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Ética da alteridade como fundamento extramoral para a política em tempos de ódio

ETHICS OF ALTERITY AS AN EXTRA-MORAL FOUNDATION FOR POLITICS IN TIMES OF HATRED

Resumo

O presente artigo trata da relação entre ética e política. Para isso, aborda a ética na perspectiva da alteridade e a política na perspectiva da busca por hegemonia. Tem por objetivo demonstrar a importância da ética como pressuposto necessário do debate político. Nesse sentido, adota duas premissas fundamentais: (i) nem tudo é política. As concepções que totalizam as relações políticas também reduzem as relações humanas. Abandonar as pessoas exclusivamente ao domínio do político implica uma tirania da política; (ii) a ética que será invocada não diz respeito ao debate acerca dos valores e princípios que deveriam orientar a ação política, nem a concepções de bem ou de mal presentes em doutrinas abrangentes. Trata-se da ética no sentido mais profundo da busca da humanidade, que decorre do encontro com o outro e da responsabilidade que daí resulta, de acordo com uma perspectiva levinasiana. Se a política implica busca por hegemonia, é necessário reconhecer que ela também é lugar de pluralidade. Para que a busca por hegemonia não sufoque a pluralidade nem negue as diferenças, argumenta-se no sentido de se estender a responsabilidade, própria da ética da alteridade, para a política, produzindo, assim, uma política eticamente fundamentada, porém em um sentido extramoral, isto é, sem definir concepções de bem ou eleger valores e princípios.

Palavras-chave
Ética da alteridade; política; hegemonia; Lévinas; tolerância

Abstract

This article deals with the relationship between ethics and politics. For this, it approaches ethics from the perspective of alterity and politics from the perspective of the search for hegemony. Its purpose is to demonstrate the importance of ethics as a necessary presupposition of political debate. In this sense, it adopts two fundamental premises: (i) not everything is political. Conceptions that totalize political relations also reduce human relations. Abandoning people exclusively to the political domain implies a tyranny of politics; (ii) the ethics that will be invoked does not concern the debate about the values and principles that should guide political action, nor about the conceptions of good or evil present in comprehensive doctrines. It is about ethics in the deepest sense of the search for humanity that arises from the encounter with the other and the responsibility that results from it, according to a Levinasian perspective. If politics implies a search for hegemony, it is necessary to recognize that it is also a place of plurality. So that the search for hegemony does not suffocate plurality or deny differences, it is argued in the sense of extending the responsibility, characteristic of the ethics of alterity, to politics, thus producing an ethically based policy, albeit in an extra-moral sense, i.e, without defining concepts of good or choosing values and principles.

Keywords
Otherness ethics; politics; hegemony; Levinas; tolerance

Introdução1 1 O presente artigo foi escrito como parte de um projeto de pesquisa que possui apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - bolsa de Produtividade em Pesquisa nível 2 - e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - bolsa de Prociência.

Não é incomum, na literatura especializada, a separação conceitual entre ética e política. Há mesmo razões intuitivas para se pressupor tal cisão, uma vez que a política trata das coisas como elas são e a ética trata das coisas como elas deveriam ser. Dada essa diferença, aqueles que sustentam certos princípios morais para a ação política, não raramente, são taxados de ingênuos ou idealistas. Contudo, e por outro lado, há toda uma tradição filosófica que insiste que a política deva ser orientada por princípios morais, colocando em discussão quais deveriam ser esses princípios e qual seria a melhor forma de aplicação de tais princípios no funcionamento das instituições e nas práticas políticas de grupos e indivíduos. Pois bem, ao invocar a ética como fundamento para a política, desenvolverei uma linha de raciocínio que não diz respeito ao debate acerca dos princípios morais que devem orientar a política. Sobre isso, pressuponho que liberdade e igualdade são valores caros e imprescindíveis à tradição democrática moderna, na qual nos inserimos. O problema que se enfrenta aqui, portanto, não é sobre qual valor deve ter precedência para a formação de um senso de justiça para a política democrática ou sobre como conciliar esses valores. Trata-se de buscar um fundamento ético que possa servir de parâmetro adequado para estear a ação política de modo que a democracia não seja corroída pelo egocentrismo, pela intolerância e pelo ódio. Desse modo, trata-se da ética em um sentido extramoral, porque precede o debate acerca dos valores, das concepções de bem e de suas formas de justificação. Antes, liga-se à questão da humanidade do humano a partir da relação com o outro (BENSUSSAN, 2009BENSUSSAN, Gérard. Ética e experiência: a política em Levinas. Passo Fundo: IFIBE, 2009., p. 13-30).

Nesse sentido, o presente artigo tem o objetivo, não trivial, de demonstrar a importância da ética como pressuposto necessário ao debate político. Para isso, convém que duas coisas fiquem, desde já, esclarecidas: (i) nem tudo é política. As concepções que totalizam as relações políticas também reduzem as relações humanas. Abandonar as pessoas exclusivamente ao domínio do político implica uma tirania da política. Daí a importância de refletir sobre a política também de um ponto de vista que esteja fora da política, inclusive para permitir as disrupções que possibilitam a sua reinvenção; (ii) a ética aqui invocada não diz respeito ao debate acerca dos valores e princípios que deveriam orientar a ação política, nem às concepções de bem ou de mal presentes em doutrinas abrangentes. Também não se refere às condutas que seriam moralmente adequadas e às razões para justificá-las. Trata-se da ética no sentido mais profundo da busca da humanidade, que decorre do encontro com o outro e da responsabilidade que daí resulta, de acordo com uma perspectiva levinasiana.

A crítica aos elementos que corroem a democracia, em certo sentido, pode ser sintetizada como uma crítica à mesmidade ou a qualquer pretensão autofundante, totalitária e solipsista que marque a vida social. Nesse sentido, é preciso fazer referência ao chamado novo pensamento de Franz Rosenzweig. No livro A estrela da redenção, contra todo idealismo, Rosenzweig afirma uma concepção de ser do humano que não pode ser abstraída da realidade. Para ele, as pretensões éticas que sejam distantes da realidade não são suficientes, assim como o pensamento abstraído do real, além de insuficiente, induz às universalizações totalizantes que deixam escapar a singularidade de cada pessoa (ROSENZWEIG, 2006ROSENZWEIG, Franz. La estrella de la redención. Salamanca: Sígeme, 2006., p. 50-51). Quando se levam em conta seriamente as vicissitudes do real e a singularidade das pessoas - o homem com nome e sobrenome, como disse Rosenzweig -, deparamo-nos com um mundo marcado pela alteridade e pela pluralidade. A diversidade decorrente da alteridade e da pluralidade nos remete ao fato de uma vida dinâmica, em que os acontecimentos fluem a cada instante, como o rio que não cessa de se movimentar (ROSENZWEIG, 2006ROSENZWEIG, Franz. La estrella de la redención. Salamanca: Sígeme, 2006., p. 174). Esse movimento da vida, por sua vez, registra o marco temporal que se insurge contra a ideia de uma totalidade atemporal ou da mesmidade de um pensamento que, de tão abstraído e autocentrado, já perdeu a capacidade de dialogar e de raciocinar sobre si mesmo de forma crítica, com o devido distanciamento reflexivo. Como afirmou Rosenzweig (2000, p. 135), a própria experiência da facticidade nos remete a um mundo plural definido em sua origem pela palavra “e”, isto é, por uma conjunção aditiva que, ao expressar soma, implica, ao mesmo tempo, diferença e pluralidade.

Diante de um mundo plural, é preciso superar a tentação do solipsismo. Isso implica, fundamentalmente, duas coisas. Em primeiro lugar, resgatar a capacidade de ouvir. Rosenzweig (2006ROSENZWEIG, Franz. La estrella de la redención. Salamanca: Sígeme, 2006., p. 222) nos lembra que o ouvir define o eu humano em toda sua peculiaridade, pois essa capacidade de escuta significa pura disposição para mudar a própria vida. Em segundo lugar, dar-se conta de que, no presente, no plano do agora, a narração, que é típica para tratar do passado, deve dar lugar imediato ao diálogo, pois aos presentes não se pode falar em terceira pessoa, mas apenas ouvi-los e dirigir a eles a palavra (ROSENZWEIG, 2000ROSENZWEIG, Franz. The New Thinking. In: ROSENZWEIG, Franz. Philosophical and Theological Writings. Indianápolis: Hackett Publishing Company, 2000., p. 125). Ouvir e falar são típicos da interação intersubjetiva e, de efeito, assinalam a importância do outro como presença no mundo. Rosenzweig dirige sua crítica à tradição filosófica que transformou o pensamento em algo distante da realidade e fora do mundo, preso em uma atemporalidade universal. Por isso ele afirma:

No lugar do método de pensar, como toda a filosofia anterior o desenvolveu, entra o método de falar. Pensar é atemporal e quer ser; com um só golpe, quer estabelecer mil conexões; o objetivo final é o primeiro. Falar é limitado pelo tempo, nutrido pelo tempo; não pode nem abandonará isso, seu ambiente nutritivo; não sabe de antemão aonde chegará; permite que suas sugestões sejam dadas por outros. Ele vive em geral da vida de outro, seja o público da narração ou o respondente no diálogo ou o parceiro em um coro; considerando que o pensamento é sempre solitário, mesmo que esteja ocorrendo entre vários parceiros “cofilosofizantes” […]. (ROSENZWEIG, 2000ROSENZWEIG, Franz. The New Thinking. In: ROSENZWEIG, Franz. Philosophical and Theological Writings. Indianápolis: Hackett Publishing Company, 2000., p. 125-126)

A proposta de Rosenzweig de colocar o diálogo no lugar do pensamento não é um ato contra o pensamento em si, mas contra uma forma de pensar capturada por um idealismo que estabelece uma cisão tão brutal com a realidade que, por isso, já não é mais capaz de compreender o mundo na sua concretude nem as pessoas nas suas vidas reais. Esse tipo de pensamento idealista pretende domesticar as contradições do real em sínteses cada vez mais abrangentes até chegar a uma grande totalidade ontológica que não apenas confina os elementos do real, mas impede que o diferente seja visto e compreendido, até matar toda a diversidade do mundo. Importante registrar que essa morte da diversidade não se dá apenas no plano das ideias, mas também nos planos econômico, cultural e político, o que resulta em mortes de pessoas reais, mas não de quaisquer pessoas, e sim daquelas que são tomadas pejorativamente como o “outro”, ou seja, como diferença ameaçadora. Tanto Enrique Dussel (2014DUSSEL, Enrique. Política da libertação I: história mundial e crítica. Passo Fundo: IFIBE, 2014.) quanto Tzvetan Todorov (2016TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 2016.) registram que esse movimento está na base da modernidade nascente, que é historicamente fundada sobre o genocídio e a colonização de povos originários não europeus. A assimetria do processo colonizador na América foi tão brutal que, enquanto maias e astecas debatiam se os espanhóis poderiam ser considerados deuses, os espanhóis debatiam se os integrantes dos povos originários da América poderiam ser considerados gente. Como nos diz Todorov (2016TODOROV, Tzvetan. A conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 2016., p. 192-193), Cortez compreendia relativamente bem o mundo asteca, mas essa compreensão foi usada para o saque e a destruição, e produziu um genocídio decorrente de fatores diretos e indiretos, como o assassinato em guerras ou fora delas, a morte pela escravidão e pelos maus-tratos e a morte pelo choque microbiano. Esses dados históricos são fundamentais para compreender que a totalidade ontológica criticada por Rosenzweig não é apenas uma abstração filosófica. Em outros planos, ela se converte em homicídio, ou, mais precisamente, em “altericídio”, que é a condenação à morte daquilo que é diferente, até que grande parte das pessoas se habitue a essa morte do outro, “morte lenta, morte por asfixia, morte súbita, morte delegada”, como disse Achille Mbembe (2018MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: n-1 Edições, 2018., p. 314).

1. Democracia, busca por hegemonia e diversidade

As democracias contemporâneas são estruturadas como um sistema político capaz de absorver as tensões próprias das disputas por hegemonia; porém, quando certos grupos minam o debate político pregando o ódio e a destruição do outro, o próprio sistema democrático fica em crise, pois isso produz a tendência de se querer que a força bruta substitua a eloquência própria das palavras, pondo fim ao diálogo. É exatamente por isso que uma filosofia como aquela proposta por Rosenzweig se torna especialmente importante nesse ambiente político, porque reitera a palavra como forma de combater a mesmidade, o egocentrismo e a intolerância. No trecho anteriormente citado, Rosenzweig afirma que o falar vive da vida do outro, pois, se não há para quem falar, a palavra perde o sentido. Relembramos a citação para afirmar que a consideração em torno da existência do outro e o respeito que se deve a ele como agente igualmente habilitado para as interações sociais são a condição ética fundamental da vida política e de suas instituições. É certo que a esfera do político é agonística, já que vive do enfrentamento e das disputas (MOUFFE, 2014MOUFFE, Chantal. Agonística: pensar el mundo políticamente. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2014.), mas, de um ponto de vista ético, isso também inclui o dever de respeito aos adversários e às suas diferenças, o que envolve, por seu turno, uma obrigação de civilidade e obediência às regras democráticas, na medida em que essas regras sejam equitativas, isto é, considerem as diferenças e busquem atenuar as desigualdades imerecidas.

Nossa pretensão até agora é assumir que, se o político é o espaço de busca por hegemonia, a ação política precisa levar em conta a diversidade e a multiplicidade do real. Isso invoca uma fundamentação ética no sentido extramoral, isto é, que seja preliminar ao debate moral acerca de quais valores ou princípios devem orientar a vida política, de como eles devem ser compatibilizados e de que maneira tais valores e princípios devem estruturar as instituições sociais. Antes mesmo desse debate, afirmamos ser imprescindível uma orientação ética geral, baseada na igual consideração pelo outro, porém não pelo outro universal e abstraído da história, mas sim pelo outro concreto, com sua singularidade, com seu corpo e sua história. É o respeito ao outro na sua condição concreta que pode ajudar a nos precavermos de uma política cada vez mais desumanizante na qual o “quem” seja transformado em “quê”, isto é, reduzido e reificado. Vale ressaltar que a desumanização não é somente a imposição da perda da humanidade de um ser humano. A desumanização é também uma forma de dominação, pois aquele que desumaniza o outro sabe que ele é e permanece sendo humano em sua corporeidade, mas mantém a relação desumanizante exatamente como meio para dominá-lo (HINKELAMMERT, 2012HINKELAMMERT, Franz. A maldição que pesa sobre a lei: as raízes do pensamento crítico em Paulo de Tarso. São Paulo: Paulus, 2012., p. 264-266). Provavelmente a escravidão seja a forma mais evidente desse processo de desumanização como dominação. Por conseguinte, uma política desumanizada se transforma em instância exclusiva de dominação. Evidentemente, isso suscita a questão se a política não seria intrinsecamente uma forma de dominação. Na disputa entre as posições polares, as visões mais idealistas diriam que não, e as visões mais niilistas diriam que sim. Para fugir dos extremos, parece adequado assumir realisticamente que a política pode ser, sim, um espaço de dominação, mas que nem todas as lutas políticas implicam dominação, pois certamente há lutas de libertação e por autoemancipação. Entretanto, acreditamos que todas elas implicam busca por hegemonia.

O exame da atividade política como busca por hegemonia e da desumanização da política como meio de dominação coloca outra questão: se a busca por hegemonia é sinônimo de dominação. Ora, qualquer consideração que posicione no mesmo plano qualitativo ambas as coisas colocaria por terra nossa pretensão de lastrear a atividade política com base em uma ética da alteridade. Por conseguinte, é preciso esclarecer que, na perspectiva teórica aqui adotada, não obstante seja reconhecido que o exercício do poder esteja colocado tanto na hegemonia quanto na dominação, indica-se, contudo, uma diferença decisiva: na dominação, o poder se exerce como subjugação violenta, embora não necessariamente com violência física. Por isso, a dominação dispensa a palavra na maneira do diálogo, e o outro é sempre inferiorizado. A dominação acarreta hierarquização e um processo crescente de desumanização. No entanto, a hegemonia implica uma forma de exercício do poder que se apoia no debate público para geração de convencimento, na busca por representatividade e, até mesmo, na formação de alianças. E quem almeja hegemonia sabe que esse processo nunca é definitivo e precisa ser constantemente alimentado. Contudo, o outro não pode ser subalternizado ou destruído, pois nesse caso não haveria mais luta por hegemonia, e sim dominação ou guerra. É evidente que um grupo hegemônico pode se converter em grupo dominante e, nesse sentido, trocar o esforço de manutenção de sua hegemonia por corruptelas estruturais, legais ou ilegais, para que se mantenha dominante. Vale notar que, no modo de produção capitalista, a desigualdade brutal entre quem detém os meios de produção e quem apenas conta com sua força de trabalho já é uma corruptela estrutural de natureza econômica que implica dominação, além da própria hegemonia. Por isso mesmo, as lutas políticas anticapitalistas envolvem tanto movimentos de resistência à dominação quanto a busca por hegemonia (WRIGHT, 2010WRIGHT, Erik Olin. Envisioning Real Utopias. Londres: Verso, 2010.). Talvez isso explique por que Gramsci oscilava no sentido que atribuía à palavra “hegemonia” ao longo de sua obra.

Como assinala Giuseppe Cospito (2017COSPITO, Giuseppe. Hegemonia. In: LIGUORI, Guido; VOZA, Pasquale (orgs.). Dicionário gramsciniano. São Paulo: Boitempo, 2017. p. 365-368., p. 366), em certos momentos Gramsci atribui um significado mais restrito de direção ou liderança ao conceito de hegemonia, por oposição à ideia de domínio; já em outros momentos, atribui um significado mais amplo que envolve tanto direção quanto domínio. No volume 3 dos Cadernos do cárcere, Gramsci (2017GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. v. 3., p. 96) afirma que “o exercício ‘normal’ da hegemonia, no terreno tornado clássico do regime parlamentar, caracteriza-se pela combinação da força e do consenso, que se equilibram de modo variado, sem que a força suplante em muito o consenso”. Aqui, parece ficar clara a ideia de domínio como uso da força e de direção como capacidade de gerar consensos. Ainda trabalhando esses dois elementos, ao falar da questão da chamada “crise de autoridade”, Gramsci (2017GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. v. 3., p. 96) diz que: “[...] se a classe dominante perde o consenso, ou seja, não é mais ‘dirigente’, mas unicamente ‘dominante’, detentora da pura força coercitiva, isto significa exatamente que as grandes massas se destacaram das ideologias tradicionais, não acreditam mais no que antes acreditavam, etc.”. Isso revela a compreensão de Gramsci de que a hegemonia é um processo abrangente de ampliação do poder, que, por sua vez, envolve tanto liderança quanto força e que é propriamente a liderança ou a direção que atuam decisivamente, pois é por meio delas que se influencia e convence as pessoas, tendo em vista a produção de consensos e a consolidação de certo projeto de sociedade. Tal processo pressupõe debate e antagonismo de ideias, mas não o desprezo pelo outro, já que a hegemonia deve se dar não apenas no plano econômico-corporativo, mas no próprio senso de moralidade da sociedade. Ao tratar do momento propriamente político da relação de forças em dada sociedade, Gramsci (2017GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. v. 3., p. 41-42) diz que

[...] é a fase em que as ideologias geradas anteriormente se transformam em “partido”, entram em confrontação e lutam até que uma delas, ou pelo menos uma única combinação delas, tenda a prevalecer, a se impor, a se irradiar por toda a área social, determinando, além da unicidade dos fins econômicos e políticos, também a unidade intelectual e moral, pondo todas as questões em torno das quais ferve a luta não no plano corporativo, mas num plano “universal”, criando assim a hegemonia de um grupo social fundamental sobre uma série de grupos subordinados.

Portanto, podemos notar que o conceito de hegemonia em Gramsci é complexo e compreende, para além do domínio ou da força, a ideia de liderança, direção e conquista de uma unidade nos planos intelectual e moral. Tudo isso envolve um conjunto de debates que não pode prescindir da figura do outro, afinal, se o outro estiver fora do campo de abrangência do movimento hegemônico, já não haverá hegemonia no sentido universal que é pretendida no plano da política, como disse Gramsci. Nesse caso, somente restaria a força como expressão de dominação.

Assim como o faz Franz Hinkelammert (2012HINKELAMMERT, Franz. A maldição que pesa sobre a lei: as raízes do pensamento crítico em Paulo de Tarso. São Paulo: Paulus, 2012., p. 264-269), analisemos a questão da dominação em um nível propriamente humano e mais profundo. A dominação, como a admitimos aqui, não se confunde com a busca por hegemonia, no sentido de Gramsci, já que, para este, ela implica uma relação com o outro que é de debate, convencimento, alianças, etc. O problema central da dominação é que ela assinala a presença de uma ausência. É a ausência do humano pelo esvaziamento de sua humanidade à medida que é reificado e instrumentalizado para servir àquele que domina. Ao contrário do que possa parecer em um primeiro momento, a desumanidade não significa tratar o ser humano como animal, pois nessa condição ele se defenderia ou fugiria. A desumanidade é a ausência de humanidade diante de um humano presente que é reduzido aos caprichos e interesses de quem lhe domina. Hinkelammert (2012HINKELAMMERT, Franz. A maldição que pesa sobre a lei: as raízes do pensamento crítico em Paulo de Tarso. São Paulo: Paulus, 2012., p. 266) nos chama a atenção para o fato de que nesse tipo de relação - de dominação - o que é afirmado são os próprios mecanismos de dominação, e aquilo que é negado é o reconhecimento da liberdade e da autonomia do dominado, bem como a ideia de que a humanidade deveria ser uma condição absoluta para o ser humano. Daí ser tão importante pensar tanto em um humanismo que não seja abstraído das relações sociais concretas quanto em uma ética que se fundamente a partir da consideração absoluta pelo outro. Essa é a potência de uma ética radicada na vida real, como quer Rosenzweig, pois não se deixa levar por pretensões universalizantes que já não enxergam mais as relações “por dentro”, na maneira como ela afeta cada pessoa. Quando tratamos das relações na atividade política, esse tipo de fundamento ético adquire uma especial relevância, já que, ao afirmar a humanidade do outro, institui um humanismo fundado sobre a diferença e a diversidade, o humanismo do outro homem, como afirmou Lévinas (2012LÉVINAS, Emmanuel. Humanismo do outro homem. Petrópolis: Vozes, 2012.), o que é incompatível com as relações de dominação.

Quando concordamos com Gramsci de que o político é o espaço de busca por hegemonia, admitimos uma perspectiva realista (não idealista) da política, compatível com uma teoria social de natureza crítica. Porém, além disso, assumimos também um viés ético na medida em que a luta por hegemonia implica necessariamente reconhecer que o espaço político é o campo da diversidade, com diferentes matizes ideológicos, concepções de bem e interesses razoáveis, em que o outro deve ser visto não como um ente manipulável ou inimigo a ser destruído, mas como uma pessoa que possui plena autonomia moral e política e deve ser respeitada por isso, embora possa vir a se configurar como um adversário nesse espaço agonístico da política democrática. Em outras palavras, hegemonia não significa assimilação do outro no eu. Nem poderia ser entendida dessa forma, pois já não estaríamos mais falando de hegemonia, e sim de totalização e totalitarismo, o que viola o sentido do político e afirma-se como antiética na negação que faz do outro e de sua alteridade. Essa maneira de compreender a política como diversidade aponta mais uma vez para o que disse Rosenzweig (2000ROSENZWEIG, Franz. The New Thinking. In: ROSENZWEIG, Franz. Philosophical and Theological Writings. Indianápolis: Hackett Publishing Company, 2000., p. 135), que a experiência da facticidade nos remete a um mundo plural caracterizado por um “e”, e não por um “ou”. Claro que, por um lado, a facticidade política revela, certamente, um “nós” e um “eles” e é sincero e razoável que seja assim diante da diversidade do mundo plural. Entretanto, o que é eticamente reprovável é uma forma de fazer política caracterizada por um “nós” ou “eles”, pois isso produz, ao mesmo tempo, uma expulsão do outro e a afirmação de uma totalidade opressora na forma de uma mesmidade ontológica.

A corrosão da política democrática, seja pelo egocentrismo, seja pela intolerância, seja pelo ódio, está intrinsecamente associada a essa totalidade que nega a alteridade. Byung-Chul Han (2018HAN, Byung-Chul. The Expulsion of the Other: Society, Perception and Communication Today. Cambridge: Polity Press, 2018.) chama a nossa atenção para percebermos como esse problema está ligado ao modo de vida na sociedade contemporânea. Esta é marcada por um movimento no qual a diferença é negada explicitamente ou, no mais das vezes, desfigurada pelo nosso narcisismo para ser convertida em falsa semelhança e, assim, ser assimilada como igual. De certa forma, o mundo virtual e a internet facilitaram esse movimento, pois, para uma grande parte das pessoas, mais importante do que a experiência do real é a superficialidade das caixas de ressonância, em geral caracterizadas pelas redes sociais. A crítica de Han remete-nos novamente ao problema do “altericídio”, não pela morte do corpo, mas pela apropriação do outro no mesmo ou, quando isso não é possível, pelo banimento e “cancelamento” do outro. Diante disso, é preciso compreender a importância de que cada pessoa possa ser considerada em si mesma e no protagonismo que deve ter diante da própria vida, ainda que toda pessoa esteja imersa em uma dada cultura e que tal cultura seja determinante para a sua forma de viver. Isso é especialmente relevante quando falamos sobre política, pois sua natureza agonística pode produzir uma tendência a querer expulsar aquele que pensa diferente. E isso não ocorre apenas na oposição entre o “nós” e o “eles”, pode acontecer até mesmo dentro do “nós”, isto é, dentro de uma mesma coletividade ou agremiação política. Daí a importância da interpelação ética que nos recorde que, mesmo que a coletividade seja referência de algo que se tem em comum, ela não esgota nem limita a diversidade que existe no seu próprio interior. Com efeito, o “nós” não deve significar a subtração da capacidade de iniciativa autônoma do outro, da mesma forma que o “eles” não deve significar a negação da responsabilidade individual de cada um sobre o outro. Em nome das convicções políticas, não se pode matar o indivíduo como ser pensante e senciente, seja aquele que está no “nós”, seja aquele que está no “eles”.

2. O duo da relação ética em Emmanuel Lévinas e os limites de sua aplicação às relações políticas

Como inicialmente explicado, a perspectiva da ética adotada no presente artigo é a da ética da alteridade conforme sustentada por Emmanuel Lévinas. E, para o autor (2008), a ética surge como um ato de transcendência de mim mesmo em direção ao absolutamente outro. É evidente que transcender em direção ao outro não significa tornar-se outro, mas colocar-se diante de uma alteridade radical que me interpela na minha liberdade e invoca minha responsabilidade. Para que isso aconteça, o outro não pode estar representado, mediado ou categorizado. Antes, deve ser o outro como ele é, em sua própria presença. Como disserta Lévinas (2008LÉVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito. Lisboa: Edições 70, 2008., p. 30): “[...] chama-se ética essa impugnação de minha espontaneidade pela presença de Outrem. A estranheza de Outrem - a sua irredutibilidade a Mim, aos meus pensamentos e às minhas posses - realiza-se precisamente como um pôr em questão da minha espontaneidade, como ética”. Essa presença do outro diante de mim é ato originário da constituição do humano, pois expressa a condição pela qual existimos no mundo: em coabitação. No entanto, isso não quer dizer que a presença de outrem diante de mim seja, por si só, uma experiência ética. Para que assim seja, é necessário que eu ofereça uma resposta à presença do outro que me interpela. Porém, não basta qualquer resposta. A liberdade da minha espontaneidade fica restringida se pretendo uma resposta ética, isto é, uma resposta que não seja a utilização da liberdade como meio de dominação e violência sobre outrem. Isso porque a resposta ética diante da presença do outro é aquela que tolhe a liberdade em nome da responsabilidade que me acomete nessa presença. Para a ética, essa responsabilidade é indeclinável e intercambiável. Lévinas por vezes lembra o trecho do livro Os irmãos Karamazov, no qual Dostoiévski nos diz que todos somos responsáveis por todos, todavia eu sou mais responsável do que todos (LÉVINAS, 2005, p. 145). Essa minha responsabilidade ética vem antes mesmo de conhecer o outro. Por isso, a ética é anterior à ontologia, já que esta busca o ser para entender o ente, mas com isso captura o ente no conhecimento do ser e reduz o ente ao ser. Em outras palavras, apreender outrem por processos cognitivos significa também capturar o outro em categorias e representações totalizantes que limitam, inibem e descaracterizam esse outro como a pessoa concreta e real que está à minha frente. Na ontologia, a liberdade é liberdade de ser; entretanto, para a ética, a liberdade de ser é contida pela exigência do respeito incondicional ao outro como alteridade radical. Para Lévinas (2008, p. 32-33), tal exigência ética é um reclame de justiça.

Exatamente porque a ética é avessa às abstrações e às categorizações, como já enfatizava Rosenzweig, a presença de outrem diante de mim deve ser entendida como uma relação face a face, ou seja, real e concreta. Ainda no início de Totalidade e infinito, Lévinas (2008LÉVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito. Lisboa: Edições 70, 2008., p. 38) adverte seus leitores dizendo: o modo como o outro se apresenta, ultrapassando a ideia do outro em mim, chamamo-lo, de fato, rosto. A “ideia do outro em mim”, parte da frase que o próprio Lévinas coloca em destaque, pode ser entendida tanto como as categorias que funcionam como mediações ontológicas no conhecimento do ser quanto como os preconceitos, os prejulgamentos, as desconfianças, as implicâncias e as hostilidades que o eu possa ter em relação ao outro. Para que tudo isso seja ultrapassado, é necessário o rosto do outro como sua própria presentação, de maneira a exprimir o outro como ele realmente é e não como eu o represento. É o ente sem o invólucro do ser. Quando isso acontece, o rosto do outro que se “presenta” a mim invoca a minha capacidade de o ouvir, pois ele traz uma narrativa, um discurso que vai além do que eu presumia e poderia saber. O rosto promove, nesse sentido, uma abertura ao infinito que está além das minhas significações e independe da minha iniciativa e do meu poder. Contudo, como mencionado antes, é importante ter em conta que a atitude ética resiste às conceitualizações ontológicas, por isso não se trata exatamente de conhecer a pessoa, o ente, mas de deixá-la se manifestar. O rosto fala, mesmo em silêncio, pois é a expressão viva de uma vida que carrega alegrias e tristezas, dores e prazeres, realizações e decepções, convicções e dúvidas que não se reduzem, jamais, às minhas pretensões cognitivas ou às convenções sociais; “ele é por si próprio e não por referência a um sistema”, como assinala Lévinas (2008, p. 64). Por isso, para a ética da alteridade, a atitude primeira é a do acolhimento e do cuidado, não do conhecimento.

O rosto do outro é também o outro em sua nudez, e, como diz Lévinas (2008LÉVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito. Lisboa: Edições 70, 2008., p. 65), “a nudez do seu rosto prolonga-se na nudez do corpo que tem frio e que tem vergonha da sua nudez”. Assim, o rosto revela também uma vulnerabilidade, porém, ao mesmo tempo, expressa uma potência como afirmação de si, como outro que não se reduz a mim. Em consequência, o rosto salienta um olhar que suplica e exige; ele espera algo de mim, mas se recusa à minha posse e aos meus poderes, como se fosse um hóspede em minha casa. Diante do olhar que suplica e exige, acolher o outro é reconhecer uma fome, por isso reclama de mim uma doação. Porém, não se trata de quem é superior doando a quem é inferior, mas exatamente o contrário, sou eu na minha pequenice doando a um absoluto que está acima de mim, que vem das alturas para me interpelar, que é infinito e, como tal, limita meu poder. Nas palavras de Lévinas (2008LÉVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito. Lisboa: Edições 70, 2008., p. 193): “O infinito paralisa o poder pela sua infinita resistência ao assassínio que, duro e intransponível, brilha no rosto de outrem, na nudez total dos seus olhos, sem defesa, na nudez da abertura absoluta do Transcendente”. Nesse sentido, o rosto é muito mais do que algo que se apresenta a mim, é o infinito que se coloca sobre o finito da totalização ontológica, e, nesses termos, ele me desarranja e me retira de mim mesmo, fazendo que na sua diferença eu seja desinstalado de toda indiferença.

A descrição apresentada nos três parágrafos anteriores permite compreender o duo da relação ética: eu e o outro em sua singularidade absoluta, que me arrebata. Temos, assim, uma relação assimétrica e sem mediações, já que eu estou diretamente diante da face do outro e devo oferecer uma resposta. Na ética, a assimetria da relação torna a própria relação, em certo sentido, uma não relação, uma vez que a estrutura da relação em si é desordenada pela epifania do rosto do outro que produz certa desestabilização do eu. Nessa perspectiva, a liberdade se impõe para mim sempre como uma questão: o que fazer diante do rosto de outrem? Entretanto, a política implica multiplicidade e uma diversidade de interesses que invocam a soberania da liberdade e a igualdade de direitos. Então, como a ética da alteridade, marcada por uma relação eu-outro, poderia se aplicar a esse espaço de multiplicidade, marcado por uma relação nós-eles, e de constante luta por hegemonia que é o mundo político? Pois bem, acredito que seja, até certo ponto, intuitivo compreender que determinados parâmetros e princípios que se colocam na relação eu-outro também se colocam na relação nós-eles, sobretudo de compreensão da alteridade e de consideração pelo outro, guardadas as devidas proporções. Porém, sem dúvidas há diferenças marcantes e até mesmo intransponíveis entre o duo da relação ética, nos termos da filosofia levinasiana, e o múltiplo da relação política. Daí ser pertinente o receio de Gérard Bensussan (2009BENSUSSAN, Gérard. Ética e experiência: a política em Levinas. Passo Fundo: IFIBE, 2009.) no que concerne a essa transição. Para elucidar o problema, Bensussan faz uma referência a Lévinas em que este afirma que a justiça que envolve toda a sociedade é um tema que diz respeito a questões que tratam de coisas como comparação, ajuntamento, ordem, inteligibilidade do sistema e uma copresença em pé de igualdade, tudo isso em sincronia, junto-em-um-lugar (LÉVINAS, 2011LÉVINAS, Emmanuel. De otro modo que ser o más allá de la esencia. Salamanca: Sígueme, 2011., p. 237). Então, comenta Bensussan (2009BENSUSSAN, Gérard. Ética e experiência: a política em Levinas. Passo Fundo: IFIBE, 2009., p. 42),

o comum, a comunidade, a política, a Justiça - a supor que estes termos sejam equivalentes, o que não são estritamente - são então reclamados como “estar-junto-num-lugar”. Eles são “necessários”. Mas isso a partir do “não lugar da subjetividade”, a partir desse fora-de-lugar que é a responsabilidade. Todo o problema está aí.

De fato, ainda que ideias relacionadas à compreensão da alteridade e de consideração pelo outro possam intuitivamente ser transportadas da ética para a política, permanece o problema, especialmente na ética da alteridade de matriz levinasiana. Isso porque, para esse autor, o duo da relação ética remonta à constituição pré-original do sujeito e estrutura um tipo curioso de subjetividade sempre posta em questão a partir de uma alteridade que virá para provocá-la e desestabilizá-la, como um in-finito que se coloca no finito. Esse infinito que é outrem vem de outro lugar - alteridade - para me arrebatar do lugar do mesmo. A assimetria que existe nessa relação é evidente. Não sou eu quem salva o outro, é o outro que me salva, pois permite a constituição da minha subjetividade, sempre provocada e em construção. Além disso, não cabem mediações nessa relação. A única alteridade verdadeira é a do rosto do outro diante de mim e que me interpela do fundo de seus olhos. O semblante do outro é um infinito que se abre diante de mim e, ao mesmo tempo, escancara a responsabilidade que eu tenho sobre ele que está à minha frente, face a face comigo. Daí que, nessa relação ética, o eu se coloca como um “eis-me aqui”, em forma de passividade, que é uma entrega amorosa tão radical que, segundo Lévinas (2011LÉVINAS, Emmanuel. De otro modo que ser o más allá de la esencia. Salamanca: Sígueme, 2011., p. 182-188), a minha responsabilidade substitui a responsabilidade de outrem.

Ora, parece manifesto que tais características da relação eu-outro, que são próprias da ética no sentido do face a face de que fala Lévinas, não se aplicam às relações políticas estabelecidas no âmbito do nós-eles. Na política não deve haver assimetrias, ao menos por duas razões. Em primeiro lugar, porque não são os outros da relação política - eles - que nos salvam, ao contrário, são adversários que ameaçam nossa posição na busca de hegemonia. Em segundo lugar, porque as assimetrias na política, geralmente, assinalam desigualdades que impedem ou dificultam a busca por justiça. Outro aspecto de incongruência entre o plano da ética e o da política é aquele das mediações e categorizações. No duo da relação ética, não se admitem mediações, e a presença do outro no face a face é imprescindível, já que o rosto é a própria epifania da ética. Pela mesma razão, a ética não admite categorizações, representações e comparações, pois tudo isso abstrai a pessoa das suas condições concretas e acaba por capturar o sujeito - o outro - em conceitos ontológicos que lhe esvaziam de sua singularidade e alteridade. Contudo, nas relações políticas é comum e corrente que se lide com ideias, categorias ideológicas e até mesmo interesses que independem do rosto de outrem. Muitas vezes, o rosto desaparece diante das representações, sejam tais representações institucionais, como no aparelho de Estado, sejam ideológicas, como nos partidos e coletivos políticos, sejam identitárias, como em certos movimentos sociais. Da mesma forma, a política necessariamente implica categorizações, comparações e cálculos, até para que se possa debater e fundamentar propostas de ações institucionais e sociais, especialmente aquelas que pretendem a igualdade e a justiça. Por fim, nas relações políticas não se espera a passividade da entrega amorosa na forma do “eis-me aqui” nem a substituição das responsabilidades. Ocorre exatamente o contrário. Na busca pela hegemonia, o agente da ação política não se entrega, ele combate na defesa de suas convicções. Da mesma forma, ele não pretende assumir a responsabilidade do outro. Especialmente tratando da relação nós-eles, o que se pretende é chamar a atenção de toda a sociedade para a responsabilidade que “eles” têm sobre os problemas, as agruras e as injustiças que afetam a todos ou a parte da sociedade.

Por todas essas diferenças entre a relação ética e a relação política, é preciso prudência para falar da ética da alteridade, na matriz levinasiana, como fundamento para a política. Entretanto, ainda que existam diferenças marcantes que exijam certa cautela na transição da ética ao político, ainda assim parece possível e necessário propor a ética da alteridade como fundamentação extramoral para a democracia, especialmente em tempos de fortalecimento do eu - egocentrismo e egoísmo - e repúdio ao outro - indiferença, rejeição e ódio. Acredito que os aspectos intuitivos disso, como as ideias ligadas à compreensão da alteridade e de consideração pelo outro, já seriam suficientes para sustentar tal proposição. Porém, é possível oferecer outras razões. A primeira delas, e provavelmente a mais importante, diz respeito ao problema da inversão antiética. Aqui, o risco é de que na relação política se faça uma inversão assimétrica da assimetria da ética, de tal forma que o eu diria “o outro sou eu”. Nessa inversão antiética, ocorre uma assimilação totalitária do outro que sufoca a diversidade e acaba com a democracia. Se aplicada essa totalização nas lutas por hegemonia, isso levaria a uma espécie de descaracterização dos antagonismos e das diferenças, produziria um discurso do tipo “todos são a mesma coisa” e haveria uma totalização da política e, por conseguinte, o desaparecimento do político (que é necessariamente plural e agonístico). Certamente, essa totalização interessa, basicamente, àqueles que, em dado momento, concentram o poder político, pois, ao dizerem que não há diferença entre eles e os que lhes fazem oposição, acabam por desqualificar a própria oposição.

Outra maneira de realizar a inversão antiética é quando a afirmação que diz “o outro sou eu” expressa, ainda que indiretamente, que eu sei quais são todas as necessidades, os interesses e as convicções do outro, portanto, estou habilitado a falar por ele. Nesse caso, ocorre um deslocamento do eixo nós-eles, pois não se trata de um grupo político falando acerca do grupo adversário, mas de um ou mais grupos políticos que se apresentam como os únicos porta-vozes legítimos da sociedade, esta sim colocada no lugar do outro ou do “eles”. Há um totalitarismo, que muitas vezes passa despercebido, no discurso de quem apresenta as suas próprias percepções e experiências como se fossem as percepções e experiências de todas as demais pessoas. No plano político, isso acontece quando um grupo se arvora a falar “em nome do povo”, como se fosse o povo. De qualquer forma, a inversão antiética não apenas revela o abuso distorcivo da ação política, mas reclama por aquilo que ela não é: uma política justa (BENSUSSAN, 2009BENSUSSAN, Gérard. Ética e experiência: a política em Levinas. Passo Fundo: IFIBE, 2009., p. 23).

3. A ética como fundamento extramoral da política

Mesmo tratando da ética a partir de uma relação eu-outro, Lévinas estava atento à questão da política. Em De outro modo que ser ou além da essência, ele afirma que a proximidade com o outro - relação ética - acaba por apresentar o problema da relação com uma “conjunção de entes” (LÉVINAS, 2011LÉVINAS, Emmanuel. De otro modo que ser o más allá de la esencia. Salamanca: Sígueme, 2011., p. 236). Essa conjunção de entes postula um sentido de coletividade que é expresso na figura do próximo do próximo ou, como fala Lévinas, o terceiro da relação. Esse terceiro interrompe de alguma maneira o duo da ética para inserir o tema da sociedade e faz surgir uma questão nova para além do momento pré-originário do face a face:

Se a proximidade me ordenasse apenas ao outro, “não haveria problema” em qualquer sentido do termo, nem mesmo no mais geral. O problema não teria nascido, nem a consciência, nem a consciência de si mesma. A responsabilidade para com o outro é uma imediação anterior ao problema; é precisamente proximidade. É perturbada e torna-se um problema desde a entrada do terceiro. O terceiro é outro que não o vizinho, mas também é outro vizinho, é também vizinho do Outro e não simplesmente seu semelhante. O que, portanto, são o outro e o terceiro, um para o outro? (LÉVINAS, 2011LÉVINAS, Emmanuel. De otro modo que ser o más allá de la esencia. Salamanca: Sígueme, 2011., p. 236-237)

Com o surgimento do terceiro, estamos certamente no terreno da política. Essa opção de Lévinas por colocar a ética em um momento pré-originário de constituição do humano, portanto intersubjetivo, mas anterior à política, revela uma preocupação em não permitir que a fusão da ética com a política acabe produzindo formas totalitárias de convivência, como se o Estado fosse um princípio de realização ética ou moral da sociedade (CARRARA, 2010CARRARA, Ozanan Vicente. Lévinas: do sujeito ético ao sujeito político. Elementos para pensar a política outramente. Aparecida: Ideias e Letras, 2010., p. 150-151). É preciso esclarecer: nem tudo é política. E a política receber influxos e provocações que venham de fora dela é uma coisa boa, pois permite uma reflexão ou um exame sobre o político a partir de referências que não estejam viciadas pelo grande pragmatismo das relações políticas. Todavia, é fundamental que fique claro que essa distinção filosófica estabelecida por Lévinas não pode ser entendida como uma oposição ou como se fosse um dualismo que estabelecesse uma distância inalcançável entre os planos da ética e da política. Conforme a citação anteriormente apresentada, vale notar que o terceiro se apresenta a mim a partir da relação que tenho com o outro, e estabelece uma indissociabilidade entre mim e o outro e mim e o terceiro, ou seja, uma indissociabilidade entre ética e política. Esse é o ponto central do argumento de Madeleine Fagan (2009FAGAN, Madeleine. The Inseparability of Ethics and Politics: Rethinking the Third in Emmanuel Levinas. Contemporary Political Theory, [s. l.], v. 8, n. 1, p. 5-22, 2009., p. 20) ao afirmar que, “para Levinas, o ético e o político estão interligados por meio da figura do Terceiro”. Porém, diferentemente de Fagan, não acreditamos que a relação política seja inevitavelmente constitutiva do plano da ética no pensamento de Lévinas, mas estamos de acordo que existe um laço que une ambos os planos, e tal laço é a figura humana do terceiro, pois ele dá sequência à responsabilidade anterior que já existia no duo ético.

Na relação ética, eu tenho uma responsabilidade fundamental que decorre da proximidade, do rosto do outro que se apresenta diante de mim como súplica e exigência. Porém, o terceiro assinala uma multiplicidade que me arranca da proximidade do outro para me fazer pensar sobre o fato de que existem outras relações intersubjetivas, ainda que estejam fora do meu campo de visão e até mesmo de afetação. Estar fora da proximidade exige reflexão ou, no dizer de Lévinas, consciência. Por meio da consciência, minha responsabilidade é ressignificada para alcançar uma esfera mais ampla. Ainda que não sejam o mesmo tipo de responsabilidade - a responsabilidade que brota da proximidade e a responsabilidade que brota da consciência -, ambas seguem como responsabilidades assentadas sobre a preocupação e a consideração pelo outro. Novamente Lévinas (2004LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. Petrópolis: Vozes, 2004., p. 247-248):

O terceiro, outro que o próximo, é também meu próximo. E ele é também próximo do próximo... Seria, para mim, faltar à minha responsabilidade de eu - à minha responsabilidade prejudicial para com um e para com outro, meus próximos - ignorar, por causa desta responsabilidade anterior a todo julgamento, desta proximidade, as injustiças de um em relação ao outro. Não se trata, aqui, de levar em conta eventuais prejuízos, que eu tivesse sofrido de um ou de outro, ou de desmentir meu des-interessamento; trata-se de não ignorar o sofrimento de outrem que incumbe à minha responsabilidade.

Essa responsabilidade que se estende da ética à política revela a ideia de uma política eticamente orientada, porém em um sentido extramoral, isto é, sem definir concepções de bem ou eleger valores e princípios. Propõe exclusivamente o sentido do humano e do cuidado como a base das relações sociais e mantém a liberdade subordinada à responsabilidade. Daí que esse plano político se liga, nessa linha de raciocínio, à exigência da justiça. Tal exigência, por um lado, é extramoral porque se assenta na questão da responsabilidade. Na ética, a responsabilidade decorre da proximidade com o outro; já para a política, a responsabilidade decorre da consciência reflexiva provocada pelo surgimento do terceiro. Por outro lado, não há dúvida de que a exigência de justiça assinalada por Lévinas especificamente no campo da política também abre a possibilidade de se fazer uma série de elaborações em torno das categorias, das representações, dos cálculos e dos valores que devem embasar a justiça entre os homens, bem como entre os homens e o mundo que coabitam. Nesse caso, já estaríamos saindo do plano extramoral para adentrar na moralidade própria das teorias normativas da justiça, com maior ou menor embasamento fenomenológico.

Como nossa pretensão é permanecer exclusivamente no aspecto extramoral, cabe enfatizar a questão da responsabilidade como um esforço para evitar, ao menos, duas coisas: (i) que a política seja brutalmente instrumentalizada por interesses egoísticos de pessoas e grupos; (ii) que o político - busca de hegemonia - seja sabotado por estratégias políticas de indiferença ao outro, dominação e ódio. Isso implica assumir que, se é bem verdade que o político é o campo inevitável das lutas por hegemonia, também é verdade que, de um ponto de vista ético, essas lutas devem ser feitas com responsabilidade, seja pelo outro (e pelo outro do outro), seja pelo processo por meio do qual ocorrem essas lutas. Uma consequência importante disso é que essa ética impõe uma coerência entre meios e fins, isto é, a busca por fins libertários, igualitários e emancipatórios deve implicar e respeitar meios igualmente libertários, igualitários e emancipatórios. A responsabilidade ética na política não permite que, em nome dos valores morais pelos quais se luta, sejam adotadas estratégias por intermédio das quais se sacrifiquem os próprios valores morais pelos quais se luta.

Outra consequência importante ao adotar a ética da alteridade como fundamento para a democracia é a renúncia crítica às pretensões totalizantes e totalitárias que pretendem reduzir a política ao pensamento único. Nesse sentido, a ética da alteridade funciona também como uma ética do dissenso (ZIAREK, 2002ZIAREK, Ewa. An Ethics of Dissensus: Postmodernity, Feminism, and the Politics of Radical Democracy. California: Stanford University Press, 2002.). A alteridade expressa diferença, e tais diferenças no plano político consistem em desacordos. Os desacordos fundados no posicionamento de um ou mais grupos políticos que sustentem concepções de bem ou ideias políticas que acarretem a violação do outro na forma da exclusão, da opressão, da exploração, da dominação e do servilismo, não podem ser considerados razoáveis e, com efeito, não podem ser eticamente admissíveis. Por outro lado, desacordos que decorram de diferentes concepções de bem e de diferentes doutrinas filosóficas, morais e religiosas que não acarretem a violação do outro nas formas anteriormente mencionadas, podem ser considerados desacordos razoáveis e, nesse sentido, expressam dissensos que devem ser entendidos como típicos da política democrática e da própria vida em sociedade.

O ponto relativo ao dissenso suscita outro tema importante e sensível da vida política e que deve ser pensado: a questão da tolerância e o respectivo problema da intolerância. Na perspectiva estritamente levinasiana, a ideia de tolerância é superada pela radicalidade da entrega do eu diante do outro por meio do “eis-me aqui”. Suponho que todos concordariam que se entregar é muito mais do que tolerar. A tolerância estaria lá na linguagem totalizante da ontologia, ao passo que a entrega, esta sim, seria encontrada aqui na linguagem da ética. Por isso, aquela entrega radical do eu tornaria vencida a questão da tolerância, ao menos no duo ético. Contudo, mesmo para Lévinas, ainda resta o plano da comunidade de entes - da política - que reclama a justiça. Nesse plano, a tolerância se faz uma questão importante na relação que estabelece com a justiça. Assim, vale destacar como premissa que a consideração pelo outro e a responsabilidade que todos temos sobre o outro e o terceiro exigem uma atitude comprometida com o zelo e o cuidado. Além disso, o apreço pela alteridade também supõe, como já visto com Rosenzweig (2000ROSENZWEIG, Franz. The New Thinking. In: ROSENZWEIG, Franz. Philosophical and Theological Writings. Indianápolis: Hackett Publishing Company, 2000.), o reconhecimento da diversidade e da multiplicidade do mundo. Unindo esses dois aspectos, a fórmula mais simples que vem à nossa intuição pode ser descrita como: mesmo sendo diferente, e até divergindo do outro, devo aceitar a manifestação de sua diferença e manter-me responsável sobre ele. Essa seria a noção geral mais básica da tolerância no contexto de uma ética da alteridade. Porém, a questão da tolerância invoca também o paradoxo da tolerância, qual seja: se tudo for tolerado, até a intolerância será tolerada e, nesse caso, não haverá mais tolerância. Assim, é preciso buscar referências mais concretas acerca do que deveria ou não ser tolerado, especialmente na política democrática, que é o objeto da presente reflexão.

4. A questão da tolerância na política eticamente fundamentada

Para o Direito, a liberdade de consciência inscrita nas constituições modernas é o alicerce fundamental para o dever da tolerância. Em sociedades democráticas, o direito à liberdade de consciência deve ser plenamente protegido, bem como os direitos à liberdade de expressão e à liberdade de associação, que lhes são corolários. Todavia, isso não quer dizer que esses direitos sejam absolutos, pois eles devem ser compreendidos no contexto do sistema que caracteriza o Estado de Direito. Assim, não é estranha ao mundo jurídico a ponderação por meio da qual se admite algum nível de restrição desses direitos, desde que com base em outros direitos constitucionais e desde que essa restrição possa evitar um mal maior do que ela mesma já representa. Além das inevitáveis ponderações e dos sopesamentos que são feitos no mundo jurídico, a atividade legislativa também faz restrições e até mesmo a interdição de certas condutas, em que pese o direito constitucional à liberdade de consciência. Tanto a experiência histórica quanto os valores morais de dada sociedade funcionam como base para que o legislador faça escolhas justificadas de condutas que são reprovadas e até mesmo criminalizadas. Esse é o caso das normas antidiscriminatórias, como a legislação que criminaliza a prática do racismo. Diante de casos como esses, convém levar em consideração que, de maneira geral, o Direito não se importa com o que as pessoas pensam, mas sim com o que elas fazem, razão pela qual certas condutas são vedadas e até mesmo criminalizadas. Isso quer dizer que as pessoas não precisam concordar com os termos da lei, mas sim obedecê-la. É bem verdade que em alguns casos a liberdade de consciência pode ser invocada como fundamento para o não cumprimento da lei, como na hipótese de um médico que se nega a fazer uma cirurgia juridicamente autorizada de interrupção de uma gravidez ou, ainda, de um jovem que se nega ao serviço militar obrigatório. Tais situações podem nos remeter aos debates acerca da objeção de consciência e da desobediência civil, que são concomitantemente jurídicos e morais.

Contudo, a questão da tolerância não se dirige exclusivamente ao Direito. Aliás, antes mesmo do Direito, é uma questão que se coloca para a ética. Até porque, na vida social, inúmeras condutas podem acontecer sem uma regulamentação legal específica, ainda que invoquem o direito à liberdade de consciência, de expressão e de associação, e tais condutas provavelmente produzirão reflexos na relação com o outro. Pois bem, a noção geral da tolerância e a sua importância em sociedades democráticas parecem evidentes, mas resta o problema do paradoxo da tolerância. Nesse sentido, o problema ético fundamental é o seguinte: deve-se tolerar os intolerantes? Para responder a essa pergunta, é oportuno esclarecer que se está falando aqui da intolerância que se manifesta no contexto de desacordos razoáveis. Uma pessoa que não tolera a participação de outras no debate público em função de divergências acerca de concepções de bem seria o exemplo de uma intolerância em função de um desacordo que não é razoável. Esse tipo de intolerância claramente não deve ser tolerado, pois, além de desarrazoado, inviabiliza os valores ético e político da alteridade. Porém, existe um tipo de intolerância semelhante à de uma pessoa que diz: “Nada do que você fala merece ser ouvido ou vai mudar a minha opinião, pois as minhas razões são melhores do que as suas” ou ainda “o seu modo de vida é degradado e o meu modo de vida será sempre melhor do que o seu”. É sobre esse tipo de intolerância que se pergunta: deve-se tolerar os intolerantes?

A premissa fundamental para a resposta a essa questão é de que o igual direito à liberdade de consciência é extremamente relevante para uma sociedade democrática e plural, que pretenda acolher a diversidade em vez de sufocá-la. Além disso, a consideração ética do absolutamente outro exige do “eu” a disposição para ouvir e compreender esse outro. O fato de o outro manifestar coisas das quais eu venha a divergir e até mesmo que me ofendam não me desobriga da responsabilidade que tenho com ele. Com efeito, prima facie, a resposta da pergunta é: sim, deve-se tolerar até mesmo os intolerantes. Observe que essa é uma resposta ética para evitar totalitarismos morais, pois não tolerar os intolerantes envolve a realização de um juízo moral acerca de qual concepção de bem seria certa e qual seria errada. E nesse sentido vêm as perguntas: quem está apto a julgar as escolhas morais do outro? A única concepção de bem correta é a minha? Essas questões conduzem a um debate infindável, e o resultado pode ser que não tolerar a intolerância produza ainda mais intolerância. Entretanto, como dito antes, tolerar o intolerante é um dever que se coloca prima facie, exatamente para evitar que em nome da tolerância sejam perpetradas mais intolerâncias. Porém, pode haver situações nas quais o outro se coloque para o eu não como uma relação constitutiva da subjetividade, mas como relação que pretende aniquilar a subjetividade: o eu diante do seu carrasco. A figura típica do carrasco é daquele que usa uma máscara e, ao ocultar o rosto, impede uma relação ética. É de se esperar que todos resistam ao carrasco, mas quem se entrega a ele faz o sacrifício supremo de imolar o próprio corpo, atingindo um nível de transcendência que raramente é alcançado. De qualquer forma, com ou sem sacrifício, o carrasco interrompe a relação ética. Em casos como esse, em que o intolerante age como um carrasco e a relação ética está interrompida, cessa aquele dever ético de tolerar os intolerantes.

Quando passamos propriamente ao domínio político, a primeira exigência que decorre de uma ética da alteridade é que não se transforme a luta por hegemonia em manifestação de intolerância. Por certo, poderia ser argumentado que já existe uma incompatibilidade conceitual entre hegemonia e intolerância. Isso porque a busca por hegemonia envolve convencimento, formação de alianças e de consensos, ainda que provisórios, enquanto a intolerância faz precisamente o oposto, ela é excludente e agressiva em relação ao diferente. Ainda que em regra geral seja assim, não é nenhum absurdo imaginar processos de construção de hegemonia com práticas excludentes e com a formação de alianças truculentas e agressivas, que expressem intolerância tanto em micro quanto em macrorrelações políticas.

Sendo aceitável supor que uma prática política assim seja factível, então é necessária e importante a exigência ética de não transformar a luta por hegemonia em manifestação de intolerância, especialmente em momentos de acirramento dos antagonismos e até de ódio. A despeito dessa exigência da ética da alteridade, é possível que o antagonismo próprio do político acabe descambando para relações políticas mais virulentas e lancinantes, a ponto de adentrar no terreno da intolerância. Isso porque as convicções políticas, via de regra, expressam concepções de bem e conceitos acerca do que seja uma vida boa que podem colidir com diferentes formas de pensar e de viver. Algumas doutrinas religiosas, morais e filosóficas podem ser mais intransigentes, fazendo com que os seus adeptos se posicionem nas relações políticas de maneira igualmente intransigente, até o ponto de se chegar à intolerância. Pois bem, nas relações políticas segue valendo o dever prima facie de tolerar os intolerantes. Portanto, não se pode querer que as instituições do mundo político, com ênfase no Estado, seja na forma legislativa, seja na administrativa, seja na judiciária, utilizem o argumento da intolerância para cercear a liberdade de consciência, expressão e associação de grupos que se manifestam na vida social em geral e nas relações políticas em particular. Dizer que o outro está sendo intolerante pode ser uma desculpa para restringir a liberdade de consciência e de ação política. Por isso, é preciso muita cautela para lidar com aquilo que se chama de intolerância, especialmente na esfera do político.

Entretanto, como dito anteriormente, o dever ético de tolerar o intolerante se dá de forma prima facie, inclusive nas relações políticas. Da mesma maneira que na minha relação direta e pessoal com o outro pode surgir a figura do carrasco que pretende aniquilar minha subjetividade, nessa esfera da “comunidade de entes”, da sociedade política, certos agentes ou grupos políticos podem assumir o lugar do carrasco para aniquilar minha subjetividade política, isto é, minha condição de cidadão livre e igual, apto ao debate público e à tomada de decisões. No âmbito do político, não se pode esperar a imolação sacrificial do corpo na forma de uma entrega ao carrasco, até porque o próprio corpo expressa um modo de resistência e de luta política. Por isso, politicamente, só faria sentido doar-se ao carrasco se isso fosse uma maneira de radicalidade da luta para promover uma comoção que ampliasse os adeptos da sua própria causa. Porém, essa seria uma doação com motivações estritamente políticas e jamais se poderia esperar algo assim em nome da ética. Com isso, permanece o limite ético para a tolerância aos intolerantes nas relações políticas. Contudo, não tolerar os intolerantes implica uma limitação da liberdade de consciência e de seus corolários, assim, vale repetir, é indispensável que a intolerância para com os intolerantes evite a ocorrência de um mal maior do que o mal em si que caracteriza o cerceamento da liberdade de consciência.

Quais seriam, então, as situações em que cessaria o dever de tolerar os intolerantes e iniciaria o dever ético de denunciar as formas de pensar, de agir e de viver que perpetram a intolerância? Embora a resposta a essa pergunta possa ser sempre renovada conforme o contexto, o momento e a situação particular dos agentes envolvidos, proponho as seguintes situações como pontos a partir dos quais já não se deve mais tolerar os intolerantes: quando a intolerância coloca em risco a integridade (física ou psíquica) dos tolerantes; quando a intolerância viola direitos constitucionais; quando a intolerância impede o compartilhamento de espaços públicos; e quando a intolerância ameaça ou viola a ordem pública e o próprio sistema democrático. Entendemos como ordem pública as condições institucionais necessárias ao exercício das atividades pessoais e das capacidades políticas da pessoa. Como dito anteriormente, nesses casos, não apenas cessa o dever de tolerar os intolerantes, mas inicia o dever ético de denunciar essas manifestações de intolerância.

5. A exigência ética da escuta na política

Um dos maiores desafios que resulta da propositura da ética da alteridade como fundamento extramoral para a política pode ser algo surpreendentemente óbvio: a coragem de ter no outro um interlocutor, ainda que seja um adversário, afinal todos estão entrelaçados no debate público. Para a relação ética, conforme Lévinas a descreve, o rosto do outro apresentado à minha face faz dele um interlocutor, antes de ser objeto de minha compreensão. Isso torna possível que o outro manifeste o seu dizer (ética) antes daquilo que pode ser dito (ontologia) sobre ele. Diz Lévinas (2004LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. Petrópolis: Vozes, 2004., p. 27): “[...] compreender uma pessoa é já falar-lhe. Pôr a existência de outrem, deixando-a ser, é já ter aceito essa existência, tê-la tomado em consideração”. Nesse sentido, não seria a consciência a origem da linguagem, mas uma presença, uma proximidade que desperta a linguagem e por meio dela resulta uma consciência. Para Lévinas, essa relação não pode ser considerada política, visto que a política - multiplicidade de entes - surge apenas com a figura do terceiro, contudo, o diálogo se mantém como referência da ética para a política. E o próprio Lévinas (2004LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. Petrópolis: Vozes, 2004., p. 46) afirma isso em tom bem realista: “[...] que o diálogo seja chamado a exercer um papel privilegiado na obra da justiça social, acabei em certo sentido de afirmá-lo, mas ele não pode assemelhar-se à sociedade íntima e não é a emoção do amor que o constitui”. Mesmo que o diálogo na política não resulte da afetação como é na relação ética, até porque o terceiro é alguém com cujo rosto nós não nos deparamos necessariamente, ainda assim ele se mantém como imprescindível, mas agora como ato da consciência. O receio de Lévinas é de que, nessa relação impessoal da política, a existência dos interlocutores se reduza aos conceitos que são formulados sobre eles e esvazie a pessoa de sua própria existência. Teríamos, nesse caso, não um diálogo, mas uma reverberação de vozes em uma grande caixa de ressonância vazia. Daí Lévinas (2004LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. Petrópolis: Vozes, 2004., p. 49) afirmar de forma dura: “[...] o discurso impessoal é um discurso necrológico”.

Portanto, o desafio ético da política democrática é promover conscientemente o diálogo antes dos rótulos, evitando que os preconceitos, políticos ou não, matem a capacidade de comunicação. Do ponto de vista das instituições sociais, isso significa a instauração e a manutenção de um arranjo institucional que favoreça esse diálogo. Também implica que figuras de Estado - governantes e legisladores em geral - tenham um comportamento que utilize e incentive o diálogo. Do ponto de vista dos grupos políticos - nós e eles -, isso significa a capacidade de dialogar com civilidade e sinceridade, sem imposição de rótulos, e enfrentar o debate público das ideias sem recorrer a subterfúgios falaciosos, como o argumento ad hominem. Em um ambiente político como esse, forjado em bases dialógicas, a democracia tem mais chances de não ser exaurida em conflitos políticos evitáveis para poder voltar-se a problemas estruturais graves que ocorrem em função de desigualdades econômicas e culturais. Assim, independentemente das disputas por hegemonia entre as forças políticas, a sociedade como um todo pode se beneficiar do dissenso e elevar sobremaneira o nível do escrutínio político.

A busca de uma fundamentação ética para a política, nesse sentido extramoral que pretendemos, permite uma compreensão da justiça para além da retórica dos grupos políticos. Não que o que esses grupos tenham a dizer sobre a justiça esteja errado, mas porque o ambiente de disputa marcado pelo ódio e pelo antagonismo como forma de expulsão do outro inviabiliza o próprio debate acerca de um senso público de justiça. Quando uma força política pretende calar a outra, esse arroubo totalitário também a torna mouca e incapaz de auscultar a sociedade, especialmente o sofrimento vivido pelos terceiros. Uma exigência ética de primeira grandeza, e para além das estratégias de poder, é que todos os grupos políticos de uma sociedade democrática - nós e eles - sejam capazes de ouvir as vozes daqueles que sofrem na pele as contradições de uma sociedade injusta, aqueles para os quais muito do que está escrito na constituição não passa de uma promessa distante ou bela fantasia. Aqueles que sofrem injustiças sociais e são penalizados com privações e desigualdades imerecidas. Nenhum grupo político detém o monopólio para falar sobre essas pessoas e ninguém melhor do que elas mesmas para falarem sobre a própria realidade e sobre o tipo de justiça social que a sociedade precisa. Contudo, muitas vezes a política institucionalizada, absorvida pelas rivalidades ou, pior, tomada pelo ódio e por práticas fascistas, não tem interesse ou perde a capacidade de ouvir aqueles que deveriam ser ouvidos antes de tudo. Por isso, as vozes dos que sofrem as injustiças sociais precisam se afirmar como quem grita para ser ouvido, como um grito dos excluídos, como quem responde antes mesmo de vir a pergunta; mas não se afirmam apenas pela voz, também são capazes de dar testemunho das injustiças muitas vezes somente com a presença de seu corpo. Elas dizem mesmo sem dizer. E, em casos mais dramáticos, dizem até com a ausência. A ausência do corpo morto pela ordem social, ausência essa que testemunha o sofrimento de comunidades inteiras. Esse testemunho invoca uma cumplicidade, uma proximidade, ou, como diz Lévinas (2011LÉVINAS, Emmanuel. De otro modo que ser o más allá de la esencia. Salamanca: Sígueme, 2011., p. 229), uma abertura de si na forma de um-para-o-outro.

Essa escuta que reinstaura a proximidade ética, mesmo no campo da política, reafirma a importância da alteridade, mas não propriamente como diferença entre grupos políticos e desacordos razoáveis, e sim como o apelo feito a partir da singularidade radical do rosto daqueles que mais sofrem as injustiças sociais. Estes são os que não podem aguardar o longo tempo da política institucional e, por isso, requisitam o tempo do agora, já que as marcas que carregam no corpo expressam, em certo sentido, a história de toda a humanidade que se concentra em um único instante. Falando a partir da mesma tradição messiânica na qual se inserem Franz Rosenzweig e Emmanuel Lévinas, Walter Benjamin (2013BENJAMIN, Walter. O anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica, 2013., p. 20) diz o seguinte na sua Tese XVIII sobre o conceito da história: “[...] o Agora, que, como modelo do tempo messiânico, concentra em si, numa abreviatura extrema, a história de toda a humanidade, corresponde milimetricamente àquela figura da história da humanidade no contexto do universo”. O agora é o modelo do tempo messiânico, pois é aquele que não pode esperar pela salvação no tempo vazio do relógio. Ele diz respeito àqueles que vivem e encarnam a urgência, uma vez que a sua história é a própria expressão da fatalidade. Como afirma Benjamin (2013BENJAMIN, Walter. O anjo da história. Belo Horizonte: Autêntica, 2013., p. 14), o anjo da história está atento a isso, às ruínas e aos mortos lançados aos seus pés, e a única forma de salvar os destroços e reviver os mortos para conter a catástrofe é interromper o curso da história no momento presente - o tempo do agora -, porém a história progride na forma de uma tempestade que impede o trabalho do anjo. Para que o presente não repita as barbáries do passado, é preciso interromper o curso da história, o que deve ser feito ouvindo as vozes proféticas, pois estas são as que podem dar o testemunho do sofrimento que sentem, as que estão sendo asfixiadas com o joelho da ordem sobre os seus pescoços e já não podem respirar e, por isso, não podem aguardar o transcorrer do tempo vindouro. Tais vozes falam sobre a injustiça de agora e, de uma perspectiva ética, precisam ser ouvidas para provocar fissuras na política que permitam novas possibilidades de convivência democrática e pacífica para todos (LÉVINAS, 2004LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre a alteridade. Petrópolis: Vozes, 2004., p. 248-249).

Convém deixar claro aqui que a atitude ética, conforme proposto pela ética da alteridade, depende do dado material e concreto, ou fenomenológico, que é a figura do outro ou daquele terceiro, outro do outro. Em outras palavras, a transcendência de si depende da imanência do outro que, em sua concretude, afeta meu pensar e minha existência. Os raciocínios totalmente abstraídos da realidade por sua forma lógica são paradoxalmente limitados pela sua própria universalidade. Certamente que o modelo kantiano dos imperativos categóricos é importante (KANT, 1980KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Coleção Os Pensadores)., p. 128-140), mas na ética da alteridade o humano não se escuta em uma fórmula a priori da razão ou em processos mentais que podem ocorrer com o indivíduo sozinho em um ambiente isolado. É eticamente correto dizer que a humanidade existente em todos não pode ser usada como um meio e deve ser respeitada como um fim. Contudo, essa humanidade deve ser entendida a partir de pessoas concretas, com histórias reais e que vivem sob condições materiais específicas, até para que as súplicas e as exigências do outro, que constituem a humanidade expressa no seu rosto, sejam corretamente entendidas.

Considerações finais

Uma política eticamente fundamentada não pode ser considerada uma pretensão ingênua ou uma meta inatingível. Ela revela a importância da responsabilidade como base do fazer político e uma esperança de manter a política para além do egocentrismo, do egoísmo, da indiferença e do ódio. Por seu turno, essa responsabilidade no âmbito do político implica uma política sempre interpelada pela ética, provocada nas suas pretensões e interrogada quanto aos meios que propõe. Uma política convidada a se abrir para ouvir as vozes proféticas que gritam pela urgência do humano, em que esse humano não pode ser entendido de maneira exclusivamente formal. Tudo isso aponta para uma política que se deixa inquirir pelo além do político para se tornar mais humilde, desafiada e desafiadora; que não se rende às tentações totalitárias e que não permite a conversão de um processo legítimo de luta por hegemonia em práticas de expulsão, destruição e extermínio.

Em um primeiro momento, essa abertura da política à ética pode soar como uma exigência muito grande para a política, algo que demande uma superpolítica. Todavia, a pretensão é exatamente o oposto: uma política mais humilde, que admita que nem tudo é política, pois, como diz Gérard Bensussan (2009BENSUSSAN, Gérard. Ética e experiência: a política em Levinas. Passo Fundo: IFIBE, 2009., p. 57), a expressão “tudo é política” produz uma “descentralização extensiva da política que proíbe que se possa pensá-la em sua articulação com os seus fora-de-lugar e a palavra de ordem se inverte, então, em impensada, pobre e preguiçosa”. Trata-se de não abandonar a política a ela mesma, já que isso envolve um risco enorme de resultar em uma política sem limites, insensível, insensata e tirana. Para uma política assim agigantada, tudo seria possível, inclusive aquilo que há de mais cruel e atroz. E, como nos mostrou Benjamin, há boas razões para desconfiar de um rumo catastrófico da história. Por isso, afirmar que é imprescindível uma política feita de forma que em princípio parece impossível, mas que é necessária e urgente; que não seja alérgica à alteridade e que não seja totalizante; uma política factível, caracterizada pelo que o termo “factível” significa: algo difícil, mas que pode ser feito dessa maneira.

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    O presente artigo foi escrito como parte de um projeto de pesquisa que possui apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - bolsa de Produtividade em Pesquisa nível 2 - e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - bolsa de Prociência.
  • Como citar este artigo: CUNHA, José Ricardo. Ética da alteridade como fundamento extramoral para a política em tempos de ódio. Revista Direito GV, São Paulo, v. 19, e2307, 2023. https://doi.org/10.1590/2317-6172202307

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    17 Jun 2021
  • Aceito
    07 Set 2022
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