Acessibilidade / Reportar erro

Governança econômica global e desigualdade de gênero: uma agenda para a pesquisa jurídica brasileira

Resumo

Este artigo explora a intersecção entre direito, governança econômica global e desigualdade de gênero, tema ainda pouco tratado pela pesquisa jurídica brasileira. O texto investiga de forma crítica como organizações internacionais, especialmente o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), têm incorporado a estratégia de transversalização de gênero em suas recomendações de regras e políticas públicas a países membros. O artigo também constrói uma proposta de arcabouço teórico destinado à contribuição própria da pesquisa jurídica, que se vale da combinação de duas correntes do institucionalismo: o feminista e o jurídico.

Palavras-chave:
Direito econômico; Gênero; Governança econômica global; Institucionalismo

Abstract

This article explores a subject, which is still absent in Brazilian legal research: the intersection between law, global economic governance, and gender inequality. It critically examines how international organizations, mainly the World Bank and the International Monetary Fund (IMF), are gender mainstreaming their recommendations on economic rules and policies. The article also builds a theoretical framework that draws on two institutionalist approaches: feminist and legal institutionalism.

Keywords:
Economic Law; Gender; Global economic governance; Institutionalism

1. Introdução1 1 Uma primeira versão deste artigo foi apresentada como um working paper do NEPEI (Núcleo de Estudos em Política e Economia Internacional) do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo (USP). A autora agradece especialmente o diálogo com as professoras Adriana Schor, Maria Antonieta del Tedesco Lins e Marislei Nishijima (NEPEI). Os comentários recebidos do Professor Emérito Jacques Marcovitch (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo – FEA-USP), Professor titular Yduan de Oliveira May (Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC), dos membros pesquisadores do Instituto de Estudos Avançados (IEA) de Nantes (França) e dos revisores desta Revista foram extremamente valiosos. Todos os erros remanescentes são de responsabilidade da autora.

Em 2020, a pandemia da COVID-19 expôs a precária segurança econômica das mulheres. No mundo, 740 milhões de mulheres trabalham na economia informal e sua renda reduziu 60% durante o primeiro mês da crise global (ONU Mulheres, 2020, p. 5). Setores econômicos “feminizados” foram os mais atingidos. A ONU Mulheres estimou que 72% dos trabalhadores domésticos, 80% dos quais são mulheres, haviam perdido seu emprego em decorrência da COVID-19 (ONU Mulheres, 2020, p. 5). As trabalhadoras também enfrentaram maiores riscos de infecção: 70% da força de trabalho na saúde e na assistência social é feminina, com presença significativa na primeira linha de combate à pandemia (ONU Mulheres, 2020, p. 5).

A crise da COVID-19 também tende a aumentar ainda mais a pobreza feminina e as disparidades de gênero. No mundo, 247 milhões de mulheres, com 15 anos ou mais, viverão com menos de US$ 1,90 por dia em 2021, em comparação a 236 milhões de homens. Em 2030, elas ainda serão a maioria da população vivendo na extrema pobreza (ONU Mulheres, 2020).

As mulheres são, contudo, a espinha dorsal para a recuperação econômica no pós-COVID-19. Há décadas, organizações internacionais sustentam que a igualdade de gênero produz crescimento econômico. Essa ideia é sustentada por diferentes agências das Nações Unidas, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Banco Mundial e, mais recentemente, também o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Organizações internacionais são atores extremamente poderosos. Elas influenciam regimes jurídicos e políticas públicas nacionais, tanto por sua capacidade em produzir conhecimento técnico especializado em uma área de cooperação específica (moeda, investimento ou comércio), seja por gerir mecanismos institucionais, que podem compelir países membros a adotarem determinadas regras e práticas, como parte de suas obrigações assumidas internacionalmente. Em uma economia altamente complexa e globalizada, legisladores nacionais juntamente com organizações econômicas moldam o que é, e o que deveria ser, o conteúdo do direito econômico. O direito molda e é moldado por ideias econômicas.

O Banco Mundial e o FMI, por exemplo, podem influenciar a adoção de certas regras e práticas sensíveis ao gênero por meio de assistência e consultoria técnicas, ou por integrar a perspectiva da igualdade como condicionalidade política a apoio financeiro. Ambas são entidades quase universais. 190 países integram o FMI. O grupo Banco Mundial, dentre suas diversas organizações, conta com o mesmo número de países. A capacidade dessas instituições influenciarem a vida das mulheres em diferentes economias nacionais é, portanto, significativa. No entanto, uma análise cuidadosa e crítica do discurso e das ideias sobre gênero, promovidos por essas entidades, precisam integrar a pesquisa sobre a formação de um direito econômico sensível ao gênero. Discursos e ideias não são neutros. O direito molda e, ao mesmo tempo, é moldado por essas ideias.

O presente artigo tem como objetivo fomentar uma pauta, ainda pouco explorado, pela pesquisa jurídica brasileira: a governança econômica global e a igualdade de gênero. Seguindo os passos de Vitale e Nagamine (2018)Vitale, Denise; Nagamine, Renata (orgs.). Gênero, direito e relações internacionais: debates de um campo em construção. EDUFBA, Salvador, 2018., meu intuito é provocar uma reflexão sobre a conexão entre gênero, direito e relações internacionais, notadamente no campo da regulação econômica. A finalidade é explorar o tratamento da equidade de gênero por organizações internacionais destinadas à cooperação, especialmente o Banco Mundial e o FMI, e sugerir caminhos para se pensar a contribuição própria da pesquisa brasileira.

Esse tópico torna-se premente no contexto da crise da COVID-19 e de seus impactos desproporcionais, tanto social como econômico, sobre as mulheres. Ademais, a análise contextualizada do problema da desigualdade na América Latina e, particularmente, no Brasil, é indispensável. A região é uma das mais violentas contra as mulheres. Dentre os 25 países com as maiores taxas de feminicídio, quatorze estão na América Latina (Nações Unidas Mulheres, 2017Nações Unidas Mulheres. “From Commitment to Action: Policies to End Violence Against Women in Latin America and the Caribbean.” Regional Analysis Document, 2017.). Embora os países da região tenham visto os maiores ganhos na participação feminina na força de trabalho durante as últimas duas décadas (Novta e Wong, 2017Novta, Natalija; Wong, Joyce Cheng. “Women at Work in Latin America and the Caribbean”, IMF Working Paper WP / 17/34, 2017.), as condições econômicas atuais não são tão favoráveis ​​quanto na década de 2000.

Nesse âmbito, a pesquisa jurídica tem papel fundamental. Juristas são treinados a observar e construir inferências descritivas e causais sobre o funcionamento de instituições e a analisar relações subjacentes de poder (político, econômico, social).2 2 Infelizmente, essa formação teórica e metodológica em pesquisa não necessariamente é assegurada por todos os cursos de direito do país. Particularmente, juristas formados pelo Programa de Educação Tutorial (PET) em Sociologia Jurídica, vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e financiado pelo Ministério da Educação, têm se beneficiado de uma formação de alta qualidade, que desenvolve habilidades e conhecimentos para a construção de inferências descritivas e causais na pesquisa jurídica. O Professor Titular José Eduardo Campos de Oliveira Faria, tutor durante anos desse programa, é reconhecidamente um dos maiores formadores de gerações de pesquisadores brasileiros com esse tipo especial de habilidade e conhecimento. No Brasil, contudo, o debate sobre gênero tem avançado de forma mais acentuada na pesquisa em direitos humanos e direito criminal,3 3 O dossiê “Direito e Gênero”, publicado pela Revista Direito & Práxis em 2016 (Campos, 2016), e a coletânea de artigos organizada por Vitale e Nagamine (2018) são exemplos de contribuição jurídica relevante na área. e mais restritamente no campo do direito econômico, tanto do ponto de vista nacional como internacional. O direito, contudo, não apenas regula relações econômicas. Ele funda e constitui essas relações, que podem se revelar discriminatórias em relação a mulheres.

Este artigo constrói ponderações sobre a importância dessa agenda, a partir de uma análise da literatura em ciências sociais e a identificação do hiato da pesquisa jurídica nesse campo (Seção 2); como a ação de organizações internacionais conformam o direito econômico e impactam a (in)visibilidade de gênero nas relações de mercado em economias nacionais (Seção 3); e, finalmente, como a literatura em economia política sobre instituições pode ser apropriada, de forma crítica, por juristas que visam explorar a desigualdade de gênero na ordem econômica global, especialmente a partir da corrente do institucionalismo feminista, que pode servir como ponto de partida para reflexões empíricas (Seção 4). Uma forma de se avançar no campo do institucionalismo jurídico é incorporar a “lente” do institucionalismo feminista para analisar o funcionamento de organizações globais, assim como seu papel e seu efetivo poder na conformação do conteúdo do direito econômico nacional. A maneira como essas entidades estão co-produzindo regras, que (in)visibilizam o gênero em economias nacionais, importam.

2. Direito, gênero e governança econômica global: uma análise da literatura em ciências sociais

A governança econômica global compreende um conjunto de instituições, regras e procedimentos, que visam sustentar vínculos internacionais de natureza econômica entre Estados, indivíduos, organizações públicas e privadas (Duran, 2020Duran, Camila Villard. “Governança econômica global”. In: Ivo, Anete, BL (coord.). Dicionário temático Desenvolvimento e Questão Social. 2a. Edição, Annablume, 2020.). São estruturas destinadas à cooperação e à coordenação de ações, que respondem pela gestão de relações transfronteiriças. No âmbito econômico, o multilateralismo, que visa estruturar juridicamente relações globais, é um paradigma que se desenvolveu, sobretudo, a partir do final da Segunda Guerra mundial. Organizações internacionais foram estabelecidas para monitorar e gerenciar um conjunto de regras, que passaram a reger o comportamento de Estados em diferentes áreas. O Acordo de Bretton Woods, de 1944, que instituiu o Banco Mundial e o FMI, é uma convenção basilar que rege multilateralmente dois pilares da economia global: (1) investimento e desenvolvimento; e (1) moeda e finanças, respectivamente.

No tratamento da desigualdade entre mulheres e homens, a forma como organizações internacionais estruturam suas ideias e suas recomendações de política e regras jurídicas importam. Ideias e narrativas moldam como a economia mundial deve funcionar, o que pode ser reconhecido como um problema social e qual o papel de instituições nacionais e globais em prover soluções jurídicas e políticas a esses problemas (Kennedy, 2018Kennedy, David. A world of struggle: How power, law, and expertise shape global political economy. Princeton University Press, 2018.). Ideias e concepções carregam o efeito crítico de dirigir e, ao mesmo tempo, restringir a ação política de organizações, sejam elas locais ou transnacionais. Ideias formam o conteúdo do direito.“Revolução paralisada” é o termo usado pelo Banco Mundial para descrever o processo de empoderamento feminino na América Latina. A redução da discriminação de gênero no acesso à educação e ao emprego não foi acompanhada pela diminuição da desigualdade salarial e da violência contra as mulheres (Banco Mundial, 2018Banco Mundial. “A “Stalled Revolution” for Latin American Women”, March 8, 2018.). O influxo feminino no mercado de trabalho também não trouxe uma divisão mais equitativa dos cuidados no espaço doméstico. Há uma “dupla carga” para as mulheres latino-americanas: comparativamente aos homens, elas passam mais de três horas por dia em tarefas domésticas e ganham, em média, 10% a menos (Banco Mundial, 2018Banco Mundial. “A “Stalled Revolution” for Latin American Women”, March 8, 2018.).

Nessas economias, a inserção das mulheres também é altamente influenciada por questões sociais, culturais e religiosas. Gênero é uma concepção socialmente construída e sugere expectativas e premissas culturais sobre o comportamento, as atitudes, os traços de personalidade e as capacidades físicas e intelectuais de homens e mulheres, baseadas unicamente em sua identidade de gênero (Parágrafo 14, Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, Comentário Geral nº 16, 2005).

Com o movimento crescente de conservadorismo religioso na América Latina, organizações internacionais, que sustentam a visibilidade e o empoderamento femininos, precisam ser foco de análise e de escrutínio também pela pesquisa jurídica, notadamente no que se refere a seus impactos no sistema jurídico local e nos direitos individuais das mulheres.

Particularmente, o FMI é uma organização recorrentemente acusada por implementar políticas de “austeridade fiscal”, que visam o controle rigoroso de despesas públicas. Banco Mundial e Fundo estruturam programas de ajustes estruturais, concebidos com o objetivo de reduzir desequilíbrios fiscais nos países que recebem seu apoio financeiro para responder a crises. Esse tipo de programa é condicional ao recebimento de recursos das instituições. Geralmente, o FMI é responsável por implementar as políticas de estabilização (notadamente, fiscal, monetária e de regulação do mercado financeiro), e o Banco Mundial é responsável pelas medidas microeconômicas de ajuste, que visam adaptar o sistema jurídico e as economias de países em desenvolvimento à orientação de livre mercado e de maior integração global. Esses programas podem incluir medidas de controle de gastos públicos, privatização e desregulamentação de setores econômicos locais, bem como a redução de barreiras ao comércio com outros países membros.

Na década de 1980, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) publicou uma das primeiras análises enfatizando o impacto sobre mulheres e crianças, na América Latina, causado por programas de ajuste estrutural promovidos pelo FMI e pelo Banco Mundial (UNICEF, 1987UNICEF. The invisible adjustment: poor women and the economic crisis. New York, UNICEF, 1987.; Cornia, Jiolly e Stewart, 1987). As mulheres foram confrontadas com o pesado fardo de absorver os efeitos das crises da dívida soberana na região, por meio da prestação de cuidados não-remunerados na esfera doméstica. À medida que o Estado reduzia seu papel na promoção de direitos sociais e econômicos, suportados pela política fiscal, as mulheres aumentaram sua carga de atividades na esfera doméstica, sem a proteção adequada pelo direito.

Ao longo do tempo, contudo, a literatura em economia política parece ter avançado mais na avaliação empírica da desigualdade de gênero do que os trabalhos produzidos no campo do direito. Diferentes estudos apontam que essas organizações internacionais não levaram em consideração o impacto sobre o bem-estar e os direitos das mulheres em programas de ajuste estrutural, durante as décadas de 1980 e 1990, tanto na América Latina como na Ásia (Detraz e Peksen, 2016Detraz, Nicole, and Dursun Peksen. “The effect of IMF programs on women’s economic and political rights.” International Interactions 42.1, 2016.; Neaga, 2012Neaga, Diana Elena. “‘Poor’ romanian women between the policy (politics) of imf and local government.” European Journal of Science and Theology 8(1), 2012.; Yoo, 2011Yoo, Eunhye. “International human rights regime, neoliberalism, and women’s social rights, 1984–2004.” International Journal of Comparative Sociology 52(6), 2011.; Campbell, 2010Campbell, Hillary. “Structural Adjustment Policies: A Feminist Critique.” Sigma: Journal of Political and International Studies 27(1), 2010.; Lingam, 2005Lingam, Lakshmi. “Structural adjustment, gender and household survival strategies: Review of evidences and concerns.” CEW Center for the Education of Women, University of Michigan (2005).; Ali, 2003Ali, Khadija. “Gender exploitation: from structural adjustment policies to poverty reduction strategies.” The Pakistan Development Review 42.4, 2003.; Aslanbeigui e Summerfield, 2000Aslanbeigui, Nahid, and Gale Summerfield. “The Asian crisis, gender, and the international financial architecture.” Feminist Economics 6(3), 2000.; Sadasivam, 1997Sadasivam, Bharati. “The impact of structural adjustment on women: A governance and human rights agenda.” Hum. Rts. Q. 19, 1997.; Elson, 1992Elson, Diane. “From survival strategies to transformation strategies: women’s needs and structural adjustement”. In: Beneria, Lourdes, and Shelley Feldman, eds. Unequal Burden: Economic Crises, Persistent Poverty and Women’s Work. Westview Press, Boulder, Colorado, 1992.; Benería, 1992Benería, Lourdes. “The Mexican debt crisis: restructuring the economy and the household”. In: Beneria, Lourdes, and Shelley Feldman (eds). Unequal Burden: Economic Crises, Persistent Poverty and Women’s Work. Westview Press, Boulder, Colorado, 1992.).

A pesquisa sobre direito no Brasil tem, particularmente, progredido na adoção da perspectiva de gênero em temas relacionados a direitos humanos e direito criminal (e.g., Machado, Bandeira e Matsuda, 2018Machado, Marta R. de A.; Bandeira, Ana Luiza V. de V., e Matsuda, Fernando. “Gênero e mobilização do direito no Brasil: violência e aborto, dois campos desiguais”, in: Vitale, D.; Nagamine, R. (orgs.). Gênero, direito e relações internacionais: debates de um campo em construção. EDUFBA, Salvador, 2018.; Gomes, 2018Gomes, Mariângela G. de M. “Os papéis da Corte interamericana de direitos humanos e da Corte Europeia de direitos humanos no enfrentamento da violência de gênero”, in: Vitale, D.; Nagamine, R. (orgs). Gênero, direito e relações internacionais: debates de um campo em construção. EDUFBA, Salvador, 2018.; Ávila, Seixas e Sposato, 2018Ávila, Flávia de; Seixas, Paula A.; Sposato, Karyna B. “A responsabilidade do Estado brasileiro no caso Alyne Pimentel pelo CEDAW”, in: Vitale, D.; Nagamine, R. (orgs.). Gênero, direito e relações internacionais: debates de um campo em construção. EDUFBA, Salvador, 2018.; Vitale, Nagamine e Souza, 2018Vitale, Denise; Nagamine, Renata; Souza, Giselle A. de. “A ONU Mulheres na aldeia: iterações democráticas e mediação cultural”, in: Vitale, D.; Nagamine, R. (orgs.). Gênero, direito e relações internacionais: debates de um campo em construção. EDUFBA, Salvador, 2018.; De Jesus, 2016De Jesus, Jacqueline. “Operadores do direito no atendimento às pessoas trans”, Revista Direito & Práxis 7(3), 2016.; Biroli, 2016Biroli, Flávia. “Political violence against women in Brazil: expressions and definitions “, Revista Direito & Práxis 7(3), 2016.). No entanto, a inclusão da pauta do gênero na pesquisa brasileira em direito econômico (nacional, regional ou internacional) ainda é escassa (Bona, 2019BONA, Camila de. Dependência econômica e violência doméstica: o duplo grau de vulnerabilidade das mulheres e as políticas públicas de trabalho e renda (Mestrado em Direito) Programa de Pós-Graduação em Direito - Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC, 2019.; Silva, 2018Silva, Gabriela Galiza e. A influência do direito internacional no processo de empoderamento econômico das mulheres e a inclusão do gênero na política comercial brasileira (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós Graduação em Direito. Natal, RN, 2018.; Cardia, 2016Cardia, Ana Cláudia R. Empresas, direitos humanos e gênero: desafios e perspectivas na proteção e na emancipação da mulher pelas empresas transnacionais. Editora Buqui, 2016.; de Mattos Pimenta, 2015De Mattos Pimenta, Raquel. “A invisibilidade da presença: Direito, políticas de microcrédito e empoderamento das mulheres”. Revista Jurídica da Presidência 16.110 (2015): 751-776.), especialmente na análise do trabalho desenvolvido por organizações internacionais.

Em economia política internacional, os trabalhos de pesquisa são prósperos e estão ampliando seu alcance (Elias e Roberts, 2018Elias, Juanita; Roberts, Adrienne (eds.). Handbook on the International Political Economy of Gender. Edward Elgar Publishing, 2018.; Waylen et al., 2013Waylen, Georgina, et al., eds. The Oxford handbook of gender and politics. Oxford University Press, 2013.; Caglar, Prugl e Zwingel, 2013Caglar, Gülay, Elisabeth Prügl, e Susanne Zwingel, eds. Feminist strategies in international governance. Vol. 70. Routledge, 2013.) e aprimorando suas metodologias (Ackerly, Stern e True, 2006Ackerly, Brooke A., Maria Stern, e Jacqui True (eds). Feminist methodologies for international relations. Cambridge University Press, 2006.). A obra seminal de Esther Boserup (1970 [2007]), discutindo o papel das mulheres no desenvolvimento agrícola e industrial, foi crucial para inaugurar as reflexões sobre a intersecção entre gênero e economia política na década de 1970.

No desenvolvimento desse campo disciplinar, a conceituação de “reprodução social” foi vital para ampliar as possibilidades de análise da literatura (Rai, 2013Rai, Shirin M. “Gender and (International) Political Economy”. In: Waylen, Georgina, et al., eds. The Oxford handbook of gender and politics. Oxford University Press, 2013., p. 268). Esse conceito desafia a divisão entre os espaços público e privado (ou doméstico). Ele aponta que as mulheres carregam o ônus do trabalho não-remunerado da reprodução e da manutenção de recursos humanos, de forma a sustentar o desenvolvimento de economias nacionais. Todavia, esse trabalho é invisível para o cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) e para a contabilidade pública (Waring, 1988Waring, Marilyn. If women counted: A new feminist economics. San Francisco: Harper & Row, 1988.). Trabalho que não produz lucro não é considerado produção, ou seja, não tem valor econômico.

Valor é, portanto, um conceito reduzido a preço. Subjacente a essa abordagem do trabalho doméstico, está uma teoria subjetiva, baseada na ideia de utilidade: “o que tem valor é o que é trocado no mercado” (Mazzucato, 2018Mazzucato, Mariana. The value of everything: Making and taking in the global economy. Hachette UK, 2018., p. 93). O trabalho social reprodutivo, conduzido sobretudo por mulheres na esfera doméstica, está excluído da produção capitalista. No espaço econômico, portanto, mulheres tendem a se beneficiar menos da proteção jurídica concedida às relações privadas, como direitos trabalhistas, previdenciário, dos contratos, entre outros, comparativamente a seus pares masculinos.

No âmbito da regulação monetária e financeira internacional, reflexões críticas na literatura em economia política exploraram os efeitos das normas e das práticas sobre a igualdade de gênero. Por exemplo, trabalhos relevantes foram desenvolvidos sobre a desigualdade de gênero produzida por políticas monetárias não-convencionais (Young, 2018Young, Brigitte. “Financialization, unconventional monetary policy and gender inequality”. In: Elias, Juanita; Roberts, Adrienne, eds. Handbook on the International Political Economy of Gender. Edward Elgar Publishing, 2018.) e o papel da mulher no fluxo de remessas internacionais (Kunz, 2011Kunz, Rahel. The political economy of global remittances: Gender, governmentality and neoliberalism. Routledge, 2011.). Há estudos sobre os discursos e as práticas controversas de desenvolvimento promovidos pelo Banco Mundial sobre desigualdade de gênero (Calkin, 2018Calkin, Sydney. “The World Bank and the challenge of ‘the Business case’ for feminist IPE”. In: Elias, Juanita; Roberts, Adrienne (eds). Handbook on the International Political Economy of Gender. Edward Elgar Publishing, 2018.; Bedford, 2013Bedford, Kate. “Economic Governance and the Regulation of Intimacy in Gender and Development: Lessons from the World Bank's programming.” In: Caglar, G and Prugl, E and Zwingel, S, eds. Feminist Strategies in International Governance. Routledge, 2013.; Caglar, 2013Caglar, Gulay. “Feminist strategies and social learning in international economic governance”, In: Caglar, G and Prugl, E and Zwingel, S (eds). Feminist Strategies in International Governance. Routledge, 2013.; Razavi, 2013Razavi, Shara. “Governing the economy for gender equality? Challenges of regulation”, In: Caglar, Gülay, Elisabeth Prügl, and Susanne Zwingel, eds. Feminist strategies in international governance. Vol. 70. Routledge, 2013.). No entanto, os processos de formação e internacionalização das ideias sensíveis ao gênero no FMI, bem como suas práticas, ainda não foram explorados de maneira sistemática pela literatura, tanto na economia política (com exceção de Coburn, 2019Coburn, Elaine. Trickle-down gender at the International Monetary Fund: the contradictions of “femina economica” in global capitalist governance. International Feminist Journal of Politics, v. 21, n. 5, p. 768-788, 2019. e Berik, 2017Berik, Günseli. Beyond the Rhetoric of Gender Equality at the World Bank and the IMF. Canadian Journal of Development Studies/Revue canadienne d'études du développement, v. 38, n. 4, p. 564-569, 2017.) como no direito. Especialmente, análises sobre o impacto dessas concepções na formação de regimes jurídicos nacionais são praticamente inexistentes.

3. Direito e governança econômica global: como o Banco Mundial e o FMI estruturam um direito sensível ao gênero e por que isso importa para juristas?

Existem diferentes narrativas globais sobre o significado de gênero. Essas concepções jurídicas tendem a produzir efeitos sociais bastante concretos, afetando a ação das mulheres localmente. Por exemplo, o Pacto Internacional das Nações Unidas sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, reproduz a divisão de gênero nas esferas pública e doméstica. Em seu artigo 7, o Pacto estabelece o direito à equiparação salarial por trabalho equivalente. Tendo em vista que grande parte das mulheres no mundo é responsável pelo trabalho não-remunerado na esfera doméstica, elas tendem a desfrutar de benefícios limitados enquanto sujeito de direitos assegurados por esse Pacto (Charlesworth e Chinkin, 2000, p. 238).

A partir de um ângulo distinto, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), de 1979, enfatiza as mulheres como titulares de direitos autônomos. Elas não são tratadas pelo documento jurídico como atores em seus respectivos papéis na família e na sociedade, funções que estão também enraizadas na separação conceitual entre o espaço doméstico em relação ao público. No entanto, a CEDAW está mais bem equipada para lidar com as hierarquias de gênero produzidas na esfera privada (Zwingel, 2013Zwingel, Susanne. “Translating international women’s rights norms: CEDAW in context.” Feminist strategies in international governance. Routledge, 2013., p. 114), do que com aquelas reproduzidas por regimes econômicos globais.

Em 1995, a Declaração e a Plataforma de Ação de Pequim, ratificada por todos os Estados membros das Nações Unidas, constituiu-se como um marco jurídico internacional para o empoderamento feminino. A estratégia de transversalização de gênero (gender mainstreaming) foi estabelecida como objetivo para se alcançar a igualdade. A transversalização consiste no processo de

“avaliação das implicações para mulheres e homens de qualquer ação planejada, incluindo legislação, políticas ou programas, em todas as áreas e em todos os níveis. [...] O objetivo final é o de alcançar a igualdade de gênero” (Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, 1997Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. “Report of the Economic and Social Council for 1997”, ONU, September 1997., A/52/3.18, tradução livre).

A “difusão global” dessa estratégia (True e Parisi, 2013True, Jacqui, and Laura Parisi. “Gender mainstreaming strategies in international governance.” Feminist strategies in international governance. Routledge, 2013.; True, 2003True, Jacqui. “Mainstreaming gender in global public policy.” International Feminist Journal of Politics 5.3, 2003.) foi bem recebida por agências da ONU, pela OCDE, pelo Banco Mundial e pelo FMI. Com base no conceito de transversalização, diferentes regras e políticas públicas foram formuladas por essas organizações, que passaram a ser recomendadas a países membros.

No Banco Mundial, a adoção da transversalização de gênero ocorreu já a partir do final da década de 1990. Uma convergência de pressões sociais contribuiu para essa adoção: a mudança na missão do Banco para a concessão de empréstimos com vistas à redução da pobreza, a presidência ativa de James Wolfensohn e o papel de ativistas feministas, internas e externas à instituição (Calkin, 2018Calkin, Sydney. “The World Bank and the challenge of ‘the Business case’ for feminist IPE”. In: Elias, Juanita; Roberts, Adrienne (eds). Handbook on the International Political Economy of Gender. Edward Elgar Publishing, 2018.).

Dentro do FMI, contudo, a visibilidade das mulheres é um fenômeno relativamente recente. O Fundo somente reconheceu a igualdade de gênero como um ponto de atenção para regras e políticas macroeconômicas em 2013, sob liderança de Christine Lagarde.4 4 O FMI alimenta uma página especial dedicada à disseminação de estudos e dados sobre igualdade de gênero : https://www.imf.org/external/themes/gender/

“Quando as mulheres se dão bem (em suas carreiras), as economias nacionais se saem melhor” (Lagarde, 2013Lagarde, Christine. “A new global economy for a new generation.” World economic forum annual meeting. 2013.). Lagarde inaugurou um novo discurso para a instituição: a igualdade de gênero é relevante para a estabilidade macroeconômica. A partir de então, o Fundo passou a apoiar o “empoderamento de mulheres, fator essencial para a transformação econômica” (Lagarde, 2016). Desde 2019, já sob a direção de Kristalina Giorgieva, essa pauta tende a continuar como foco de atenção de pesquisas e políticas produzidas pela organização.5 5 Na primeira reunião anual do FMI e do Banco Mundial, da qual participou como nova diretora-gerente do Fundo, K. Georgieva gravou uma entrevista com Ravi Agrawal, da Foreign Policy Magazine. O tema principal da conversa foi a desigualada de gênero e as barreiras para o crescimento das mulheres em suas carreiras. O podcast está disponível em: https://www.imf.org/en/News/Podcasts/All-Podcasts/2019/11/02/md-gender-equality [última visita em 30 de maio de 2020].

Tanto o Banco Mundial como o FMI têm contribuído significativamente para aumentar a conscientização sobre a desigualdade de gênero no funcionamento das economias. Ambos fornecem dados e análises convincentes sobre o impacto da desigualdade em economias desenvolvidas, emergentes e em desenvolvimento (por exemplo, Banco Mundial, 2018Banco Mundial. “A “Stalled Revolution” for Latin American Women”, March 8, 2018.; Kolovich, 2018Kolovich, Ms Lisa L., ed. Fiscal Policies and Gender Equality. International Monetary Fund, 2018.; Novta e Wong, 2017Novta, Natalija; Wong, Joyce Cheng. “Women at Work in Latin America and the Caribbean”, IMF Working Paper WP / 17/34, 2017.; Stotsky, 2016Stotsky, Janet. “Gender Budgeting: Fiscal Context and Current Outcomes”. IMF Working Paper 16/149, 2016.; Christiansen et al., 2016Christiansen, Lone Engbo; Lin, Huidan ; Pereira, Joana; Topalova, Petia; Turk, Rima. “Gender Diversity in Senior Positions and Firm Performance: Evidence from Europe”, IMF Working Paper 16/50, 2016.; Fragoso e Enriquez, 2016Fragoso, Lucía Pérez, and Corina Rodríguez Enríquez. “Western Hemisphere: A survey of gender budgeting efforts”. International Monetary Fund, 2016.; Gonzales et al., 2015Gonzales, Christian; Jain-Chandra, Sonali; Kochhar, Kalpana; Newiak, Monique. “Fair Play: More Equal Laws Boost Female Labor Force Participation”. IMF Staff Discussion Note, SDN 15/02, 2015.; FMI, 2013Fundo Monetário Internacional (FMI). “Jobs and growth: analytical and operational considerations for the Fund”. IMF Policy Papers, 2013., p. 50-54). O ranking “Mulheres, Empresas e Direito” (Women, Business and the Law), que visa medir a desigualdade presente em leis, é um dos instrumentos mais relevantes do Banco Mundial.6 6 O ranking está disponível no site da instituição, em: https://wbl.worldbank.org/ [última visita em 30 de maio de 2020]. Trata-se de um conjunto de dados, que identifica barreiras à participação econômica das mulheres, e incentiva a reforma legislativa por países membros.

A autoridade intelectual é uma ferramenta poderosa e bem manipulada por essas instituições. Por um lado, o recurso à expertise macroeconômica tende a “ressoar” localmente, uma vez que os principais canais de diálogo entre essas organizações e as autoridades nacionais são os ministérios das finanças, de planejamento, bancos centrais, e secretarias especializadas em áreas econômicas. Essas entidades compartilham a mesma “gramática” de autoridades locais: a linguagem da macroeconomia.

Por outro lado, narrativas jurídicas e de política, construídas por instituições internacionais, não são neutras. Essas entidades adotam certas concepções e suposições sobre o significado do gênero e certos papéis sociais ou econômicos atribuídos às mulheres. Essas ideias produzem efeitos reais. Estereótipos podem ser reforçados socialmente e produzir resultados indesejáveis de regras e políticas públicas​. Por exemplo, a ideia de equiparação salarial coloca o desempenho dos homens como um limite para a remuneração das mulheres. Se a comunidade, onde as relações econômicas se desenvolvem, for pobre, ou se a representatividade masculina for reduzida em setores marcados pela feminização (como o serviço doméstico), o efeito da regra pode ser perigoso ou irrelevante. No primeiro, a tendência é de reforço da pobreza local. No segundo, a narrativa não contribui para proteger o direito das mulheres.

Em 2006, o Banco Mundial lançou um plano de ação sobre gênero, criando o slogan “igualdade de gênero como economia inteligente” (gender equality as smart economics). Institucionalmente, contudo, o Banco tende a construir a identidade das mulheres como “mães”, que cuidam de seus filhos, e também trabalham (Caglar, 2013Caglar, Gulay. “Feminist strategies and social learning in international economic governance”, In: Caglar, G and Prugl, E and Zwingel, S (eds). Feminist Strategies in International Governance. Routledge, 2013., p. 261). As mulheres são, assim, atores econômicos, que são presumidas como altruístas e investem em filhas e filhos, contribuindo, de forma consequente, para a acumulação de capital humano. No entanto, intervenções políticas focadas em “mães” e “famílias” podem tornar invisíveis as relações homossexuais e, em nível local, reforçar as ideias de “heterossexualidade normativa” (Bedford, 2013Bedford, Kate. “Economic Governance and the Regulation of Intimacy in Gender and Development: Lessons from the World Bank's programming.” In: Caglar, G and Prugl, E and Zwingel, S, eds. Feminist Strategies in International Governance. Routledge, 2013., p. 245) e de conservadorismo religioso. Na América Latina, esse deve ser um ponto de especial atenção.

No âmbito do FMI, em referência à falência de uma instituição financeira (a Lehman Brothers), que serviu como um dos gatilhos para a crise global de 2008, Christine Lagarde afirmou que se a instituição tivesse sido gerida pelas “Irmãs Lehman (Lehman Sisters)”, ao invés dos Irmãos Lehman (Lehman Brothers), “o mundo seria muito diferente do atual” (Lagarde, 2018). A representante do Fundo pressupõe, portanto, que as mulheres sejam investidoras mais conscientes e cautelosas comparativamente aos homens.

Antes de 2013, os documentos do FMI dificilmente se referiam à palavra gênero. O Fundo concentrou-se principalmente na identificação da participação das mulheres no mercado de trabalho e nos problemas relacionados à desigualdade de renda (Bretton Woods Project, 2017Bretton Woods Project. “The IMF and Gender Equality: A Compendium of Feminist Macroeconomic Reviews”, Bretton Woods Project, October 2017.). Em 2014, a expressão “macrossocial” foi adicionada às diretrizes operacionais para o desenho de condicionalidades políticas ao apoio financeiro do Fundo (FMI, 2014). No ano seguinte, o FMI formalmente começou a examinar a desigualdade de gênero como questão “macro-crítica”.

A noção macroeconômica de “gênero” foi adicionada também às diretrizes para funcionários da instituição ao produzirem os relatórios periódicos relativos à aplicação do artigo IV do Convênio Constitutivo da entidade (FMI, 2015). Esses relatórios avaliam periodicamente políticas macroeconômicas e o ambiente institucional de países membros. A equipe de funcionários do FMI realiza missões para analisar e discutir políticas com representantes de governos. No âmbito dessa missão de supervisão do sistema financeiro global, o Fundo prestou consultoria estratégica a 42 países sobre desigualdade de gênero (FMI, 2019).

No entanto, as narrativas do Fundo e do Banco Mundial sobre igualdade tendem a revelar a outra face da visibilidade de gênero: a invisibilidade da interseccionalidade, ou seja, como diferentes aspectos da discriminação social, racial e política se entrelaçam com a de gênero. É, contudo, a invisibilidade de vários aspectos significativos da vida das mulheres.

Existem fatores que unem e dividem as mulheres, e eles devem ser considerados por regras e políticas públicas. A distribuição desigual de poder entre mulheres e homens, nas esferas pública e privada, é um problema comum entre diferentes países e regiões, embora haja diferenças em termos de grau. No entanto, existem fatores que separam as mulheres e estão relacionados à idade (responsabilidades familiares, acesso ou controle sobre recursos financeiros, interesses e objetivos de vida distintos), classe social e posição econômica (acesso a recursos financeiros e crédito, acesso à educação, trabalho em zona urbana ou rural), raça e etnia (mulheres brancas, indígenas e negras sofrem constrangimentos distintos), estrutura familiar (famílias homo ou heterossexuais, famílias chefiadas por mulheres, famílias multigeracionais), nacionalidade (trabalhadoras migrantes ou nativas sofrem diferentes pressões sociais), cultura e religião (valores e concepções religiosos do papel das mulheres na família e na sociedade impactam sua liberdade), e sexualidade e identidade de gênero (hetero, gays e trans têm diferentes conjuntos de oportunidades). A interseccionalidade, contudo, ainda não está pautada na agenda de cooperação econômica global e, por consequência, da formação do regime jurídico da economia mundial.

Outra crítica, que pode ser formulada à visão de gênero adotada por organizações econômicas globais, está relacionada a suas escolhas metodológicas. A abordagem intelectual do FMI e do Banco Mundial parece revelar uma forma de instrumentalização do gênero, em oposição à ideia de transversalização. O discurso macroeconômico é, assim, utilizado para despolitizar o feminino: as mulheres são meios para assegurar crescimento e estabilidade econômica. Seu bem-estar e direitos individuais não são um fim per se. Ainda que as entidades visem a promoção de um bem público (isto é, a estabilidade macroeconômica), há limites de como elas podem tratar seres humanos: eles não podem ser concebidos meramente como instrumentos.

O FMI, por exemplo, tende a adotar uma “abordagem compensatória” (Mariotti et al., 2017Mariotti, Chiara; Galasso, Nick; Daar, Nadia. “Great Expectations: Is the IMF turning words into action on inequality?”, Oxfam, 2017.) ao invés de incorporar a análise de gênero nas diferentes estruturas de políticas macroeconômicas recomendadas pela entidade. O foco é recompensar os perdedores das políticas fiscal e monetária (os grupos sociais mais vulneráveis em geral e, principalmente, as mulheres), em vez de questionar as próprias reformas estruturais (isto é, a ideia de ajuste fiscal) e seus efeitos inerentes. O FMI não avalia, de forma sistemática, os impactos distributivos sobre as mulheres de seu imenso catálogo de políticas macroeconômicas.

As políticas macroeconômicas não são, contudo, neutras quanto ao gênero: elas impactam diferentemente mulheres e homens, reproduzindo a desigualdade. O efeito inerente mais relevante é a transferência dos custos econômicos de programas de ajuste fiscal para a esfera doméstica. Assim, mulheres prestam serviços não-remunerados, compensando a redução correspondente do investimento público em saúde, no cuidado de idosos e na educação de crianças e jovens.

Pela “lente” compensatória, as considerações sobre o significado de gênero também são limitadas: as mulheres não são consideradas detentoras de direitos individuais, mas são percebidas como protagonistas de economias de mercado. Nesse sentido, as recomendações políticas do FMI que integram a perspectiva de gênero ao orçamento (gender budgeting), isto é, medidas que colocam a igualdade de gênero como central para a composição de despesas e receitas do governo, tendem a concentrar-se nos gastos sociais (como apoio a idosos ou crianças) em oposição à reestruturação dos programas tradicionais de ajuste fiscal (o que é considerado valor econômico e reconhecido no cálculo do PIB, a alta proporção de mulheres com salários reduzidos no serviço público e os limites inerentes aos ajustes nesse setor em tempos de crise, etc.).

Após a crise da Ásia nos anos 1990, Elson e Cagatay (2000)Elson, Diane; Nilufer Cagatay. “The social content of macroeconomic policies.” World Development 28.7, 2000. sustentaram que o FMI e o Banco Mundial trataram as questões sociais locais (como pobreza, trabalho e meio ambiente) em termos de “impacto social” da política econômica, ao invés de integrá-las enquanto “conteúdo social” inerente às políticas de estabilização macroeconômica (Elson e Cagatay, 2000Elson, Diane; Nilufer Cagatay. “The social content of macroeconomic policies.” World Development 28.7, 2000., p. 1352). A abordagem histórica e dominante, adotada por essas organizações, é a de “adicionar” políticas sociais, em vez de agregar as políticas econômica e social (Elson e Cagatay, 2000Elson, Diane; Nilufer Cagatay. “The social content of macroeconomic policies.” World Development 28.7, 2000.). Essa abordagem ainda prevalece no que se refere às recomendações relacionadas à igualdade de gênero.

Especialistas também já notaram a defasagem entre a pesquisa econômica produzida pelo FMI sobre gênero e suas recomendações de políticas para os países membros, que afetam a desigualdade (Mariotti et al., 2017Mariotti, Chiara; Galasso, Nick; Daar, Nadia. “Great Expectations: Is the IMF turning words into action on inequality?”, Oxfam, 2017.; Bretton Woods Project, 2017Bretton Woods Project. “The IMF and Gender Equality: A Compendium of Feminist Macroeconomic Reviews”, Bretton Woods Project, October 2017.; Donald e Lusiani, 2017). Um estudo, particularmente interessado no contexto brasileiro (Donald e Lusiani, 2017), questiona o apoio do Fundo à adoção do que foi chamado como “a mãe de todos os planos de austeridade” (Sims, 2016Sims, Shannon. “Brazil passes the mother of all austerity plans”, The Washington Post, 16 December 2016.): a emenda constitucional (EC) 95 de 2016. Essa emenda limitou, constitucionalmente, o crescimento das despesas do governo brasileiro durante vinte anos, alcançando os três poderes da República (Legislativo, Executivo e Judiciário), além do Ministério Público e da Defensoria Pública da União.7 7 Para uma análise detalhada sobre o processo de adoção da EC 95, ver Duran e Ratton (2018). Após a promulgação da emenda, os gastos sociais especificamente destinados às mulheres foram reduzidos em 58% (David, 2018David G. “The impact of IMF-backed austerity is women's rights in Brazil,” INESC, 2018.). O Fundo prestou assessoria técnica às autoridades brasileiras e apoiou formalmente o processo de mudança constitucional, como reflete o relatório produzido pela instituição (FMI, 2017).8 8 O FMI, contudo, reconhece os desafios da aplicação da regra constitucional: “de fato, as regras relacionadas a despesas públicas são especialmente eficientes em tempos de normalidade, porque restringem os países à política fiscal anticíclica; embora as receitas possam crescer, as despesas não irão. No entanto, em tempos de crescimento econômico lento ou negativo, as regras de contenção de gastos públicos podem limitar a capacidade do governo para criar estímulos fiscais para economia, ainda que temporariamente. Esse é um risco para o Brasil, pois a nova regra não contém uma ‘cláusula de escape’ econômica. Uma cláusula de escape definiria as condições estritas para suspender temporariamente a regra constitucional devido a situações econômicas extremas, assim como o processo de retorno à regra quando a situação excepcional terminar” (FMI, 2017, p. 16; tradução livre).

Falquet (2011)Falquet, Jules. “Les ‘féministes autonomes’ latino-américaines et caribéennes: vingt ans de critique de la coopération au développement.” Recherches féministes 24.2, 2011. denomina a abordagem instrumental do gênero, por organizações internacionais, como o processo de “domesticação do feminismo”. Ela recorre a esse termo para descrever o papel dessas entidades no processo de despolitização do gênero, a partir da análise empírica do trabalho das Nações Unidas em países latino-americanos. O gênero teria se tornado uma ferramenta técnica para despolitizar o feminismo, com o objetivo de evitar o uso do adjetivo “feminista”. O processo de domesticação é dividido em duas etapas: o estabelecimento de uma relação entre o conceito de gênero e as políticas macroeconômicas (ela se refere a “políticas neoliberais”), e o uso da palavra “gênero” para negligenciar outras formas de relações sociais e de poder. Calkin (2018)Calkin, Sydney. “The World Bank and the challenge of ‘the Business case’ for feminist IPE”. In: Elias, Juanita; Roberts, Adrienne (eds). Handbook on the International Political Economy of Gender. Edward Elgar Publishing, 2018. traz a mesma preocupação com as operações do Banco Mundial: o processo de incorporação de gênero despojou o conteúdo político do feminismo para assegurar apoio a intervenções políticas “neoliberais”. O conceito é, assim, adotado de maneira retórica com o objetivo de legitimar um projeto econômico, social e político específico.

A ideia de “neoliberalização do feminismo” (Prügl, 2015Prügl, Elisabeth. “Neoliberalising feminism.” New Political Economy 20(4), 2015.) também apreende, de forma inovadora, esse problema. A neoliberalização do feminismo, de acordo com Prugl (2015)Prügl, Elisabeth. “Neoliberalising feminism.” New Political Economy 20(4), 2015., refere-se ao uso do gênero como instrumento de governo das mulheres em mercados globais. Ela constrói esse conceito a partir da análise empírica de projetos visando o empoderamento feminino de iniciativa de empresas multinacionais (geralmente, em parceria com atores públicos, nacionais e internacionais, desenvolvimentistas), que adotam o rótulo de “responsabilidade social da empresa”. Esses projetos selecionam certas ideias feministas, integrando-as a “lógicas econômicas neoliberais” (Prugl, 2015Prügl, Elisabeth. “Neoliberalising feminism.” New Political Economy 20(4), 2015.). Para ela, o desafio social é encontrar formas em que o significado feminista de empoderamento possa ser recuperado, onde tecnologias neoliberais abrem espaços de transformação social a partir do local (Prugl, 2015Prügl, Elisabeth. “Neoliberalising feminism.” New Political Economy 20(4), 2015., p. 627).

A análise empírica sobre as ideias e a atuação de organizações internacionais no Brasil e também na América Latina, em parceria com atores locais, são fundamentais para compreender o impacto e a extensão da transversalização de gênero nas políticas públicas e no regime jurídico da região. Ideias formam e são conformadas pelo direito econômico. Elas também tendem a revelar os constrangimentos locais (sociais, culturais, econômicos, religiosos) para adoção de medidas jurídicas de empoderamento feminino.

Mas qual é o papel da análise empírica pelo direito? Como ela pode se valer da literatura em outras disciplinas das ciências sociais para fazer evoluir seu campo?

4. Como construir uma pesquisa jurídica sensível ao gênero no campo do direito econômico?

Com o intuito de explorar o papel da pesquisa jurídica brasileira no tema, adoto dois ângulos de análise: (3.1) “da economia política ao direito”, que busca identificar, no primeiro campo, correntes que possam dialogar mais proximamente com o interesse e as ferramentas de pesquisa de juristas, com destaque para o “institucionalismo feminista”; e (3.2) “do direito à economia política”, que constrói reflexões sobre como a corrente do “institucionalismo jurídico” pode incorporar lentes feministas e refletir criticamente sobre regras que conformam a governança econômica global. O objetivo último é contribuir para a construção de uma pesquisa jurídica brasileira sensível ao gênero no campo da regulação econômica.

4.1. Da economia política para o direito

A literatura em economia política internacional pode ser um ponto de partida para a análise a ser desenvolvida por juristas. De forma crítica e interdisciplinar, juristas podem avaliar o papel do direito na estruturação das relações econômicas globais e a forma como o gênero é incorporado (ou não) a regras e procedimentos, que moldam a gestão de economias nacionais na América Latina e, particularmente, no Brasil.

A literatura em economia política e gênero tem sido ainda pouco afetada pelo desenvolvimento do institucionalismo (Waylen, 2018Waylen, Georgina. “A feminist institutionalist approach to IPE and gender”. In: Elias, Juanita; Roberts, Adrienne, eds. Handbook on the International Political Economy of Gender. Edward Elgar Publishing, 2018.). Nesse âmbito, juristas têm muito a contribuir com cientistas políticos e economistas: a reflexão sobre instituições, regras e relações de poder é o campo privilegiado da pesquisa do direito.

Na ciência política, desde os anos de 1980, o “novo institucionalismo” (NI) enfatiza as instituições como variável essencial para explicar fenômenos sociais e políticos. As instituições “importam” (March e Olsen, 1983March, James G., and Johan P. Olsen. “The new institutionalism: Organizational factors in political life.” American political science review 78(3), 1983.). Elas moldam a vida das pessoas e a ação política. Esse campo tem três escolas tradicionais de pensamento: o institucionalismo da escolha racional, o institucionalismo histórico e o institucionalismo sociológico (Schmidt, 2010Schmidt, Vivien A. “Taking ideas and discourse seriously: explaining change through discursive institutionalism as the fourth ‘new institutionalism’.” European political science review 2(1), 2010.). Em comum, essas três escolas tendem a ser mais adequadas para explicar a continuidade do que a mudança e a transformação de instituições, enfatizando o papel de organizações como constrangimento ao comportamento político (Schmidt, 2010Schmidt, Vivien A. “Taking ideas and discourse seriously: explaining change through discursive institutionalism as the fourth ‘new institutionalism’.” European political science review 2(1), 2010.).

Uma quarta corrente mais recente do NI, o institucionalismo discursivo, pode dar suporte a análises jurídicas sobre a incorporação de ideias sobre gênero por organizações internacionais e nacionais, enfatizando as transformações no processo de transversalização impulsionado pela Plataforma de Ação de Pequim. Essa corrente engloba trabalhos abrangentes, que se envolveram seriamente com o “conteúdo substantivo das ideias e os processos interativos pelos quais as ideias são transmitidas e trocadas por meio do discurso” oficial, especialmente no campo do gênero (Shepherd, 2008Shepherd, Laura J. “Power and authority in the production of United Nations Security Council Resolution 1325.” International studies quarterly 52(2), 2008.; Schmidt, 2010Schmidt, Vivien A. “Taking ideas and discourse seriously: explaining change through discursive institutionalism as the fourth ‘new institutionalism’.” European political science review 2(1), 2010., p. 3; Chappell e Waylen, 2014).

O direito molda e é moldado por ideias econômicas sobre o gênero. Dissecar esses discursos é função de juristas. Além disso, para explorar as narrativas específicas sobre gênero formuladas por organizações econômicas, a abordagem feminista da NI pode ser um canal de diálogo privilegiado com o direito.

O institucionalismo feminista é um tipo de análise que destaca os aspectos do gênero presentes em normas, formais e informais, bem como nas práticas de instituições (Mackay, Kenny e Chappell, 2010Mackay, Fiona, Meryl Kenny, and Louise Chappell. “New institutionalism through a gender lens: Towards a feminist institutionalism?.” International Political Science Review 31(5), 2010.; Krook e Mackay, 2011Krook, Mona; Mackay, Fiona, eds. Gender, politics and institutions: Towards a feminist institutionalism. Springer, 2011.; Mackay, Waylen, 2014Mackay, Fiona; Georgina Waylen. “Introduction: Gendering “new” institutions.” Politics & Gender 10(4), 2014.; Waylen, 2018Waylen, Georgina. “A feminist institutionalist approach to IPE and gender”. In: Elias, Juanita; Roberts, Adrienne, eds. Handbook on the International Political Economy of Gender. Edward Elgar Publishing, 2018.). O institucionalismo feminista concebe as instituições como produtos de lutas e disputas por poder envolvendo o gênero (Waylen, 2018Waylen, Georgina. “A feminist institutionalist approach to IPE and gender”. In: Elias, Juanita; Roberts, Adrienne, eds. Handbook on the International Political Economy of Gender. Edward Elgar Publishing, 2018., p. 119).

Há áreas específicas em que a abordagem institucionalista feminista pode aperfeiçoar a compreensão da governança econômica global (Krook e Mackay, 2011Krook, Mona; Mackay, Fiona, eds. Gender, politics and institutions: Towards a feminist institutionalism. Springer, 2011.). Em primeiro lugar, o campo da economia política internacional tem sido mais adequado para explicar a governança de gênero do que o gênero da governança.

Em segundo lugar, o institucionalismo feminista também convida analistas à investigação da organização a partir de seu interior, para além de considerá-las como simples mecanismos de ressonância de pressões externas por igualdade de gênero, vindas de movimentos sociais. A identificação de uma cultura institucional específica e seus elementos, o perfil e a formação de atores internos (economistas, advogadas e advogados, técnicas e técnicos) e suas ações, e as regras formais e informais, que conformam as relações entre membros da organização, fornecem informações relevantes para entender as concepções de gênero adotadas e comunicadas socialmente por uma instituição (Waylen, 2018Waylen, Georgina. “A feminist institutionalist approach to IPE and gender”. In: Elias, Juanita; Roberts, Adrienne, eds. Handbook on the International Political Economy of Gender. Edward Elgar Publishing, 2018., p. 113). Em 2013, Lagarde inseriu a pauta da igualdade de gênero no FMI e, posteriormente, como presidente do Banco Central Europeu, ecoou a essa preocupação no âmbito de bancos centrais (BCE, 2020Banco Central Europeu (BCE). “ECB announces new measures to increase share of female staff members”, ECB, 14 May 2020.). Liderança e quadros preocupados com a questão da igualdade de gênero mobilizam recursos internos para fazer avançar a pauta nas políticas construídas por organizações. Essa pauta é, em seguida, transformada em regras jurídicas e decisões vinculantes.

Durante a gestão sanitária e econômica dos impactos da COVID-19, uma das observações empíricas mais notáveis foi a de que os países liderados por mulheres administraram as consequências da pandemia de forma mais eficaz. Esse foi caso da Nova Zelândia, sob a liderança de Jacinda Ardern, da Alemanha com Angela Merkel, de Taiwan com Tsai Ing-wen, e também de países como a Dinamarca, a Finlândia, a Islândia e a Noruega (Champoux-Paillé e Croteau, 2020Champoux-Paillé, Louie, e Croteau, Anne-Marie. “Why women leaders are excelling during the coronavirus pandemic”. The Conversation, 13 de maio de 2020.). No Brasil, o Estado do Rio Grande do Sul também se tornou referência nacional, cuja secretária de planejamento à época, Leany Lemos, desenhou uma resposta robusta à pandemia (Bergamo, 2020Bergamo, Giulian. “Estado em alerta - Com dados, a secretária de planejamento Leany Lemos mudou a forma de isolamento no Rio Grande do Sul”, website de notícias UOL, 21 de maio de 2020.).

Mas a causa é, de fato, a liderança do tipo “feminina”? E se a eficácia da gestão e a resiliência a crises forem o resultado de sociedades e economias mais igualitárias, em que mulheres estão representadas em diferentes instituições e níveis de poder? A maior diversidade (de gênero, social, racial), na formação de quadros e na liderança de instituições, tende a abrir caminhos para o desenvolvimento de respostas (isto é, regras e políticas públicas) mais abrangentes e eficientes. Isso estaria em contraste com aquelas soluções concebidas por grupos mais homogêneos - por exemplo, formados exclusivamente, ou majoritariamente, por homens brancos. 9 9 Com base em estudo empírico, Page (2007) sustentava, já em 2007, que a diversidade, tanto em termos de perspectivas como de ferramentas, permite que organizações públicas e privadas encontrem mais e melhores respostas a problemas complexos, contribuindo para o aumento da produtividade econômica.

A diversidade na formação de quadros e na liderança de instituições não apenas revela o potencial de igualdade entre mulheres e homens, mas também pode produzir resultados concretos, com a criação de regras e políticas, que impactam, por sua vez, a igualdade de gênero em economias nacionais. O institucionalismo feminista é um convite à construção de inferências causais e descritivas a partir dessa perspectiva.

4.2. Do direito para a economia política

A promissora literatura do institucionalismo jurídico (Deakin et al., 2018; Coutinho, 2017Coutinho, Diogo R. “Direito e institucionalismo econômico: apontamentos sobre uma fértil agenda de pesquisa.” Brazilian Journal of Political Economy 37.3, 2017.; Hodgson, 2015Hodgson, GM Conceptualizing capitalism: institutions, evolution, future. The University of Chicago Press, Chicago and London, 2015.; Commons, 1924), retomada mais recentemente por juristas internacionais (como, por exemplo, Pistor, 2019Pistor, Katharina. The Code of Capital: How the Law Creates Wealth and Inequality. Princeton University Press, 2019.), procura enfatizar o papel constitutivo do direito na formação das relações econômicas. O direito desempenha papel crucial no desenvolvimento capitalista. O sistema jurídico não apenas regula mercados, mas os funda e constitui. A interação entre atores privados intermediadas pelo direito, o Poder Judiciário e todo o aparato legislativo estatal conformam o mercado. O sistema jurídico conforma o poder em sociedade e é um dos principais meios pelos quais ele é exercido.

Essa literatura, contudo, ainda não está atenta à perspectiva de gênero no processo de tomada de decisão e de criação de regras, que integram a ordem econômica, em níveis nacional, regional ou internacional. As normas, que estruturam o capitalismo, impactam mulheres e homens de maneira distinta e são também construções jurídicas de gênero. A exclusão do trabalho não-remunerado das regras globais de finanças públicas é um exemplo.10 10 As regras e as ideias subjacentes, que governam o cálculo do PIB de economias nacionais, são formuladas internacionalmente pela ONU em colaboração com o FMI, o Banco Mundial, a OCDE e a União Europeia. O conjunto de standards para a compilação de medidas econômicas denomina-se "sistema de contas nacionais" (system of national accounts – SNA, em inglês).

Organizações internacionais são entidades com poder político e econômico, estruturado juridicamente, que asseguram o funcionamento do capitalismo global. Um dos mecanismos institucionais de exercício desse poder é a “tradução”, em nível local, de regras jurídicas, que governam economias nacionais. O direito tem papel constitutivo essencial no processo de legalização das relações econômicas globais e na definição da pauta dos atores jurídicos locais, que integram o processo de criação e interpretação dessas regras, nas esferas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. O quadro intelectual e analítico, adotado por esses atores, nacionais e internacionais, impacta diretamente a maneira como a “conexão” entre instituições globais e locais irá ocorrer e quais problemas sociais serão tratados como de natureza jurídica (portanto, demandando uma solução pelo direito).

Nesse processo, a formação jurídica de atores é um fator de atenção. Especializações no campo do direito econômico internacional são altamente isoladas: direito econômico e direitos humanos são concebidos como regimes jurídicos distintos e de aprendizado separado em estágios mais avançados de profissionalização. Assim, operadores do direito, que trabalham no campo econômico, não apreendem os direitos humanos como constitutivos de mercados, da mesma forma que a propriedade e os contratos são.

A segregação de regimes é produto do que outrora foi chamado pelos estudiosos como a “fragmentação do direito internacional” (Koskenniemi, 2007Koskenniemi, Martti. “The fate of public international law: between technique and politics.” The Modern Law Review 70.1, 2007.), ou mais recentemente, “a miséria do direito internacional” (Linarelli, Salomon e Sornarajah, 2018Linarelli, John, Margot E. Salomon, and M. Sornarajah. The misery of international law: confrontations with injustice in the global economy. Oxford: University Press, Oxford, 2018.). Devido à fragmentação de regimes (e da própria formação jurídica), a análise do direito sobre gênero se desenvolveu mais rapidamente no campo dos direitos humanos, do direito penal e dos estudos sobre violência e paz, principalmente por aqueles trabalhos que adotam visões do Terceiro Mundo (Kapur, 2018Kapur, Ratna. Gender, Alterity and Human Rights: Freedom in a Fishbowl. Edward Elgar Publishing, 2018.; Tourme, Jouannet et al., 2016; Charlesworth, 2013Charlesworth, Hilary. “International human rights law: a portmanteau for feminist norms?.” Feminist strategies in international governance. Routledge, 2013.; Charlesworth, Chaiton e Chinkin, 2000Charlesworth, Hilary, Sam Chaiton, and C. M. Chinkin. The boundaries of international law: A feminist analysis. Manchester University Press, 2000.).

O domínio do direito econômico, contudo, ainda é pouco influenciado pela visão de gênero. Existem alguns trabalhos relevantes sobre gênero e direito do comércio internacional (como Ruiz-Fabri, 2019Ruiz-Fabri, H. “Understanding International Economic Law in Unsettling Times: A Feminist Approach”. The Journal of World Investment & Trade, 20(1), 3-14, 2019.; Silva, 2019; Stoneman, 2017Stoneman, Taylor. “International Economic Law, Gender Equality, and Paternity Leave: Can the WTO Be Utilized to Balance the Division of Care Labor Worldwide.” Emory Int'l L. Rev. 32, 2017.; Mengesha, 2008Mengesha, Emezat. “Rethinking the rules and principles of the international trade regime: Feminist perspectives.” Agenda22.78, 2008.). No entanto, há lacunas importantes na análise sensível ao gênero no que se refere aos regimes financeiro e monetário global. Nesse campo, os manuais mais reputados da área são cegos para essa perspectiva (como exemplo, Lastra, 2015Lastra, Rosa M. International financial and monetary law. Oxford: Oxford University Press, 2015.; Proctor, 2012Proctor, Charles. Mann on the legal aspect of money, 7th edition. University of Oxford, Oxford Press, 2012.).

A abordagem do institucionalismo feminista combinada ao institucionalismo jurídico tem o potencial de fornecer uma visão crítica da produção e da interpretação de regras, seu papel constitutivo no desenvolvimento capitalista e na (in)visibilidade do gênero produzida por normas jurídicas. A agenda da pesquisa jurídica sensível ao gênero, notadamente no campo do direito econômico, pode muito se beneficiar dessa abordagem e da combinação de ambas as correntes.

5. Conclusão

O ano de 2020 marca o aniversário de vinte e cinco anos da Plataforma de Ação de Pequim, um dos símbolos internacionais mais relevantes e inovadores para a igualdade de gênero. No entanto, esse momento, que serviria para a construção de uma reflexão crítica sobre o avanço da agenda global pela igualdade, testemunha a disseminação da pandemia da COVID-19. Os ganhos obtidos nas últimas décadas, ainda que limitados, correm o risco de serem revertidos em diferentes partes do mundo, especialmente na América Latina e no Brasil. A pandemia tende a aprofundar as desigualdades já existentes e a expor a vulnerabilidade social, jurídica e econômica das mulheres, ampliada pelos impactos da crise.

Nesse âmbito, a pesquisa jurídica brasileira, conduzida de forma cuidadosa na análise e na crítica do funcionamento de instituições econômicas, tem uma pauta de gênero urgente a ser desenvolvida. Instituições são produtos de lutas e disputas de gênero por poder.

Quando se trata de definir as regras e as políticas globais para relações econômicas, as organizações internacionais assumem papel proeminente ao longo do tempo, especialmente em tempos de crise. As respostas decorrentes podem reproduzir e reforçar desigualdade de gênero no âmbito local, ou influenciar positivamente instituições nacionais produzindo mais igualdade. Uma análise jurídica sensível ao gênero pode identificar e iluminar os desafios e os constrangimentos institucionais e sociais desse processo. Juristas recebem treinamento para analisar o funcionamento de regras e instituições, bem como para identificar as implicações das relações de poder entre diferentes atores. O gênero é parte integrante e fundamental desse objeto de pesquisa.

Neste artigo, procurei construir uma análise de estudos empíricos e correntes teóricas em economia política, que podem contribuir com juristas nessa tarefa, notadamente no que se refere ao impacto local da governança econômica estruturada pelo Banco Mundial e pelo FMI. A combinação das correntes do institucionalismo feminista e jurídico pode configurar um arcabouço teórico robusto para a pesquisa brasileira, nos próximos anos. A partir desse ângulo, juristas podem contribuir com a análise e a própria estruturação de respostas jurídicas e políticas eficazes à crise da COVID-19 e seu impacto desigual sobre as mulheres.

  • 1
    Uma primeira versão deste artigo foi apresentada como um working paper do NEPEI (Núcleo de Estudos em Política e Economia Internacional) do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo (USP). A autora agradece especialmente o diálogo com as professoras Adriana Schor, Maria Antonieta del Tedesco Lins e Marislei Nishijima (NEPEI). Os comentários recebidos do Professor Emérito Jacques Marcovitch (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo – FEA-USP), Professor titular Yduan de Oliveira May (Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC), dos membros pesquisadores do Instituto de Estudos Avançados (IEA) de Nantes (França) e dos revisores desta Revista foram extremamente valiosos. Todos os erros remanescentes são de responsabilidade da autora.
  • 2
    Infelizmente, essa formação teórica e metodológica em pesquisa não necessariamente é assegurada por todos os cursos de direito do país. Particularmente, juristas formados pelo Programa de Educação Tutorial (PET) em Sociologia Jurídica, vinculado à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e financiado pelo Ministério da Educação, têm se beneficiado de uma formação de alta qualidade, que desenvolve habilidades e conhecimentos para a construção de inferências descritivas e causais na pesquisa jurídica. O Professor Titular José Eduardo Campos de Oliveira Faria, tutor durante anos desse programa, é reconhecidamente um dos maiores formadores de gerações de pesquisadores brasileiros com esse tipo especial de habilidade e conhecimento.
  • 3
    O dossiê “Direito e Gênero”, publicado pela Revista Direito & Práxis em 2016 (Campos, 2016Campos, Ligia Fabris. “Apresentação / Editorial”, Revista Direito & Práxis 7(3), 2016.), e a coletânea de artigos organizada por Vitale e Nagamine (2018)Vitale, Denise; Nagamine, Renata (orgs.). Gênero, direito e relações internacionais: debates de um campo em construção. EDUFBA, Salvador, 2018. são exemplos de contribuição jurídica relevante na área.
  • 4
    O FMI alimenta uma página especial dedicada à disseminação de estudos e dados sobre igualdade de gênero : https://www.imf.org/external/themes/gender/
  • 5
    Na primeira reunião anual do FMI e do Banco Mundial, da qual participou como nova diretora-gerente do Fundo, K. Georgieva gravou uma entrevista com Ravi Agrawal, da Foreign Policy Magazine. O tema principal da conversa foi a desigualada de gênero e as barreiras para o crescimento das mulheres em suas carreiras. O podcast está disponível em: https://www.imf.org/en/News/Podcasts/All-Podcasts/2019/11/02/md-gender-equality [última visita em 30 de maio de 2020].
  • 6
    O ranking está disponível no site da instituição, em: https://wbl.worldbank.org/ [última visita em 30 de maio de 2020].
  • 7
    Para uma análise detalhada sobre o processo de adoção da EC 95, ver Duran e Ratton (2018)Duran, CV. Ratton, M. “Testing the limits of democracy: taking fiscal austerity from institutions to the Constitution in Brazil”, artigo apresentado durante o SELA - Latin American seminar on constitutional law and politics, Yale Law School, 2018..
  • 8
    O FMI, contudo, reconhece os desafios da aplicação da regra constitucional: “de fato, as regras relacionadas a despesas públicas são especialmente eficientes em tempos de normalidade, porque restringem os países à política fiscal anticíclica; embora as receitas possam crescer, as despesas não irão. No entanto, em tempos de crescimento econômico lento ou negativo, as regras de contenção de gastos públicos podem limitar a capacidade do governo para criar estímulos fiscais para economia, ainda que temporariamente. Esse é um risco para o Brasil, pois a nova regra não contém uma ‘cláusula de escape’ econômica. Uma cláusula de escape definiria as condições estritas para suspender temporariamente a regra constitucional devido a situações econômicas extremas, assim como o processo de retorno à regra quando a situação excepcional terminar” (FMI, 2017, p. 16; tradução livre).
  • 9
    Com base em estudo empírico, Page (2007)Page, Scott E. The difference: how the power of diversity creates better groups, firms, schools, and societies. Princeton University Press, Princeton, 2007. sustentava, já em 2007, que a diversidade, tanto em termos de perspectivas como de ferramentas, permite que organizações públicas e privadas encontrem mais e melhores respostas a problemas complexos, contribuindo para o aumento da produtividade econômica.
  • 10
    As regras e as ideias subjacentes, que governam o cálculo do PIB de economias nacionais, são formuladas internacionalmente pela ONU em colaboração com o FMI, o Banco Mundial, a OCDE e a União Europeia. O conjunto de standards para a compilação de medidas econômicas denomina-se "sistema de contas nacionais" (system of national accounts – SNA, em inglês).

Referências bibliográficas

  • Ackerly, Brooke A., Maria Stern, e Jacqui True (eds). Feminist methodologies for international relations. Cambridge University Press, 2006.
  • Ali, Khadija. “Gender exploitation: from structural adjustment policies to poverty reduction strategies.” The Pakistan Development Review 42.4, 2003.
  • Aslanbeigui, Nahid, and Gale Summerfield. “The Asian crisis, gender, and the international financial architecture.” Feminist Economics 6(3), 2000.
  • Ávila, Flávia de; Seixas, Paula A.; Sposato, Karyna B. “A responsabilidade do Estado brasileiro no caso Alyne Pimentel pelo CEDAW”, in: Vitale, D.; Nagamine, R. (orgs.). Gênero, direito e relações internacionais: debates de um campo em construção. EDUFBA, Salvador, 2018.
  • Banco Central Europeu (BCE). “ECB announces new measures to increase share of female staff members”, ECB, 14 May 2020.
  • Banco Mundial. “A “Stalled Revolution” for Latin American Women”, March 8, 2018.
  • Bedford, Kate. “Economic Governance and the Regulation of Intimacy in Gender and Development: Lessons from the World Bank's programming.” In: Caglar, G and Prugl, E and Zwingel, S, eds. Feminist Strategies in International Governance. Routledge, 2013.
  • Benería, Lourdes. “The Mexican debt crisis: restructuring the economy and the household”. In: Beneria, Lourdes, and Shelley Feldman (eds). Unequal Burden: Economic Crises, Persistent Poverty and Women’s Work. Westview Press, Boulder, Colorado, 1992.
  • Bergamo, Giulian. “Estado em alerta - Com dados, a secretária de planejamento Leany Lemos mudou a forma de isolamento no Rio Grande do Sul”, website de notícias UOL, 21 de maio de 2020.
  • Berik, Günseli. Beyond the Rhetoric of Gender Equality at the World Bank and the IMF. Canadian Journal of Development Studies/Revue canadienne d'études du développement, v. 38, n. 4, p. 564-569, 2017.
  • Biroli, Flávia. “Political violence against women in Brazil: expressions and definitions “, Revista Direito & Práxis 7(3), 2016.
  • BONA, Camila de. Dependência econômica e violência doméstica: o duplo grau de vulnerabilidade das mulheres e as políticas públicas de trabalho e renda (Mestrado em Direito) Programa de Pós-Graduação em Direito - Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma, SC, 2019.
  • Boserup, Ester. Woman's role in economic development. Routledge, 1970 [2007].
  • Bretton Woods Project. “The IMF and Gender Equality: A Compendium of Feminist Macroeconomic Reviews”, Bretton Woods Project, October 2017.
  • Caglar, Gülay, Elisabeth Prügl, e Susanne Zwingel, eds. Feminist strategies in international governance. Vol. 70. Routledge, 2013.
  • Caglar, Gulay. “Feminist strategies and social learning in international economic governance”, In: Caglar, G and Prugl, E and Zwingel, S (eds). Feminist Strategies in International Governance. Routledge, 2013.
  • Calkin, Sydney. “The World Bank and the challenge of ‘the Business case’ for feminist IPE”. In: Elias, Juanita; Roberts, Adrienne (eds). Handbook on the International Political Economy of Gender. Edward Elgar Publishing, 2018.
  • Campbell, Hillary. “Structural Adjustment Policies: A Feminist Critique.” Sigma: Journal of Political and International Studies 27(1), 2010.
  • Campos, Ligia Fabris. “Apresentação / Editorial”, Revista Direito & Práxis 7(3), 2016.
  • Cardia, Ana Cláudia R. Empresas, direitos humanos e gênero: desafios e perspectivas na proteção e na emancipação da mulher pelas empresas transnacionais. Editora Buqui, 2016.
  • Champoux-Paillé, Louie, e Croteau, Anne-Marie. “Why women leaders are excelling during the coronavirus pandemic”. The Conversation, 13 de maio de 2020.
  • Chappell, Louise, e Georgina Waylen. “Gender and the hidden life of institutions.” Public Administration 91.3, 2013.
  • Charlesworth, Hilary, Sam Chaiton, and C. M. Chinkin. The boundaries of international law: A feminist analysis. Manchester University Press, 2000.
  • Charlesworth, Hilary. “International human rights law: a portmanteau for feminist norms?.” Feminist strategies in international governance. Routledge, 2013.
  • Christiansen, Lone Engbo; Lin, Huidan ; Pereira, Joana; Topalova, Petia; Turk, Rima. “Gender Diversity in Senior Positions and Firm Performance: Evidence from Europe”, IMF Working Paper 16/50, 2016.
  • Coburn, Elaine. Trickle-down gender at the International Monetary Fund: the contradictions of “femina economica” in global capitalist governance. International Feminist Journal of Politics, v. 21, n. 5, p. 768-788, 2019.
  • Commons, John R. Legal foundations of capitalism. Routledge, 1924 [2017].
  • Conselho Econômico e Social das Nações Unidas. “Report of the Economic and Social Council for 1997”, ONU, September 1997.
  • Cornia, Giovanni; Jolly, Richard; Stewart, Frances. Adjustment with a human face: Volume 1, Protecting the vulnerable and promoting growth. Unicef/Clarendon Press, New York, 1987.
  • Coutinho, Diogo R. “Direito e institucionalismo econômico: apontamentos sobre uma fértil agenda de pesquisa.” Brazilian Journal of Political Economy 37.3, 2017.
  • David G. “The impact of IMF-backed austerity is women's rights in Brazil,” INESC, 2018.
  • De Jesus, Jacqueline. “Operadores do direito no atendimento às pessoas trans”, Revista Direito & Práxis 7(3), 2016.
  • De Mattos Pimenta, Raquel. “A invisibilidade da presença: Direito, políticas de microcrédito e empoderamento das mulheres”. Revista Jurídica da Presidência 16.110 (2015): 751-776.
  • Deakin, Simon F.; Gindis, David; Hodgson, Geoffrey M.; Kainan, Huang; Pistor, Katharina. “Legal institutionalism: Capitalism and the Constitutive Role of Law.” Journal of Comparative Economics 45 (1), 2017.
  • Detraz, Nicole, and Dursun Peksen. “The effect of IMF programs on women’s economic and political rights.” International Interactions 42.1, 2016.
  • Donald, Kate; Lusiani Nicholas. “The IMF, Gender Equality and Expenditure Policy”. Bretton Woods Project, 2017.
  • Duran, Camila Villard. “Governança econômica global”. In: Ivo, Anete, BL (coord.). Dicionário temático Desenvolvimento e Questão Social. 2a. Edição, Annablume, 2020.
  • Duran, CV. Ratton, M. “Testing the limits of democracy: taking fiscal austerity from institutions to the Constitution in Brazil”, artigo apresentado durante o SELA - Latin American seminar on constitutional law and politics, Yale Law School, 2018.
  • Elias, Juanita; Roberts, Adrienne (eds.). Handbook on the International Political Economy of Gender. Edward Elgar Publishing, 2018.
  • Elson, Diane; Nilufer Cagatay. “The social content of macroeconomic policies.” World Development 28.7, 2000.
  • Elson, Diane. “From survival strategies to transformation strategies: women’s needs and structural adjustement”. In: Beneria, Lourdes, and Shelley Feldman, eds. Unequal Burden: Economic Crises, Persistent Poverty and Women’s Work. Westview Press, Boulder, Colorado, 1992.
  • Falquet, Jules. “Les ‘féministes autonomes’ latino-américaines et caribéennes: vingt ans de critique de la coopération au développement.” Recherches féministes 24.2, 2011.
  • Fragoso, Lucía Pérez, and Corina Rodríguez Enríquez. “Western Hemisphere: A survey of gender budgeting efforts”. International Monetary Fund, 2016.
  • Fundo Monetário Internacional (FMI). “Jobs and growth: analytical and operational considerations for the Fund”. IMF Policy Papers, 2013.
  • ___. “Review of Implementation of IMF Commitments in Support of the 2030 Agenda for Sustainable Development”, IMF-SPR, 2019.
  • ___. “Brazil – Technical assistance repport - Supporting Implementation of the Expenditure Rule Through Public Financial Management Reforms”, IMF, Washington D.C., September, 2017.
  • ___. “How to operationalize gender issues in country”, IMF Policy Paper, June 2018.
  • ___. “Guidance Note for Surveillance under Article IV Consultation”, IMF Policy Papers, 2015.
  • ___. “Revised operational guidance to the IMF staff on the 2002 conditionality guidelines”, IMF Policy Paper, 2014.
  • Gomes, Mariângela G. de M. “Os papéis da Corte interamericana de direitos humanos e da Corte Europeia de direitos humanos no enfrentamento da violência de gênero”, in: Vitale, D.; Nagamine, R. (orgs). Gênero, direito e relações internacionais: debates de um campo em construção. EDUFBA, Salvador, 2018.
  • Gonzales, Christian; Jain-Chandra, Sonali; Kochhar, Kalpana; Newiak, Monique. “Fair Play: More Equal Laws Boost Female Labor Force Participation”. IMF Staff Discussion Note, SDN 15/02, 2015.
  • Hodgson, GM Conceptualizing capitalism: institutions, evolution, future. The University of Chicago Press, Chicago and London, 2015.
  • Kapur, Ratna. Gender, Alterity and Human Rights: Freedom in a Fishbowl. Edward Elgar Publishing, 2018.
  • Kennedy, David. A world of struggle: How power, law, and expertise shape global political economy. Princeton University Press, 2018.
  • Kolovich, Ms Lisa L., ed. Fiscal Policies and Gender Equality. International Monetary Fund, 2018.
  • Koskenniemi, Martti. “The fate of public international law: between technique and politics.” The Modern Law Review 70.1, 2007.
  • Krook, Mona; Mackay, Fiona, eds. Gender, politics and institutions: Towards a feminist institutionalism. Springer, 2011.
  • Kunz, Rahel. The political economy of global remittances: Gender, governmentality and neoliberalism. Routledge, 2011.
  • Lagarde, Christine. “A new global economy for a new generation.” World economic forum annual meeting. 2013.
  • ___. “Ten Years After Lehman—Lessons Learned and Challenges Ahead”, IMF Blog, September 5, 2018.
  • ___. “Women’s Empowerment: An Economic Game Changer”, Los Angeles, November 2016.
  • Lastra, Rosa M. International financial and monetary law. Oxford: Oxford University Press, 2015.
  • Linarelli, John, Margot E. Salomon, and M. Sornarajah. The misery of international law: confrontations with injustice in the global economy. Oxford: University Press, Oxford, 2018.
  • Lingam, Lakshmi. “Structural adjustment, gender and household survival strategies: Review of evidences and concerns.” CEW Center for the Education of Women, University of Michigan (2005).
  • Machado, Marta R. de A.; Bandeira, Ana Luiza V. de V., e Matsuda, Fernando. “Gênero e mobilização do direito no Brasil: violência e aborto, dois campos desiguais”, in: Vitale, D.; Nagamine, R. (orgs.). Gênero, direito e relações internacionais: debates de um campo em construção. EDUFBA, Salvador, 2018.
  • Mackay, Fiona, Meryl Kenny, and Louise Chappell. “New institutionalism through a gender lens: Towards a feminist institutionalism?.” International Political Science Review 31(5), 2010.
  • Mackay, Fiona; Georgina Waylen. “Introduction: Gendering “new” institutions.” Politics & Gender 10(4), 2014.
  • March, James G., and Johan P. Olsen. “The new institutionalism: Organizational factors in political life.” American political science review 78(3), 1983.
  • Mariotti, Chiara; Galasso, Nick; Daar, Nadia. “Great Expectations: Is the IMF turning words into action on inequality?”, Oxfam, 2017.
  • Mazzucato, Mariana. The value of everything: Making and taking in the global economy. Hachette UK, 2018.
  • Mengesha, Emezat. “Rethinking the rules and principles of the international trade regime: Feminist perspectives.” Agenda22.78, 2008.
  • Nações Unidas Mulheres. “From Commitment to Action: Policies to End Violence Against Women in Latin America and the Caribbean.” Regional Analysis Document, 2017.
  • Neaga, Diana Elena. “‘Poor’ romanian women between the policy (politics) of imf and local government.” European Journal of Science and Theology 8(1), 2012.
  • Novta, Natalija; Wong, Joyce Cheng. “Women at Work in Latin America and the Caribbean”, IMF Working Paper WP / 17/34, 2017.
  • ONU Mulheres. “From Insights to Action: Gender Equality in the wake of COVID-19”, Relatório disponível em: https://www.unwomen.org/-/media/headquarters/attachments/sections/library/publications/2020/gender-equality-in-the-wake-of-covid-19-en.pdf?la=en&vs=5142 [ultimo acesso em 4 de janeiro de 2021].
    » https://www.unwomen.org/-/media/headquarters/attachments/sections/library/publications/2020/gender-equality-in-the-wake-of-covid-19-en.pdf?la=en&vs=5142
  • Page, Scott E. The difference: how the power of diversity creates better groups, firms, schools, and societies. Princeton University Press, Princeton, 2007.
  • Pistor, Katharina. The Code of Capital: How the Law Creates Wealth and Inequality. Princeton University Press, 2019.
  • Proctor, Charles. Mann on the legal aspect of money, 7th edition. University of Oxford, Oxford Press, 2012.
  • Prügl, Elisabeth. “Neoliberalising feminism.” New Political Economy 20(4), 2015.
  • Rai, Shirin M. “Gender and (International) Political Economy”. In: Waylen, Georgina, et al., eds. The Oxford handbook of gender and politics. Oxford University Press, 2013.
  • Razavi, Shara. “Governing the economy for gender equality? Challenges of regulation”, In: Caglar, Gülay, Elisabeth Prügl, and Susanne Zwingel, eds. Feminist strategies in international governance. Vol. 70. Routledge, 2013.
  • Ruiz-Fabri, H. “Understanding International Economic Law in Unsettling Times: A Feminist Approach”. The Journal of World Investment & Trade, 20(1), 3-14, 2019.
  • Sadasivam, Bharati. “The impact of structural adjustment on women: A governance and human rights agenda.” Hum. Rts. Q. 19, 1997.
  • Schmidt, Vivien A. “Taking ideas and discourse seriously: explaining change through discursive institutionalism as the fourth ‘new institutionalism’.” European political science review 2(1), 2010.
  • Shepherd, Laura J. “Power and authority in the production of United Nations Security Council Resolution 1325.” International studies quarterly 52(2), 2008.
  • Silva, Gabriela Galiza e. A influência do direito internacional no processo de empoderamento econômico das mulheres e a inclusão do gênero na política comercial brasileira (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Programa de Pós Graduação em Direito. Natal, RN, 2018.
  • Sims, Shannon. “Brazil passes the mother of all austerity plans”, The Washington Post, 16 December 2016.
  • Stoneman, Taylor. “International Economic Law, Gender Equality, and Paternity Leave: Can the WTO Be Utilized to Balance the Division of Care Labor Worldwide.” Emory Int'l L. Rev. 32, 2017.
  • Stotsky, Janet. “Gender Budgeting: Fiscal Context and Current Outcomes”. IMF Working Paper 16/149, 2016.
  • Tourme-Jouannet, Emmanuelle, et al. Féminisme (s) et droit international. Études du réseau Olympe. Société de legislation comparée, 2016.
  • True, Jacqui, and Laura Parisi. “Gender mainstreaming strategies in international governance.” Feminist strategies in international governance. Routledge, 2013.
  • True, Jacqui. “Mainstreaming gender in global public policy.” International Feminist Journal of Politics 5.3, 2003.
  • UNICEF. The invisible adjustment: poor women and the economic crisis. New York, UNICEF, 1987.
  • Vitale, Denise; Nagamine, Renata (orgs.). Gênero, direito e relações internacionais: debates de um campo em construção. EDUFBA, Salvador, 2018.
  • Vitale, Denise; Nagamine, Renata; Souza, Giselle A. de. “A ONU Mulheres na aldeia: iterações democráticas e mediação cultural”, in: Vitale, D.; Nagamine, R. (orgs.). Gênero, direito e relações internacionais: debates de um campo em construção. EDUFBA, Salvador, 2018.
  • Waring, Marilyn. If women counted: A new feminist economics. San Francisco: Harper & Row, 1988.
  • Waylen, Georgina, et al., eds. The Oxford handbook of gender and politics. Oxford University Press, 2013.
  • Waylen, Georgina. “A feminist institutionalist approach to IPE and gender”. In: Elias, Juanita; Roberts, Adrienne, eds. Handbook on the International Political Economy of Gender. Edward Elgar Publishing, 2018.
  • Yoo, Eunhye. “International human rights regime, neoliberalism, and women’s social rights, 1984–2004.” International Journal of Comparative Sociology 52(6), 2011.
  • Young, Brigitte. “Financialization, unconventional monetary policy and gender inequality”. In: Elias, Juanita; Roberts, Adrienne, eds. Handbook on the International Political Economy of Gender. Edward Elgar Publishing, 2018.
  • Zwingel, Susanne. “Translating international women’s rights norms: CEDAW in context.” Feminist strategies in international governance. Routledge, 2013.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Maio 2020
  • Aceito
    11 Jan 2021
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - 7º Andar, CEP: 20.550-013, (21) 2334-0507 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: direitoepraxis@gmail.com