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Crítica à sub-representação de mulheres negras no legislativo federal: colonialidade, silêncio e incômodo

Criticism to the sub-representation of black women in the federal legislative: coloniality, silence and uncomfortable.

Resumo

O presente artigo tem o intuito de realizar análise da sub-representação política de mulheres negras no legislativo federal brasileiro sob a ótica da colonialidade. Para tanto, realiza um estudo sobre as marcas da violência sistêmica perpetradas pelo colonizador europeu. Para demonstrar como essas violências se edificam na dominação europeia na América Latina, é fundamental vislumbrar o problema a partir de uma perspectiva feminista negra sul-americana a fim de desvelar e compreender como esta estrutura falida silencia e inviabiliza que mulheres ocupem espaços de poder e decisão.

Palavras-chave:
Sub-representação; Legislativo Federal; Mulheres negras; Colonialidade; Silêncio; Incômodo

Abstract

This article aims to carry out an analysis of the political underrepresentation of black women in the Federal Legislature from the perspective of coloniality and, for that, it carries out a study on the marks of systemic violence perpetrated by the European colonizer. In order to demonstrate how these forms of violence build on European domination in Latin America, it is essential to envision the problem from a South American black feminist perspective, to unveil and conceive how this failed structure silences and makes women unfeasible occupying spaces of power and decision.

Keywords:
Underrepresentation; Federal Legislature; Black women; Coloniality; Silence; Uncomfortable

1 Introdução

A carta política de 1824, primeira Constituição imperial do Brasil, foi o marco inicial do processo eleitoral e da aquisição do direito ao voto. Os artigos 90 a 97 do texto constitucional, mais especificamente o artigo 91, garantiam aos cidadãos brasileiros, em pleno gozo dos seus direitos políticos e aos estrangeiros naturalizados, o direito à participação eleitoral.

Na Carta Magna de 1891 não há disposição sobre direitos eleitorais de mulheres, no entanto, o debate sobre a possibilidade de extensão do voto às mulheres foi intenso na Constituinte de 1890. Durante a República Velha, compreendida entre 1889 e 1930, abriu-se margem para interpretações inovadoras a época, posto que, como ensina Porto (2002)VOTO da mulher. São Paulo: Antonio Sérgio Ribeiro, 4 ago. 2002. Disponível em:<https://www.al.sp.gov.br/noticia/?id=262455>Acesso em: 4 jul. 2022.
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, a Constituição não usava expressamente termos que proibissem o voto feminino em seu art. 70. Ademais, houve movimento de inovação especificamente no que se refere o art. 69, que dispunha sobre os requisitos para ser cidadão brasileiro e ter direito a voto.

Já no início do século XIX, diversos foram os projetos legislativos que buscavam a reformulação do sistema eleitoral brasileiro. Uma dessas mudanças se referia a concessão do direito ao voto às mulheres, porém, nenhum projeto aprovado. No século XX, no entanto, os movimentos sufragistas e feministas ganharam notoriedade no cenário nacional.

Em 1910, a educadora baiana Leolinda Daltro inaugurou o Partido Republicano Feminino e 12 (doze) anos mais tarde, Bertha Lutz fundou a Federação Brasileira Pelo Progresso Feminino. Essas agremiações posicionavam-se firmemente junto ao governo lutando por direitos às mulheres, sendo o voto uma destas reivindicações (MIGUEL, 2000MIGUEL, Sônia Malheiros. A política de cotas por sexo: um estudo das primeiras experiências no legislativo brasileiro. Brasília: CFEMEA, 2000.).

Com o advento da Revolução de 1930, o voto feminino se tornou assunto de debate no país, embora não fosse pauta da revolução (CARVALHO, 2011). Contudo, somente em 1932, com expressivos movimentos organizados em prol da emancipação política feminina, entrou em vigor o Código Eleitoral, Decreto nº 21.076 de 24 de fevereiro de 1932, que expressamente concedeu o direito ao voto às mulheres. No final do processo de elaboração da nova legislação eleitoral, foram eliminados os limites e atribuído ao sufrágio feminino as mesmas condições do sufrágio masculino. Ficou disposto no art.2º que “É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste código”.

A Carta Política de 1934, no que se referia aos direitos políticos, repetiu as normas já dispostas no Código Eleitoral de 1932, mantendo o direito ao sufrágio secreto e feminino (DIAS, 2011; SAMPAIO, 2011). Sem olvidar da existência das Constituições de 1937, 1946, 1967 e a atual, 1988, importa aludir que a conquista de direitos políticos pelas mulheres brasileiras se deu paulatinamente ao longo da história. Contudo, os impedimentos que marcam esse retardamento dos direitos políticos femininos se relacionam com aspectos interseccionais que atravessam as mulheres.

Pereira (2017)PEREIRA, Feitosa, Cleyton. Barreiras à ambição e à representação política da população lgbt no Brasil. Revistas Artemis. Brasilia. Vol XXIV. n.p.120-131. Jun-dez. 2017.Disponível em:<https://doi.org/10.1111/gwao.12481>: Acesso em: fev de 2022.
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diz que no Brasil a questão da parca participação eleitoral feminina está intrinsecamente ligada a fatores históricos, econômicos, sociais e culturais, e se analisados juntos, demonstram que no Brasil a maioria das mulheres é interseccionalizada. As mulheres não tinham permissão legal para dispor de bens, estando sempre submissas às vontades do pai, marido e irmão. Neste contexto, é imprescindível adentrar a questão racial, que historicamente estruturou a sociedade para que pessoas pretas não pudessem adquirir propriedades, dificultando que se firmassem como aptas a usufruir de seus direitos políticos. Nessa esteira, as mulheres pretas eram subjugadas pela raça, pelo gênero e pelas funções que desempenhavam dentro das estruturas sociais (KILOMBA, 2019).

Bourdieu (2020) ensina que os arranjos sociais trabalham como uma grande máquina simbólica que tem como objetivo a dominação masculina. A partir do constructo da colonialidade e capitalismo, a dominação masculina se mantem forte, os ornamentos sociais favorecem os homens e inviabilizam o acesso de diversos grupos historicamente vulnerabilizados na arena política. Mulheres de modo geral, mulheres racializadas, população LGBTIQIA+, indígenas, todos são sumariamente descartados dos pleitos eleitorais, uma vez que são vítimas da estrutura social que se mostra intocada há séculos (MIGUEL, 2014).

Partindo desta problemática, os dados estatísticos do Tribunal Superior Eleitoral TSE (2019)TSE (org.). Número de mulheres eleitas em 2018 cresce 52,6% em relação a 2014. 2019. TSE. Disponível em: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2019/Marco/numero-de-mulheres-eleitas-em-2018-cresce-52-6-em-relacao-a-2014. Acesso em: 23 dez. 2021.
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demonstram que, em que pese a população feminina seja 52,5% do eleitorado, este grupo ocupa o percentual de 15,01% das vagas das cadeiras da Câmara dos Deputados. No que se refere a mulheres negras ocupantes de cargos de deputada, os dados são mais preocupantes, uma vez que perfazem um percentual de 2,5% de ocupação dos cargos de parlamentar federal. Essa informação se torna ainda mais precária quando sabemos que, hoje, pessoas pretas representam 55,8% da população brasileira (IBGE, 2021).

A sub-representatividade de mulheres negras no legislativo federal brasileiro confirma a imprescindibilidade em se analisar criticamente a situação dos arranjos institucionais públicos enquanto sintomas da colonialidade. Tais arranjos refletem na estrutura social brasileira e dissecar o porquê dos incômodos provocados pelo posicionamento da mulher negra por meio da sua fala e seu questionamento no espaço público é meio para a transformação social.

Portanto, o objeto do trabalho diz respeito à discussão acerca da problemática da sub-representação de mulheres negras nos espaços de tomada de decisão no legislativo federal brasileiro. Ademais, discute-se neste trabalho como a colonialidade se apresenta como fator determinante para que raça e gênero sejam elementos manejados decisivamente para excluir mulheres negras dos espaços em que suas falas e questionamentos têm poder de mudança e provocam incômodo.

A metodologia da pesquisa quanto à finalidade será pura ou teórica, pois tem como objetivo, nas palavras de Loureiro (2018)LOUREIRO, Violeta Refkalefsky. A pesquisa nas ciências sociais e no direito. Belém: Cultural Brasil: UFPA/NAEA, 2018., verificar por que determinado fenômeno ocorre e aprofundar conhecimentos acerca dele.

Quanto aos objetivos, a investigação se delineará nas modalidades descritiva e exploratória. Assim, o intuito é descrever fatos e fenômenos da realidade que serão investigados (TRIVIÑOS, 1987 apud GERHARDT; SILVEIRA, 2009GERHARDT, Tatiana Engel, SILVEIRA Denise Tolfo. Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009. Disponível em: < http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf>; Acesso em 27 ago. 2021.
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), mas também promover maior familiaridade com o tema para que seja possível a elaboração de hipóteses que respondam o problema proposto. Para tanto será realizado levantamento bibliográfico.

Quanto à abordagem, a pesquisa será qualitativa a fim de aprofundar a compreensão sobre colonialidade, gênero, raça e sua relação com o acesso ao Poder Legislativo Federal por mulheres negras. No tocante aos procedimentos, a pesquisa será bibliográfica, por meio de análise de produções acadêmicas já analisadas e publicadas, e documental, posto que se utilizará de fontes mais diversificadas como entrevistas, legislações e relatórios.

2 A estrutura política da colonialidade do poder

A estrutura política colonial está intimamente ligada ao poder que o homem branco, heterossexual, cristão e pertencente às classes dominantes possui de criar a categoria do “outro”. Quijano (2009)QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do Poder e Classificação Social. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. Coimbra: Edições Almedina, 2009. configura a colonialidade como um dos elementos basais do padrão mundial do poder capitalista, caracterizando-se por sustentar uma ordem classificatória através de um padrão racial/étnico que opera nas mais diversas dimensões da vida humana, intervindo na existência social cotidiana como uma derivação do colonialismo originado e originário da América Latina, invadida e explorada pelo povo europeu a partir do marco de 1492, ano da chegada de Cristóvão Colombo ao continente.

O colonialismo é parte essencial do desenvolvimento do capitalismo moderno. A invasão de um continente inteiramente novo para o Ocidente foi, em acordo com Dussel (1992)DUSSEL, Enrique. 1492: El encubrimiento del otro: Hacia el origen del mito de la modernidade. Madrid, Nueva Utopía, 1992., um encontro com o desconhecido, com o “outro” que passou a ser matéria onde se projetam os padrões do europeu. A experiência europeia é de abertura de horizontes e conquista, estabelecendo-se uma relação política de dominação, controle de corpos e violência para a tomada do território. Há neste processo uma ruptura com a Europa Medieval, cuja constituição era de território dependente do mar Mediterrâneo para a realização de trocas comerciais inter-regionais.

Dussel (2012)DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação: na idade da globalização e da exclusão. Tradução de Ephraim Ferreira Alves; Jaime A. Clasen; Lúcia m. E. Orth. 4 ed. Petropólis, RJ: Vozes, 2012. compreende que a conexão econômica e cultural planetária propiciada pela anexação da Ameríndia à Europa foi essencial para o desenvolvimento de vantagens econômicas que garantiram à Europa uma superioridade inexistente até o final do século XV. Quijano (2009)QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do Poder e Classificação Social. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. Coimbra: Edições Almedina, 2009. completa este entendimento ao apontar que o então emergente poder capitalista se torna mundial desde o processo colonial, compondo-se os seus centros hegemônicos as zonas aportadas no continente europeu.

À dominação de um povo sobre o outro com o intuito de tomar território e explorá-lo através do controle por autoridade política, recursos de produção, trabalho e imposição de uma identidade cultural, dá-se o nome “Colonialismo”, cujas remontagens históricas são anteriores à formação ocidental da América (QUIJANO, 2009QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do Poder e Classificação Social. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. Coimbra: Edições Almedina, 2009.). A colonialidade, por sua vez, é um marco americano, um padrão de poder nascido do colonialismo, mas não limitado à formalidade das relações de poder, inserindo-se no comportamento do mercado, do conhecimento, da autoridade, das relações intersubjetivas como uma herança da racionalidade subjugadora que sobrevive ao período colonial. (MALDONADO TORRES, 2008).

Na contemporaneidade, na esteira de Quijano (2000)QUIJANO, Anibal. Colonialidad del Poder, Cultura y Conocimiento en América Latina. Lima, Peru, 2000. Disponível em < http://antropologiadeoutraforma.files.wordpress.com/2013/04/quijano-anibal-colonialidad-del-poder-cultura-y-conocimiento-en-amc3a9rica-latina-2000.pdf>. Acesso em jan. 2022.
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a colonialidade se expressa na contemporaneidade por meio da globalização, cuja estrutura financeira, produtiva e comercial integrada e de caráter neoliberal é uma “universalização da civilização capitalista” que esconde o seu caráter instrumental de manutenção da situação de dominação de povos anteriormente colonizados. Para o autor, a globalização é fragmentária, em lugar de ser integradora, pois permite a concentração de poder político, força militar e recursos de produção às culturas historicamente dominantes.

A colonialidade mantém relações de poder que se compõem em um espaço de relações sociais de exploração e conflito que se integram na existência social através do trabalho, dos recursos de produção, do sexo e a reprodução da espécie, da subjetividade e da autoridade. Em acordo com Quijano (2009)QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do Poder e Classificação Social. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. Coimbra: Edições Almedina, 2009., mais referencial que todos os elementos listados acima, é a raça o elemento inventado para classificar quem controla a força de trabalho e o sexo e seus produtos. A América, a partir das diferenças fenotípicas de seus nativos, seria o marco de divisão racial do trabalho, passando-se a naturalizar desde o período colonial que os vencedores seriam brancos, enquanto os vencidos seriam indígenas, negros. Tal divisão foi essencial para a estruturação inicial do capitalismo que assalariava pessoas brancas pobres, praticava o regime de servidão com os indígenas e escravizava pessoas negras, estabelecendo identidades geoculturais e relações de poder mundiais fundadas na invenção da ideia de “raça”.

Quijano (2009)QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do Poder e Classificação Social. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. Coimbra: Edições Almedina, 2009. não deixa de salientar que as relações entre os gêneros foram ordenadas por esta mesma colonialidade do poder, estando a liberdade sexual dos homens brancos e a fidelidade das mulheres brancas associadas ao acesso sexual daqueles às mulheres negras e indígenas, ao passo em que a unidade e integração familiar do padrão europeu/burguês foi o contraponto da desintegração das relações de parentesco, especialmente de pais e filhos, nas raças não brancas, pois nestas raças as pessoas eram apropriadas como animais e comercializadas, rompendo-se os vínculos familiares.

A sistemática social androcêntrica constrói uma vivência ligada ao gênero como forma de preservar os princípios de visão e de divisão baseados no sexo. Essa lógica de convicção adotada é presente em diversos aspectos, inclusive no próprio corpo, que é um aspecto biológico. É o corpo quem estabelece os privilégios entre os sexos. Neste sentido, ele é edificado na relação de poder dos homens sobre as mulheres que é inserida na divisão sexual do trabalho e na ordem social (BOURDIEU, 2019BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 19ª. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2019.).

A alteridade biológica entre os sexos, isto é, entre os corpos masculinos e femininos, é, essencialmente, a diferença anatômica entre os órgãos genitais, que são concebidas como justificativa natural dos privilégios socialmente construídos sob a vertente do gênero e, sobretudo, na divisão sexual do trabalho. Assim, a estrutura vigente dispõe quais os corpos são dominantes e quais serão dominados, arbitrando, ainda, quem é legitimado a usufruir de direitos e estar presente em espaços de poder (BOURDIEU, 2019BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 19ª. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2019.).

A mulher preta era objetificada e animalizada. Entendia-se à época que as suas únicas funções eram trabalhar na lavoura, gerar novos escravos e cuidar da casa e família dos seus proprietários. Aqui, cita-se, o filme Vênus Negra, que trata justamente da animalização da mulher preta. Mulher esta que fora escravizada e levada a Paris para ser prostituída por ter nádegas protuberantes e ser comparada a uma elefanta (GUIMARÃES, 2020).

Crenshaw (1989)CRENSHAW, Kimberlé W. Demarginalizing the intersection of race and sex: a black feminist critique of discrimination doctrine, feminist theory and antiracist politics. Chicago: University of Chicago Legal Forum, 1989., observando a necessidade de perceber o ser “mulher preta” para além de uma perspectiva de gênero uníssona, propõe um estudo focado em uma categoria que abrangesse além do marcador social gênero, outros que incluíssem a perspectiva racial e econômica. Cunhou-se, a partir de então, a visão “interseccional” de mulher racializada a fim de tentar entender o apagamento de mulheres negras nos espaços de poder.

Assim, precisa-se compreender que dentro do discurso colonial a mulher negra não ocupa o papel de ser humano muito menos de mulher. Neste sentido, de maneira alguma é compreendida como passível de emancipação social dentro da lógica de dominantes e dominados, vigente ainda nas instituições públicas e privados existentes na sociedade. Essa lógica é baseada no patriarcado, no “hetéro-cistema”, generificado e no capital, restando as mulheres pretas somente o papel de dominadas nas arenas sociais.

Quanto ao controle capitalista dos corpos femininos e negros, nota-se que é um ponto incontroverso e amplamente discutido. Às mulheres pretas restou as funções exercidas nos espaços de serviço doméstico como cozinheira, babá, ama de leite, papéis estabelecidos historicamente a pessoas consideradas inferiores.

Mulheres pretas são numericamente maiores vítimas da fome, violência institucional e frequentemente são as mais registradas em pesquisas sobre pobreza e marginalização social. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica (2015), aponta que predominantemente em lares chefiado por mulheres, cerca de 11,1% desse modelo familiar é vítima da fome, enquanto que lares chefiados por homens amargam o índice de 7,7%. O estudo observou que há relação direta entre os fatores gênero e raça. Casas de mulheres pretas perfazem 10,7% dos lares que são vítimas da fome, enquanto que, lares de mulheres brancas perfazem o índice de 7,5%.

Quijano (2005) vislumbra que esses processos têm antecedentes históricos oriundos do eurocentrismo, que instituiu o mundo em polos, o moderno e o bárbaro. A respeito desta construção, o autor pondera algumas características pessoais e sociais para que o poder seja exercido de maneira fluida, quais sejam, ser branco, detentor de capital, moderno e racional-civilizado e do sexo masculino. Segundo este entendimento, somente assim o sujeito destinado ao poder estará apto a perpetuação desta prerrogativa que a ele é atribuída enquanto detentor da norma e do poder de normatizar.

Essa lógica de dominação, segundo Bourdieu (2002), se legitima e produz uma mudança profunda e longínqua dos corpos e dos cérebros, isto é, ocupam uma posição pré-estabelecida dentro da lógica biológica e racional, que foi construída durante séculos de dominação masculina ininterrupta.

Assim, compreende-se que a estrutura política da colonialidade do poder é aquela que além de criar o outro como perigo às tradições socialmente aceitas, é aquela que estrutura e estabelece óbices para a entrada das pessoas subalternizadas nos espaços que possibilitem a criação de políticas públicas que ponham em risco a manutenção do poder decisório das elites dominantes.

Essa estruturação se sustenta no ato de criar um inimigo (KILOMBA, 2020KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: Episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2020.) e categorizá-lo por meio de sua raça, sexualidade, gênero e condição socioeconômica. Nesta perspectiva, segundo Quijano (2005), algumas raças são vistas como inferiores por serem sujeitos suscetíveis, no processo de racionalização, a serem submissos aos grupos dominantes no momento de repartição de privilégios, tornando-se domináveis e exploráveis. Neste sentido, esses grupos étnicos são deixados à própria sorte dentro de uma engrenagem estatal falida que busca apenas um sistema autofágico de sustentação política.

2.1 Neoliberalismo

A partir das ideias de Marx (2013)MARX, K. 2013. O capital: livro I. São Paulo: Boitempo. tem-se que os direitos políticos estão inseridos dentro dos direitos do cidadão, ao passo que, os direitos do homem envolvem conjuntamente liberdade e individualismo, sendo o direito do indivíduo limitado a si mesmo. Essa lógica, entretanto, foi utilizada para desumanizar alguns corpos e, considerá-los “homem”, de forma genérica. Aos corpos negros, escravizados e mercantilizados restava o status de rés privada. Assim, o discurso racista impõe a exploração, a violência e a opressão em vários contextos históricos, sendo edificado na colonialidade e mantendo-se firme enquanto pilar da modernidade. (Quijano, 2000QUIJANO, Anibal. Colonialidad del Poder, Cultura y Conocimiento en América Latina. Lima, Peru, 2000. Disponível em < http://antropologiadeoutraforma.files.wordpress.com/2013/04/quijano-anibal-colonialidad-del-poder-cultura-y-conocimiento-en-amc3a9rica-latina-2000.pdf>. Acesso em jan. 2022.
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).

Gonzales (1984) ensina que a população branca é a mais favorecida na exploração da população negra, com intermédio do capitalismo. Neste sentido, até mesmo pessoas brancas sem riquezas acumuladas ou meios de produção são bonificadas pelo racismo.

Importa mencionar, que quando citamos o termo “homem” na discussão, estamos nos referindo ao patriarcado e a visão de poder que o falo representa, uma vez que esse signo foi e ainda é um difusor de privilégios dentro das instituições públicas e privadas da sociedade (BIROLI, 2018BIROLI, Flávia. Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial, 2018.). A essência capitalista e liberal da política partidária nacional se importa única e exclusivamente com a posição de igualdade material que, supostamente, os cidadãos possuem para adquirir bens ao longo da vida. Assim, é preciso perceber que os valores coloniais serviram para explorar os corpos negros pelo intermédio do trabalho compulsório, coadunando com a essência do capitalismo, que em seu significado íntimo, ensina que o capital e a aquisição de bens e valores é o que importa.

Partindo dessa perspectiva, compreende-se que mulheres não tinham renda e eram tão somente exploradas e desumanizadas pela sua raça e gênero e, consequentemente, não tinham oportunidades na política partidária e nas discussões públicas. Nota-se, portanto, que este fenômeno de exclusão política é um desdobramento direto do capitalismo e do discurso liberal dos próprios direitos humanos. (BIROLI, 2018BIROLI, Flávia. Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial, 2018.).

O racismo é uma forma sistêmica de discriminação que se fundamenta na raça e que se expressa por intermédio de ações planejadas ou inconscientes. Essas ações resultam em cerceamento ou benefícios para alguns indivíduos a depender do grupo social em que estejam inseridos. (ALMEIDA, 2019ALMEIDA, S. O que é racismo estrutural. São Paulo: Editora Pólen.2019.). É fundamental destacar que, no Brasil, a raça é uma acepção social que foi fundada em percepções discricionárias planejadas pela branquitude, uma condição de “privilégio racial, econômico e político” e como consequência disso mantém os privilégios e hierarquias sociais do branco (BENTO, 2002MARIA Aparecida Silva Bento PACTOS NARCÍSICOS NO RACISMO: Branquitude e poder nas organizações empresariais e no poder público. São Paulo: [s. n.], 2002. Disponívelem:<https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47131/tde18062019181514/publico/bento_do_2002.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2022.
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; FRANKENBERG, 2004; SCHUCMAN, 2012; CARDOSO, 2017).

Os apontamentos feitos até o presente momento explicam o processo sócio-histórico-cultural do Brasil. Este processo foi interseccional e considera raça, classe e gênero como vetores de exclusão social. Ademais, importa pontuar a fluidez do capitalismo enquanto sistema político e econômico no decorrer da história das sociedades.

O capitalismo é sistematizado para que as pessoas, identificadas como o proletariado, comercializem seu tempo como um produto. Dentro dessa lógica, as pessoas são compelidas a salvaguardar o modelo político econômico acumulador de capital e riquezas para o capitalismo. Deleuze e Guattari (1995)DELEUZE, G, & GUATTARI, F. Mil Platôs-Capitalismo e Esquizofrenia. (Vol. 3) São Paulo: Editora 34.1995. aduzem que o capitalismo é uma “máquina do desejo” que suga toda e quaisquer fissura crítica a ele.

O conceito de Estado de exceção está intimamente ligado com o permissivo estatal e capitalista de escolher aqueles que merecem viver e definir os que devem morrer. O Estado oportuniza as vidas de pessoas brancas, cristãs e pertencentes às elites econômicas, enquanto sucateia as oportunidades daqueles tidos como abjetos, ou seja, que devem ser excluídos dos espaços de poder como mulheres, pobres, membros da comunidade LGBTQIA+ e pessoas pretas. É desta maneira que se manifesta o Estado de exceção (AGAMBEN, 2007AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. Trad. Iraci D. Poleti, São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.).

Almeida (2019)ALMEIDA, S. O que é racismo estrutural. São Paulo: Editora Pólen.2019. entende que o necroliberalismo, como política de extinção, situa lugares de exclusão na sociedade política e econômica. Mbembe (2018)MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Tradução de Renata Santini. São Paulo: N-1 edições, 2018., por sua vez, concorda, porém, faz pontuações. O autor atribui uma nova face ao necroliberalismo, sendo um permissivo do Estado a experiência de fazer morrer em razão da conduta estatal, seja ela comissiva ou omissiva.

Nessa construção social podemos observar atentados à democracia, que é a garantia formal de que somos materialmente iguais em direitos. Para Almeida (2019)ALMEIDA, S. O que é racismo estrutural. São Paulo: Editora Pólen.2019., a realidade excludente de acesso a direitos humanos básicos como saúde, educação, saneamento, moradia, assegurados na Constituição de 1988 e tratados sobre direitos humanos, põe a população negra a margem da sociedade. Neste sentido, este grupo social é vulnerabilizado, ficando à mercê de epidemias, por exemplo.

Diante dos dados trazidos, é possível afirmar que o Brasil, ainda que tenha abolido a escravidão, se mantém colhendo frutos desse modelo econômico, escravista colonial. As marcas das desigualdades persistem e resistem ao tempo, e estas se ramificam pelas mãos do Estado neoliberal, o que acentua as exclusões sociais, econômicas e políticas no cenário brasileiro e mundial.

Passados mais de três séculos e meio de exploração da mão de obra escravizada, condição sine qua non (SAFFIOTI, 2015SAFFIOTI, Heleieth. Gênero, Patriarcado, Violência. 2ª. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2015.) para o desenrolar do capitalismo na Europa ao mesmo tempo em que se discutiam os pensamentos iluministas, foi necessário deslocar a exploração humana para outros lugares, dentre os quais, o Brasil, onde foi desenvolvido um sistema capitalista muito peculiar. As engrenagens do trabalho “livre” e remunerado não eram apenas uma demanda, era mais viável do que a mantença do trabalho escravo (SAFFIOTI, 2015SAFFIOTI, Heleieth. Gênero, Patriarcado, Violência. 2ª. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2015.).

No seio de uma classe dominada, houve e há formas distintas de apropriação que se manifestam de maneiras singulares entre um negro escravo e uma negra escrava. Ambos dividem a condição de “coisa”. Escravizados e escravizadas são atravessados pelas violências do contexto sócio-histórico. Essa lógica, contudo, não pressupõe uma mera variante do escravismo. A colonialidade alinhada ao capitalismo torna robusta a “lógica determinante da opressão da escrava” (Collins, 2019; Davis, 2016DAVIS, A. Mulheres, Raça e Classe. (Vol. 1). São Paulo: Boitempo. 2016.).

Passível de toda violência assim como o homem negro, a mulher negra, sofre com o agravamento de ser interseccionalizada - vez que é atravessada pela raça e gênero - passando por trabalho forçado e diversas violações de direitos intensificadas por estes atravessamentos. Para as mulheres negras a exploração vai além da fronteira do trabalho escravo. Seus corpos eram entendidos como meio de reprodução sexual forçada e local de prazer sexual dos homens de classes dominantes (Collins, 2019).

Há neste sentido, uma ideologia colonial violenta sobre as mulheres, especialmente, as negras, interpretadas pelo sistema como uma “coisa” disponível, usável e descartável. Collins (2019) aduz que “a ideologia dominante na escravatura impulsionou a ascensão de várias imagens de controle inter-relacionadas e socialmente edificadas da posição da mulher negra refletindo o interesse do grupo hegemônico para manter o status de subalternização das mulheres negras”.

Quando o permissivo social narra a história dos sujeitos sem considerá-los porta voz, as identidades atribuídas são manipuláveis. Essa lógica se aplica ao controle de estereótipo da mulher negra, como parcela de uma ideologia generalizada de dominação (COLLINS, 2019). O processo de coisificação é imprescindível nesse processo. Como coisa, a mulher preta é vendida em sua concretude, possuída como objeto e usada em sua totalidade.

Manipular os corpos das mulheres, sobretudo, as negras com traços materiais e simbólicos da colonialidade e do racismo foi e é funcional para o neoliberalismo em suas vertentes. A característica inicial está ligada a “objetificação” dos corpos das mulheres pretas e está intrinsecamente conectada à sua “mercantilização”. Portanto, são marcadores de status nas engrenagens sociais estabelecidas por raça e gênero (COLLINS, 2019).

Em resumo, a colonialidade de viés patriarcal e racista vilipendiou de maneira sistêmica e acentuada as mulheres. Seus efeitos não cessaram com a abolição da escravatura e resistem às relações de subalternização que marcam as desigualdades entre homens e mulheres e entre brancos e pretos. Em termos atuais da sociedade capitalista, que se edifica na divisão sexual e racial do trabalho, ainda existe exploração e apropriação mais intensa do corpo, da história, da vida e trabalho das mulheres pretas, que se ramificam em variadas espécies de violência.

2.2 Democracia representativa

Embora democracia e representação sejam conceitos imbricados, é necessário estabelecer a diferença entre estes. Democracia em termos atuais é a concepção de que todo cidadão e cidadã têm o direito de participar da vida política do Estado e de se fazer presente nos espaços de tomada de decisão.

A participação política das mulheres brancas e negras se deu, conjuntamente, há pelo menos noventa anos. Entretanto, mulheres pretas são, ainda hoje, um grupo sub-representado. Mulheres pretas e pardas assim autodeclaradas são minoria nos espaços legislativos, com ínfimos índices de representação. (TSE, 2021)

Almeida (2019)ALMEIDA, S. O que é racismo estrutural. São Paulo: Editora Pólen.2019. percebe que as discussões em torno das cotas raciais alertam sobre a proteção jurídica concedida à população negra, obstada em seus direitos, em decorrência da estrutura racista que se manifesta nas instituições e no próprio Direito. Phillips (1995) diz que existe consenso teórico sobre a importância de concessão de proteção jurídica especial a grupos historicamente vulnerabilizados, a partir de violações efetivas de direitos a participação política.

Segundo Mbembe (2018)MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. Tradução de Renata Santini. São Paulo: N-1 edições, 2018., o direito foi instrumentalizado para dominação e, neste contexto, apenas colonizadores tinham a qualidade de ser humano. De objeto a sujeitos de direitos, no decorrer do tempo, pessoas negras sofreram diversas alterações quanto a sua condição jurídica.

Miguel (2012)MIGUEL, Luis Felipe. Desvelo e interesse na teoria feminista. In: BIROLI, Flávia; MIGUEL. Luís Felipe (org). Teoria política e feminismo: abordagens brasileiras. Vinhedo: Editora Horizonte, 2012. entende que compreender a igualdade política sob um viés de raça e gênero pressupõe uma análise minuciosa no campo crítico da teoria política liberal. É necessário reconhecer que a representação política e o funcionamento da democracia estão sendo lesados pelas desigualdades sociais e que essa lesão tem influência direta na dificuldade que grupos vulneráveis têm de se fazer representar.

Quando passamos a análise da situação de grupos historicamente marginalizados, como o caso da população negra, fica ainda mais evidente como se dá o prejuízo sociopolítico de não haver a devida representação de grupos vulneráveis. De forma cíclica, a ausência destes grupos nos espaços de tomadas de decisão prejudica a aquisição e concretização de direitos.

A interseccionalidade e as exclusões sociais se entrelaçam em algum ponto, seja ele classe, raça, gênero, orientação sexual, etc. Neste sentido, há uma lógica intrínseca dentro dos padrões de desigualdade que coexistem, ainda que não sejam um fim em si mesmas. Esta coexistência tem efeito assimétrico no acesso e no deslinde do exercício de poder político (MIGUEL, 2012MIGUEL, Luis Felipe. Desvelo e interesse na teoria feminista. In: BIROLI, Flávia; MIGUEL. Luís Felipe (org). Teoria política e feminismo: abordagens brasileiras. Vinhedo: Editora Horizonte, 2012.).

Desigualdade, neste sentido, não é apenas um conceito de ideia (PHILLIPS, 2001), mas, sobretudo, um conceito assimétrico de controle de recursos (MIGUEL, 2012MIGUEL, Luis Felipe. Desvelo e interesse na teoria feminista. In: BIROLI, Flávia; MIGUEL. Luís Felipe (org). Teoria política e feminismo: abordagens brasileiras. Vinhedo: Editora Horizonte, 2012.), uma vez que impactam nos caminhos políticos de indivíduos e grupos e influenciam os padrões estruturais, não sendo apenas escolhas do acaso ou escolhas livres e pessoais (PEREIRA, 2017PEREIRA, Feitosa, Cleyton. Barreiras à ambição e à representação política da população lgbt no Brasil. Revistas Artemis. Brasilia. Vol XXIV. n.p.120-131. Jun-dez. 2017.Disponível em:<https://doi.org/10.1111/gwao.12481>: Acesso em: fev de 2022.
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).

A democracia participativa pressupõe direito à igualdade e este vai além das formalidades. A garantia da igualdade demanda ações que visem a efetivação desta por meio de medidas afirmativas. Miguel (2012)MIGUEL, Luis Felipe. Desvelo e interesse na teoria feminista. In: BIROLI, Flávia; MIGUEL. Luís Felipe (org). Teoria política e feminismo: abordagens brasileiras. Vinhedo: Editora Horizonte, 2012. acredita que o contrato social supõe a existência de percepção social, baseada numa igualdade construída dentro da perspectiva de espaço público edificado pelo direito.

O autor aduz que o liberalismo usa argumentos ideológicos para que marcadores sociais como raça, sexo, etnia, orientação sexual, não permeiem os debates filosóficos e jurídicos, posto que estas discussões seriam de cunho universal, enquanto o debate das questões sociais seriam comunitaristas, por partirem de características pessoais dos indivíduos (Miguel, 2014).

O processo de abstração é intrínseco à produção normativa e a fragilidade não está em abstrair, mas em realizá-lo desconsiderando as diversas formas de acesso aos recursos financeiros disponíveis (PEREIRA, 2017PEREIRA, Feitosa, Cleyton. Barreiras à ambição e à representação política da população lgbt no Brasil. Revistas Artemis. Brasilia. Vol XXIV. n.p.120-131. Jun-dez. 2017.Disponível em:<https://doi.org/10.1111/gwao.12481>: Acesso em: fev de 2022.
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). Para Biroli e Miguel (2012) quando se trata de gênero, o pressuposto liberal foi perdendo a força no século XX, em decorrência dos esforços empregados pela segunda onda dos movimentos feministas na década de 60 e dos estudos idealizados por Simone de Beauvoir, que é categórica quando põe em evidência que a simples eliminação da diferença entre mulheres e homens em textos legais não ruiria com as barreiras históricas e culturais de acesso a esses bens e espaços de poder.

A democracia precisa ser analisada não somente sob a perspectiva formal, mas também pela perspectiva material, posto que a primeira considera de forma rasa que todos são iguais perante a lei, desconsiderando questões históricas, sociais, econômicas e políticas que traçam abismos entre as pessoas com diferentes realidades. Buscar a igualdade sem refletir todos estes pontos implica nunca alcançar uma democracia sólida e real. De acordo com a perspectiva política de igualdade de Dahl (2010), a democracia é substancial por possibilitar, dentre outras benesses, o desenvolvimento humano, a autodeterminação, a autonomia moral, a busca pela paz e igualdade política.

Ao se confrontar com a temática da igualdade, a historiadora norte americana Joan Scott (2005) trata de igualdade considerando marcadores sociais como gênero e raça, compreendendo a política como “arte do impossível” e que vive em plena disputa. Ademais, a autora percebe o modelo democrático como potencial responsável para que cheguemos mais próximo de valores como justiça e igualdade, observando sempre novas formulações e arranjos.

A identidade é um complexo contingencial e passível de informações externas, não sendo possível, portando, invisibilizar a existência de grupos subalternos. Ao contrário, é necessário validar o seu autorreconhecimento, propondo a partir dessa perspectiva análises de igualdade e discriminação, que percebam a identidade fora de uma visão engendrada, como um processo contínuo sob efeitos políticos e sociais (Scott, 2005). Trata-se de um processo constante de análise e conhecimento.

A partir dos dados do Tribunal Superior Eleitoral TSE (2019)TSE (org.). Número de mulheres eleitas em 2018 cresce 52,6% em relação a 2014. 2019. TSE. Disponível em: https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2019/Marco/numero-de-mulheres-eleitas-em-2018-cresce-52-6-em-relacao-a-2014. Acesso em: 23 dez. 2021.
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e do IBGE (2021) já apresentados introdutoriamente acerca da sub-representatividade das mulheres em especial da mulher negra, nota-se a debilidade do Estado no que toca a promoção de oportunidades políticas iguais para homens e mulheres. Esta percepção desmonta o discurso liberal, que compreende que todos têm os mesmos meios e oportunidades de realizar-se em vida (RAWLS 2000).

A respeito das mulheres negras no parlamento, Htun (2014) verifica que há uma notória desvantagem interseccional e que esta posição social faz com que mulheres enfrentem vulnerabilidades mais acentuadas, que não são comuns a todo grupo ao qual se inserem. É preciso pontuar também que as visões podem ser diversas, uma vez que se considera a diferença de classe, região, religião e características pessoais de cada uma.

Um dos problemas mais perceptíveis nesta dinâmica é que não temos uma democracia racializada, ou seja, uma democracia que considere fatores históricos de dominação racial como fator preponderante da sub-representação de pessoas negras nos legislativos, em especial, mulheres negras. Dentro dessa perspectiva é interessante mencionar Phillips (2001), que entende que exclusões políticas, sociais, econômicas demandam além de ideias, presença política.

3 Gênero e raça

Nesta seção abordaremos como a interseccionalidade entre raça e gênero é atravessamento de caráter qualitativo e discriminatório capaz de tornar mais difícil, para se dizer o mínimo, a experiência da mulher negra em espaços de representatividade política.

Para o campo jurídico, a interseccionalidade é um fator deveras desafiador, pois conjuga uma diversidade de fatores de diferenciação injusta, cujo grande prejuízo está na criação de formas originais de discriminação, para as quais não há formulações jurídicas prontas ou apropriadas. Nesse sentido, Rios e Silva (2015RIOS, Roger Raupp; SILVA, Rodrigo da. Discriminação múltipla e discriminação interseccional: aportes do feminismo negro e do direito da antidiscriminação. Revista Brasileira de Ciência Política [online]. 2015, n. 16 [Acessado 30 Março 2022], pp. 11-37. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/0103-335220151602>. Acesso em mar de 2022.
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, p. 11-12) indicam ser a discriminação sofrida por mulheres negras, por exemplo, qualitativamente distinta daquela experimentada por homens negros e mulheres brancas, não por uma simples adição de fatores discriminatórios, quais sejam gênero e raça, mas pelos atributos próprios deste tipo de violação de direitos.

Está-se diante de um fenômeno novo, impassível de redução à segregação levada à efeito por variados critérios proibidos de discriminação. A intersecção de discriminações gera a interação entre predicados segregacionistas, cuja decomposição é inviável e o entendimento depende de análise contextual, dinâmica e estrutural da realidade agregada à identificação das estruturas que perpetuam invisibilidades, injustiças e até mesmo contextos cuja pretensa neutralidade ou naturalidade encobre violências. (RIOS e SILVA, 2015RIOS, Roger Raupp; SILVA, Rodrigo da. Discriminação múltipla e discriminação interseccional: aportes do feminismo negro e do direito da antidiscriminação. Revista Brasileira de Ciência Política [online]. 2015, n. 16 [Acessado 30 Março 2022], pp. 11-37. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/0103-335220151602>. Acesso em mar de 2022.
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, p. 24).

A fim de aprofundar a discussão sobre raça e gênero como fatores condicionantes da marginalização de determinados sujeitos em relação aos espaços públicos, especialmente na esfera representativa legislativa, as subseções que seguem apresentarão conceituações e críticas valiosas à interpretação da sub-representatividade das mulheres negras, complementando a narrativa histórica situada anteriormente.

3.1 A implicação da colonialidade nos processos étnico-raciais de exclusão de mulheres: silenciamentos violentos e estratégicos

A questão racial no interior da pauta feminista é cada vez mais premente, especialmente pela atuação de intelectuais de cor que reivindicam espaço, no interior do movimento, para apontar como a raça é fator fundamental para se pensar as violências sofridas por mulheres e denunciadas no interior do movimento feminista. Lélia Gonzalez (2020GONZALEZ, Lélia. Por um Feminismo Afrolatinoamericano. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque. Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020., p. 40-41) vê no movimento feminista teoria e prática de importância inegável para lutas e conquistas das mulheres, inclusive para a formação de grupos e redes de apoio, além de análise das bases material e simbólica de opressão feminina.

Nos idos de 1988, Gonzalez (2020GONZALEZ, Lélia. Por um Feminismo Afrolatinoamericano. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque. Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020., p. 41) reconhece o esforço feminista em evidenciar as bases materiais e simbólicas de opressão das mulheres, possibilitando lutas, conquistas, novos questionamentos e contribuições para o movimento. A autora não encobre, entretanto, o esquecimento do aspecto racial no feminismo hegemônico daquele tempo, cuja configuração teórica fundada na resistência das mulheres à aceitação de papéis sociais, econômicos, políticos, ideológicos e psicológicos hierarquicamente inferiores em relação aos homens é, substituindo-se o termo “mulheres” por “negros ou indígenas”, por exemplo, a definição do combate ao racismo. Parece à Lélia “inexplicável” o esquecimento do caráter racial nas lutas de gênero, pois tratam-se, raça e gênero, de conceitos manejados, desde o caráter biologizante, para estabelecer discriminações. A explicação para este olvido estaria na prática do racismo por omissão, próprio da visão de mundo eurocêntrica e neocolonialista das sociedades ocidentais, inclusive as latino-americanas.

Herda-se da lógica colonial a animalização dos corpos femininos negros, de maneira que mulheres não brancas foram classificadas pelo sistema ideológico liberal-capitalista como pertencentes a um lugar de inferioridade tamanha em que até mesmo sua humanidade é suprimida pela negação do seu direito de serem sujeitos de seu próprio discurso e da própria história. Abstrair este dado multirracial e pluricultural da ação feminista é enfraquecer o próprio movimento recaindo-se no universalismo abstrato que, hierarquicamente alça o homem branco, heterossexual, cristão, proprietário à figura do sujeito universal previsto na formalidade das legislações, e, em uma ordenação secundária, projeta a mulher branca, cristã, heterossexual e proprietária ao posto de indivíduo formalmente detentor do direito de equiparação às prerrogativas masculinas. (GONZALEZ, 2020GONZALEZ, Lélia. Por um Feminismo Afrolatinoamericano. In: HOLLANDA, Heloísa Buarque. Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020., p. 42).

Em um esforço de reconstrução histórica, para apontar as heranças coloniais para as violências de raça e gênero, Lélia (2020, p. 43) enfatiza o ocultamento das questões raciais na América Latina em função do legado altamente hierarquizante das sociedades coloniais ibéricas. Em primeiro plano, não se pode olvidar ser a formação dos Estados português e espanhol fruto de uma luta secular dos europeus contra os mouros, muçulmanos majoritariamente negros, que invadiram a Península Ibérica em 711, o que garantiu à Europa ampla experiência no enfrentamento de caráter racial. De outro lado, as castas sociais interiormente constituídas nas comunidades ibéricas demonstravam a complementariedade e diferenciação dos estamentos, restando aos grupos étnicos politicamente rebaixados, judeus e mouros, um controle violento.

O processo de colonização suportado pela nascente América Latina foi palco de violências que reproduziram a prática de dominação e classificação já estabelecida no continente Europeu, mas em graus mais avançados de crueldade e justificação racional.

Enrique Dussel (2008DUSSEL, Enrique. Meditaciones Anti-Cartesianas: Sobre el origen del anti-discurso filosófico de la Modernidad. Tábula Rasa, nº 9. Bogotá, Colômbia, 2008, p. 153-197., p. 152) aposta na instauração da colonização como o despontar do período histórico denominado oficialmente como Modernidade. Na interpretação do autor (1992, p. 25) a travessia do Atlântico levada a efeito por Cristóvão Colombo é dotada de significação singular, uma vez que o genovês jamais concebeu o verdadeiro destino de sua embarcação, nunca assimilou que sua chegada abriu à Europa as portas de um novo mundo, a América, e, até sua morte, em 1506, julgava ter chegado até a Ásia. Através do ilusório desembarque no continente asiático acreditou-se, inicialmente, em uma abertura oficial e política da Ásia para a Europa, permanecendo a crença de que a Terra somente continha três partes: Europa, África e Ásia, de maneira que a fantasia estética e interpretativa dos europeus fez desaparecer o nativo americano.

A invenção da América Latina somente foi possível após o abandono da quimera de uma rota alternativa para o Oriente. O “descobrimento” de um novo continente é lido como o surgimento da quarta parte da Terra e a Europa passa a interpretar-se diferentemente, isto é, como um centro constituidor de periferias. Antes do descobrimento da Ameríndia, diz Dussel (2012DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação: na idade da globalização e da exclusão. Tradução de Ephraim Ferreira Alves; Jaime A. Clasen; Lúcia m. E. Orth. 4 ed. Petropólis, RJ: Vozes, 2012., p. 40) a Europa era periferia de um sistema inter-regional asiático-afro-mediterrâneo, mas em 1492, em uma expedição liderada por Cristóvão Colombo e liberada pelos reis de Aragão e Castela, ou Monarquia Espanhola, instaura-se uma conexão econômica e cultural planetária, qual seja o sistema-mundo que concedeu aos europeus vantagens comparativas capazes de lhes garantir uma superioridade econômica inexistente até o fim do século XV (DUSSEL, 2012DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação: na idade da globalização e da exclusão. Tradução de Ephraim Ferreira Alves; Jaime A. Clasen; Lúcia m. E. Orth. 4 ed. Petropólis, RJ: Vozes, 2012., p. 56).

Dussel (2012DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação: na idade da globalização e da exclusão. Tradução de Ephraim Ferreira Alves; Jaime A. Clasen; Lúcia m. E. Orth. 4 ed. Petropólis, RJ: Vozes, 2012., p. 53-57) entende, assim, que uma conexão econômica e cultural planetária, chamada por ele sistema-mundo, iniciou-se somente após o “descobrimento” da quarta parte do planeta, qual seja a América. A anexação da Ameríndia à Europa concedeu aos europeus vantagens comparativas que lhes garantiram uma superioridade inexistente até o final do século XV e lhe constituíram como o centro, tal como nos termos modernos, como a figura capaz de dominar por imposição de racionalidade a natureza selvagem, como era visto o que estava longe de seus padrões, isto é a periferia.

Nas palavras de Lugones (2020, p. 59), a Europa passa a se posicionar, desde os primeiros atos coloniais, como centro capitalista mundial, como poder mais avançado e capaz de ditar as regras classificatórias de uma pretensa linearidade unidirecional das espécies. A sanha por dominação e exploração ensejou dicotomias estratégicas para o colonizador: superioridade e inferioridade; primitivismo e civilização; tradicionalismo e modernidade. Qualquer aspecto da realidade considerado primitivo deveria ser civilizado e modernizado pela dominação colonial.

A imposição dos padrões exploratórios surgidos a partir da colonização, e desenvolvidos no seio do modo de produção capitalista, passou necessariamente pela classificação das pessoas através da ideia de “raça”. Tal distinção entre indivíduos, nos diz Lugones (2020, p. 56) é uma mudança profunda no que diz respeito à divisão do trabalho levada a efeito pela Europa. As relações de superioridade e inferioridade humanas passam a ser evidenciadas desde uma ficção biológica essencial para o capitalismo global, ideia já levantada por Aníbal Quijano, e complementada por Lugones quando afirma que, somado ao elemento raça, os fatores sexo, autoridade coletiva e intersubjetividade também foram desmantelados pelo colonialismo a fim de se estabelecer um controle do trabalho, não se podendo compreender a colonialidade do poder quando se prescinde dos outros objetos de dominação que se juntam à raça.

As denominações “Europa” e “América” e as novas denominações geoculturais surgidas desta primeira dicotomia permanecem na atualidade e renovam a colonialidade através de identidades como “europeu”, “índio” e “africano”, difundindo formas longínquas de dominação social em que os eixos classificatórios e de subjugação se cruzam, de maneira que categorias como gênero e raça, por exemplo, não podem servir de critérios de análise isolados se se quer saber sobre a invisibilização de mulheres negras, nativo-americanas, indígenas, cuja padronização em termos puramente raciais ou puramente sexuais/ de gênero torna errônea a interpretação sobre a mulher de cor (LUGONES, 2020, p. 60).

A homogeneização das vítimas do sexismo no conceito “mulheres” dá conta apenas de fêmeas brancas, burguesas, heterossexuais e proprietárias, enquanto a sistematização do pensamento sobre o racismo se estabelece através das denúncias próprias de machos, negros, heterossexuais. À interseção entre raça e gênero resta apenas o vazio da não inclusão, por exemplo, da mulher negra em espaços cabíveis apenas às mulheres brancas e homens negros. (LUGONES, 2020, p. 60).

Lugones (2020, p. 72) ao conceber que o critério racial é privilegiado nos estudos das teorias decoloniais, realiza um resgate histórico da subversão do gênero a partir da invasão colonial do século XV. Partindo dos referenciais das pesquisadoras nigeriana Oyèrónkẹ́ Oyěwùmí, da zimbabuense-sul-africana Anne McClintock e da escritora de origem nativo-americana Paula Gunn Allen, a autora afirma o uso do parâmetro “gênero” como mecanismo de inferiorização a partir da chegada do europeu aos continentes Africano, Americano e Asiático e da criação de um imaginário de que os nativos dos territórios colonizados seriam libidinosamente eróticos, excessivamente sexuais, formados por mulheres orientadas pelas lascívia e promiscuidade. Em desenho do século XVI, de autoria de Jan Van der Straet, o “descobrimento” da América é retratado como um enlace erótico entre um homem pronto para inseminar, civilizar e fecundar o novo terreno ao qual chegara, isto é, a América retratada como uma mulher que convida ao sexo.

Nos anos que se seguiram à colonização, as mulheres não brancas continuaram a ser violadas sexualmente como animais sem gênero, catalogadas sexualmente como “fêmeas”, mas desprovidas das características de feminilidade que somente eram concedidas às brancas. Destas marcas surgem estereótipos como o da mulher negra sexualmente agressiva, cuja real função era justificar a proliferação da violência sexual realizada por homens brancos em relação às suas escravas e apresentar tais mulheres como suficientemente fortes para realizar trabalhos braçais próprios dos grandes latifúndios exploradores de monoculturas no período colonial. O contraponto angelical da sexualidade das mulheres de cor está, por óbvio, no molde da mulher branca burguesa, caracterizada como sexualmente passiva, fisicamente e intelectualmente frágil, detentora de uma pureza sexual controlada política e economicamente por seus pares, os homens brancos(LUGONES, 2020, p. 76-77).

Evadir-se de questões historicamente estruturantes da sociedade ocidental é pactuar com os feminismos do século XX e esquecer, em um racismo omissivo como já nos disse Lélia Gonzalez, da racialização do gênero como fator essencial para a dominação colonial que se perpetua com a colonialidade. Os feminismos não racializados contestam somente a organização sócio-política voltada exclusivamente para a vida de homens e mulheres brancos, na qual as mulheres são excluídas das esferas de autoridade coletiva, da produção de conhecimento e da administração dos meios de produção. Na exterioridade do movimento, até aqui, está um sistema de gênero ainda mais violento que reduz mulheres à animalidade, ao sexo forçado e à exploração laboral.

Nesse ponto não se pode deixar de relatar ser a ordenação colonial um rolo compressor capaz de limitar inclusive a sexualidade plural de pessoas que, à exemplo de sociedades ioruba e nativo-americana pré-coloniais, não se encontravam presas às delimitações do sexo biológico ocidental, manifestando positivamente a homossexualidade e o “terceiro gênero”, ou forma de expressão sexual desatada do dimorfismo e da polarização entre sexo e gênero. Uma ordenação colonial baseada em gênero foi mortal, por exemplo, para a figura iorubá das anafêmeas, líderes políticas e proprietárias, cuja retenção ao papel de “mulheres”, conceito estabelecido pelo colonizador, lhes retirou o protagonismo e o poder (LUGONES, 2020, p. 64-66).

3.2 Sub-representatividade das mulheres negras e a colonialidade

Desde as reconstruções históricas coloniais realizadas até aqui parece pertinente que nos voltemos ao feminismo decolonial para avaliarmos a persistência em refazer criticamente a dinâmica de subalternização que atravessa a historicamente a mulher negra, especialmente a brasileira, desencobrindo binarismos e continuidades forjadas que se aninham na estrutura social – e no interior do próprio feminismo – interrompendo a emancipação de negras.

Marielle Franco, mulher negra, então vereadora do município do Rio de Janeiro, disse, no dia oito de março de 2018, que não seria interrompida, que não aturaria interrupção de qualquer cidadão que atravesse o seu discurso de presidente da comissão da mulher daquela casa legislativa, Marielle estava expressando o conhecimento acerca da interrupção de toda a sua ancestralidade, estava demarcando o limite que incomoda todo aquele que se sente em condições de frear as interpelações e posicionamentos de quem, tradicionalmente é marginalizada ao lugar da irracionalidade animalizada da fêmea sem feminilidade. Quando uma mulher negra impõe sua voz em um espaço voltado à voz dos homens brancos, ela está ultrapassando obstáculos da colonialidade, cujas manutenções empreendidas pelo capitalismo e sua vertente política neoliberal se dão há séculos. Quando se está diante de uma mulher negra utilizando-se de sua voz ativamente no interior de uma instituição de representatividade política, está-se diante da herança de todas aquelas que nem mesmo puderam responder ao questionamento de Spivak: “Pode o subalterno falar?”.

O assassinato de Marielle foi a mais violenta interrupção de discurso que se pode conjecturar em um cenário político democrático. O não desvendamento dos mandantes do crime é mais uma interrupção e esta é seguida de tantas outras, especialmente quando observamos a realidade parlamentar federal, cuja representatividade de mais de cinquenta por cento do eleitorado se dá através da ocupação do percentual de quinze por cento das cadeiras da Câmara dos Deputados por mulheres, extraindo-se desta pequena percentagem outra muito menor, qual seja a de que somente dois e meio por cento das deputadas são negras.

Todo esforço reconstrutivo realizado neste trabalho tem por fito a adoção de uma semântica que possibilite a interpretação da colonialidade que permanece silenciando toda a fala interpeladora de uma realidade que traz em seu bojo a violência que se faz premente de forma interseccional. A sub-representatividade da mulher negra é apenas o símbolo da estrutura social racista e machista como um horizonte em que o colonialismo, em toda a sua dominação racial, violenta e injusta, permanece ecoando como uma prática sádica de brutal silenciamento, como indica Kilomba (2020)KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: Episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2020..

Na clássica pergunta/obra “pode o subalterno falar”, Spivak (2014SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? 1. ed. Trad. Sandra Regina Goulart Almeida; Marcos Pereira Feitosa; André Pereira. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2014., p. 29) apresenta enquanto um de seus principais pontos de inflexão o argumento sobre o fazer acadêmico como um meio de supressão da atividade dialogal de atores subalternizados porque intelectuais falam em seus nomes, conservando, assim, estruturas de dominação fundadas na pretensão de superioridade de conhecimento. A sub-representatividade política é, analogamente, uma forma de impedir que os discursos subalternizados sejam, pelo menos, agenciados e propostos em espaços de cidadania e, especialmente, de poder.

Quando Spivak (2014SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? 1. ed. Trad. Sandra Regina Goulart Almeida; Marcos Pereira Feitosa; André Pereira. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2014., p. 62-63) trata sobre sua experiência como indiana, educada formalmente na Índia, que participa do meio acadêmico estadunidense, a autora ressalva que suas exemplificações acerca de sua herança étnica são comumente lidas como nostalgia das raízes perdidas de sua própria identidade, quando, em verdade, ela está manejando o que chama satiricamente de “acidente de nascimento e de educação” como recurso de sentido para apresentar um cenário histórico no qual há um tipo de domínio positivista-idealista na linguagem científica sobre a qual a investigadora costuma escrever a respeito. Interessa observar que o manejo de uma realidade descentrada da experiência europeia não pode ser invocado a título de exemplo representativo de uma vivência, pois a subalternização colonial já lhe retirou a legitimidade. Em quaisquer planos de representatividade a colonialidade deslegitima a fala, o conhecimento e o poder daquela que foi tradicionalmente subalternizada. As estratégias de silenciamento são diversas, inovadoras e mantém em atividade a violência do calar.

Essa deslegitimação se dá, em grande medida, pela clássica dicotomia hierárquica entre colonizadores que gozam de humanidade e colonizados compreendidos como não humanos, como criaturas bestializadas e irracionais. É a partir dessa dicotomia própria da colonialidade que Lugones (2014) nos convida a pensar sobre um feminismo decolonial pensado por mulheres de cor e colonizadas. Tal convite se dá, pois ainda que a mulher branca e burguesa esteja condicionada a um lugar de subalternidade, sua natureza ainda é compreendida nos limites da humanidade.

As mulheres brancas, apesar de sub-representadas, estão em maior número no legislativo que as mulheres negras. Em alguma medida isso se dá, pois a condição de humanidade gozada pelas mulheres brancas lhes garante uma vantagem considerável em relação às mulheres negras colonizadas, cujo caráter humano foi negado, servindo tal negação de artifício para uma missão civilizatória que lhes retirava qualquer poder e lhes infligia as maiores crueldades.

Entre tantas práticas cruéis, “a colonização da memória e, consequentemente, das noções de si das pessoas, da relação intersubjetiva” foram os ardis da sub-representatividade da mulher negra no legislativo, do seus silenciamento, do medo em trazer à tona as pautas de seu povo e da dificuldade em se reconhecer como “mulher” quando, historicamente, sempre esteve associada a um animal do sexo feminino que estava à serviço de um algoz que se pretendia racional e humano. Essas são as marcas da colonialidade que ecoam nas mulheres negras que ainda estão em vias de se libertar das amarras impostas outrora para alcançar espaços de cidadania em que suas vozes sejam representadas por outras mulheres negras.

3.3 A outra da outra e antítese da branquitude e da masculinidade: fala do incômodo e o incômodo da fala

A prática do silenciamento de mulheres negras é simbolizada por Kilomba (2020KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: Episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2020., p. 33) através da figura mítica da mulher negra escravizada de nome Anastácia. A autora vê neste emblema da cultura brasileira uma memória que se enterra em nossa psique e nos orienta às remontagens históricas da opressão colonial levada a cabo através de meios ostensivamente emudecedores, sádicos e brutais.

O ocultamento da boca, órgão através do qual comumente nos comunicamos oralmente, é simbólico para práticas coloniais de discriminação racial e censura. As máscaras de ferro que tapavam as bocas de pessoas escravizadas para que não comessem frutos, cana-de-açúcar e grãos de cacau de propriedade do senhor escravocrata, separa quem tem propriedade e quem não tem, quem pode falar e quem não pode. Na leitura de Kilomba (2020KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: Episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2020., p. 34) a negação é ferramenta de legitimação das estruturas fundadas na segregação racial, indicando aquilo que o branco não é e ao que não quer ser relacionado como o negro que toma a propriedade – cana-de-açúcar, frutos e grãos de cacau – de uma pessoa.

O “outro” é antagonista de um “eu”, cujas características comumente são positivas. Ao considerarmos a interseccionalidade que atravessa a mulher negra ela poderia ser classificada como a “outra da outra”, pois sofre com muitas camadas de dessemelhança em relação ao homem branco e se enquadra em muitos aspectos da outridade criada pela branquitude, isto é, a representação mental do que o sujeito branco não é e que são produzidas pelo imaginário branco. Nessa perspectiva, Kilomba (2020KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: Episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2020., p. 41) compreende que o sujeito branco está se prevenindo do incômodo daquilo sobre o que pode falar o sujeito negro. O desconforto do confronto com as interpelações pelo fim de uma violência irracional é a repressão freudiana, o afastamento da esfera da consciência das ideias e verdades desagradáveis.

No plano de nossa representatividade política as mulheres negras somam pouco mais de dois por cento, pois o que têm a dizer é incômodo, ao ponto de ser traduzido, dada a repressão freudiana, como não crível, não inteligível ou não memorável. A branquitude resiste em se informar conscientemente sobre as reivindicações autênticas daquelas que carregam em sua ancestralidade uma experiência de violência capaz de informar ao conteúdo das leis originadas no Congresso Nacional, sobre o mal do racismo, sexismo, machismo, classismo e outros tantos atravessamentos vividos e legados.

Do lado de cá do Atlântico, a experiência das mulheres foi de subjugação permeada por duplo marcador de violência, o racismo e o machismo, pois, desde a colonização a mulher popular, de cultura periférica sofre dupla violação, a da cultura dominante e a de sua sexualidade, é vítima do imperialismo e da ideologia machista (DUSSEL, 1996, p. 105). Como já vimos, Lugones (2020, p. 56) compreende que a partir de 1492, quando da colonização, abateu-se no mundo a colonialidade do poder como um movimento de classificação universal e básica da população planetária. Tal classificação reinventa as relações de superioridade e inferioridade e faz surgir novas identidades geoculturais e sociais, como “Europa” e “América”. Essas classificações pautadas em raça, gênero, classe se arrasta pelos séculos como uma colonialidade, uma extensão do colonialismo no espaço e no tempo.

Crítica da colonialidade que se perpetua no tempo e exclui mulheres, Lélia Gonzalez, que foi chefe do Departamento de Sociologia e Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, é pioneira no discurso decolonial ao atuar como “forasteira de dentro” e denunciar as categorias de análise utilizadas pelas ciências sociais, uma vez que estas mostravam-se insuficientes para o aprofundamento de uma reflexão que exigia mais do que a reprodução de modelos postos, que pedia por um pensamento próprio. Lélia revela Cardoso (2014CARDOSO, Cláudia Pons. Amefricanizando o feminismo: o pensamento de Lélia Gonzalez. Estudos Feministas, n. 22, v. 3, Florianopólis, 2014, p.965-986., p. 965), como intelectual e feminista negra, cujo ápice da produção, na década de oitenta, problematizava, de forma pioneira e crítica, a exclusão das mulheres no Brasil, principalmente as negras e as indígenas, denunciava, por conseguinte, o feminismo hegemônico e as distintas lutas travadas por mulheres.

Ainda no sentido de apresentar as diversas formas de opressão, Cardoso nos informa que Lélia articula diferentes estruturas de poder definidoras da classificação social dos indivíduos; deste entrelaçamento tem-se que as mulheres não brancas são mais oprimidas, posto que estão sob o jugo racial, patriarcal e capitalista dependente. Apropriando-se dos escritos de Simone de Beauvoir, Lélia aponta o “tornar-se negra”, em referência ao “tornar-se mulher” como um processo de resistir através da assunção de uma identidade que não permite ao outro defini-la. Longe de concordar com todo o pensamento de Beauvoir, Lélia, diz Cardoso (2014)CARDOSO, Cláudia Pons. Amefricanizando o feminismo: o pensamento de Lélia Gonzalez. Estudos Feministas, n. 22, v. 3, Florianopólis, 2014, p.965-986., faz ressalvas relacionadas ao meio social e cultural que não é o mesmo para todas as mulheres, o que não foi observado pela intelectual francesa, mas não pode ser uma vez mais encoberto, sob pena de se esquecer como as trajetórias de negras e indígenas são redefinidas pelo racismo.

A mulher negra, oprimida racialmente, para além de sua opressão de gênero e classe, é protagonista de lutas muito próprias, inclusive no que se refere à subordinação legitimada pela colonização que animalizou seus corpos. Por isso torna-se impensável para Lélia que a categoria mulher possa estar desvinculada das categorias raça e etnia, não se coadunando, por conseguinte, com o universalismo moderno e sua abstração.

Lélia denuncia, na esteira de Fanon, a democracia racial brasileira como uma falaciosa ação benéfica que somente continua a dominação dos negros. Esta forma de racismo disfarçado oblitera a tomada de consciência acerca da existência e da manutenção de pessoas e estruturas de poder racistas, contribuindo a teoria e a prática da miscigenação para a crença acerca da inexistência do fenômeno. No contexto latino-americano, a cultura do branqueamento só reforça o mito da democracia racial: o que a sociedade deseja, de fato, é embranquecer, esquecer sua raça, enterrar sua cultura. (CARDOSO, 2014CARDOSO, Cláudia Pons. Amefricanizando o feminismo: o pensamento de Lélia Gonzalez. Estudos Feministas, n. 22, v. 3, Florianopólis, 2014, p.965-986., p. 977)

Mas se o encobrimento é o meio da dominação racista e colonizadora, a amefricanidade é a categoria de resistência pensada por Gonzalez para recuperar, face ao passado diaspórico dos negros e de extermínio dos indígenas, a história de resistência destes povos às investidas coloniais, originando-se, dessa forma, um pensar saído de dentro das culturas dominadas e distanciadas da visão eurocêntrica com a qual o ocidente está acostumado (CARDOSO, 2014CARDOSO, Cláudia Pons. Amefricanizando o feminismo: o pensamento de Lélia Gonzalez. Estudos Feministas, n. 22, v. 3, Florianopólis, 2014, p.965-986., p. 980).

O feminismo enquanto movimento político deve ser, para Lélia, um movimento teórico que não podem prescindir da categoria raça para atuar, principalmente quando se trata de feminismo no cenário latino-americano, tão fortemente marcado pela presença de negras e indígenas. Portanto, a abstração do caráter racial não parece à autora uma alternativa válida, não se configurando em movimento realmente feminista, nos dizeres de Gonzalez, aquele que não enfrenta as questões de raça.

Não podemos deixar de observar que, a despeito de toda a luta do feminismo negro a mulher negra sofre com o segregacionismo, vide a quantidade de deputadas federais negras no Brasil, lutando nos frontes do legislativo de forma solitária em um campo de supremacia branca e masculina, tornando o espaço aparentemente plural, sem contudo exercer de fato uma representatividade capaz de transformar em antirracista e antissexista o conteúdo das normas jurídicas do Estado. O sentimento de não pertencimento figura até nas experiências de poder mais legítimas das mulheres negras.

Ser representante da raça, diz-nos Kilomba (2020KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: Episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2020., p. 173-174) é um anúncio do racismo, pois há de se representar aqueles que não estão em certos espaços ao mesmo tempo em que estes lugares não são preenchidos por pessoas negras, por conta da negação do acesso. A representatividade no legislativo federal é, portanto, uma inclusão em um ambiente excludente. Desta representação, fundada em um processo de identificação absoluta da pessoa com sua raça, surge a denegação do direito à subjetividade, a ser para além de uma história racial.

O nível de responsabilidade daquela que representa é adoecedor, pois se trata da encarnação de uma raça, cujas conotações são negativas. Trata-se de um aprisionamento em uma imagem racializada sobre a qual se é sempre confrontada em relação aos piores aspectos fantasiados pelo imaginário da branquitude. Para promover os aspectos dissociativos comumente relacionados às características raciais – como no exemplo “ela é negra, mas é inteligente” em que a palavra “mas” é conjunção adversativa e, portanto, dissocia a negritude da inteligência – a mulher negra buscará performar exaustivamente a excelência.

Ser parte de grupos minoritários custa emocionalmente e as emoções devem ser controladas conforme as regras sociais que determinam como e onde tal controle deve ser exercido. Em acordo com Moreira, (2020MOREIRA, Adilson José. Tratado de direito antidiscriminatório. São Paulo: Contracorrente, 2020., p. 731), a gestão das emoções se dá través do conhecimento das regras impostas por grupos sociais dominantes, logo administrar como se sente é concordar com as expectativas de grupos pertencentes a uma esfera dominante socialmente. Em outras palavras, ser negra e estar em um espaço público dominado por homens brancos é estar alheia ao controle das regras de regulação emocional hegemonicamente imposta.

Em ambientes majoritariamente branco, diz-nos Moreira (2020MOREIRA, Adilson José. Tratado de direito antidiscriminatório. São Paulo: Contracorrente, 2020., p. 732), pessoas negras são desencorajadas, pela regulação de emoções administrada pelo grupo dominante, a falar sobre sua experiência de racismo, pois isso as classificará como extremamente sensíveis. Da mesma forma, mulheres aquiescem com a assimilação da expressão de padrões emocionais masculinos pelo receio em serem julgadas pelo excesso de sensibilidade.

A carga de pertencer a uma raça que carrega nos ombros o que o sujeito branco não quer ser é a carga de sentir comumente frustração, ansiedade e raiva sem poder expressar, pois isso poderia comprometer a sobrevivência do indivíduo negro, seja no espaço laboral ou de poder político, como no caso das parlamentares negras. A luta é árdua, a fala do incômodo é necessária, mas o incômodo no corpo da mulher negra, nas suas emoções, no seu viver dizem respeito a um custo de saúde, ao comprometimento do bem-estar físico e psíquico das pessoas. Tal como na música de Emicida, é como se tivesse que escolher “qual veneno te mata.

4 Considerações finais

Em breve síntese, a colonialidade que se mantém como chaga do colonialismo violento, racista, machista, sexista e classista, é parte do horizonte de continentes como América, África e Ásia, sendo as mulheres de cor desses locus as vítimas ostensivas de um processo de subalternização iniciado no colonialismo do século XV e conservado, em práticas perversas de morte e extermínio, pelo neoliberalismo necropolítico que configura politicamente os empreendimentos econômicos do modo de produção capitalista.

Ainda que na história oficial de nosso constitucionalismo haja a conquista paulatina de direitos políticos por parte das mulheres, não conseguimos menções mais destacadas à participação de mulheres negras nas lutas por poder. O encobrimento das violências coloniais perpetradas sobre os corpos das fêmeas sem feminilidade é também o encobrimento da luta por sobrevivência dessas mulheres em um Estado com uma política de morte voltada especialmente para elas. Mesmo em um cenário de incontáveis obstáculos, as mulheres negras resistem em uma representatividade não condizente com o número de eleitoras pretas no Brasil. Esta resistência, estabelecida através do incômodo e necessidade de seus discursos é, inegavelmente, dolorida por todos os tipos de silenciamento que a estrutura social permanece lhe imputando.

As vias da resistência se apresentam desde o reconhecimento da colonialidade que nos habita e se incorpora na existência social através de práticas violentas que inviabilizam a representação de mulheres negras em espaços de cidadania e poder. Às mulheres negras resta para além da resistência, o ônus de carregar o pesado fardo de uma representatividade que tem muito a reivindicar e pouco espaço para se realizar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Jul 2022
  • Aceito
    21 Jul 2022
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