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A luta pelos direitos ciganos no Senado Federal

The struggle for gypsy rights in the Federal Senate

Resumo

O presente artigo analisou de que modo a tramitação do “Estatuto do Cigano” no Senado Federal possibilita pensar as relações étnica-raciais e de gênero. Adotou-se recursos metodológicos inspirados na pesquisa etnográfica, intercalando técnicas como a observação participante dos autores, a análise de documentos e a realização de entrevistas, abertas e semiestruturadas, com os agentes públicos atuantes no processo legislativo em tela. Trata-se de uma pesquisa empírica que possibilitou deslizar o horizonte do trabalho antropológico para compreender a atuação do Estado em face da questão cigana no Brasil, percebendo que a criação de uma lei pode ser atravessada por disputas epistemológicas e negociações políticas que mobilizam agentes públicos dentro e fora do Poder Legislativo.

Palavras-chave:
Processo legislativo; Estatuto do Cigano; Territorialidade; Identidade étnica; Gênero

Abstract

This article analyzed how the processing of the “Statute of the Gypsy” in the Federal Senate makes it possible to think about ethnic-racial and gender relations. There are adopted methodological resources inspired by ethnographic research, interspersed with techniques such as participant observation of the authors, document analysis, and open and semi-structured interviews with public agents working in the legislative process on screen. It is a empirical research that made it possible to slide the horizon of anthropological work to understand the actions of the State in the face of the Gypsy issue in Brazil, realizing that the creation of a law can be crossed by epistemological disputes and political negotiations that mobilize public agents inside and outside the Legislative Power.

Keywords:
Legislative process; Statute of the Gypsy; Gender; Territoriality; Ethnic identity

Introdução

Desde os primeiros anos da colonização portuguesa, há registros de pessoas e famílias ciganas ocupando o território hoje conhecido como Brasil. Entre os séculos 16 e 18, uma série de instrumentos normativos foram emitidos pelo Reino de Portugal, que basicamente criminalizavam a existência cigana, proibindo práticas relacionadas à cultura deste povo, como o uso da própria língua, das vestimentas e das formas de organização social. As penas impostas variaram entre a prisão em galés, as agressões físicas, o degredo e a morte. As elites políticas, que passaram a governar o Brasil com a independência, em 1822, deram continuidade, em diferentes medidas, às políticas anticiganas, incorporando aos códigos criminais condutas associadas à cultura cigana; assim como naturalizando práticas discriminatórias nas atividades do Sistema de Justiça.

A contribuição dos povos ciganos para a formação sociocultural e econômica do Brasil, assim como as demandas por políticas públicas desta minoria étnica, encontram escassos espaços no debate público, seja no âmbito institucional, como também nos espaços acadêmicos. Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 e, sobretudo, a partir do início da década de 2000, percebe-se uma aproximação entre o Estado e a agenda por direitos reivindicada pelos movimentos e associações ciganas.

O presente artigo pretende analisar a tramitação do Projeto de Lei do Senado n° 248, de 29 de abril de 2015, que propõe a criação do “Estatuto do Cigano”, de autoria do Senador Paulo Paim (PT/RS). O texto inicial do PLS 248/2015 apresenta 19 artigos, que abordam as seguintes temáticas: o direito à saúde, à educação, à cultura, à saúde, à moradia, o acesso à terra, e a promoção da igualdade racial (BRASIL, 2015). Entre os anos de 2015 e o primeiro semestre 2020, esta proposta legislativa foi aprovada em duas comissões permanentes do Senado, a Comissão de Educação, Esporte e Cultura (CE), em 27/03/2018, e a Comissão de Assuntos Especiais (CAS), em 09/05/2018, ambos com a relatoria do Senador Hélio José (PMDB-PROS/DF). Desde então, o projeto aguarda ser discutido e aprovado na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), “em decisão terminativa”1 1 Segundo informação fornecida pelo próprio website do Senado Federal, decisão terminativa “é aquela tomada por uma comissão, com valor de uma decisão do Senado” (BRASIL, 2020). .

Parte-se do seguinte problema de pesquisa: de que modo a análise do processo legislativo do “Estatuto do Cigano” no Senado Federal possibilita pensar as relações étnica-raciais e de gênero, a partir da questão cigana? Nesse sentido, dividiu-se este trabalho em duas partes. No primeiro tópico, buscou-se refletir a condição cigana, em constante transformação e ressignificação, levando em conta como a tramitação do PLS 248/2015 tem abordado a questão da moradia e do acesso à terra, transcendendo a dicotomia nomadismo versus sedentarismo. Em seguida, no segundo tópico, discutiu-se como a problemática de “gênero” se manifestou neste processo legislativo, diante de mudanças no texto da proposta de lei que versam sobre o “direito à educação” e o “direito à saúde”.

Analisar o processo legislativo do “Estatuto do Cigano” é uma oportunidade para compreender como se dá a produção de uma lei envolvendo uma minoria étnica no Brasil. A maneira como a condição cigana é manejada no Senado Federal, ao longo da tramitação do PLS 248/2015, é atravessada pelos marcadores sociais de raça, etnia e gênero, que, em certa medida, reproduzem perspectivas estigmatizantes e pejorativas presentes no imaginário social da sociedade brasileira. A proposição, discussão e tentativa de aprovação deste projeto de lei são atravessados por uma série de disputas, que se dão dentro e fora do Congresso Nacional; que vêm mobilizando diferentes agentes públicos, estatais ou não.

Adotou-se, neste artigo científico, recursos metodológicos inspirados na pesquisa etnográfica, intercalando técnicas como a observação participante dos autores, a análise de documentos, escritos e audiovisuais, disponibilizados pelo Senado Federal, e a realização de entrevistas, abertas e semiestruturadas, com os agentes públicos atuantes na tramitação do “Estatuto do Cigano”.

Trata-se de uma pesquisa empírica que busca compreender a atuação do Estado em face da questão cigana, percebendo que a criação de uma lei pode ser atravessada por disputas epistemológicas e negociações políticas que mobilizam agentes públicos dentro e fora do Poder Legislativo. A inovação deste trabalho em relação a outros artigos já publicados, sobretudo na presente revista, dá-se justamente pelo fato de não haver precedentes de estudos no campo da Sociologia do Direito e da Antropologia Jurídica que pensem a produção do direito cigano no Brasil e que ao mesmo tempo reflita as implicações das essencializações em face de supostos aspectos culturais, que são associados a identidade desta minoria étnica, nas formulações das políticas públicas, em especial no aspecto da territorialidade e de gênero.

A pesquisa que foi empreendida deslizou o horizonte do trabalho antropológico para o universo do Estado. Mobilizou-se uma abordagem etnográfica dos documentos, inspirado nas pesquisas de Eva Muzzopappa e Carla Villata (2011), assim como uma perspectiva de pesquisa antropológica “para cima”, buscando compreender como funciona o Congresso Nacional (NADER, 2020NADER, Laura. “Para cima, Antropólogos: perspectivas ganhas em estudar os de cima”. Tradução de Mirian Sousa e Wellington Santos. Revista Antropolítica, Niterói, n. 49, 2020, pp. 328-356.). A opção feita neste artigo científico por realizar um trabalho antropológico, consistindo numa pesquisa empírica e qualitativa, possibilitou aos autores observar outros fatores que são fundamentais nas negociações pela aprovação de um projeto de lei, elementos que não poderiam ser identificados por meio de uma pesquisa tradicional do fenômeno jurídico, que se restringe ao “dever ser”.

1. O direito à territorialidade cigana

Um dos primeiros desafios para analisar a produção legislativa do “Estatuto do Cigano” é identificar quem são os principais agentes públicos, pessoas, associações e instituições, envolvidos na tramitação do PLS 248/2015. A compreensão das práticas estatais, em especial no âmbito do Poder Legislativo, é um dos interesses da Antropologia Jurídica, que no caso deste artigo, permite compreender como se dá a aprovação de uma lei e, indiretamente, a gestão da condição cigana pelo Estado brasileiro. Nesse sentido, a pesquisadora Ciméa Bevilaqua (2003)BEVILAQUA, Ciméa. “Etnografia do Estado: algumas questões metodológicas e éticas”. Campos – Revista de Antropologia, Curitiba, v. 3, 2003, pp. 51-64. advertiu para a permanência do problema tradicional da identificação dos informantes, que ressurge de modo particularmente agudo e desconcertante quando o objeto de estudo se situa no universo estatal ou quando diz respeito às diferentes formas de interlocução entre os cidadãos e agentes do Estado.

Desde o ano de 2018, os autores deste artigo tentaram, sem sucesso, entrevistar os parlamentares diretamente relacionados ao PLS 248/2015, isto é, o autor do projeto de lei, o Senador Paulo Paim, e os relatores da matéria no Senado Federal, os parlamentares Hélio José e Telmário Mota. Segundo Laura Nader, sobre fazer pesquisa “para cima”, quando envolve as práticas estatais, “o obstáculo mais comum é fraseado em termos de acesso. Os poderosos estão fora de alcance em vários planos diferentes: eles não querem ser estudados; é perigoso estudá-los; eles são pessoas ocupadas; eles não estão todos em um só lugar, e assim por diante” (2020: p. 346). Portanto, buscou-se alternativas para viabilizar a pesquisa acerca da produção do “direito cigano” no Senado Federal.

A respeito das questões metodológicas que envolvem os desafios de transformar esses obstáculos em dados, que podem ser objeto de uma análise, integrando as maneiras pelas quais acessamos documentos, as pesquisadoras Eva Muzzopappa e Carla Villata afirmaram que:

uma abordagem etnográfica dos documentos produzidos pelas instituições estatais pode ser complementada com outras ferramentas e técnicas de investigação - como entrevistas com agentes que trabalham ou trabalham nessas instituições - ou aproveitar as experiências do próprio processo de pesquisa e conhecimento sobre as rotinas operacionais das instituições estatais. (2011: p. 38)

Há uma série de informações sobre processo legislativo do “Estatuto do Cigano” que podem ser acessadas nos websites oficiais do Senado Federal, que disponibiliza diversos documentos, como, por exemplo, o texto de lei inicial proposto e os relatórios legislativos aprovados nas comissões permanentes em que o PLS 248/2015 é examinado, assim como as gravações audiovisuais das votações e audiências públicas. Todavia, foi necessário acessar outros espaços, não restritos a análise de documentos e gravações, para compreender o que está por trás das negociações pela criação e positivação do direito cigano no Brasil.

A tramitação do “Estatuto do Cigano”, assim como ocorre em outros processos legislativos, não corresponde a uma somatória de procedimentos formais. Além disso, trata-se de uma negociação que transcende o trabalho dos parlamentares. Diante da dificuldade de conversar pessoalmente com os Senadores envolvidos nesta trama política, os autores fizeram esforços para obter acesso aos assessores parlamentares que igualmente atuam no processo legislativo em tela. Primeiramente contatos por telefone, em seguida, deslocou-se, fisicamente, para o gabinete dos Senadores, e assim, foi realizada uma entrevista semiestruturada com o assessor do autor do projeto de lei que acompanha o “Estatuto do Cigano”. Nesta ocasião, tomou-se conhecimento que o Ministério Público Federal tem atuado ativamente nas negociações em torno do texto final que será aprovado no Congresso2 2 Realizou-se também entrevistas abertas com outros assessores do gabinete do autor do projeto de lei, com a assessoria do relator e com servidores da 6ª Câmara da PGR que acompanham a tramitação do “Estatuto”. .

A atuação do Ministério Público Federal neste processo legislativo tem se dado por meio da 6ª Câmara Cível de Revisão, órgão da Procuradoria Geral da República, que fica situado em Brasília3 3 De acordo com informações disponibilizadas pelo MPF, “a câmara temática populações indígenas e comunidades tradicionais (6ª Câmara de Coordenação e Revisão) trata especificamente dos temas relacionados aos grupos que têm em comum um modo de vida tradicional distinto da sociedade nacional majoritária, como, indígenas, quilombolas, comunidades extrativistas, comunidades ribeirinhas e ciganos” (MPF, 2020). . Segundo as informações que foram obtidas com a entrevista com a assessoria do autor do projeto de lei, desde o princípio, antes mesmo do processo tramitar formalmente, o MPF tem proposto audiências públicas, assim como realizando reuniões para discutir a criação do “Estatuto do Cigano”. Além disso, observou-se que este órgão encaminhou ao Senado Federal a “Nota Técnica nº 5/2018-6CCR”, que corresponde a uma “Análise do Projeto de Lei do Senado nº 248/2015 – Estatuto do Cigano”, assinada no dia 07/08/2018, pelo Subprocurador-geral da República Antônio Carlos Bigonha (MPF, 2018).

É importante ressaltar que a referida “Nota Técnica”, um documento com 19 páginas, faz uma análise do texto de lei que tramita no Senado Federal e, ao mesmo tempo, apresenta uma série de sugestões para ser incorporado ao “Estatuto do Cigano”, devido às deficiências e às omissões que o órgão aponta haver no texto inicial do projeto legislativo.

Optou-se, neste estudo, por dar destaque ao tópico presente na Nota da 6ª Câmara que aborda o “direito à moradia” e o “acesso à terra” dos povos ciganos. Isso porque permite descortinar algumas concepções, inseridas no imaginário social brasileiro, que desconsideram as particularidades e as complexidades que envolvem os povos ciganos.

Além de levar em conta os apontamentos que a “6ª Câmara” apresenta em relação a como o PLS 248/2015 abordou o “direito à moradia” e o “acesso à terra”, os autores deste artigo também tiveram acesso às posições dos movimentos ciganos que têm atuado, de alguma maneira, no processo de criação do “Estatuto”4 4 Neste artigo, as lideranças da Associação Comunitária dos Ciganos de Condado; a Associação Nacional das Etnias Ciganas; o Centro de Estudos e Discussões Romani; e a Associação Estadual Cultural de Direitos e Defesas dos Povos Ciganos são informantes dos autores. . Ao se analisar também as gravações das audiências públicas, assim como dos documentos escritos que tratam da tramitação do PLS, percebe-se que há uma incompreensão profunda sobre a territorialidade cigana, que permanece associada à dicotomia nomadismo versus sedentarismo.

O texto do “Estatuto do Cigano” dedicou dois artigos para contemplar a questão do “acesso à terra” e “da moradia”, em capítulos separados, contudo, ligados ao mesmo título do projeto de lei que versa sobre os “direitos fundamentais”.

Art. 12. O poder público elaborará políticas públicas voltadas para a promoção do acesso da população cigana à terra e às atividades produtivas no campo.

Art. 13. O poder público elaborará políticas públicas para assegurar a moradia adequada à população cigana, respeitadas suas particularidades culturais. Parágrafo único. Os ranchos e acampamentos são partes da cultura e tradição da população cigana, configurando-se asilo inviolável. (SENADO FEDERAL, 2015c: p. 4-5)

Por sua vez, a “Nota Técnica” da 6ª Câmara destacou um tópico específico, intitulado “8. Terra e Moradia”, para tratar de como a respectiva questão é manejada no Projeto de Lei do Senado nº 248/2015. Segundo este documento:

O projeto também deixa de contemplar as proposições aprovadas pelos povos ciganos no tocante à situação fundiária de suas terras e à moradia. Trata do tema, tão somente, em seus arts. 12 e 13, nos quais não estão contempladas, de qualquer forma, proposições relacionadas à regularização fundiária dessas terras ou a demandas de infraestrutura para seus acampamentos e ranchos.

Mais uma vez, ao deixar de fazê-lo, perde a oportunidade de dar status legal a disposições voltadas especificamente para essas populações. (MPF, 2018: p. 17, grifo nosso)

Como se pode perceber, o MPF, por meio da referida Nota Técnica, criticou a ausência de proposições mais claras que tratassem da regularização fundiária, assim como das demandas por infraestrutura nos acampamentos ciganos. A problemática da terra e da moradia, no Brasil, não é exclusiva dos povos ciganos, sendo um país que não resolveu a questão da concentração de terra5 5 Para entender esta questão, sugere-se a leitura do artigo “Sete teses sobre o mundo rural brasileiro” (BUAINAIN; ALVES; SILVEIRA; NAVARRO, 2013). , além de apresentar um significativo índice déficit habitacional e ao mesmo tempo uma grande quantidade de propriedades ociosas, que não cumprem com sua função social (MARICATO, 2015MARICATO, E. Para Entender a Crise Urbana. São Paulo: Expressão Popular, 2015.).

É fundamental partir do pressuposto que a territorialidade cigana não compreende apenas o espaço que é destinado para a residência familiar, ou seja, não se limita à unidade unifamiliar. Em geral, os povos ciganos organizam-se em torno de família extensas, que ora se encontra disposta numa mesma localidade ou que se conexa por meio redes de deslocamentos, impulsionados pela busca por sobrevivência e oportunidades de trabalho.

Nota-se que um dos maiores impasses para se desenvolver políticas públicas de acesso à terra e à moradia deve-se ao fato de se associar a “condição cigana” ao “nomadismo”, como sinônimos. Esta interpretação, por um lado, nega aos ciganos com práticas associadas ao “sedentarismo” o status de povos tradicionais e, consequentemente, de titulares de “direitos culturais”, assim como outros direitos fundamentais reconhecidos na Constituição Federal de 1988 e nas demais legislações infraconstitucionais. Acerca deste ponto, o pesquisador e professor universitário Dimitri Fazito advertiu que

o senso comum e a ciganólogo frequentemente definem o cigano como um indivíduo nômade. Para alguns, o nomadismo seria uma instituição cultural, já que este fato não pode ser dissociado da cultura cigana sob pena de descaracterizá-la totalmente. [...] ciganos que deixam de ser nômades se tornam sinônimo de “ciganos degenerados”, “falsos ciganos” ou “menos ciganos” — sem tradições. (2000: p. 110).

É válido ressaltar que o antropólogo Martin Fotta demonstrou que a dicotomia “nomadismo/sedentarismo” simplifica as relações entre o “passado” e o “presente”, reduzindo o “passado” a um ponto de comparação idealizado e indiferenciado. Esta associação, em geral, é mobilizada para negar aos ciganos o acesso às políticas públicas, gerais ou específicas, sobretudo as que estão relacionadas à questão fundiária e à moradia. Sobre esta pauta, a pesquisadora e antropóloga Edilma Monteiro ponderou, em tese de doutorado, que o suposto modo de vida viajante põe em debate questões “sobre direitos e políticas públicas direcionadas a este grupo”. Esta pesquisadora propõe, entretanto, “que, mesmo diante de populações com identidades e cosmologias próprias, o Estado deve assistir e garantir a efetividade de direitos mínimos às pessoas ciganas” (2019: p. 81).

A supracitada antropóloga, em pesquisa etnográfica que envolveu diferentes grupos ciganos da etnia Calon6 6 “Cigano” é termo genérico que historicamente foi e ainda é mobilizado para classificar determinados grupos que, por outro lado, adotam diferentes autodenominações. No Brasil, há três grupos étnicos associados aos povos ciganos, os Calon, que estão em maior número e há mais tempo neste território, desde o século 16; os Rom e os Sinti, cujos os processos diaspóricos estão datados a partir do século 19 (MOONEN, 2011). , concluiu que estes “se organizam socialmente a partir das contingências nas relações familiares e de negócios que efetivam rotas, fluxos em movimentos de trânsito”, conformando, assim, criam redes familiares. Estas redes, para a pesquisadora, “atravessam e vinculam pessoas, práticas, valores, noções de pessoa e conhecimentos”. Ao invés de trabalhar com “a dicotomia entre ser sedentário ou nômade”, a pesquisadora Edilma Monteiro sugere “compreender como essa produção de vida nas idas e vindas compõem o repertório do modo de produzir pessoas” (2019: p. 64-65).

As representações sobre os ciganos são construídas em meio a interações assimétricas entre atores (individuais e coletivos) que se posicionam, relacionalmente, num campo social onde o poder de nomear, classificar e atribuir sentido é fundado por discursos e práticas sociais construídos de diferentes maneiras no curso da história dos contatos interétnicos. Nesse sentido, Sibijan Fejzula teoriza a experiência do povo cigano como corpos marcados racialmente a partir da perspectiva das relações sociais e políticas de poder que permitem a reprodução da divisão entre humanos e não-humanos e, portanto, da violência racializada, identificando, assim, “os processos de racialização/desumanização dos ciganos” (2019, p. 2102). A naturalização do “anticiganismo” conforma o que a referida autora chama de “um permanente Estado de Exceção”, em que “a violência justificável e legitimada sobre o corpo cigano ocorre, impulsionada por sua construção como outro/ameaça racial”, e que corresponde a um dos colonialidade/modernidade européia (FEJZULA, 2019FEJZULA, Sibijan. “The Anti-Roma Europe: Modern ways of disciplining the Roma body in urban spaces”. Revista Direito & Práxis, Rio de Janeiro, v. 10, n. 03, 2019, pp. 2097-2116.: p. 2102).

Além disso, é importante pontuar que a condição étnica e o pertencimento à identidade cigana não são sinônimos do nomadismo. “Nômade” ou “sedentário” são classificações externas, vem de fora, e não das próprias pessoas que se identificam e são identificadas como “ciganas”. É imprescindível observar em quais condições e as razões que contribuíram para que parcelas significativas dos povos ciganos precisarem se movimentar por diferentes territórios.

[...] muitos dos fluxos migratórios dos ciganos, se deveram, em muitos casos, à perseguição étnica, a insegurança, aos conflitos gerados pela presença destes em locais que redundaram numa não aceitação por parte da população abrangente, de forma que o assim chamado nomadismo se instaurou numa prática que não resultava necessariamente na paixão pela viagem e sim, como uma resposta quase obrigatória. (MEDEIROS; BATISTA, 2015: p. 202)

As práticas chamadas de “nômades” não se tratam de um elemento inerente à genética dos povos ciganos, são resultados de processos sociais. Acontece que a essencialização de certas características ou práticas, como o nomadismo ou viver em tendas, no caso dos povos ciganos, é constantemente acionada para caracterizar e normatizar esta minoria étnica. Ou seja, quando se distancia destes elementos presentes no imaginário social, consequentemente, se nega a condição dos ciganos enquanto um povo tradicional que demanda políticas públicas específicas, conquistadas e previstas no ordenamento jurídico brasileiro e nos tratados internacionais de Direitos Humanos.

De acordo com Ana Rita Alves, levando em consideração a realidade das comunidades ciganas em Portugal, além da perseguição histórica sistemática vivenciada por esta minoria étnica, há outros fatores que podem justificar a persistência do problema habitacional. A autora defende que narrativas técnica e cientificamente superficiais mobilizadas para fundamentar a precariedade habitacional e a falta de ações políticas estão relacionadas à “naturalização da ideia de que as comunidades ciganas são culturalmente itinerante”, comprometendo “a efetivação do direito à habitação” e “invisibilizando os processos contínuos de desterritorialização”(ALVES, 2019ALVES, Ana Rita.“’Para eles, nós não somos humanos’: habitação, território e a monitorização de violências racializadas em Portugal”. Revista Direito & Práxis, Rio de Janeiro, v. 10, n. 03, 2019, pp. 2068-2096.: p. 2090).

A consolidação das identidades (regionais e étnicas) se direciona pelas disputas em torno da classificação, isto é, do poder de “divisão” do mundo social e da nomeação dos vínculos sociais em categorias mentais (representações simbólicas) concebidas nos discursos e nas práticas cotidianas – tanto aqueles que fazem parte do senso comum quanto os que se definem no campo especializado do saber erudito (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1989).

As identidades são inscritas por meio de experiências culturalmente construídas em relações sociais, não são fixas nem singulares; elas são uma multiplicidade relacional em constante mudança. A identidade pode ser compreendida como o próprio processo pelo qual “a multiplicidade, contradição e instabilidade da subjetividade é significada como tendo coerência, continuidade, estabilidade; como tendo um núcleo – um núcleo em constante mudança, mas de qualquer maneira um núcleo – que a qualquer momento é enunciado como o eu” (BRAH, 2006BRAH, Avtar. “Diferença, diversidade, diferenciação”. Cadernos Pagu, São Paulo, n. 26, 2006, pp. 339-376: p. 371).

Nesse sentido, é oportuno partir da crítica que Barth (1969)BARTH, Fredrik. Ethnic groups and boundaries. Brown and Company: Boston, 1969. faz ao conceito de “grupo étnico” como “unidade portadora de cultura” para concebê-lo como um “organizational type”. Segundo essa definição um grupo étnico designa uma população que:

  1. 1

    se perpetua sobretudo por meios biológicos

  2. 2

    compartilha de valores culturais fundamentais, colocados em prática em formas culturais num todo explícito

  3. 3

    integra um campo de comunicação e interação

  4. 4

    apresenta um grupo de membros que se identifica e é identificado por outros como constituinte de uma categoria distinguível de outras categorias da mesma ordem (BARTH: 1969BARTH, Fredrik. Ethnic groups and boundaries. Brown and Company: Boston, 1969., p. 10-11, minha tradução).

Classificar os “ciganos” enquanto uma “minoria étnica” é forma como o “Estado”, em geral, traduz a condição deste grupo na sociedade. Pode-se afirmar, portanto, que a proposta teórica de Barth contribui para viabilizar a reivindicação dos “ciganos” pela criação do “Estatuto”, assim como pautar políticas públicas específicas, uma vez que leva em conta que as identidades étnicas não estão restritas a alguns aspectos culturais, especialmente àqueles atribuídos pelo imaginário social que os reduzem, por exemplo, ao “nomadismo”.

As identidades não se constroem isoladamente, assim como as culturas, os povos e as etnias. Por isso, as questões relacionadas às dificuldades de acesso à moradia adequada e à terra se dão diante das interações entre os “ciganos” e os “não-ciganos” que demarcam fronteiras étnicas, sociais e culturais, de forma mútua, e que estão inseridas em relações de poderes, de maneira assimétrica.

Sendo assim, os caminhos para garantir o acesso à terra e o direito à moradia adequada, por meio de instrumentos já previstos no ordenamento jurídico brasileiro, como, por exemplo, o usucapião especial ou as políticas habitacionais universais, são insuficientes, por si só, para garantir a existência cigana enquanto povo tradicional. As lideranças ciganas atuantes no processo legislativo do “Estatuto”, que são tomados como informantes para esta pesquisa, reclamam que as políticas públicas universais não alcançam suas comunidades, sendo esta questão uma das razões pelas quais os motivam a reivindicar uma lei específica. Não obstante, afirmam também que as portarias e resoluções emitidas pelos Ministérios de Estado, que são direcionadas aos povos ciganos, de forma específica, têm sido pouco aplicadas pelos Poderes Públicos.

As lideranças ciganas supramencionadas referem-se aos seguintes atos do Poder Executivo Federal: a Portaria Ministerial nº 940, de 28 de abril de 2011, que regulamentou o cartão que dá acesso ao sistema universal de saúde brasileiro (BRASIL, 2011); a Resolução nº 03, de 16 de maio de 2012, do Ministério da Educação, que definiu as diretrizes para o fornecimento de educação escolar às populações nômades (BRASIL, 2012a); a Portaria Ministerial nº 1.315, de 23 de novembro de 2016, do Ministério Justiça e Cidadania, que instituiu o Plano Nacional de Políticas para os Povos Ciganos - PNP/Ciganos (BRASIL, 2016); e a Portaria Ministerial nº 4.384, de 28 de dezembro de 2018, do Ministério da Saúde, que propôs e estabeleceu diretrizes para uma Política Nacional de Saúde do Povo Cigano (BRASIL, 2018a).

Assim, as lideranças ciganas, interlocutoras desta pesquisa, defendem que este projeto de lei deve expressar a obrigação do Estado brasileiro em promover o direito à moradia e o acesso à terra, levando em conta as particularidades das famílias ou comunidades ciganas. O que significa dizer que o processo de delimitação do tamanho do território, assim como o formato da moradia, que serão objeto de política pública estatal, por exemplo, observem cada caso concreto, mediante um estudo técnico realizado por uma equipe multiprofissional, escolhida de forma transparente e em diálogo com as partes envolvidas.

É possível citar algumas experiências no Brasil, embora sejam pontuais, em que o Estado brasileiro, de forma inédita, garantiu, formalmente, o direito à terra e à moradia de grupos e famílias ciganas. Por exemplo, em 30/06/2015, foi publicado no Diário Oficial da União a realização de duas modalidades de “Contrato de Cessão de Uso Gratuito”, com a finalidade de “assentar a Comunidade Cigana, representada pela organização não governamental Associação Cigana da Etnia Calon do Distrito Federal” e a “Associação Nacional das Etnias Ciganas”. Ambos os contratos foram fundamentados com base no artigo 18, inciso I, da Lei nº 9.636, de 15 de maio de 1998 (BRASIL, 2015a; 2015b).

Os contratos administrativos supracitados, que contemplaram a ANEC7 7 Ressalta-se que a ANEC é apontada na justificativa do PLS 248/2015 como a associação proponente do “Estatuto do Cigano”. Um dos autores deste artigo entrevistou os integrantes desta organização e também realizou algumas experiências etnográficas no próprio território que foi conquistado, que é conhecido como “Acampamento Nova Canãa”, que se encontra localizado na região administrativa do Sobradinho, Distrito Federal. Os informantes, que antes viviam em Planaltina, estado de Goiás, afirmaram que lutaram para obter este território para facilitar as suas atuações e articulações no processo legislativo do “Estatuto do Cigano”. e ACEC-DF, não foram resultados de batalhas judiciais, mas sim de negociações diretas entre o Estado e as lideranças das comunidades. Diferentemente do episódio que envolveu a “Ocupação dos Ciganos Calon do Bairro de São Gabriel”, no município de Belo Horizonte, capital do estado de Minas Gerais, onde viviam 70 famílias acampadas, há mais de 20 anos, em terras pertencentes à União. Este ente federativo, por meio da Superintendência de Patrimônio da União (SPU), representada judicialmente pela Advocacia Geral da União (AGU), tentou, inicialmente, reintegrar a posse do terreno, encontrando, por sua vez, resistência do grupo.

Preliminarmente, um dos argumentos mobilizados pela AGU para negar o direito à posse no caso do Bairro São Gabriel foi o fato das famílias não serem “nômades” e, consequentemente, não seriam “ciganas”. Ou seja, argumenta-se pela incompatibilidade entre a natureza do pleito de regularização fundiária em favor da comunidade cigana, que vivia no terreno por mais de 30 anos, e o caráter “culturalmente nômade do povo cigano”, concluindo pela falsa suposição de tratar-se ali de grupo de etnia cigana8 8 Este argumento foi apresentado no Parecer 0805/2011/CJU-MG/CGU/AGU de 26/07/2011. .

Conforme esclarecido pelas pesquisadoras Lima e Dolabela (2015), a luta pela terra dos “ciganos Calon do Bairro São Miguel” contou com a parceria de outros órgãos públicos, como o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União, assim como grupos de pesquisa e extensão da Universidade Federal de Minas Gerais, que contribuíram para intermediar com a SPU a regularização fundiária do terreno. No ano de 2015, tais atores, isto é, a União e as famílias ciganas, alcançaram um consenso.

Frisa-se que, no episódio da regularização fundiária da comunidade calon do Bairro São Miguel, houve divergências quanto ao tamanho do terreno que seria destinado à posse das famílias. A AGU propôs a concessão de uma área mínima de 17.000 m2, do total de 50.750m2 pertencentes à União que a comunidade cigana ocupava e reivindicava. Segundo Lima e Dolabela, a área proposta pela União desconsiderava “as especificidades do modo de vida cigano e restringir o pleito a um modelo de ocupação urbana calculado com base na relação entre o número de famílias e a metragem individualizada – até 250m2 por família – conforme regulamentação federal9 9 Trata-se da Medida Provisória nº 220/2001 sobre Concessão de Uso Especial para fins de Moradia (BRASIL, 2001). ” (2015: p. 88). Após a reivindicação e posterior realização de laudos antropológicos, foi proposto a extensão da área para a fração de 35.000 m2.

O caso dos Calon de BH ilustra a possibilidade de redefinição de práticas estatais em razão do alargamento das margens conceituais do Estado. O enfrentamento da categorização do nomadismo, baseada numa identidade congelada do modo de vida cigano, e a disputa por significados outros de direitos e justiça levaram ao inédito reconhecimento do direito ao espaço-território pelas famílias ciganas de São Gabriel. Isso não teria sido possível sem a construção de uma rede de ‘parceiros’ que, por meio de uma disposição inventiva, engendraram novas formas de governar e legislar. (LIMA; DOLABELA, 2015: p. 102)

Assim, somados com os casos da ANEC, da ACEC-DF e do Bairro São Miguel, no ano de 2015, consolidaram-se três experiências em que a União, pela primeira vez, reconheceu, formalmente, o direito à posse de populações tradicionais ciganas em territórios por estes reivindicados. Todavia, tais práticas não são políticas de Estado; tratam-se, até então, de ações isoladas, que dependeram de iniciativas de governo ou que foram resultados de conflitos judiciais. Entre os anos de 2016 e 2020, não houve outras experiências como estas que foram relatadas.

Os povos ciganos, enquanto uma população tradicional brasileira, permanecem se deparando com dificuldades para ter acesso às políticas habitacionais e de regularização fundiária, urbana ou rural. Portanto, o direito à territorialidade é uma demanda central para o alcance da equidade racial no Brasil, conforme reivindicado pelos movimentos, lideranças e associações ciganas, que atuam no processo legislativo em tela.

2. A problemática de “gênero” no processo legislativo do “Estatuto do Cigano”

O presente trabalho antropológico observou os caminhos percorridos pelo “Estatuto do Cigano” no Senado Federal, até o primeiro semestre de 2020. Percebeu-se que as negociações em torno desta proposição não se restringem à atuação do Poder Legislativo. Com base na pesquisa de campo, é possível afirmar que além dos parlamentares, as decisões que atravessam este processo têm mobilizado integrantes do Poder Executivo, especialmente da pasta responsável pela promoção da igualdade racial; o MPF e as associações ciganas.

Além de analisar documentos, escritos e audiovisuais, e entrevistar pessoas relacionadas a esta trama, o autor do presente artigo empreendeu também observações participantes. Esse tipo de investigação, fundamentado em descobertas no campo, exige a participação do pesquisador no dia a dia dos processos pesquisados10 10 Um dos autores deste artigo acompanhou, presencialmente, a audiência pública realizada no Senado Federal, no dia 29/05/2018, para discutir o “Estatuto do Cigano”, e, desde então, passou a colaborar com o processo legislativo, participando de reuniões institucionais, assim como emitindo pareceres técnicos sobre questões que são discutidas no PLS 248/2015, quando lhe é requisitado pelos assessores parlamentares ou pelas lideranças ciganas. . Por isso a observação participante deve ser personalizada e multifatorial, implica, necessariamente, um processo longo (WHYTE, 2005WHYTE, Willian Foote. Sociedade de esquina – A estrutura social de uma área pobre e degradada. Tradução de Maria Lúcia de Oliveira. 5. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005.). Para compreender a evolução do comportamento dos atores e dos grupos atuantes no processo legislativo do “Estatuto do Cigano”, foi necessário observá-los por um longo período e não num único momento.

Entre os anos de 2015 e 2020, o PLS 248/2015 foi deliberado em duas comissões permanentes do Senado, ocasiões que foram propostas e aprovadas mudanças no texto original. Entre os ajustes apresentados, o presente artigo dá destaque ao trecho do projeto que trata do “direito à educação”, pois ocorreu neste dispositivo uma problematização em relação à expressão “gênero”. Os relatores do “Estatuto” no Senado sugeriram alterações, que substituísse a expressão “desigualdade de gênero” por “desigualdade de sexo”, aprovadas nas duas primeiras Comissões. Observem, na citação abaixo, a redação do texto inicial e a redação aprovada na Comissão de Educação, com as alterações que foram aprovadas:

Art. 4° - A população cigana, sem distinção de gênero, tem direito à educação básica, conforme disposto na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), e à participação nas atividades educacionais, culturais e esportivas adequadas a seus interesses, providas tanto pelo poder público quanto por particulares.

I – o incentivo à educação básica da população cigana, sem distinção de gênero; (BRASIL, 2015b: p. 2, grifo nosso)

Art. 4º - A população cigana, sem distinção de sexo, tem direito à educação básica, conforme disposto na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), e à participação nas atividades educacionais, culturais e esportivas adequadas a seus interesses, providas tanto pelo poder público quanto por particulares.

I – o incentivo à educação básica da população cigana, sem distinção de sexo; (BRASIL, 2018b: p. 3-4, grifo nosso)

Até ocorrer a primeira reunião na Comissão de Educação, Cultural e Esporte em que se deliberou sobre o “Estatuto do Cigano”, o Senador Hélio José, entre os anos de 2016 e 2018, apresentou quatro relatórios legislativos; apenas o último, que foi aprovado nesta comissão, propôs a substituição da palavra “gênero” por “sexo”. Compartilha-se, abaixo, a fundamentação apresentada no relatório.

No art. 4º e no inciso I do art. 5º entendo necessário a substituição da palavra gênero pela palavra sexo. Pode até parecer uma mudança sutil, pois, trocou-se apenas uma palavra, ‘gênero’ por ‘sexo’, todavia, ao se observar o contexto político em que o PLS nº 248/2015 tramita, é possível notar que há, de fundo, um debate acalorado, na sociedade e nos espaços institucionais, em torno do que se chama de ‘ideologia de gênero’. (BRASIL, 2017: p. 4)

Ressalta-se que este relatório não dedicou mais parágrafos, além do citado acima, para justificar a substituição no texto da proposição legislativa. Os dois pareceres apresentados à segunda Comissão, a CAS, em que o Estatuto é examinado, mantiveram este entendimento, também sendo aprovado a alteração da palavra “gênero” por “sexo”.

Todavia, no último órgão colegiado em que o projeto de lei é examinado, a CDH, os relatores mudaram de concepção, voltando atrás, isto é, defendendo a manutenção da expressão “desigualdade de gênero” no texto do “Estatuto”. Ou seja, em 21/06/2018 e em 04/07/2018, o Senador Hélio José apresentou, respectivamente, dois relatórios legislativos à CDH, em que mudou de ideia em relação às “Emendas nos 3 e 4 da CE”, que propôs a substituição da palavra “gênero” por “sexo”. Este parlamentar propôs que tais emendas fossem excluídas da tramitação. E em 20/03/2019, o Senador Telmário Mota, que passou a ser relator do “Estatuto” a partir do ano de 2019, repetiu o último entendimento apresentado à CDH, concluindo ser também inadequada a mudança da palavra “gênero” por “sexo” (BRASIL, 2019).

Segue abaixo a fundamentação que foi apresentada pelo Senador Hélio José, mantida pelo relator que o substituiu.

Finalmente, deve-se mencionar que a substituição da palavra “gênero” pela palavra “sexo”, nos arts. 4º e 5º, decorrente da aprovação das Emendas nos 3 e 4 da CE, é imprópria, pois a discriminação de que esses dispositivos tratam não é pertinente ao sexo, mas sim ao gênero. Ninguém é discriminado simplesmente por ser do sexo masculino ou feminino, e sim em razão das expectativas sobre atitudes que se consideram próprias ou impróprias de homens ou mulheres, inclusive, mas não somente, relativas à orientação sexual. [...] Então, longe de iniciar um debate sobre o receio de doutrinação sexual, o conteúdo da proposição é voltado para a prevenção de preconceitos e de discriminações relativas ao gênero, que é um conceito social, e não ao sexo, que, sendo um conceito biológico bem estabelecido, simplesmente não vem ao caso quando o que se discute são costumes e atitudes sociais. (BRASIL, 2019: p. 4, grifo nosso)

Em outras palavras, as substituições no texto do projeto de lei, aprovadas nas duas primeiras comissões em que o PLS 248/2015 é examinado no Senado, consagraram o entendimento que “pessoas ciganas” apenas podem ser discriminadas pelo “fator biológico”, ignorando as possibilidades haver discriminações provocadas pelo aspecto sociocultural e histórica, que decorre das variações de “gênero”.

Quando se mobiliza a expressão “sem distinção de gênero”, o que se propõe é que as pessoas, em geral, não sejam discriminadas pelo papel de “gênero” que socialmente exerce, assim como por adotar uma “identidade de gênero” diferente do “fator biológico”. Enquanto a palavra “sexo” remente a uma “categoria biológica”, “gênero” refere-se a uma “distinção sociológica” (MOORE, 1997MOORE, Henrietta. “Compreendendo sexo e gênero”. In: INGOLD, T. (org.). Companion Encyclopedia of Anthropology. London: Routledge, 1997, pp. 1-17.).

Durante a pesquisa de campo, os autores dialogaram com diferentes lideranças e representações ciganas atuantes em torno da aprovação do PLS 248/2015. Em nenhuma ocasião, observou-se discordância ou manifestações contrárias à presença da expressão “gênero” no projeto de lei. Assim como não se presenciou questionamentos nas audiências públicas ou reuniões que trataram do “Estatuto do Cigano”. Portanto, deduz-se que a problematização em relação à expressão “gênero” não partiu dos ciganos, mas sim dos agentes públicos estatais que têm atuado neste processo legislativo.

O Ministério Público Federal, por meio da “6ª Câmara”, considerou como “inadequada e reducionista a denominação adotada pela Comissão, pelo que se faz importante a manutenção da redação original do projeto, mantendo, portanto, nos arts. 4º e 5º, I, a expressão ‘sem distinção de gênero’” (MPF, 2018: p. 12-13).

Como foi mencionado no tópico anterior, o documento apresentado pela “6ª Câmara” foi assinado no mês de agosto de 2018, significando que o MPF o submeteu após o relatório legislativo do Senador Hélio José, que voltou atrás em relação a substituição da palavra “gênero” por “sexo”. Em conversa com alguns assessores parlamentares, em fevereiro de 2020, obteve-se a informação que integrantes do governo federal, ligados ao Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, entraram em contato com o relator do PLS nº 248/2015, pressionando pela manutenção da substituição da expressão “gênero” por “sexo”.

O relatório legislativo apresentado pelo relator Telmário Mota, em 20/03/2019, que, entre outros pontos, defendeu a manutenção da expressão “gênero”, seria votado na CDH no dia 12/02/2020. Contudo, foi retirado de pauta no dia 12/02/2020, para reexame pelo próprio relator. Tentou-se obter a informação acerca das razões que levaram o PLS ter sido retirado de pauta; os autores deste artigo conversaram com os assessores parlamentares do relator, do autor do projeto e do MPF, assim como dialogou com algumas lideranças ciganas, que não souberam explicar porque o “Estatuto” não foi deliberado na ocasião. Nenhuma das pessoas que se dialogou afirmou ter certeza se haveria relação com a “questão de gênero”.

É necessário ponderar sobre o contexto em que ocorreu tais disputas epistemológicas e problematizações acerca da expressão “gênero” no processo legislativo do “Estatuto do Cigano”. O debate público, potencializado pelas eleições gerais de 2018, foram intensamente movimentadas em torno de temáticas ligadas à pauta dos costumes. A suposta imposição da “ideologia de gênero” no ambiente escolar, por exemplo, impulsionou as discussões políticas antes, durante e depois das eleições presidenciais de 2018, todavia, não apenas no Brasil.

De acordo com Miskolci e Campana, “a luta contra a ideologia de gênero é uma forma de resistência contra os recentes avanços que vêm se dando na América Latina em matéria de direitos sexuais e reprodutivos” (2017: p. 728, grifo dos autores). A este respeito, segundo Mariano e Geradi,

o ativismo político evangélico conservador tende a avançar na América Latina. Sua atuação nas eleições presidenciais (Costa Rica, Colômbia, Venezuela, Brasil e México) revela o intento de restaurar uma ordem moral e social tradicional tida sob ataque de forças malignas. Suas lutas antigênero e anti-pluralista reproduzem repertórios morais e batalhas políticas da direita cristã e também do Vaticano, como a noção de ‘ideologia de gênero’, arma ideológica que se tornou onipresente nos pleitos e disputas parlamentares na região (2019: p. 73-74).

A pesquisadora Clara Flores, ao analisar o processo legislativo que introduziu a categoria jurídica do “feminicídio” no Código Penal brasileiro, por meio da Lei nº 13.104/2015, identificou que o Congresso Nacional viveu “uma verdadeira guerra contra a palavra gênero” (2017: p. 185), especialmente, devido a possibilidade de as mulheres transexuais serem consideradas vítimas desta qualificante acrescentada ao tipo penal “homicídio”.

Richard Miskolci (2018) concluiu que a disputa em torno da questão de gênero não se trata de um movimento recente. Para este pesquisador, que estudou os interesses que estão por trás do combate à “ideologia de gênero”, a “cruzada moral” que se manifesta no presente começou a ser formulada por aproximadamente duas décadas até emergir entre os anos de 2011 e 2013, sendo disparada em 2014. Concluiu-se que esta movimentação é resultado de:

[...] um trabalho contínuo de grupos de interesse que, desde então, têm atuado como empreendedores morais em suas comunidades decepcionadas com os políticos, atingidas pelos efeitos da crise econômica, do desemprego e, portanto, fragilizadas e com medo, afeitas a explicações fantasmáticas para problemas reais. Sob o domínio do medo, grupos autoritários engendram ódio e ações persecutórias, daí ser necessário dissipar o fantasma da ideologia de gênero em que se apoiam, trazendo à luz o fato de que buscam manter subalternizados aqueles e aquelas que o conceito de gênero acolhe dentro do humano, buscando garantir-lhes igualdade jurídica, segurança e direito à vida. (MISKOLCI, 2018: p. 12, grifo do autor)

Luís Felipe Miguel identificou no ano de 2016 “sete projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional que têm como alvo a doutrinação ou a ideologia de gênero nas escolas” e ”dez projetos similares tramitando” nos legislativos estaduais (2016: p. 604, grifo do autor). Segundo o autor, esta movimentação, a qual chama de “cruzada moral”, é articulada pela “bancada evangélica”, que envolve também o “setor mais conservador da Igreja Católica”, que se alia a diferentes forças conservadoras no Poder Legislativo federal, “como os latifundiários e os defensores dos armamentos, numa ação conjunta que fortalece a todo” (MIGUEL, 2016MIGUEL, Luís Felipe. “Da ‘doutrinação marxista’ à ‘ideologia de gênero’ - Escola Sem Partido e as leis da mordaça no parlamento brasileiro”. Revista Direito & Práxis, Rio de Janeiro, v. 7, n. 15, 2016, pp. 590-621.: p. 593).

A análise documental, por si só, possibilitou perceber que a tal “cruzada moral” chegou também ao processo legislativo do “Estatuto do Cigano”, e, na interpretação dos autores, não partiu dos destinatários do projeto de lei em tela. Por isso, é válido refletir qual seria a importância de uma lei destinada aos povos ciganos afirmar que o “acesso à educação” deve ser promovido “sem distinção de gênero”.

A antropóloga Edilma Monteiro (2019)MONTEIRO, Edilma do Nascimento Jacinto. Tempo, redes e relações: uma etnografia sobre infância e educação entre os Calon. Tese (Doutorado). Departamento de Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2019. provoca, em sua tese de doutorado, a pensar a educação entre os povos ciganos transcendendo o ambiente escolar e o seu aspecto formal, pois os processos de aprendizagem, dos diferentes valores e tipos conhecimentos, já se inicia no espaço intrafamiliar, quando se ensina a criança a “ser cigano” ou a “ser cigana”. Ou seja, é fundamental olhar para o fator educacional numa dimensão mais ampla. Como também entendeu a pesquisadora Sílvia Simões, ao observar que relação dos ciganos e os processos de aprendizagem intra-étnico ocorrem desde os anos iniciais, e percebe que “as questões de gênero passam a ser um fator determinante, que vai causar uma distinção na educação da menina, e do menino cigano” (2007: p. 102).

Para a pesquisadora e ativista cigana Camilla Ida Ravnbøl (2010)RAVNBØL, Camilla Ida. “The HumanRightsofMinorityWomen: Romani Women'sRightsfrom a Perspective on International Human Rights Law and Politics”. International Journal on Minority and Group Rights, v. 17, n. 1, 2010, pp. 1-45., é fundamental que as análises científicas e as políticas públicas levem em consideração a inter-relação de diferentes formas de opressão, decorrentes das relações de gênero, raça e classe. Segundo esta autora, “as mulheres ciganas são representativas de múltiplas discriminações, que muitas mulheres pertencentes a grupos minoritários experimentam em sociedade, discriminação como minoria étnica, como mulher, e para algumas mulheres também em grupos de pobreza” (2010: p. 30). Nesse sentido, a jurista e ativista cigana Alexandra Oprea (2012)OPREA, Alexandra. “Romani Feminism in Reactionary Times”. Signs, Chicago, v. 38, n. 1, 2012, pp. 11-21. defende que o racismo e a ciganofobia experimentados pelas mulheres ciganas não são sempre idênticos ao experimentados pelos homens, pois estão profundamente articulados com estereótipos e formas de opressão em função do gênero.

Os pesquisadores Fernando Macías e Gisela Redondo chamam a atenção para o fato do sexismo afetar todas as mulheres de forma semelhante, todavia, pondera que as mulheres ciganas também sofrem discriminação social e cultural devido ao racismo que existe contra elas. Por essa razão, estes autores concluem que em decorrência do sexismo e do racismo, as mulheres ciganas “enfrentam maiores problemas de acesso e participação nos processos de formação educacional, realidade que por sua vez tem um impacto negativo na perpetuação da situação de exclusão” (2012: p. 73).

A formulação de políticas públicas e de marcos normativos na área de Direitos Humanos direcionados à busca pela equidade racial e de gênero precisa ultrapassar generalizações e construções pejorativas presentes no imaginário social relacionados aos povos ciganos. Partir de representações abstratas que, por exemplo, supõem que as mulheres ciganas sempre serão submissas ou que deduz a suposta virilidade e liderança do homem cigano, além de desconsiderar as múltiplas realidades, não contribui para que haja avanços na busca pela superação ou minimização das desigualdades, assim como das exclusões sociais que envolvem essa população tradicional.

Primeiro, porque não há uma única identidade cigana, tendo em vista que a alteridade “cigana” está em permanente movimento e infinita, pois ela se dá em diferentes partes do mundo, não é possível delimitar uma única identidade cigana. Os chamados “ciganos” possuem inúmeras “autodenominações, falam centenas de línguas ou dialetos, têm os mais variados costumes e valores culturais, são diferentes uns dos outros [...] Em comum todos eles têm apenas uma coisa: uma longa história de ódio, de perseguição, de discriminação pelos não-cigano” (MOONEN, 2011MOONEN, Frans. Anticiganismo: os ciganos na Europa e no Brasil. 3. ed. Recife: [s/e], 2011.: p. 21-22).

Em outras palavras, embora haja muitas diferenças entre os diversos grupos e pessoas que se identificam e são identificadas como “ciganas”, o que os unifica, nas diferentes partes do mundo onde se encontram, é o fato de serem afetados “pela exclusão, que, entre outros fatores, é o resultado de um processo histórico de segregação, racismo e estereotipagem do mundo cigano” (MACÍAS; SAMA, 2014: p.72).

É possível perceber a presença destes estereótipos em cartilhas produzidas pelos Poderes Públicos que buscam tratar da execução de políticas públicas destinadas aos povos ciganos no Brasil. Como, por exemplo, o “Guia de Cadastramento de Grupos populacionais tradicionais e específicos”, documento formulado no ano de 2012 pelo Governo Federal com o objetivo de orientar os servidores públicos e demais pessoas que trabalhem com os Programas Sociais. Observem a descrição presente neste “Guia” para auxiliar a identificação de uma pessoa ou de uma comunidade “cigana”: “espírito viajante e sentimento de não pertencer a um único lugar; noção particular de propriedade; leis e regras próprias; comunidade estruturada em torno da unidade familiar; e liderança comunitária exercida por uma figura masculina” (BRASIL, 2012b: p.1, grifo dos autores).

No tópico anterior deste artigo, abordou-se a urgência de se superar as representações presentes no imaginário social que atribuem ao “nomadismo” enquanto um elemento que é inerente à natureza (à condição biológica) das pessoas “cigana”, concepção que é romantizada no “Guia” supracitado. Além disso, a descrição do documento contribui também para a cristalização de supostas práticas culturais ou representações sociais associadas às famílias “ciganas”, especulando que estas, por exemplo, são sempre chefiadas por uma “liderança masculina”, o que não é verdade.

Com base nas observações participantes dos autores e nas análises de documentos relacionados à tramitação do “Estatuto do Cigano”, foi possível notar uma presença significativa de mulheres ciganas exercendo papéis de lideranças. Em alguns momentos notou-se que a quantidade de mulheres ciganas foi, inclusive, superior à presença masculina nos espaços da burocracia estatal que foram acompanhados pelos autores. Muitas vezes esta liderança é compartilhada com seus respectivos maridos ou pais. Não é objeto deste artigo científico apontar a porcentagem ou média de mulheres “ciganas” que exercem o papel de liderança comunitária ou que participam de espaços com a burocracia estatal. O que se busca é rechaçar as essencializações associadas aos povos ciganos, por desconsiderar as complexidades e as múltiplas realidades desta população tradicional.

Além do dispositivo do PLS 248/2015 que versa sobre o direito à educação, a questão de gênero também se manifesta no trecho do projeto de lei que aborda o “direito à saúde”, embora de uma forma mais sutil. A reunião extraordinária realizada no dia 09/05/2018, ocasião que o “Estatuto do Cigano” foi votado em caráter não terminativo, aprovou a alteração na redação que versa sobre o acesso à saúde da população cigana. Observem, na citação abaixo, um trecho da redação aprovada, na Comissão de Assuntos Sociais, para o art. 11 do “Estatuto do Cigano”:

Art. 11. Serão instituídas medidas de acolhimento para garantir o acesso da população cigana às ações e aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) e às políticas públicas de promoção da saúde e prevenção e controle de doenças, com ênfase nas seguintes áreas:

I – assistência farmacêutica; II – planejamento familiar; III – saúde materno-infantil; IV – saúde do homem; V - saúde bucal; VI – saúde mental e prevenção e tratamento do tabagismo, alcoolismo e abuso de drogas ilícitas; VII – segurança alimentar e nutricional. (BRASIL, 2018a: p. 10-11, grifo nosso)

Interpreta-se que a alteração no texto do PLS 248/2015, aprovada na Comissão de Assuntos Sociais, pode reforçar uma abordagem sexista, que cristaliza a divisão sexual do trabalho nas comunidades e famílias cigana, na medida em que relaciona no mesmo inciso a “saúde materno-infantil”. Não se menciona a “saúde da mulher” separado de “saúde infantil”, como no “inciso IV”, que propõe uma abordagem específica para a “saúde do homem”. A condição de mulher da cigana é condicionada à função reprodutiva, ou seja, a ser mãe. Além disso, a redação apresentada praticamente consolida a ideia que é apenas dever da “mãe” se responsabilizar pela “saúde infantil” e não de ambos os genitores, ou seja, os pais.

Segundo Maria Betânia Ávila, a dinâmica de relacionar a responsabilidade e o cuidado com as crianças como atribuição inerente às mulheres reflete, na verdade, uma “concepção tradicional do feminino” que pode até “ser questionada e, em algumas situações, alterada, mas não está superada”. A autora pondera que “essa concepção ainda é dominante nas instâncias de poder responsáveis pela produção de políticas públicas e de normas que regulam as relações sociais” (ÁVILA, 2002ÁVILA, Maria Betânia. “O tempo e o trabalho das mulheres”. In: COSTA, Ana Alice et al.(org.). Um debate crítico a partir do feminismo: reestruturação produtiva, reprodução e gênero. São Paulo: CUT Brasil, 2002, pp. 37-46.: 42).

Neste mesmo ensejo, Helena Hirata afirma que embora tenha ocorrido alterações nas tendências no trabalho profissional feminino, “as mudanças no trabalho doméstico são pequenas e muito lentas”, isto é, “a divisão sexual do trabalho doméstico e a alocação das tarefas domésticas para as mulheres não mudaram de fato” (2005: p. 117).

Além da perspectiva de gênero articula por autoras feminista filiadas ao materialismo histórico, como é caso de Helena Hirata e Maria Betânia Ávila, é válido também dialogar e refletir a questão das mulheres por meio do pensamento pós-moderno, a exemplo de Judith Butler.

[...] certamente nem todas as mulheres são mães; algumas não podem sê-lo, outras são muito jovens ou muito idosas para sê-lo, alguma escolhem não sê-lo em nenhum momento e para algumas que são mães, esse não é necessariamente o ponto de mobilização em sua politização no feminismo. (BUTLER, 1999BUTLER, Judith. Gender trouble: feminism and the subversion of identity. New York e Londres: Routledge, 1999.: p. 49, minha tradução)

Nesse sentido, Joanna Vieira Noronha e Adriana Vidal de Oliveira ressaltam que “uma identidade baseada em um binário dito biológico não somente produz a estabilização de um conceito de “mulher” como também depende dessa estabilidade para continuar existindo” (2016, p. 757). Dialogando com a perspectiva de Butler que apresenta o “gênero” como perfomativo, estas autoras defendem que sexo e gênero, assim como o sujeito, “não existem em um formato prévio, não são um dado, ao contrário do que se tenta estrategicamente com a criação da identidade, eles são constituídos ininterruptamente, sob a incidência dos processos regulatórios para impor a coerência estabelecida pela cultura” (2016, p. 758).

É inegável que as formulações e execuções de políticas públicas devem dar ênfase à “saúde do homem”, tendo em vista que se trata de um público que não costuma buscar acompanhamento regular na área de saúde, e isso é geral, não apenas entre os homens ciganos (BRAZ, 2005BRAZ, M. “A construção da subjetividade masculina e seu impacto sobre a saúde do homem: reflexão bioética sobre justiça distributiva”. Revista Ciência e Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, 2005, pp. 97-104.). E não se trata de uma questão biológica do homem, mas sim dos papéis gêneros que são socialmente construídos e normatizam a masculinidade, que se afirma negando a necessidade do autocuidado, supostamente associada ao feminino, que é tratado como sinônimo de fragilidade.

Provavelmente a redação do texto de lei alterado na Comissão de Assuntos Sociais que versa sobre o “direito à saúde” não especificou a necessidade de atenção à “saúde da mulher”, pois, diferentemente dos homens, estas são mais habituadas a buscar atendimento regular de saúde. Deixa-se, assim, implícito e disperso na redação do texto da lei a questão da saúde da mulher cigana.

Contudo, segundo o ativista e intelectual cigano Aluísio de Azevedo Silva Júnior, em tese de doutorado, os ciganos, em geral, “não costumam frequentar as atividades coletivas oferecidas pelo centro de saúde” (2018: p. 429), sem especificar o gênero ou o sexo. Por isso, no aspecto da saúde, pode-se dizer que a abordagem que foi dada no PLS 248/2015 ainda é insuficiente, por não expressar a necessidade de atenção específica também à “mulher cigana”, que, ao invés disso, se limitou a contemplar o âmbito da maternidade. Este autor pontua ainda que

uma das principais reivindicações específicas acerca da saúde cigana, levantada como uma demanda fundamental por muitos grupos e ativistas ciganos: o cuidado das instituições de saúde em colocar apenas profissionais do sexo masculino para atender a população cigana do sexo masculino e o mesmo procedimento de atender as mulheres ciganas com profissionais do sexo feminino. (SILVA JÚNIOR, 2018: p. 279)

De todo modo, não se pretende negar que haja uma divisão sexual do trabalho entre as famílias ciganas e que ocorra uma maior assunção de funções domésticas pelas mulheres, até porque não é o objetivo deste trabalho científico. Todavia, não cabe a um instrumento normativo ou nenhum projeto de lei reforçar e positivar papéis de gênero que histórica e socialmente foram, assim como ainda são atribuídos ao “feminino”.

É válido citar que, entre os séculos 16 e 18, as legislações anticiganas produzidas por Portugal, também aplicadas e com repercussões no Brasil, promoveram um tratamento distinto aos homens e às mulheres, sendo que muitas ciganas foram separadas das suas famílias e degredadas sozinhas para povoar os territórios colonizados (COSTA, 2005COSTA, Elisa Maria Lopes da. “Contributos ciganos para o povoamento do Brasil (séculos XVI - XIX)”. Arquipélago - Revista da Universidade de Açoures, Açoures, n. 9, 2005, pp. 153- 182.). A colonização do Brasil perpassou também sobre o controle dos corpos das mulheres “ciganas”, assim como ocorreu com as demais mulheres não-brancas (SILVA, 2020).

A título de exemplo, pode-se citar a Lei de 28 de Agosto de 1592, que, além de impor a pena de morte aos “ciganos” que infringissem as medidas integradoras nela contidas, determinou que as mulheres dos ciganos que estiverem presos nas galés fossem degradadas, expulsas de Portugal. Outra amostragem que ilustra o tratamento distinto entre os homens e as mulheres ciganas é o Alvará Régio de 1760, emitido também por Portugal, que impôs aos homens “ciganos” o trabalho como soldados ou em obras públicas e que as mulheres “ciganas” deveriam viver recolhidas em casa e se ocupar dos mesmos ofícios que seus pais (SIMÕES, 1990).

Se é admissível dizer que sempre houve hierarquia e relações de gênero como relações de poder e prestígio desigual, “com a intervenção colonial estatal e a imposição da ordem da colonial / modernidade, essa distância opressiva se agrava e amplifica. Ocorre uma mutação sob o manto de uma aparente continuidade” (SEGATO, 2003SEGATO, Rita. “La argamasa jerárquica: violencia moral, reproducción del mundo y la eficacia simbólica del derecho”. In: SEGATO, Rita (org.). Las Estructuras Elementales de la violencia. Ensayos sobre género entre la antropología, el psicoanálisis y los derechos humanos. Buenos Aires: Universidad Nacional de Quilmes/Prometeo, 2003.: p. 25). A normatividade rígida de gênero, centrada na reprodução e na domesticidade e feita como ideal civilizatório contra os males de uma interação “desviante” em termos de gênero e sexualidade, como se buscou com as leis coloniais visando as mulheres “ciganas”, faz parte do arsenal racista da colonialidade e, uma vez imposta como ideal e parâmetro de relações, modifica as conformações das formas de relações entre os colonizados, reforçando estruturas e hierarquias de gênero que tinham outras dinâmicas (SEGATO, 2003SEGATO, Rita. “La argamasa jerárquica: violencia moral, reproducción del mundo y la eficacia simbólica del derecho”. In: SEGATO, Rita (org.). Las Estructuras Elementales de la violencia. Ensayos sobre género entre la antropología, el psicoanálisis y los derechos humanos. Buenos Aires: Universidad Nacional de Quilmes/Prometeo, 2003.).

O ethos cigano, resultado de uma história de dominação e massacre racista-colonial, define-se a partir de uma alteridade contínua e total frente ao não cigano (SERNA, 2016SERNA, David Berná. Subjetividad y Resistencia desde los Márgenes: Procesos de articulación identitaria entre los gitanos y gitanas LGTB. 2016. Tese (Doctorado). Facultad de Antropología Social de la Universidad Complutense de Madrid. Madrid, 2016.). As identidades étnicas não são estáticas, estão em constante transformação e ressignificação. Por essa razão, é fundamental que a busca pela equidade racial no Brasil e pela inclusão dos povos ciganos não ignore as questões de gênero, problemática que surgiu de forma tangencial nas negociações pela aprovação do “Estatuto”, mas que é igualmente relevante.

3. Considerações Finais

A proposição do “Estatuto” é resultado das lutas de grupos ciganos organizados em associações que se recusam, na atualidade, a viver na invisibilidade e excluídas das políticas públicas. Os movimentos ciganos envolvidos nas articulações pela aprovação do PLS 248/2015 partem do entendimento que as normas jurídicas brasileiras que versam sobre os Direitos Humanos são insuficientes para atender as demandas desta população tradicional. A resistência destes povos ciganos é antiga, no caso do Brasil, não começou com o processo legislativo analisado neste artigo, assim como não se limita ao aspecto institucional.

Embora a batalha dos movimentos ciganos por direitos transcenda a esfera estatal, a opção deste estudo por dar ênfase às negociações pela aprovação do “Estatuto do Cigano” busca compreender as complexidades das relações étnico-raciais na sociedade brasileira e, principalmente, o que está por trás da aprovação de um projeto de lei que estabeleça como destinatário uma minoria étnica.

O trabalho antropológico que aqui foi empreendido possibilitou compreender que a aprovação de uma lei no Brasil envolve diferentes atores sociais, que estão para além daqueles que atuam no estado na prática legislativa . Além disso, observou-se que as negociações pela aprovação de um projeto legislativo são atravessadas por uma série de disputas também epistemológicas. Conclui-se, portanto, pela urgência de se incluir a questão cigana nos projetos políticos que pautam a equidade racial no Brasil, transcendendo os estigmas e as essencializações presentes no imaginário social.

  • 1
    Segundo informação fornecida pelo próprio website do Senado Federal, decisão terminativa “é aquela tomada por uma comissão, com valor de uma decisão do Senado” (BRASIL, 2020).
  • 2
    Realizou-se também entrevistas abertas com outros assessores do gabinete do autor do projeto de lei, com a assessoria do relator e com servidores da 6ª Câmara da PGR que acompanham a tramitação do “Estatuto”.
  • 3
    De acordo com informações disponibilizadas pelo MPF, “a câmara temática populações indígenas e comunidades tradicionais (6ª Câmara de Coordenação e Revisão) trata especificamente dos temas relacionados aos grupos que têm em comum um modo de vida tradicional distinto da sociedade nacional majoritária, como, indígenas, quilombolas, comunidades extrativistas, comunidades ribeirinhas e ciganos” (MPF, 2020MPF. “6ª Câmara de Coordenação e Revisão”. Brasília, 26 ago. 2020. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6>. Acesso em: 26 ago. 2020.
    http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/cc...
    ).
  • 4
    Neste artigo, as lideranças da Associação Comunitária dos Ciganos de Condado; a Associação Nacional das Etnias Ciganas; o Centro de Estudos e Discussões Romani; e a Associação Estadual Cultural de Direitos e Defesas dos Povos Ciganos são informantes dos autores.
  • 5
    Para entender esta questão, sugere-se a leitura do artigo “Sete teses sobre o mundo rural brasileiro” (BUAINAIN; ALVES; SILVEIRA; NAVARRO, 2013BUAINAIN, A. M; ALVES, E.; SILVEIRA, J. M. da; NAVARRO, Z. “Sete teses sobre o mundo rural brasileiro”. Revista de Política Agrícola, Brasília, ano 22, n.2, 2013, pp. 105-121.).
  • 6
    “Cigano” é termo genérico que historicamente foi e ainda é mobilizado para classificar determinados grupos que, por outro lado, adotam diferentes autodenominações. No Brasil, há três grupos étnicos associados aos povos ciganos, os Calon, que estão em maior número e há mais tempo neste território, desde o século 16; os Rom e os Sinti, cujos os processos diaspóricos estão datados a partir do século 19 (MOONEN, 2011MOONEN, Frans. Anticiganismo: os ciganos na Europa e no Brasil. 3. ed. Recife: [s/e], 2011.).
  • 7
    Ressalta-se que a ANEC é apontada na justificativa do PLS 248/2015 como a associação proponente do “Estatuto do Cigano”. Um dos autores deste artigo entrevistou os integrantes desta organização e também realizou algumas experiências etnográficas no próprio território que foi conquistado, que é conhecido como “Acampamento Nova Canãa”, que se encontra localizado na região administrativa do Sobradinho, Distrito Federal. Os informantes, que antes viviam em Planaltina, estado de Goiás, afirmaram que lutaram para obter este território para facilitar as suas atuações e articulações no processo legislativo do “Estatuto do Cigano”.
  • 8
    Este argumento foi apresentado no Parecer 0805/2011/CJU-MG/CGU/AGU de 26/07/2011.
  • 9
    Trata-se da Medida Provisória nº 220/2001 sobre Concessão de Uso Especial para fins de Moradia (BRASIL, 2001).
  • 10
    Um dos autores deste artigo acompanhou, presencialmente, a audiência pública realizada no Senado Federal, no dia 29/05/2018, para discutir o “Estatuto do Cigano”, e, desde então, passou a colaborar com o processo legislativo, participando de reuniões institucionais, assim como emitindo pareceres técnicos sobre questões que são discutidas no PLS 248/2015, quando lhe é requisitado pelos assessores parlamentares ou pelas lideranças ciganas.

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  • ______. Processo 04991.001186/2014-35. Contrato de Cessão de Uso Gratuito. Assentar a Comunidade Cigana, representada pela organização não governamental Associação Nacional das Etnias Ciganas. Diário Oficial da União: seção 3, Brasília, DF, 30 jun. 2015a.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    17 Set 2020
  • Aceito
    08 Fev 2021
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