado, Alemanha

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Klaus J. Hopt Max-Planck – Instituto de Direito Privado Mittelweg, 187 – D-20148 Hamburgo, Alemanha hopt@mpipriv-hh.mpg.de

RESUMO

Este texto reproduz a palestra proferida pelo prof. Dr. Klaus hopt na direito gv em 17 de setembro de 2007. O autor aborda temas importantes do direito societário de uma perspectiva transatlântica, isto é, com o olhar para as influências recíprocas existentes entre o direito norteamericano e o europeu. Discorre sobre disclosure e transparência, analisa os diferentes problemas de agência na relação societária (acionista versus administradores, minoritários versus majoritários, e acionistas versus outros interessados na empresa); opina sobre a figura dos administradores independentes, sobre o difícil tema das operações entre partes relacionadas e conflito de interesses. Por fim, passa pelas regras de mercado, soft law societária, responsabilidade criminal e civil dos administradores e enforcement público e privado.

Palavras-chave: direito societário, direito comparado, estados unidos, europa

ABSTRACT

This text reproduces prof. Dr. Klaus hopt´s lecture at direito gv on september 17, 2007. The author writes about important subjects related to company law from a transatlantic perspective, it means, considering the reciprocal influences between american and european law. He analyses the following themes: diclosure and transparency, different agency problems on corporate relations (shareholders versus managers, minority versus majority, and shareholders versus other constituencies), independent directors, related party transactions, conflict of interest, market law, soft company law, criminal and civil liability of directors and, finally, public and private enforcement.

Keywords: corporate law, comparative law, usa, europe

INTRODUÇÃO: DIREITO SOCIETÁRIO, MODERNIZAÇÃO, PERSPECTIVA TRANSATLÂNTICA E COMPETIÇÃO GLOBAL

Direito societário, na minha abordagem, não é o conjunto de minúcias dogmáticas e práticas de cada país, deleite de acadêmicos e um trabalho altamente lucrativo para aqueles que exercem profissões jurídicas. Em vez disso, examinarei alguns problemas gerais e fundamentais deste ramo do direito (KRAAKMAN et al., 2004, p. 17). Modernização tem sido um elemento presente no direito societário desde o início da sua história. Já nos seus primeiros dias na Itália, o direito societário sempre tem se configurado, de um lado, pelas necessidades econômicas e, por outro lado, pelos abusos financeiros em detrimento dos acionistas e minoritários. Modernização foi a resposta para esses dois fenômenos, como demonstrado de modo impressionante pelas muitas codificações societárias no século XIX, bem como pela recente onda de reformas legislativas pré e pós-Enron, que ocorreu em vários países. Não há nada de novo em olhar a modernização do direito societário pela "perspectiva transatlântica". Inicialmente, o modelo de codificação do direito societário no século XIX foi o Code de Commerce francês de 1807, mas depois foi o Join Stock Companies Act inglês de 1844, em razão de sua abordagem moderna e liberal. Apenas na década de 1920, o direito societário americano tornou-se importante fonte de experiência e inspiração. Walter Hallstein, mais tarde presidente da Comissão Européia e, naquele momento, pesquisador sênior do Instituto Max Planck de Hamburgo, disse em 1931: "A característica mais importante do mais recente desenvolvimento do direito societário na Europa Continental [...] é a forte intromissão das linhas de pensamento anglo-americanas" (HALLSTEIN, 1931, p. 53). Desde então, o direito societário americano tornou-se relevante para os comparatistas e para os responsáveis pelas reformas legislativas. Após a Segunda Guerra Mundial, praticamente uma geração inteira de professores alemães de direito societário estudou nos Estados Unidos. Atualmente, as fortes ondas da Enron e do Sarbanes-Oxley Act estão inundando nossos países. Está se tornando muito forte a influência do direito americano no direito societário, nas regras contábeis e no direito de mercado de capitais europeu. A influência americana vai além, sendo sentida também na maioria de outros ramos do direito com relevância econômica. Não é de surpreender que tudo isso tenha ocasionado fortes movimentos contrários – à semelhança daqueles que são contra a vacinação – a "lex Americana" e a cultura jurídica americana – surgindo uma forte consciência do conflito de jurisdições e até mesmo, em alguns momentos, um sentimento de "guerra entre civilizações" dentro do hemisfério ocidental. Já em uma visão mais desinteressada, econômica e internacional de nós, advogados societários, tudo isso é apenas parte natural da "competição global" dos dias atuais, na qual não se incluem apenas produtos, como em tempos passados, ou serviços, como hoje em dia, mas também regras (rules) e leis (law) e formuladores de regras (rule makers)e legisladores. Considero que essa competição é saudável também no direito societário. Competição significa aprender com os outros, tanto em relação às boas quanto às más experiências de outros lugares. Nesse sentido, agora examinarei alguns princípios fundamentais do direito societário de uma perspectiva transatlântica. Ao fazer isso, tenho consciência de muitas características básicas comuns, mas também de diferenças decorrentes, entre outras coisas, da estrutura de capital e de propriedade, do acesso a formas de financiamento, do intervencionismo regulatório e de questões relacionadas com litígios.

1. DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÕES (DISCLOSURE) E TRANSPARÊNCIA

1.1 O AUMENTO DO DISCLOSURE NOS DIREITOS SOCIETÁRIO E DE MERCADO DE CAPITAIS DA PERSPECTIVA TRANSATLÂNTICA

Da perspectiva transatlântica, o primeiro e mais influente princípio fundamental do direito societário a ser mencionado relaciona-se com o disclosure e a transparência. É comum o retorno às reformas de Gladstone de 1844 e 1845 na Inglaterra, apesar de a mesma idéia ter surgido em outros lugares na Europa.Todos nós conhecemos o famoso slogan de Brandeis no seu livro intitulado Other people's money, publicado em 1914: "A luz do sol é o melhor desinfetante; a luz elétrica é a mais eficiente polícia" (BRANDEIS, 1914, cap. 5). Mas o famoso responsável pela reforma da lei societária da Prússia sobre companhias ferroviárias, David Hansemann, já sabia disso em 1837: "Entre outros motivos pelos quais um administrador de uma grande companhia compromete-se com o cumprimento da lei e age de maneira eficiente deve ser incluído o fato dele estar, em certo grau, exposto à opinião pública. Este é o controle mais efetivo. Em nenhum Estado, seja qual for a sua constituição política, pode ser encontrada razão que justifique não permitir este tipo de controle" (HANSEMANN, 1837, p. 104).

Já o disclosure, considerado instrumento regulatório fundamental, foi introduzido no direito societário e no direito de mercado de capitais europeu apenas posteriormente, via regulação americana sobre valores mobiliários, de competência do direito societário federal, até certo ponto, como todos nós sabemos. Esse desenvolvimento foi descrito detalhadamente em outro lugar. Interessante observar o paralelo histórico na Europa da importância dada à regulação substantiva pelos Estados americanos. O direito societário europeu confiou e ainda confia mais na regulação substantiva. Apenas recentemente a regulação relacionada com disclosure tornou-se mais importante. Além das tradicionais demonstrações financeiras anuais e outras informações voltadas ao passado, mencionarei o disclosure da remuneração dos administradores, o disclosure das operações entre partes relacionadas, o disclosure de conflitos de interesses, o prospecto, o disclosure imediato ou ad hoc,o disclosure do quadro acionário, o disclosure no processo de aquisição do controle societário de uma empresa por outra (takeover) e, mais recentemente, o relatório de governança corporativa de companhias abertas. Este último está disciplinado na Diretiva que reformou as regras sobre demonstrações financeiras, de 14.06.2006.

1.2 OS PRÓS DO DISCLOSURE COMO INSTRUMENTO REGULATÓRIO EUROPEU, APESAR DOS PROBLEMAS PRÁTICOS

Apesar das incertezas teóricas e práticas, estou convencido de que disclosure, incluindo disclosure obrigatório, é um dos mais importantes instrumentos modernos da regulação do direito societário europeu, principalmente por três razões. Primeiro, porque o disclosure favorece a autonomia das partes e ajuda a tornar as operações de mercado mais confiáveis e, por isso, mais atrativas para os seus participantes, tanto os profissionais quanto os não-profissionais. A regulação de insider trading protege os intermediários e, por conseqüência, reduz o preço dos spreads; a informação sobre takeover protege os acionistas e, por isso, fomenta o mercado de aquisição de controle societário. Segundo, porque o disclosure é menos intrusivo e representa uma regulação orientada para o mercado se comparada com a regulação substantiva, o que deveria ser a primeira escolha para as regras européias. Terceiro, porque o disclosure e a transparência podem ajudar no enforcement tanto por instituições públicas como pela iniciativa privada de acionistas.

2. DIFERENTES PROBLEMAS NA RELAÇÃO ENTRE PRINCIPAL E AGENTE

2.1 ACIONISTAS VERSUS ADMINISTRADORES: PROBLEMAS NO CONSELHO

Para a modernização do direito societário, uma das diferenças de maior destaque entre o novo e o velho mundo é a prevalência de dois tipos distintos de problemas de agência. Enquanto nos Estados Unidos o foco é o conflito entre acionistas e administradores (KRAAKMAN et al., 2004, p. 53/67), na Europa continental a maior preocupação dos legisladores tem sido a proteção dos minoritários perante o acionista majoritário ou a sociedade controladora, o que, claro, decorre da diferença da estrutura de propriedade e a prevalência de companhias com controle pulverizado (public companies) nos Estados Unidos e de companhias com bloco de controle e de empresas familiares na Europa continental. Já há algum tempo que dispomos de dados empíricos de boa qualidade também em relação a estas últimas.

A estrutura de capital existente nos Estados Unidos levou os advogados, os tribunais e a academia a se preocupar com o Conselho (KRAAKMAN et al., 2004, p. 224). Neste ponto, o conflito entre administrador e acionistas tornou-se bastante óbvio. A idéia de administrador independente logicamente nasceu nos Estados Unidos e apenas mais tarde foi transplantada para a Europa. Também não é de surpreender que o fenômeno dos investidores institucionais e, mais recentemente, dos private equity e fundos de hedge primeiro apareceu nos Estados Unidos, fato seguido de preocupações na regulação. Seria precipitado, no entanto, concluir que há uma relação de conseqüências comuns entre Estados Unidos e Europa. Da visão da Europa continental, alguns tendem a equiparar o Reino Unido aos Estados Unidos, como poderia sugerir o modo próprio de falar de uma família jurídica anglo-saxã. O mercado de capitais do Reino Unido, no entanto, é muito mais marcado pelos investidores institucionais que o dos Estados Unidos e, algumas vezes, segue estratégias regulatórias completamente diferentes e até mesmo opostas. Um bom exemplo disso é a lei sobre takeover e o princípio de não-frustração (anti-frustration) para os administradores da empresa-alvo, de acordo com o City Code, se comparado com a regra de apenas-diga-não (just-say-no rule) existente em Delaware.Claro que, na Europa continental, por um longo tempo, o conselho também tem sido objeto de discussão e reforma, em particular o chamado conselho de supervisão do modelo alemão. Atualmente, parte da discussão se deve às diferentes estruturas de governança, incluindo o sistema de administração monista (one-tier board system) ou dualista (two-tier board system). A escolha entre os dois sistemas não parece depender da estrutura de propriedade, mas do desenvolvimento histórico e outras questões históricas relacionadas com os modelos de regulação. Recentemente, tem-se constatado certa tendência de convergência dos dois sistemas, que surge, por exemplo, desde que no Reino Unido existe separação interna de companhias listadas no órgão de administração (one-tier board), conseqüência da necessidade de atender à expectativa do melhor controle que surge com a existência de administradores independentes.Além disso, no Reino Unido – diferente dos Estados Unidos –, a separação entre a figura do principal executivo da companhia e do presidente do órgão de administração tornou-se cada vez mais comum. Por outro lado, em algumas companhias alemãs com bloco de controle ou com controle familiar, a separação formal é quase sem significado, uma vez que os membros do órgão de gestão de fato escolhem os membros do conselho de supervisão. Ainda, a existência de diferentes sistemas de administração traz diferenças jurídicas e práticas, razão porque acadêmicos do High Level Group e também a Comissão Européia, no seu Plano de Ação, pensaram em conferir liberdade para que os acionistas escolham entre os dois sistemas. Atualmente, na Itália, há um menu com três modelos para que os acionistas optem por um deles.

2.2 MINORITÁRIO VERSUS MAJORITÁRIO: DIREITOS DO ACIONISTA E PROTEÇÃO AO MINORITÁRIO

Deixem-me tratar do segundo conflito de agência: a difícil relação entre majoritários e minoritários nas companhias. Este conflito parecia sofrer mais pressão e estava sujeito a um esforço regulatório maior na Europa (KRAAKMAN et al., 2004, p. 60/69). Como resultado, legisladores europeus prestaram mais atenção aos direitos e à proteção dos minoritários. O fenômeno das regras específicas sobre grupos societários, que podem não estar necessariamente consolidadas em regras especiais como as que existem no direito dos grupos alemão (Konzernrecht), pode ser explicado por esta preocupação.Também existem grupos societários nos Estados Unidos, ainda que geralmente com a participação pela controladora em 100% do capital. Já na Europa a controladora é apenas titular de uma maioria mais ou menos sólida, suficiente para exercer o controle, e tal participação encontra razão em questões tributárias. Não entrarei agora no direito dos grupos com mais detalhe, mas quero enfatizar que a distinção usual entre países que possuem direito dos grupos e outros que não o têm, como os Estados Unidos e o Reino Unido, é superficial e até mesmo enganosa. Devo acrescentar que, nos Estados Unidos, há um conjunto de casos sobre grupos, ainda que sob o título de desconsideração da personalidade jurídica e de obrigações do acionista controlador. Sobre acionistas e mais especificamente sobre proteção dos minoritários, as variações entre os ordenamentos jurídicos europeus são consideráveis. Um importante instrumento de proteção do acionista ou do minoritário é o direito de saída, proposto pelo High Level Group, e a 13.ª Diretiva o fez obrigatório sob certas condições após a ocorrência de uma takeover que tenha êxito. O Plano de Ação prevê esse direito de maneira mais genérica mesmo em situações fora da takeover, equivalente ao direito de exclusão (squeeze-out) conferido aos acionistas majoritários. Em razão da restrição de tempo, devo passar rapidamente pela atual e intensa discussão sobre o princípio uma ação – um voto.1 1 A literatura é vasta. Para uma breve introdução, ver KRAAKMAN et al., 2004, p. 56. Surpreendentemente, o Diretor McCreevy, que não é apenas um procrastinador, declarou que este tema é uma prioridade da Europa, principalmente para desincentivo dos países escandinavos, onde os direitos de voto múltiplos são comuns (na Finlândia, até recentemente, até 1.000 vezes). Se o direito de voto duplo fosse afetado, a França também se oporia. O presidente da União Européia da Finlândia entendeu ser esta questão bastante importante, tanto que foi objeto da Conferência em Heisinki realizada em 05.10.2006. Neste contexto, deve ficar claro que o High Level Group reprimiu a recomendação de tal princípio geral. Ao contrário, entendemos que essa regra é útil em um contexto mais restrito das takeovers com o fim de abrir empresas muito protegidas, principalmente em takeover que ocorra com empresas de diferentes países. A Comissão Européia determinou a realização de um estudo sobre esta questão e, se McCreevy insiste, nós poderemos terminar com uma recomendação européia sobre isso, mas provavelmente não antes de 2008. Estabelecer o limite do alcance do princípio passa a ser extremamente difícil, tendo em vista o surgimento de inúmeros novos instrumentos financeiros no mercado que permitem deixar clara a distinção entre acionistas e obrigacionistas. Além disso, deve-se esperar difíceis problemas de compensação, como demonstra a experiência alemã com a introdução de tal regra. Deixem-me dizer uma última palavra sobre a proteção dos minoritários em geral. É óbvia a dificuldade de decidir entre proteção e flexibilidade da lei societária. A resposta básica deve ser – tanto aqui como no direito societário em geral – liberdade contratual e avaliação da competição contratual no mercado de capitais. Regras obrigatórias precisam ser justificadas.

2.3 ACIONISTAS VERSUS OUTROS INTERESSADOS NA EMPRESA: O CASO DA CO-GESTÃO (CODETERMINATION) DOS TRABALHADORES

Estou caminhando para o terceiro problema de agência, o conflito entre os acionistas e outros interessados na empresa, por exemplo, credores, trabalhadores e consumidores (KRAAKMAN et al., 2004, p. 2/22). Existem consideráveis diferenças históricas na percepção e na regulação desse problema entre os Estados Unidos e parte da Europa, de um lado, e entre economistas e sociólogos, de outro. Muito disso se deve a diferentes identidades históricas e culturais dos Estados Unidos e da Europa e das duas disciplinas. Esta diversidade encontra seu ponto máximo no fenômeno da participação dos trabalhadores no conselho. Mas vou poupar vocês da descrição do acalorado debate que existe na Alemanha. Estou convencido de que os acionistas são os últimos a correr os riscos empresariais e que a proteção dos trabalhadores é necessária, mas esta proteção não é tarefa do direito societário (KRAAKMAN et al., 2004, 18/61 et seq.).

3. ADMINISTRADORES INDEPENDENTES, OPERAÇÕES ENTRE PARTES RELACIONADAS E CONFLITOS DE INTERESSES

3.1 ADMINISTRADORES INDEPENDENTES NOS DIREITOS AMERICANO E EUROPEU: O PERIGO DE TRANSPLANTES

Como mencionado antes, a obrigatoriedade de administradores independentes originariamente foi uma idéia americana. Primeiramente, foi considerada uma panacéia; depois, as expectativas começaram a apagar essa percepção consideravelmente, mas ainda é um importante artifício para atenuar o conflito. O direito americano encoraja fortemente que não-empregados (e também independentes) sejam membros do conselho de companhias abertas. Além disso, regras do mercado de capitais dos Estados Unidos exigem uma maioria de administradores independentes no conselho de companhias listadas (KRAAKMAN et al., 2004, p. 50).

A idéia vem sendo absorvida pelo direito societário europeu. A Comissão Européia, na sua recomendação de 15.02.2005,2 2 Hopt ZIP 2005, 469. sugeriu que as companhias listadas deveriam ter três comitês: um para nomeação, um para remuneração e um para auditoria; e a maioria dos seus membros deveria ser independente. Independência certamente não é apenas o que o tradicional modelo de administração dualista exige – por exemplo, incompatibilidade de uma mesma pessoa ser membro nos dois órgãos da administração –, indo muito mais longe. O Parágrafo 13.1 afirma como princípio geral: "Um administrador deve ser considerado independente somente se ele for livre de qualquer relação de negócio, familiar ou outro tipo de relação com a companhia, seus acionistas controladores e administradores de ambos, que crie conflito de interesses que prejudique seu julgamento". O anexo II dessa recomendação enumera uma longa série de situações nas quais a independência pode estar faltando. Enquanto ainda estou tratando dessa recomendação, não apenas porque retoma o proposto do nosso High Level Group, gostaria de apontar três problemas sérios das companhias européias. O primeiro é a bem conhecida decisão entre administradores independentes ou aqueles que tenham profundo conhecimento da companhia, preocupação que deve ser acomodada pela correta combinação de ambos os tipos de administradores e a prevalência da competência do conselho sobre as recomendações dos comitês. Uma exceção a isso deve ser o comitê de auditoria.

O segundo problema é conseqüência dos tradicionais grupos europeus e suas relações de controle com suas subsidiárias diretas e indiretas, exercido freqüente-mente por meio da administração da subsidiária. Se essa forma é proibida ou não é mais confiável, outras maneiras de exercício do controle ou de estruturação das relações nos grupos devem ser encontradas, o que deve causar mais interesse na Europa que nos Estados Unidos, uma vez que os mercados, as línguas, as culturas e as leis são consideravelmente diferentes. O terceiro problema relaciona-se com a acima mencionada co-gestão dos trabalhadores. O resultado de seguir a recomendação da União Européia na Alemanha implica dividir os membros do conselho eleitos pelos acionistas em independentes e outros administradores, enquanto os representantes dos trabalhadores não seriam atingidos, o que poderia não somente representar preponderância dos trabalhadores nos três comitês de administração, mas, no final das contas, também no próprio conselho. Por sorte, até o momento, tal recomendação da Comissão Européia não é vinculante.

3.2 OPERAÇÕES ENTRE PARTES RELACIONADAS E CONFLITOS DE INTERESSES, EM PARTICULAR INSIDER TRADING E REMUNERAÇÃO DOS ADMINISTRADORES

Usei os administradores independentes como exemplo para demonstrar as dificuldades do transplante de regras estrangeiras em uma legislação própria sem considerar as estruturas de capital e de grupo em diferentes ambientes econômicos e legais. Regras societárias que podem funcionar bem nos Estados Unidos podem ter efeitos muito diversos na Europa. Pensamento similar, talvez não com tão dramática diferença de tradição, poderia ser mostrado em outros temas do direito societário, como as operações entre partes relacionadas e, mais genericamente, o conflito de interesses, área na qual as legislações dos Estados Unidos e do Reino Unido, muito antes de vários países europeus, reconheceram problemas e estabeleceram regras legais, ainda que nem sempre efetivas. Quatro tipos de operações com a administração podem ser mencionados: negócio consigo mesmo (self-dealing), apropriação de oportunidades da companhia, uso de informações privilegiadas (insider dealing) e remuneração. Em alguns países europeus, apenas competir com a companhia e obter crédito junto a ela estavam sujeitos à aprovação do conselho. Self-dealing e apropriação de oportunidades da companhia tornaram-se de interesse do direito societário muito tempo depois. Ainda mais revelador foi o desenvolvimento da proibição do uso de informações privilegiadas (insider trading). Enquanto os Estados Unidos foram adiante com a regra de registro do Parágrafo 16 do Securities and Exchange Act, em 1934, e mais tarde com a provisão mais geral de antifraude da Rule 10 b-5, o Reino Unido fez o mesmo com a provisão no Companies Act, de 1947, e a França, apenas em 1967/68. Muitos outros países, incluindo a Alemanha, foram forçados pela Diretiva Européia sobre Insider Trading, de 1989, a introduzir proibição legal mais significativa em relação ao uso de informações privilegiadas. Quando o insider trading foi considerado ilegal na Suíça, foi visto como uma "lex americana", uma vez que a SEC não tolerava mais uma série de insider trading não ser conhecida em razão do sigilo bancário suíço. A remuneração adequada dos administradores permanece um problema ainda sem solução nos Estados Unidos, onde a remuneração explodiu, assim como na Europa. Informação individual obrigatória, como sugerida pela Comissão Européia na sua Recomendação de 14.12.2004, ainda encontra forte resistência em inúmeros países europeus. Mesmo quando tal recomendação é cumprida, não representa um verdadeiro freio. Ao contrário, aqui, disclosure parece ter encoberto especialmente o aumento da remuneração dos administradores. Às vezes, protestos públicos podem ajudar, mas apenas em circunstâncias específicas, por exemplo, quando a companhia não tem sensibilidade suficiente e, mais ou menos ao mesmo tempo, demite trabalhadores e aumenta substancialmente a remuneração dos administradores, ou quando tal aumento ocorre juntamente com a insolvência de uma ex-subsidiária e com grande repercussão para os ex-empregados da Siemens. Outros esforços regulatórios são necessários para parar com o denominado "pagamento sem resultados." A necessária deliberação em assembléia geral, como exigido no Reino Unido, é uma forma de regulação, mas as demonstrações financeiras podem ser um pouco mais eficientes, como já prescrito depois de um longo debate pela IFRS e pela US GAAP.Duas lições podem ser aprendidas destas observações.A primeira é que,com freqüência,alguns problemas regulatórios no direito societário, bem como em outras áreas do direito, surgem primeiro nos Estados Unidos e apenas posteriormente são reconhecidos na Europa. É evidente que a razão disso não é que os europeus sejam mais devagar, como um atributo a eles inerente (apesar de certamente ser mais lento o divergente processo político europeu). Ao contrário, isso ocorre porque os Estados Unidos têm um mercado maior, uma economia e uma sociedade mais abertas, em que fenômenos econômicos e da sociedade moderna industrial ocorrem com maior extensão primeiro. A segunda lição e em conexão com esse tema refere-se aos reguladores dos Estados Unidos, que se tornaram mais sensíveis a conflitos de interesses antes e em maior grau que os legisladores europeus. Enquanto na Alemanha e na Suíça o insider trading era ainda muito difundido e não perfeitamente previsto na legislação, mas representava a sinalização da necessidade de vigilância, nos Estados Unidos já era considerado crime. O conflito de interesses dos administradores ainda é tratado de forma inadequada em muitos países europeus, da mesma maneira que na regulação bancária e de valores mobiliários havia tempo que vinha sendo fonte de preocupações nos Estados Unidos, enquanto na Alemanha a regulamentação do tema não tinha sido tratada em uma discussão genérica antes de 1975. Regras cogentes surgiram em muitos países europeus apenas quando a União Européia as exigiu na Diretiva sobre Serviços de Investimentos, de 1993, e de uma forma muito mais detalhada no MiFID, de 21.04.2004.

4. REGRAS DE MERCADO, SOFT LAW, SANÇÕES E ENFORCEMENT

4.1 MERCADO E REGRAS DE SAÍDA DO MERCADO

4.1.1 Em muitos países da Europa continental, o direito societário tradicionalmente foi considerado direito contratual ou, se a companhia fosse uma pessoa jurídica, direito de uma organização jurídica.A idéia de o mercado ter algum papel nisso estava muito longe. As regras sobre transferência de participação societária e ações eram apenas um anexo do direito societário. Com o surgimento da regulação sobre valores mobiliários ou – como os europeus costumam chamar – do direito do mercado de capitais, isso mudou. Esta mudança ocorreu primeiro nos Estados Unidos na década de 1930 e depois na Europa, com base no exemplo americano, apesar de na Alemanha e na Suíça ter acontecido de maneira lenta a partir da década de 1970. A regulamentação sobre valores mobiliários desenvolveu-se, em certo grau, como "direito societário federal", nos Estados Unidos, e representou um tipo de herança americana para a Europa e para o mundo. Na teoria societária moderna européia, direito societário e direito do mercado de capitais são também irmãos gêmeos. As muitas sobreposições de regras são prova disso.

É verdade que a dupla natureza das regras e dos institutos de direito societário e de direito de mercado de capitais tem os seus problemas, o que pode ser percebido no hiato entre considerar o direito societário como direito privado e o direito do mercado de capitais como direito público (KRAAKMAN et al., 2004, p. 213) (o contraste dessa distinção, por questões históricas, é sentido mais fortemente sentido na Europa que nos Estados Unidos). Mas os problemas também podem ser constatados no fato de diferentes tribunais e jurisdições terem competência para decidir conflitos. Por outro lado, o caráter híbrido é similar aos registros de um órgão de igreja, uma vez que eles permitem muitas nuances e tocar com forças diferentes. Como exemplo, pode-se tomar a questão do enforcement. Não posso ir mais fundo nesta questão, mas gostaria de mencionar apenas três áreas particularmente férteis para o desenvolvimento tanto do direito societário quanto do direito do mercado de capitais. A primeira é o direito de exclusão (squeeze-out), que tanto está previsto em dispositivo sobre questões posteriores ao takeover, conforme a 13.ª Diretiva, quanto é considerado em instrumentos do direto societário, conforme o Plano de Ação da Comissão Européia. Tenho conhecimento de que os ingleses restringem o direto de exclusão às normas sobre takeover, enquanto em outros países, até a 13.ª Diretiva, esse direito não existia ou, se existia, era um instrumento que possibilitava ao acionista participação de 95% ou mais e excluir o restante. Segundo, o exemplo americano mostra a fertilidade das regras antifraude, como a Rule 10b-5 que a SEC e as cortes americanas utilizam com freqüência. Por razões históricas e de direito administrativo, as comissões européias sobre valores mobiliários, ao menos na Alemanha, abstiveram-se de aumentar as provisões antifraude. O equivalente às regras antifraude, no entanto, ao menos para os administradores de companhias, está nas suas obrigações de lealdade, que têm extensas ramificações. Terceiro, há a clara tendência no direito societário moderno, tanto na lei e na prática quanto na academia e na teoria, de se ter um conjunto de regras específicas para as companhias listadas (por exemplo, na França, Suécia, Áustria, Alemanha e em parte da legislação européia sobre direito societário, auditoria e demonstrações financeiras). Esta tendência está claramente aumentando, com conseqüências para a teoria e prática do direito societário.

4.1.2 O direito do mercado de capitais é certamente o mais próximo e o mais importante para o direito societário. Deveria mencionar ainda, rapidamente, três outros ramos do direito importantes para o mercado, funcionalmente relevantes para o direito societário. Primeiro está o direito concorrencial que mantém o mercado aberto, questão que, no passado, ainda era tratada dentro das fronteiras do direito societário. Nos Estados Unidos, perto da virada do século XIX para o XX, The Trust Problem era um problema do poder das companhias. O desenvolvimento concorrencial ocorreu gradualmente em um campo separado do direito. Hoje, existem importantes sobreposições entre as duas áreas. Alguns conceitos são similares nos dois ramos, por exemplo, a noção de controle, o problema de certas condutas, requisitos de divulgação de informações etc.

Por um lado, o direito específico aplicável às instituições financeiras e às companhias seguradoras e a sua supervisão são também direitos orientados para o mercado. A regulação não apenas da conduta dessas companhias no mercado, mas também da sua formação e organização, é pensada como forma de permitir que apenas agentes sérios atuem no mercado bancário e de seguros. Um dos mecanismos de supervisão neste campo é o requerimento de sistema de gestão de riscos. Estes mecanismos são mais importantes como sinal de alerta prévio e têm o objetivo de evitar quebras com repercussão no mercado e para os seus participantes. É interessante ver que, conforme o direito alemão de sociedades por ações, o órgão de administração é obrigado a estabelecer um sistema de gestão de riscos para identificar e conter procedimentos que possam ameaçar a sobrevivência da empresa.As ligações entre as regras de direito societário com as muito mais avançadas regras bancárias e de seguros são óbvias, apesar de ainda não terem sido adequadamente exploradas.Terceiro, eu deveria mencionar o que pode ser chamado de o direito de saída do mercado (market exit law), por exemplo, o direito falimentar. A inter-relação entre direito societário e falimentar é antigo e óbvio.

4.2 SOFT LAW SOCIETÁRIA

Passarei pela soft law societária de maneira bastante rápida, apesar de o tema estar crescendo rapidamente. Ao menos uma vez, é um avanço triunfante que iniciou na Europa, especificamente no Reino Unido, e não nos Estados Unidos. Não é apenas uma importante fonte adicional de regulação, como demonstra o movimento internacional de códigos de governança corporativa, e apresenta questões muito complicadas, tanto teóricas quanto práticas, que ainda não foram nem um pouco resolvidas. Uma delas refere-se aos prós e contras da auto-regulação societária como uma alternativa para afastar as normas constantes nos códigos e mesmo no direito cogente.

4.3 RESPONSABILIDADES CRIMINAL E CIVIL DOS ADMINISTRADORES

4.3.1 O direito criminal como mecanismo para disciplinar a conduta dos administradores está muito em evidência. Nos Estados Unidos, casos como Enron, Worldcom, entre outros, formam um histórico, para não mencionar os muitos espetaculares processos judiciais de insider trading e fraudes com valores mobiliários que testemunhamos por muitas décadas. No Reino Unido, o promotor público também tem uma função significativa de repressão (KRAAKMAN, et al., 2004, p. 130).O mesmo ocorre na França, onde as sanções criminais aos administradores têm longa tradição. Em ambos os países, promotores públicos têm uma importante função na investigação de operações conflituosas e no fortalecimento do poder de negociação dos litigantes que contestam essas operações. Na França e em outros países, procedimentos criminais podem também ter relação com batalhas políticas. Há países em que os legisladores estão rapidamente adicionando regras criminais e sanções para as condutas da companhia.Neste contexto, eu faria uma objeção no sentido de limitar o direito criminal a violações centrais. São muitas as razões para esta objeção, incluindo a função do direito criminal, a dificuldade probatória, a inefetividade e duração de muitos procedimentos criminais, os bem conhecidos problemas da regulação dos crimes de colarinho branco, a importância do business judgment rule para direção das empresas em um ambiente de competição global cada vez mais difícil, de um lado, e as expectativas exageradas do público, da imprensa e de políticos, de outro. Em suma, sanções criminais não deveriam ser utilizadas como remédio geral do direito societário.

4.3.2 Por outro lado, dever-se-ia dar mais peso à responsabilidade dos administradores no direito societário e civil. Deixem-me dar um exemplo: responsabilidade de informações contidas nos prospectos e responsabilidade de administradores por informações falsas presentes nos relatórios financeiros.A Diretiva européia sobre prospectos, de 04.11.2003, contém regra um pouco rudimentar sobre responsabilidade, incluindo responsabilidade de administradores, da qual muitos países europeus necessitavam. Os legisladores, no entanto, deveriam ir além e introduzir regra mais genérica de responsabilidade dos administradores por informações falsas contidas nos relatórios financeiros. Isso não é para fazer objeção ao chamado "juramento" contábil financeiro obrigatório que supostamente faz do administrador um garantidor da lisura das demonstrações financeiras anuais e dos relatórios financeiros da companhia. As deturpações intencionais ou quase-intencionais ("do que de antemão sabe-se que está incorreto" – "scienter") para o publico investidor deveriam ter conseqüências pela má conduta dos administradores, conseqüência lógica da responsabilidade por informações do prospecto no mercado primário, que deve ser seguida também pela responsabilidade por informações financeiras no mercado secundário, por exemplo, informações falsas na assembléia anual, na reunião anual da administração para análises financeiras, e semelhante nos road shows e nos relatórios para a imprensa financeira. Neste contexto, a tradicional restrição de tal responsabilidade à responsabilidade do administrador apenas perante a sua companhia deveria ser repensada. Nestas situações mencionadas, deveria ser permitida a responsabilidade direta perante os investidores que sofreram danos financeiros.

4.4 ENFORCEMENT PÚBLICO E PRIVADO E FUNÇÃO DOS INTERMEDIÁRIOS E GATEKEEPERS

4.4.1 A já mencionada questão de apostar na responsabilidade criminal ou na responsabilidade civil dos administradores é parte de uma questão maior: qual é a melhor política jurídica, o enforcement público ou privado do direito privado, um campo enorme que não pode ser tratado aqui. Mas uma coisa deve ficar clara sobre o fato de a responsabilidade civil dos administradores poder ser efetiva somente se estiver acompanhada de possíveis instrumentos processuais que facilitam a propositura de ação de responsabilidade contra os administradores (KRAAKMAN et al., 2004, p. 211). Isso implica facilitar a legitimidade dos acionistas para o ajuizamento de medidas judiciais em nome da companhia (derivative suits), conferir aos acionistas ou a uma minoria deles a possibilidade de iniciar investigação especial tanto na companhia independente quanto no grupo, e até mesmo a possibilidade de introduzir as class actions, não no estilo americano, mas no estilo canadense, como propusemos para o direito do mercado de capitais em um estudo do Instituto Max Planck de Hamburgo para o Ministério da Justiça há alguns anos. Melhorar as possibilidades de enforcement privado é uma tendência geral, tendo como exemplo recente o direito concorrencial europeu, mas certamente isso não é uma panacéia. Enforcement público – não necessariamente pelo promotor público, mas por um ente fiscalizador do mercado de capitais – permanece crucial para o direito do mercado de capitais e para o direito societário. O exemplo americano de agências administrativas independentes, que exercem a fiscalização e o controle do mercado de capitais e em outros campos, ditou o ritmo na Europa e em todo o mundo. A lição a ser aprendida disso também é a atuação integrada do ente fiscalizador público, dos tribunais e das partes privadas. Muito trabalho de pesquisa ainda precisa ser realizado neste campo.

4.4.2 Um último ponto a ser mencionado neste contexto é a importante função dos intermediários e dos gatekeepers no direito societário e no direito de mercado de capitais. Para o direito societário, isso também não é novo, se for considerado que os administradores são trustes dos acionistas e, nesse sentido, intermediários deles. Ocorre que uma função mais relevante de intermediário e de gatekeeper é exercida pelos auditores, o que sempre foi reconhecido nos Estados Unidos e no Reino Unido e também em muitas leis societárias européias. Mais recentemente, a União Européia saiu do atraso com a Diretiva n. 8, de 17.05.2006.

5. CONCLUSÃO

Iniciei com uma rápida análise do direito societário, da sua modernização e da perspectiva transatlântica. Concluirei da mesma maneira. O direito societário está mais moderno que nunca, continua na dianteira das mudanças econômicas e mantém-se relacionado com o desenvolvimento. O direito societário deve servir como laboratório para a regulação jurídica que, se der certo, deve depois passar suas experiências e receitas para o direito civil. Um exemplo recente é a regulação de conflito de interesses, que iniciou no direito societário e no direito do mercado de capitais, tornou-se importante no direito bancário e no do mercado financeiro e, hoje, sua importância é reconhecida genericamente na prática e na regulação dos serviços industriais pelo direito civil. A "modernização do direito societário" continua em construção. Difícil qualquer dos tijolos ou pedras desta construção não estar cercado de controvérsia, o que não poderia ser de outra maneira, pois quase todas as reformas estão relacionadas com interesses adquiridos, na maioria das vezes interesses financeiros, mas também com costumes, tradições, convicções ou ideologias. A "perspectiva transatlântica" é mais útil que nunca no direito societário e no direito de mercado de capitais e vai além. O diálogo transatlântico entre Europa e Estados Unidos é absolutamente essencial. Bons progressos estão sendo feitos, iniciando-se pelo direito concorrencial, continuando com a governança corporativa e regulamentação de valores mobiliários, e está indo para o campo do direito bancário. O Instituto de Governança Corporativa Europeu é um confiável agente e um bom parceiro para a Comissão Européia neste diálogo, que envolve o melhor interesse de ambas as partes envolvidas. Isso porque, no longo prazo, Europa e EUA estarão enfrentando os mesmos desafios que estão surgindo em países do Oriente, como China e Índia.

NOTAS

TRADUÇÃO Viviane Muller Prado

Texto apresentado no seminário Company Law Modernization: Transatlantic Perspectives, realizado em 17 de setembro de 2008, no auditório da Direito GV.

  • Brandeis, Louis Dembitz. Other People's Money: and how the bankers use it. New York. New York : F.A. Stokes, 1914. Hallstein, Walter. Die Aktienrechte der Gegenwart: gesetze und entwu?rfe in rechtsvergleichender darstellung. Berlim: F.Vahlen, 1931.
  • HANSEMMAN, David Justus Ludwig. Die Eisenbahnen und deren Aktionäre in ihrem Verhältniβzum Staat. Leipzig: Renger'sche Verlagsbuchhandlung, 1837.
  • KRAAKMAN, Davies et al. The anatomy of corporate law: a comparative and functional approach. Oxford: Oxford University Press, 2004.
  • 1
    A literatura é vasta. Para uma breve introdução, ver KRAAKMAN et al., 2004, p. 56.
  • 2
    Hopt ZIP 2005, 469.
  • Endereço para correspondência:
    Klaus J. Hopt
    Max-Planck – Instituto de Direito Privado
    Mittelweg, 187 – D-20148
    Hamburgo, Alemanha
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2008
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