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Introdução ao direito insurgente negro: antecedentes teóricos, bases epistêmicas e usos políticos táticos

Introduction to black insurgent law: theoretical background, epistemic bases and tactical political uses

Resumo

Neste artigo, propõe-se a introdução de uma teoria crítica antirracista do direito que possa servir de modelo analítico para a luta antirracista no campo jurídico: o direito insurgente negro. Para tanto, resgata-se, em linhas gerais, as diferentes correntes do antirracismo jurídico encontradas na literatura nacional, observando de que maneira cada uma delas está em harmonia ou desarmonia com a crítica jurídica aqui defendida e com a perspectiva estrutural de racismo. Ao trazer o giro descolonial e a crítica marxista em interseccionalidade com a questão racial, aponta-se para os usos políticos táticos do direito insurgente negro realizados por movimentos populares negros e suas demais organizações. Assim, as reflexões aqui trazidas, as quais incorporam um caráter reivindicatório-participativo, propõem uma agenda política de ação pela mudança social, mais especificamente a indicação de como a crítica jurídica pode auxiliar no combate ao racismo estrutural da sociedade capitalista dependente. Á título de conclusão, a proposta de um direito insurgente negro tenta apresentar o legado interpretativo marxista-descolonial sobre o direito, fazendo-lhe seguir um repertório de indicações a respeito dos seus usos táticos, solução teórica para realizar a mediação entre a crítica à essência do direito como forma social do capital e a necessidade de seu manejo sob a sociedade capitalista.

Palavras-chave:
Direito insurgente negro; Racismo estrutural; Antirracismo jurídico

Abstract

This article proposes an introduction of a critical anti-racist theory of law that can serve as an analytical model for the anti-racist struggle in the law field: the black insurgent law. In order to do so, there is a rescue, in general lines, of different reflections of anti-racist law found in the national theory, examining in which way it is in harmony or disharmony with the critique of law here defending and with a structural perspective of racism. By bringing the descolonial turn and the Marxist critique in intersectionality with the racial issue, it points to the tactical political uses of black insurgent law carried out by black popular movements and their other organizations. Thus, the reflections presented here, which incorporate a demanding-participatory character, propose a political agenda of action for social change, more specifically, an indication of how legal criticism can help to combat the structural racism of dependent capitalist society. As a conclusion, the proposal of a black insurgent law tries to present the Marxist-decolonial interpretive legacy on law, making it follow a repertoire of indications regarding its tactical uses, a theoretical solution to mediate between the critique of essence of law as a social form of capital and the need for its management under capitalist society.

Keywords:
Black insurgent law; Structural racism; Anti-racist law

Introdução

Na atualidade, a concepção sistêmica do racismo, abreviada pelo termo racismo estrutural, vem obtendo prestígio tanto na literatura especializada quanto no debate público. O grande valor dessa perspectiva está no diagnóstico de que o racismo não é uma violência anormal ou excepcional da nossa sociedade, mas se manifesta em sua normalidade, ou seja, o racismo é muito mais uma regra social do que uma exceção.

Desse modo, a desigualdade racial não está presente apenas nos atos de violência explícitos, como nos casos que ganham repercussão midiática, mas também em todos os âmbitos da sociedade, como nas relações interpessoais, na divisão racial do trabalho e até mesmo na estética. Como sintetiza Silvio de Almeida, o racismo é estrutural porque “é um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade”1 1 Aqui é pertinente notar um diálogo interessante entre a perspectiva sistêmica de racismo e a categoria marxista da totalidade. Esse diálogo é em certa medida realizado pela obra mais recente de Dennis de Oliveira (2021) quando este indica a diferença entre a concepção de racismo estrutural e a de “racismo estruturalista”. Conforme o autor, esse último entendimento sobre o racismo resulta de uma visão essencialista que cai na armadilha da identidade ao desconsiderar as questões de classe (OLIVEIRA, 2021, p. 46 e 54). Já a concepção sistêmica de racismo não perde de vista sua totalidade e entende que as relações raciais “estão inseridas em um determinado contexto sócio-histórico” (OLIVEIRA, 2021, p. 146). Dessa forma, Dennis defende que o racismo estrutural é a perspectiva relacional e totalizante sobre racismo, onde é possível observar o profundo vínculo que as relações raciais possuem com os fundamentos da estrutura da sociedade capitalista. (ALMEIDA, 2019ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019., p. 20-21).

Ainda que haja críticas relevantes sobre a perspectiva predominantemente sistêmica do racismo,2 2 Importante ressaltar que ainda não há na teoria uma unanimidade sobre a ontologia do racismo. A perspectiva sistêmica afirma a primazia dessa dimensão e conclui que o racismo do cotidiano e das instituições sociais são meras manifestações desse elemento estrutural (ALMEIDA, 2019, p. 21). Por outro lado, Campos (2017) traz, por exemplo, um relevante contraponto ao rebater tal predominância do elemento sistêmico e defender uma dimensão tripartite do racismo. Baseado no realismo crítico de Roy Bhaskar, Campos afirma que o racismo se manifesta no campo das práticas, da ideologia e da estrutura, não sendo possível apontar para uma primazia sobre essas três dimensões. não parece haver controvérsias quanto a sua existência. Em outros termos, se há debates sobre a forma com que tal dimensão age na sociedade, não há argumentos sólidos que defendam sua inexistência. Assim sendo, não há mais espaço para reflexões que neguem ou silenciem o caráter sistêmico do racismo.

Nesse cenário, a influência analítica da dimensão estrutural do racismo – que aqui se prefere consolidar em torno da ideia de totalidade, conjugada com o reconhecimento das várias especificidades que qualquer totalidade comporta – também pode ser verificada no campo do direito, fato que tem resultado em um crescimento significativo de trabalhos jurídicos nessa seara. Tais estudos versam sobre os mais variados temas, sendo que um dos eixos centrais de pesquisa são as propostas de uso político do direito para o combate ao racismo estrutural, o que aqui se chama de antirracismo jurídico.3 3 O termo aqui proposto de “Antirracismo Jurídico” se refere às tentativas teóricas de propor o direito como ferramenta política para o combate ao racismo. Optamos por esse termo ao invés de “Direito Antirracista”, esse sim preferido pela literatura, pois entendemos que Direito Antirracista intui uma autonomia indesejada, como se houvesse uma disciplina independente no campo jurídico que tratasse do antirracismo.

No entanto, observa-se que em muitos momentos tais propostas indicam, de maneira imediata e simplista, o uso do direito para o combate ao racismo estrutural como se fosse um empreendimento transparente. Essa conexão automática significa, no fundo, uma falta de domínio e compreensão sobre a dimensão sistêmica do racismo.

Ora, como o próprio direito está contido na estrutura racista da sociedade e cumpre um papel fundamental para sua reprodução, a atitude de uma teoria preocupada com esse contexto desfavorável deve se voltar muito mais para a incerteza sobre a capacidade do direito no combate ao racismo, do que para sua crença irrefletida. Diante disso, defende-se no presente artigo que uma elaboração coerente sobre o papel do sistema jurídico na luta pela igualdade racial deve partir, inicialmente, de uma crítica antirracista do próprio direito para, em seguida, propor uma intervenção positiva de atuação. Para abordar a noção de “crítica”, utiliza-se como referência o modelo defendido por Ricardo Pazello (2014)PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente e movimentos populares: o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito. Curitiba: Programa de Pós- Graduação (Doutorado) em Direito da Universidade Federal do Paraná, 2014..

Conforme esse âmbito de discussões, uma crítica social apresenta três momentos: a denúncia, a mediação transformadora e o anúncio (PAZELLO, 2014PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente e movimentos populares: o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito. Curitiba: Programa de Pós- Graduação (Doutorado) em Direito da Universidade Federal do Paraná, 2014., p. 331). Os elementos da denúncia e do anúncio representam os dois polos opostos da crítica, ou seja, um polo negativo que acusa a realidade e um polo positivo que propõe o horizonte a ser perseguido. Por fim, o elemento da mediação transformadora é justamente o elo que conjuga esses dois extremos. Logo, compreende-se que esse modelo analítico é bastante sugestivo para uma sólida crítica antirracista ao direito, pois, ao mesmo tempo em que se fundamenta no questionamento negativo sobre o direito, não perde de vista sua compulsoriedade cuja existência não pode ser desprezada para fins de construção concreta do que é anunciado pelo horizonte utópico.

Diante disso, pode-se apontar para os elementos da crítica antirracista ao direito:

  1. i

    Denúncia: o momento da crítica, da negatividade e da denúncia do papel do sistema jurídico na reprodução do racismo, ou seja, a crítica ao racismo jurídico;

  2. ii

    Mediação transformadora: é a mediação necessária entre a denúncia negativa e o anúncio positivo de libertação. É o papel do direito na luta antirracista, ainda que não desconsiderados seus limites intrínsecos. No presente artigo, é o próprio direito insurgente negro e seus usos políticos em busca de contribuições para a completa abolição do racismo;

  3. iii

    Anúncio: o momento positivo, de anúncio da libertação utópica. No caso, corresponde ao horizonte revolucionário a ser perseguido pela luta antirracista, ou seja, a completa abolição do racismo e da divisão racial da sociedade; por conseguinte, de todas as formas sociais que garantem tal estrutura social.

Ante o exposto, o presente trabalho tem por objetivo central a introdução de uma teoria crítica antirracista do direito4 4 Utiliza-se o termo teoria crítica antirracista do direito para evitar confusões em relação à “teoria crítica racial do direito” (Silva, 2019) ou à “teoria crítica da raça” (TCR), que, por sua vez, se remete à corrente crítica norte-americana denominada “critical race theory” (CRT). A perspectiva aqui adotada se apoia na crítica marxista ao direito e no crivo do giro descolonial, bases epistemológicas diversas das empregadas pelas concepções citadas. que possa servir de contribuição, com seus novos diálogos e prismas, para a luta antirracista no campo jurídico. Para tanto, a primeira seção irá resgatar, em linhas gerais, as diferentes correntes do antirracismo jurídico encontradas na literatura nacional, observando de que maneira cada uma delas está em harmonia ou desarmonia com a crítica jurídica defendida anteriormente. Após apresentar as lacunas teóricas de cada corrente, serão indicadas as bases epistêmicas da teoria crítica antirracista do direito aqui proposta: o direito insurgente negro. Ao trazer o giro descolonial e a crítica marxista em interseccionalidade com a questão racial, serão sublinhados os usos políticos táticos do direito insurgente negro realizados por movimentos populares negros e suas demais organizações. Assim, título de conclusão, defender-se-á o direito insurgente negro, uma proposta de antirracismo jurídico a ser testada para fins de combate à dimensão estrutural de racismo.

As reflexões aqui trazidas, as quais incorporam um caráter reivindicatório-participativo, propõem uma agenda política de ação pela mudança social, mais especificamente a indicação de como a crítica jurídica pode auxiliar no combate ao racismo estrutural da sociedade capitalista dependente. Para tanto, chave de leitura do materialismo histórico se conjuga com uma mirada crítica latino-americana, o que denota o horizonte em que se insere a presente pesquisa. Trata-se, assim, de um texto introdutório que faz convergir agendas de pesquisa – de pesquisadores com influências recíprocas – em torno da questão racial e da crítica jurídica.

1. Antecedentes teóricos: as diferentes correntes do antirracismo jurídico e suas lacunas

No cenário dos debates sobre a aplicação do direito para a promoção da igualdade racial, observa-se o mais variado conjunto de propostas do que aqui se denomina de antirracismo jurídico. Com o intuito de apresentar os contornos fundamentais desse debate de modo didático, sugere-se a classificação desse campo jurídico em dois grandes eixos: um de natureza normativista e outro de natureza crítica. Por outro lado, este último campo se subdivide em dois: a crítica política e a crítica epistêmica.5 5 Ressalta-se que o presente trabalho não tem a intenção de esgotar o tema. Tendo em vista que o artigo corresponde a uma introdução ao direito insurgente negro, serão sinalizadas apenas as referências entendidas como mais pertinentes para a apresentação dessa categoria. Uma revisão bibliográfica mais completa exigiria maior fôlego da pesquisa e fugiria da proposição de um artigo introdutório.

Nesse sentido, o denominado direito antidiscriminatório (MOREIRA, 2020MOREIRA, Adilson José. Tratado de direito antidiscriminatório. São Paulo: Contracorrente, 2020.), ou direito da antidiscriminação (RIOS, 2008RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação: discriminação direta, indireta e ações afirmativas. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2008.), contempla o campo do direito que abarca o antirracismo jurídico normativista. Partindo do estudo da aplicação de normas jurídicas e baseado no constitucionalismo contemporâneo, Adilson Moreira define o direito antidiscriminatório, quanto a sua natureza específica, como o “campo jurídico composto por uma série de normas que pretendem reduzir ou eliminar disparidades significativas entre grupos” (MOREIRA, 2020MOREIRA, Adilson José. Tratado de direito antidiscriminatório. São Paulo: Contracorrente, 2020., p. 53).

De maneira autoevidente, essa corrente é fundada no pressuposto implícito de que o direito positivo representa um instrumento eficiente para a promoção da igualdade racial. Assim, ressalta o autor:

Se, por um lado, muitas instituições estatais estão frequentemente engajadas no tratamento desvantajoso e arbitrário de minorias, por outro, elas também podem promover a inclusão na medida em que operam de acordo com os princípios que permeiam a ordem constitucional, entre eles, a construção de uma democracia substantiva. (MOREIRA, 2020MOREIRA, Adilson José. Tratado de direito antidiscriminatório. São Paulo: Contracorrente, 2020., p. 54)

Percebe-se, com isso, que o argumento normativista em favor do potencial transformador do direito é de certo modo simplista: se o estado pode discriminar, ele também pode incluir. Essa crença quase absoluta no sistema jurídico só pode ser gerada por uma teoria que não questiona o papel sistemático do direito na reprodução do racismo. Tal característica é um traço típico daquilo que Pazello (2014PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente e movimentos populares: o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito. Curitiba: Programa de Pós- Graduação (Doutorado) em Direito da Universidade Federal do Paraná, 2014., p. 492) chama de “legalismo de esquerda”, ou seja, a convicção acrítica de que o sistema jurídico e suas normas são suficientes para o combate às violências estruturais da sociedade.

Diante disso, o antirracismo jurídico normativista representa a dogmática jurídica antirracista que não ultrapassa o caráter aparente do direito. Esse pensamento, de forte cunho positivista, tem fundamento filosófico no Idealismo, ou seja, parte da ideia para explicar a realidade (LUDWIG, 2021LUDWIG, Celso Luiz. Elementos de filosofia geral e filosofia jurídica: uma introdução crítica. Curitiba: InterSaberes, 2021.). Apesar de todos os seus méritos, essa característica está explícita no pensamento de Moreira (2020)MOREIRA, Adilson José. Tratado de direito antidiscriminatório. São Paulo: Contracorrente, 2020., quando destaca ideias tais quais as de democracia substantiva e princípios constitucionais, apresentadas como as bases para o seu antirracismo jurídico. Em suma, é possível concluir que essa corrente não revela uma crítica antirracista ao direito e, por isso, é a menos adequada ao combate ao racismo estrutural. Isso se deve por:

  1. i

    em seus fundamentos não fica demonstrada uma denúncia explícita da maneira como o direito reproduz o racismo (racismo jurídico) nem a denúncia ao direito como forma essencial de uma sociedade capitalista-racista-patriarcal;

  2. ii

    também não indica de que forma essas normas antidiscriminatórias serão efetivadas (mediação transformadora), sugerindo apenas que suas existências já seriam suficientes por si só;

  3. iii

    igualmente defende a crença em uma intervenção simplista, baseada na ideia de que o direito auxilia na luta antirracista e que as normas antidiscriminatórias seriam exemplos inequívocos disso.

Em sentido diverso, a corrente do antirracismo jurídico crítico político revela em seus fundamentos uma denúncia robusta ao racismo jurídico. Representada aqui pela primeira geração do campo “direito e relações raciais”, essa corrente foi quem primeiro acusou o modo como o direito serve de meio para a promoção do racismo na sociedade.

O pioneirismo das juristas Eunice Prudente (1980)PRUDENTE, Eunice Aparecida de Jesus. Preconceito racial e igualdade jurídica no Brasil. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1980. e Dora Bertúlio (1989)BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e relações raciais: uma introdução crítica ao racismo. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1989., autoras que formam a primeira geração do campo que estudou a conexão entre direito e relações raciais, ao destacar o papel do sistema jurídico como reprodutor do racismo e impedir a população negra de ser reconhecida como sujeita de direitos, diagnostica e denuncia o racismo jurídico. Dessa forma, partindo de uma visão crítica negativa ao direito, pode-se concluir que a primeira geração do campo direito e relações raciais produziu uma compreensão sobre o antirracismo jurídico mais coerente e menos ingênua do que a corrente mais dogmática posterior.

Conforme observado por Rodrigo Portela, uma característica marcante do pensamento dessas autoras é a afirmação de que o direito configura um “mecanismo de poder que está em disputa” (GOMES, 2021GOMES, Rodrigo Portela. Constitucionalismo e quilombos. Revista Culturas Jurídicas/Legal Cultures (RCJ/LC), v. 8, p. 131-155, 2021., 1213). Para exemplificar essa posição, Eunice Prudente (1980)PRUDENTE, Eunice Aparecida de Jesus. Preconceito racial e igualdade jurídica no Brasil. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1980. evoca as resistências negras na época colonial, como a luta do Quilombo de Palmares em sua sobrevivência e manutenção. Por sua vez, Dora Bertúlio (1989)BERTÚLIO, Dora Lúcia de Lima. Direito e relações raciais: uma introdução crítica ao racismo. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1989. recorda a militância do movimento negro na segunda metade do século XX, como o Teatro Experimental Negro (TEN) e a formação do Movimento Negro Unificado (MNU).

Além desses exemplos históricos, aponta-se para a atuação do movimento negro brasileiro sobre a disputa do campo jurídico nos dias atuais. Tal disputa não é realizada apenas por juristas, mas por intelectuais negras e negros das mais variadas áreas das ciências sociais e, como representante honorária dessa importante classe de não juristas que contribuíram com o antirracismo jurídico, é preciso mencionar a incontornável Sueli Carneiro.

Em sua trajetória intelectual e política, Sueli Carneiro sempre demonstrou a importância da disputa do sistema jurídico como forma de avanço na questão racial. Seja no âmbito internacional com a Conferência de Durban (CARNEIRO, 2002CARNEIRO, Aparecida Sueli. A batalha de Durban. Revista Estudos Feministas, ano 10, p. 209-214, 2002.) seja no processo constituinte, nas lutas por políticas públicas (SOS Racismo, Promotoras Legais Populares) e na defesa pela constitucionalidade das cotas raciais (ADPF 186), Sueli Carneiro (2018)CARNEIRO, Aparecida Sueli. Escritos de uma vida. Belo Horizonte: Letramento, 2018. simboliza essa luta. Além disso, Sueli Carneiro é fundadora e executiva do Geledés – Instituto da Mulher Negra, pioneiro no Brasil na luta do feminismo negro.

Interessante notar que essa identificação do direito como campo em disputa pode ser remetida à obra pioneira de Clóvis Moura. Conforme Queiroz e Portela, a contribuição mouriana já sugeria a ideia do direito como lugar em disputa:

Ao reconhecer a importância da resistência negra, não somente na forma de comunidades de fugitivos, a obra de Clóvis Moura permite compreender o direito como fenômeno contraditório, ou seja, como instrumento de dominação e como mecanismo de liberdade. Assim, rompe-se com interpretações binárias, em que as normas jurídicas pró-população negra ou são vistas como concessões das elites políticas, visando acalmar os ânimos das classes subalternas, ou como instrumentos plenos de garantias de direito. Antecipando trabalhos posteriores (BERTÚLIO, 1989; 2019; AZEVEDO, 2008; AZEVEDO, 2010; BRITO, 2016), Clóvis Moura percebe o sistema jurídico como um lugar de disputa, em que os sentidos normativos não estão dados à priori. (QUEIROZ; PORTELA, 2021, p. 740)

Assim, observa-se em que o antirracismo jurídico crítico político contrasta, em termos de combate ao racismo, com o antirracismo jurídico normativista. Utilizando, então, os parâmetros analíticos aqui estabelecidos, pode-se afirmar que o antirracismo jurídico crítico político:

  1. i

    fundamenta-se em uma crítica negativa ao direito ao denunciar o nível institucional do racismo jurídico;

  2. ii

    e propõe meios concretos de mediação transformadora: a militância jurídica negra e os movimentos populares.

Ainda que pesem os avanços do antirracismo jurídico crítico político, em relação ao antirracismo jurídico normativista, não se verifica com nitidez naquela corrente uma ideologia revolucionária e um anúncio utópico para o papel do direito na abolição do racismo, pois acaba por se limitar à disputa do campo jurídico.

Tal lacuna teórica é, de certa maneira, preenchida pela compreensão do antirracismo jurídico crítico epistêmico. Como representante desta corrente pode ser citada a contribuição teórica de Thula Pires (2019)PIRES, Thula Rafaela Oliveira. Direitos humanos e Améfrica Ladina: por uma crítica amefricana ao colonialismo jurídico. LASA FORUM, v. 50, p. 69-74, 2019.. Tendo como ponto de partida a crítica negativa ao colonialismo jurídico, a autora anuncia a necessidade de uma virada epistêmica do direito. Baseada no pensamento de Lélia Gonzalez, aquela jurista propõe uma “crítica amefricana ao colonialismo jurídico”.

O sistema jurídico reproduzido no Brasil não só estava intimamente ligado ao empreendimento colonial e às categorias de pensamento que decorriam dele, como desempenhou um papel central na sua consolidação. A história dos institutos jurídicos que afirmavam a liberdade se desenvolveu simultaneamente ao regime de escravidão, ao genocídio e à exploração dos povos colonizados. Nesse contexto, o sujeito de direito é a afirmação de uma pretendida uniformidade, forjada pela exclusão material, subjetiva e epistêmica dos povos subalternizados. A régua de proteção que determina o padrão a partir da qual bens como a liberdade passam a ser pensados deriva da afirmação da supremacia branca, masculina, cisheteronormativa, classista, cristã e inacessível a todos os corpos, bem como do resultado dos processos de assimilação e aculturação violentos empreendidos pelo colonialismo. (PIRES, 2019PIRES, Thula Rafaela Oliveira. Direitos humanos e Améfrica Ladina: por uma crítica amefricana ao colonialismo jurídico. LASA FORUM, v. 50, p. 69-74, 2019., p. 71)

Por meio desse pensamento, pode-se avaliar que o sistema jurídico eurocêntrico e colonial sempre prometeu a universalidade humana do sujeito de direito, a qual, ao contrário, é formulada em uma zona do ser racista que recusa a legalidade e a real universalidade para a população racializada. Diante disso, a dogmática jurídica e as perspectivas não críticas do direito fracassam ao se basear nessa universalidade racista do colonialismo jurídico (PIRES, 2019PIRES, Thula Rafaela Oliveira. Direitos humanos e Améfrica Ladina: por uma crítica amefricana ao colonialismo jurídico. LASA FORUM, v. 50, p. 69-74, 2019.). Essa universalidade forma o conceito central de sujeito de direitos que, não à toa, é sempre negado à população negra e aos povos racializados no Brasil.

Em suma, Thula Pires propõe a amefricanidade de Lélia Gonzalez como categoria capaz de nortear o combate ao colonialismo jurídico e a dimensão estrutural do racismo. A partir dessa proposta de virada epistêmica, a crítica amefricana ao direito permite pensar a superação da zona do ser da estrutura racista (PIRES, 2019PIRES, Thula Rafaela Oliveira. Direitos humanos e Améfrica Ladina: por uma crítica amefricana ao colonialismo jurídico. LASA FORUM, v. 50, p. 69-74, 2019.).

Nessa linha teórica deve-se mencionar também o pensamento de Maria Sueli Rodrigues de Sousa (2020)SOUSA, Maria Sueli Rodrigues de. Desenvolvimento e direitos fundamentais no projeto eurocêntrico: o desafio do descentramento cognitivo da colonialidade racializada. Ciências Sociais Unisinos, vol. 56, núm. 1, p. 58-68, 2020.. A autora traz uma interessante crítica à ideia de desenvolvimento na sociedade eurocêntrica, demonstrando como essa categoria é o motor da racionalidade moderna e como o constitucionalismo e o direito são seus viabilizadores:

desenvolvimento é o objetivo da vida em sociedade e os meios de alcançá-lo é a organização em comunidades políticas (constitucionalismo) formadas por regras (direito), havendo entre estas regras as que são o ponto de partida da vida em sociedade (direitos humanos e direitos fundamentais). (SOUSA, 2020SOUSA, Maria Sueli Rodrigues de. Desenvolvimento e direitos fundamentais no projeto eurocêntrico: o desafio do descentramento cognitivo da colonialidade racializada. Ciências Sociais Unisinos, vol. 56, núm. 1, p. 58-68, 2020., 59)

Nesse sentido, Maria Sueli Sousa (2020)SOUSA, Maria Sueli Rodrigues de. Desenvolvimento e direitos fundamentais no projeto eurocêntrico: o desafio do descentramento cognitivo da colonialidade racializada. Ciências Sociais Unisinos, vol. 56, núm. 1, p. 58-68, 2020., assim como Thula Pires (2019)PIRES, Thula Rafaela Oliveira. Direitos humanos e Améfrica Ladina: por uma crítica amefricana ao colonialismo jurídico. LASA FORUM, v. 50, p. 69-74, 2019., faz uma crítica à epistemologia e ontologia do projeto eurocêntrico e do seu sistema jurídico que o possibilita. Conforme a autora, esse cenário é confrontado pelas resistências das outras visões de mundo que foram atacadas, como as cosmovisões dos povos originários ameríndios e dos povos tradicionais africanos. Dessa forma, Maria Sueli Sousa defende como proposta de intervenção o descentramento cognitivo que essas resistências podem trazer ao direito e à sociedade de modo geral.

Diante disso, é possível entender que essa corrente de pensamento é a que promove a crítica antirracista mais radical ao direito e, com isso, a mais coerente para o combate ao racismo e sua dimensão estrutural. Conforme os parâmetros analíticos da pesquisa, o antirracismo jurídico crítico epistêmico:

  1. i

    possui a crítica negativa mais profunda ao racismo jurídico ao denunciar a epistemologia e ontologia eurocêntrica em que sociedade e direito estão envolvidos. Essa crítica é fundamental, pois vai além da mera denúncia à dominação política do direito sobre os povos radicalizados e abrange também a dominação que a visão de mundo eurocêntrica do direito reproduz;

  2. ii

    indica, como mediação transformadora, as cosmovisões não eurocêntricas dos povos originários e tradicionais quilombolas;

  3. iii

    faz o anúncio mais radical: a virada epistêmica do direito, seja pela amefricanidade proposta por Thula Pires ou pelo descentramento cognitivo proposto por Maria Sueli Sousa.

No entanto, não resta evidenciado no pensamento das autoras uma proposta ou possibilidade de uso político do direito posto. Há algum potencial político para este direito gerado no colonialismo eurocentrado ou este deve ser totalmente afastado? Há alguma utilidade, nem que seja tática, do sistema jurídico atual no combate ao racismo estrutural? Ainda que nosso sistema jurídico esteja fundado em uma epistemologia colonial e racista, há que defender uma elaboração teórica capaz de apontar para algum uso tático do direito para a luta antirracista, tendo em vista que a compulsoriedade do sistema jurídico não permite a mera desistência do movimento negro em disputá-lo.

Em síntese, o quadro 1 apresenta as caraterísticas essenciais das diferentes correntes de antirracismo jurídico e suas lacunas, em relação ao combate ao racismo e sua dimensão estrutural.

Quadro 1
As correntes do antirracismo jurídico

Apresentado esse breve panorama acerca das diferentes correntes teóricas, dar-se-á início à elaboração de uma teoria crítica antirracista do direito capaz de absorver as contribuições já apresentadas e preencher as lacunas evidenciadas: a do direito insurgente negro.

2. Bases epistêmicas: marxismo e descolonialidade em intersecção com a questão racial

As variadas tentativas de enfrentar o problema do racismo jurídico demonstram a importância desse debate premente na discussão atual da sociedade brasileira. No entanto, trata-se de discussão ainda relativamente em aberto, sobretudo do ponto de vista epistêmico. Com o intuito de contribuir para o estabelecimento de uma perspectiva crítica consequente com a combinação de dimensões teóricas e práticas para a problemática é que se apresenta a proposta do direito insurgente negro.

Considerando que o racismo é uma produção histórica específica da modernidade/colonialidade capitalista, entende-se que o enfrentamento da questão passa necessariamente por fundamentar sua crítica em teorias que, definitivamente, atacam o seu cerne. Daí a propositura de uma articulação entre críticas marxista e descolonial, as quais serão complementares no sentido aqui argumentado, enriquecendo e potencializando a ambas. Como elo de mediação, o fio condutor da crítica jurídica aplicada ao problema do racismo.

O marxismo carrega consigo um mundo de reflexões as quais, evidentemente, não poderão ser vencidas neste momento. Para os fins do que aqui se pretende estabelecer como ponto de partida, é suficiente anotar que a crítica marxista à sociedade do capital compreende as suas formas como relações sociais e, portanto, as categorias que erige para sua interpretação são sempre relacionais, evitando universalizações e transontologizações. Este é o cerne teórico da teoria do valor que Marx desenvolveu em sua obra e da qual se pode extrair, inclusive, o direito. Portanto, a forma jurídica indica a existência de uma relação social umbilicalmente ligada à sociedade capitalista e apenas a ela.

Tratar dessa sociedade capitalista significa tratar de uma realidade totalizante em que seu fundamento se estriba na exploração de classe. Ocorre que, como seu critério de análises parte da totalidade, a exploração de classe – feita pelos detentores dos meios de produção sobre os não proprietários destes mesmos meios com a exceção de sua própria força de trabalho – se conecta com vários modos de controle do trabalho, inclusive para além do assalariamento. Este é o primeiro ponto de intersecção entre marxismo e uma perspectiva crítica do pensamento que parte da periferia do mundo.

Antes ainda de avançar no entendimento de tal conexão, cabe dizer que a crítica marxista compreende a forma jurídica, ainda que complexamente, à luz de uma sua dimensão essencial, dela extraindo explicações sobre suas esferas aparentes. Assim, refletir sobre o direito (e sobre ele propor uma práxis) implica compreendê-lo em seu sentido mais profundo, sob pena de não se alcançar mais do que as aparências do fenômeno. Daí a necessidade de se ultrapassar miradas genéricas que reduzem o jurídico ao seu momento normativo ou mesmo a um instrumento político de uso indiscriminado. De algum modo, portanto, as críticas apresentadas anteriormente às teorias que propõem combater o antirracismo jurídico serão justificadas agora.

O direito, pois bem, é em primeiro lugar uma relação social. Nesse sentido, não cabe confundir sua aparência normativa com seu cerne fático. Ao ser substituída a abordagem deontológica pela ontológica, solapa-se o fenômeno do véu sob o qual se encontra escondido. Porém, sua ontologia não o reduz a uma coisa, mas antes o faz ser percebido em sua amplitude, que é substancialmente relacional. Tal relacionalidade, no entanto, caracteriza todas as formas sociais do capital, fazendo-se necessário descobrir sua especificidade. Esta reside, por sua vez, na relação (social) jurídica entre sujeitos de direito. A criação da subjetividade jurídica é fenômeno moderno (portanto, colonial e capitalista) e ela diz respeito à configuração da forma social que cria a relação de propriedade/posse entre pessoas e coisas, com o fito de que, a partir dela, intercambiem-se as coisas sob o formato mercantil. Sendo assim, a relação jurídica garante a circulação, entre tais subjetividades conformadas ao capital, de equivalentes mercantis. As mercadorias se tornam equivalentes, ao mesmo tempo em que os sujeitos se apresentam como formalmente livres. Igualdade e liberdade, ao nível das formas sociais, dão o tom da caracterização da relação capital-trabalho sob a égide da relação de assalariamento. No espelho dessa relação, contudo, articula-se paralela e necessariamente um conjunto de relações jurídicas dependentes, em que sua igualação/liberação formal dá espaço a uma transferência de riqueza explorada, desde as periferias dirigindo-se aos centros, para garantir em nível mundial o desenvolvimento do capitalismo central (que nada mais é que a face mais visível do mesmo processo que garante o subdesenvolvimento capitalista periférico).

Esta é a lição de Marx (2014)MARX, Karl. O capital: crítica da economia política – O processo de produção do capital. Tradução de Rubens Enderle. 2 reimp. São Paulo: Boitempo, livro I, 2014., conforme se pode depreender de sua formulação mais aguçada em O capital, livro o qual, apesar de não sistematizar especificamente a problemática jurídica, admite uma interpretação desta no seio da crítica à economia política. A sistematização de sua leitura, feita por autores como Stutchka (1988) e Pachukanis (2017)PACHUKANIS, Evguiéni Bronislavovich. Teoria geral do direito e marxismo. Tradução de Paula Vaz de Almeida. São Paulo: Boitempo, 2017., afiança justamente o aprofundamento da reflexão, agora sistematizada, e deixa como legado o entendimento relacional ontológico do direito. Traduzido e reposicionado à luz das necessidades teórico-críticas latino-americanas (como a que observa a relação de dependência entre nações centrais e periféricas), estes são os fundamentos epistêmicos marxistas que o direito insurgente procura resgatar (PAZELLO, 2021).

Eis, portanto, a perspectiva que permite tirar o direito do mero plano formal-normativo. Ao mesmo tempo, coloca-o em uma sofisticada relação que deve satisfazer a necessidade de seu uso político, com base em uma compreensão do fenômeno que desvele sua essência histórica. Apresentar o direito em sua essência, entretanto, demanda obrigatoriamente não enredá-lo em uma concepção fatalista. Ou seja, é preciso encontrar soluções teóricas para seu uso político. Como a vida social sob o capitalismo é uma cadeia ininterrupta de relações mercantis que vão sendo garantidas por relações jurídicas (do parto – e suas relações contratuais via planos privados ou assistências sociais conformadas a políticas públicas de saúde – ao óbito – com seus direitos sucessórios ou serviços funerários), não é de escolha dos indivíduos fazerem parte ou não de relações jurídicas. A depender da situação, até se pode escolher ou não assinar um contrato de emprego ou ajuizar um processo no sistema de justiça, mas o contrato de compra-e-venda de mercadorias para alimentação, higiene, agasalho, transporte ou moradia, dentre uma infinidade de outras coisas, continua lá, compulsório. Se há intercâmbio mercantil, logo ali haverá direito. Considerando essa compulsoriedade, é preciso mobilizar a perspectiva crítica jurídica no sentido de propor um quefazer ao direito, desde o marxismo. Veja-se.

Entra em cena, aqui, a teoria dos usos táticos do direito. Em resumo, desde o resgate proposto via direito insurgente, há que se distinguir os usos do direito aos níveis estratégico e táticos. A partir da metáfora bélica esculpida sob inspiração leniniana (ver PAZELLO, 2021, p. 154 e seguintes), o nível estratégico é o que traça o objetivo último, enquanto as táticas são os caminhos flexíveis que, coerentes com os objetivos estratégicos, os realizam. Grosso modo, e a título de didatização, pode-se dizer que há uma relação entre meios (táticos) e fim (estratégico). Conceber o horizonte jurídico como estratégico é deixar-se subsumir, sem questionamentos, às formas sociais do capital, notadamente a relação de valor que as formas mercantil e jurídica dinamizam. Assim, o uso estratégico do direito mostra-se como necessariamente não-insurgente, porque adequado à sociedade do capital e à manutenção de seu modo de produzir a vida e articular os tipos de controle do trabalho. Por sua vez, usos táticos do direito que coloquem em movimento um desuso estratégico do horizonte passam a fazer sentido. Basicamente, por dois motivos: o primeiro, já apontado, diz respeito à compulsoriedade do jurídico; o segundo, por sua vez, atrela-se ao entendimento da flexibilidade que caracteriza a tática. Com este segundo caso, portanto, é possível espelhar a coerência da luta por direitos tais como os da redução da jornada laboral em nível tático como um dos caminhos possíveis para viabilizar as condições de possibilidade – não etapistas, lineares ou evolucionistas, diga-se de passagem – da estratégia de superação do capital (como Marx propôs em seus famosos capítulos 8 e 13 de O capital) com a utilização tática do direito (no contexto dos combates, releituras e lutas assimétricas ou até mesmo duais que se dão no plano jurídico que a sociedade do capital impõe) tornando o mais factível possível um contexto de transição societal que rume para uma organização coletiva fundada nas necessidades humanas e em suas capacidades de satisfazê-las.

O uso tático do direito vincula-se, primordialmente, às organizações populares em sua luta política. Portanto, seu plano coletivo é pressuposto para se poder desenvolvê-lo. Isso não obsta, como não poderia deixar de ser, a criatividade de seus intelectuais orgânicos quando instados a agir individualmente. O uso tático do direito, quando de âmbito individual, é caudatário de sua sedimentação coletiva. Daí se notar o sentido político do uso tático do direito, ou seja, seu uso político tático. Na formulação do direito insurgente que aqui se segue, referidos usos traduzem para a régua tático-estratégica as formulações que as teorias críticas do direito fizeram sem se preocuparem, exatamente, com a cosmovisão estratégica que o direito mobiliza (como nos casos das disputas feitas pelo positivismo de combate, releituras exercitadas pelo uso alternativo do direito ou lutas assimétricas assistidas pelo pluralismo jurídico) ou com a necessidade conjuntural de dar respostas aos conflitos sociais nos quais o direito está enfronhado (como no caso das descrições do pensamento jurídico revolucionário realizado pelo assim chamado marxismo jurídico). Sobre a conexão entre esses elementos todos e a proposta de um direito insurgente negro, escrever-se-á no próximo item do presente artigo.

As questões até aqui apresentadas sobre o entendimento do significado do fenômeno jurídico para o direito insurgente (que gerará o diálogo em torno de um possível direito insurgente negro) são os fundamentos epistêmicos sem os quais a tarefa proposta não chegaria a bom termo. Em síntese, trata-se de compreender a essência (ontologia) da forma jurídica, sem descurar de suas expressões aparentes (por exemplo, a deontologia), ao mesmo tempo em que se deve dar vazão teórica a uma reflexão sobre o que fazer com o direito, dando-se vez a seus usos políticos, acatando-os taticamente e rejeitando-os estrategicamente.

Outra dimensão, entretanto, da fundamentação epistêmica que aqui se propõe precisa ser apresentada. Trata-se do debate em torno do giro descolonial que localiza a discussão para além das leituras do sistema mundial e seus centros geopolíticos.

Como já adiantado, se a relação jurídica faz atuar sujeitos de direito iguais e livres entre si para intercambiarem mercadorias, no capitalismo dependente isto muda de figura. A crítica marxista à dependência, por exemplo, notou que no contexto capitalista periférico os trabalhadores não são apenas explorados, mas são superexplorados em sua força de trabalho, porque a extração de sua mais-valia sustenta não apenas a burguesia local, mas também a transferência de valor feita para os centros da produção mundial. Daí fazer sentido falar em uma relação jurídica dependente. Além disso, outras questões atuam aqui, inclusive ao nível epistêmico. A crítica ao eurocentramento das análises contribui para se alargar os cânones teóricos e perceber que a divisão social do trabalho imposta pelo capital cria também outros cortes estruturais nas relações sociais, em nível planetário. É o caso da divisão sexual bem como da divisão racial do trabalho. A perspectiva de totalidade cobra sua coerência ao nível teórico, a partir de sua razão de ser no plano geo-histórico-político.

Do ponto de vista do argumento que aqui se desposa, a questão fica mais explícita gnosiologicamente com a crítica da colonialidade do poder, de Aníbal Quijano (2005)QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais – perspectivas latinoamericanas. Tradução de Júlio César Casarin Barroso Silva. Buenos Aires: CLACSO, p. 227-278, 2005.. A colonialidade implica a existência de relações sociais que produzem a vida desde o advento do colonialismo para os povos não-europeus. Estes, por sua vez, foram premidos, em uma história paralela e ao mesmo tempo criadora do colonialismo, à conformação capitalista de seu mundo, até o apogeu do mesmo levado a cabo pelas revoluções sociais, políticas e econômico-industriais modernas. Assim, a imbricação entre estas dimensões das relações sociais produtoras da vida moderna resulta na descrição da colonialidade do poder como forma de controle e articulação de todos os padrões de poder, incluindo-se aí o trabalho. Tal controle e articulação coloca em um mesmo plano mundial – e não como elementos apartados entre si – a escravidão negra, a servidão indígena, a reciprocidade comunitária, os ofícios livres, a administração pública e o assalariamento operário. O que se passa, portanto, é a classificação mundial dos povos segundo critérios “culturais”, os quais, no fundo, constroem uma graduação de culturas segundo seu acesso às modalidades de produção de riquezas materiais. Daí Quijano referir-se ao fato de que “cada forma de controle do trabalho esteve articulada com uma raça particular” (QUIJANO, 2005QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais – perspectivas latinoamericanas. Tradução de Júlio César Casarin Barroso Silva. Buenos Aires: CLACSO, p. 227-278, 2005., p. 232).

Na esteira das interpretações de Quijano, outros autores fizeram convergir seus argumentos e tornou-se possível a proposta de um giro descolonial do poder e do saber. Tornou-se possível, também, abrir o diálogo com o marxismo latino-americano que, ademais de poder figurar na interlocução por conta da perspectiva marxista geral em torno do elemento metódico da totalidade, também contribui com análises específicas da caracterização do capitalismo dependente (denúncia), do processo de transformação social (mediação revolucionária) e da utopia de libertação via combinação dos modos de vida das classes populares, sejam elas trabalhadoras ou indígenas (anúncio).

Quijano parte do diagnóstico de que a colonialidade instaurada a partir dos eventos havidos de 1492 em diante fez surgir uma divisão racial do trabalho. Eis o aparecimento estrutural da categoria “raça”.

Ao lado dessa reflexão e mesmo antes, durante todo o século XX, estudos sociológicos sobre o trabalho feminino apontavam para o fato de também haver a necessidade da caracterização da divisão sexual do trabalho no contexto do capitalismo, em que a produção e reprodução da vida não se dava apenas no cenário do assalariamento mas também, no mínimo, do trabalho doméstico.

Da convergência entre estas descobertas, no âmbito das divisões capitalistas do trabalho, pôde ser utilizada com centralidade a noção de interseccionalidade ou consubstancialidade entre relações de classe, raça e gênero. Eis todo o labor feito por autoras que protagonizara tal debate, como Kimberlé Crenshaw (1989) e Danièle Kergoat (2010)KERGOAT, Danièle. Dinâmica e consubstancialidade das relações sociais. Tradução de Antonia Malta Campos. In: Novos estudos CEBRAP. São Paulo: CEBRAP, n. 86, março de 2010, p. 93-103., apontando para o entrelaçamento entre estas relações sociais. Inclusive, do ponto de vista de um diálogo mais estreito com problemáticas jurídicas, o estudo da obra de Angela Davis (2016)DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2016. passa a ser bastante promissor, no sentido estimulado por este debate. Ou seja, a mesma totalidade que visibiliza o sistema capitalista por via do mercado mundial, no qual estão integrados territórios centrais e periféricos bem como estão articulados modos de controle do trabalho, da reciprocidade ao assalariamento passando pela escravidão, também tem de visibilizar a relação entre o trabalho doméstico e o não doméstico, o trabalho feminino e o não-feminino, bem como a inserção subordinada das mulheres no sistema de subjetividades jurídicas igualadas do mundo do trabalho capitalista. Por outro lado, cada uma dessas composições (capitalismo, classismo, racismo ou patriarcalismo) guarda suas especificidades que precisam ser compreendidas como dotados de dinâmicas próprias, ainda que nunca desatrelados do todo.

Desse modo, o que se verifica como a interpretação mais potente é aquela que dê conta de caracterizar as questões estruturais do capitalismo com suas especificidades geopoliticamente assentadas. Daí a proposta que aqui se apresenta de uma intersecção entre as críticas marxista e descolonial. Conforme o que aqui se defende, o problema da dependência é o nó interseccional que faz convergir a crítica marxista à descolonial, inclusive no que é pertinente ao problema étnico-racial. A relação jurídica surgida no capitalismo dependente superexplora trabalhadoras negras e trabalhadores negros, impondo-lhes uma entrada deficitária no amálgama da subjetividade jurídica. O sujeito de direito livre e igual para intercambiar equivalentes mercantis tem, em sua gênese subjetivo-jurídica, uma experiência negativa em todos os níveis da produção da vida: na produção/mercado, na cultura e na família. A desigualdade que se iguala pela equivalência na subsunção real do trabalho de todas e todos ao capital convive com algo que não é mera intercorrência, mas constitutividade. A divisão racial e sexual do trabalho impõe cunhas à divisão social do trabalho e, assim, as próprias formas sociais do capital exsurgem com sulcos e arestas que o capitalismo central não costuma observar (não ao menos até lançar olhos para sua população de migrantes como trabalhadores precarizados). Aqui reside o que procura denominar de contribuição descolonial ao marxismo que é, ao mesmo tempo, a constituição de interpretação marxista para o giro descolonial.

Assim, se Quijano iniciou estudando a questão social e racial dos “cholos” peruanos, enredando suas investigações, posteriormente, no debate sobre a dependência e a marginalização na América Latina até chegar a uma perspectiva descolonial, também é possível observar outras trajetórias intelectuais que também se permitiram realizar debate análogo. É o caso de Lélia González, de quem a transcrição de um longo trecho se faz necessária pela retumbância do diálogo que promove entre dependência e racismo:

a dependência em relação aos “centros” do modo de produção capitalista indica de que maneira o Brasil se situa em termos de mercado mundial. Além disso, a perpetuação de formas produtivas anteriores se acrescenta como um dos fatores que, em termos de limitação externa, condicionam o nosso desenvolvimento econômico desigual e combinado. A partir dessa situação de fato podemos verificar que uma grande massa marginal caracteriza a maneira como ocorrem as relações produtivas em termos de realidade brasileira.

[...] É nesse sentido que o racismo, enquanto articulação ideológica e conjunto de práticas, denota sua eficácia estrutural na medida em que estabelece uma divisão racial do trabalho e é compartilhado por todas as formações socioeconômicas capitalistas e multirraciais contemporâneas. Em termos de manutenção do equilíbrio do sistema como um todo, ele é um dos critérios de maior importância na articulação dos mecanismos de recrutamento para as posições na estrutura de classes e no sistema de estratificação social. Desnecessário dizer que a população negra, em termos de capitalismo monopolista, é que vai constituir, em sua grande maioria, a massa marginal crescente; em termos de capitalismo industrial competitivo (satelitizado pelo setor hegemônico), ela se configura como exército industrial de reserva. (GONZÁLEZ, 2021GONZÁLEZ, Lélia. A questão negra no Brasil. In: GONZÁLEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. 3 reimp. Rio de Janeiro: Zahar, p. 183-190, 2021., p. 183 e 187)

Co-implicados, capitalismo e racismo surgem e desenvolvem-se em um mesmo contexto. Tanto Quijano quanto Lélia González ressaltam esta questão, via discussão sobre a divisão racial do trabalho.

As bases epistêmicas, portanto, de um direito insurgente negro pressupõem o diálogo marxista-descolonial, para compreender o direito em sua profundidade mas também para contextualizá-lo na periferia da produção de formas sociais capitalistas. O próprio direito é impactado com esta dimensão situacional e o desafio, a partir de agora, passa a ser também o de verificar em que medida um uso tático do direito implica um giro descolonial do poder, abrindo-se às organizações de classe mas também às dos movimentos negro, feminista, indígena, quilombola e dos demais povos e comunidades tradicionais.

3. Usos políticos táticos: uso tático do direito insurgente negro feito por movimentos populares negros e pelas intelectuais negras e negros

Estabelecidas as bases epistêmicas para uma teoria crítica antirracista do direito, resta demostrar os usos táticos do direito insurgente negro, seja na prática, realizada pelos movimentos populares negros, ou em termos teóricos, elaborada por intelectuais negros e negras. Diante disso, podemos apontar para quatro usos táticos que o direito insurgente negro irá espelhar:

a) um uso combativo do direito (quando se reivindica a forma jurídica para dar respostas imediatas a problemas que o direito se põe, formalmente, a resolver – caso de defesas contra criminalizações ou ações ofensivas baseadas no aparato legal-judicial); b) um uso relido do direito (em que se reinterpreta a forma jurídica, extraindo dela consequências não pretendidas em favor das classes populares); c) um uso assimétrico do direito (o qual permite contrastividade entre a forma jurídica estandardizada e as formas análogas ou parcialmente equivalentes encontradas no seio das classes subalternas, movimentos populares e povos e comunidades tradicionais); d) um uso dual do direito (significando o confronto direto entre a forma jurídica e seus usos políticos insurgentes, em contextos revolucionários). (PAZELLO, 2019, p. 1592-1593, grifou-se)

Assim, por uso combativo do direito, entende-se “os enfrentamentos e reivindicações possibilitados pela ordem” (PAZELLO, 2014PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente e movimentos populares: o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito. Curitiba: Programa de Pós- Graduação (Doutorado) em Direito da Universidade Federal do Paraná, 2014., p. 490). No campo teórico, o uso tático combativo do direito insurgente negro corresponde à defesa das normas antidiscriminatórias realizada pelo antirracismo jurídico normativo, característica típica do denominado “legalismo de esquerda”; já para o antirracismo jurídico político, tal uso tático dialoga com sua ideia central, qual seja, a do direito que reflete um campo em disputa.

Já do ponto de vista concreto, o uso combativo do direito insurgente negro representa a luta por efetivação de políticas públicas que defendem o a população negra, a militância jurídica negra, as assessorias jurídicas populares, entre outros setores sociais que enfrentam o racismo jurídico e estrutural. Mesmo que tais usos sejam os permitidos pelo colonialismo jurídico, tais disputas não podem ser totalmente descartadas, mas devem ser vistas taticamente, a partir de uma leitura concreta da conjuntura política atual, conjuntamente com a estratégia final de abolição da forma jurídica.

Por sua vez, o uso relido do direito representa a aplicação de uma interpretação da forma jurídica que vai para além da literalidade de suas normas, por exemplo, e alcança efeitos não pretendidos pelo sistema jurídico em favor das classes populares. É o que se observa como a travessia do “uso defensivo da legalidade para o ofensivo” (PAZELLO, 2014PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente e movimentos populares: o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito. Curitiba: Programa de Pós- Graduação (Doutorado) em Direito da Universidade Federal do Paraná, 2014., p. 490.). Em outros termos, o uso relido são as interpretações que ultrapassam o sentido literal e imediato das normas, não esperado pelo sistema e seu colonialismo jurídico, mas também da relação jurídica em geral. No campo teórico, é representado por uma hermenêutica jurídica voltada aos interesses da população negra, sendo que do ponto de vista prático se configura nos intérpretes do direito sensíveis à questão racial.

Ainda, historicamente falando, a figura de Luiz Gama representa com centralidade esse uso relido do direito, na medida em que sua formação jurídica popular – como rábula – o permitiu realizar ativa participação no movimento abolicionista, via reinterpretações normativas (ainda que também esgrimindo o combate positivista possível, em sua época). Nesse sentido, Vellozo e Almeida (2020), em artigo recente, questionam a ideia tradicional em torno de Luiz Gama de que este foi um líder meramente legalista e pouco assertivo no enfrentamento à escravidão.

Para os autores, Luiz Gama desafiou a aplicação legalista do direito ao ampliar o debate sobre a escravidão, retirando-o da esfera estritamente normativa e o colocando na esfera da filosofia do direito (VELLOZO; ALMEIDA, 2020, p. 190). Para demostrar essa afirmação, Vellozo e Almeida recordam a resposta que Luiz Gama deu às acusações que foram feitas contra a possibilidade de provocar uma insurreição escrava. Em texto publicado em 1871 no Correio Paulistano, Luiz Gama afasta essa acusação, que na época era crime tipificado no Código Criminal de 1830 com pena capital para os líderes da insurreição, mas assume a possibilidade de estimular uma resistência negra contra os “juízes prevaricadores” (VELLOZO; ALMEIDA, 2020, p. 181).

Assim, Luiz Gama utiliza o direito natural da resistência, próprio da filosofia moderna iluminista e do contrato social, para rebater os juízes escravagistas da época. Com isso, Gama defende outro sentido de resistência, que na época também era um ato tipificado criminalmente, ultrapassando o sentido original iluminista que não incluía a população negra no contrato social. Sobre essa releitura do direito de resistência levantada por Luiz Gama, afirma-se:

(...) a resistência a que se refere Luiz Gama inscreve-se no âmbito da definição moderna e iluminista deste conceito. Desse modo, não se trata de um “direito”, no sentido positivista, em que as possibilidades de resistência estariam restritas à legalidade. E parece evidente que ao falar em resistência, Luiz Gama não esteja se referindo ao tipo penal de resistência, previsto no capítulo IV do Código Penal Imperial e que consiste na oposição violenta ao cumprimento de ordem legal, mas ao direito de resistência. No contexto do abolicionismo, pode-se inferir que a resistência aludida por Gama seja a resistência política, que se manifesta ou como objeção de consciência ou, de modo mais extremo, como desobediência civil. Dentro dessa chave conceitual retirada da modernidade, a escravidão é apresentada por Luiz Gama como uma forma de tirania na medida em que colide com o direito natural de liberdade. Desse modo, Gama adapta à causa abolicionista o discurso pertencente ao jusnaturalismo moderno que, na formulação de seus principais autores, não significava um óbice à escravidão negra. A versão moderna do jusnaturalismo parte de uma afirmação universal da liberdade individual, algo que está além do direito positivo que, por sua vez, retira sua legitimidade do respeito a princípios de caráter universal. Aqui, a construção discursiva é evidente: a violação do “direito natural” à liberdade, inerente a qualquer homem ou mulher, leva à quebra do contrato social, o que resulta no descrédito do ordenamento jurídico positivo e na perda da autoridade por parte das instituições políticas. (VELLOZO; ALMEIDA, 2020, p. 187-188, grifou-se)

Essa adaptação do direito realizada por Luiz Gama, no caso a releitura do direito a resistência originária do jusnaturalismo moderno e iluminista, para alcançar resultados não pretendidos pela ordem em favor da luta antirracista, pode ser tida como um exemplo emblemático de uso relido do direito insurgente negro.

Ao seu turno, o uso assimétrico, ou plural, do direito insurgente, retrata as “formas análogas ou parcialmente equivalentes encontradas no seio das classes subalternas, movimentos populares e povos e comunidades tradicionais” (PAZELLO, 2019, 1592-1593). No caso do direito insurgente negro, o exemplo mais consagrado de seu uso assimétrico está presente nas culturas (não jurídicas, entendidas em seu sentido de distinção mundividente e não de hierarquização civilizatória) das comunidades quilombolas.

Como referencial teórico para o uso assimétrico do Direito Insurgente Negro, aponta-se para o autor que provavelmente foi o primeiro a publicar uma obra com esse título em solo nacional, Dimas Salustiano (1994)SALUSTIANO, Dimas. Direito Insurgente do Negro no Brasil: Perspectivas e Limites no Direito Oficial. In: CHAGAS, Sílvio Donizete (org.). Lições de direito civil alternativo. São Paulo: Acadêmica, p. 57-71, 1994.. Em seu artigo, Salustiano destaca que o tratamento sobre a posse das terras nas comunidades de negros e negras corresponde a um direito consuetudinário baseado em uma tradição secular:

(...) tratam-se de áreas [em que] habitantes estão identificados por laços étnicos da negritude, ancianidade da ocupação, fundada em posses seculares, tradições culturais próprias, e quiçá, a mais importante delas, o reconhecimento de um território comum a partir do qual são erigidas normas de Direito Consuetudinário, reforçadas por laços de parentesco e compadrio, engendrando assim um sistema social e econômico de utilização dos recursos naturais existentes, fulcrado em uma combinação de apropriação privada e de práticas de uso comum superpostos, harmonicamente respeitadas, com eficácia plena para todo o grupo.

Praticam assim direitos infra-estatais, circunscritos em bases geográficas, onde o poder legiferante do Estado nacional pode ser encarado como inócuo, com pouca ou nenhuma validade. Corroborando estes casos com a tese de convivência de sistemas jurídicos existindo paralelamente ou mesmo transversalmente, mesmo conflitando com o direito positivo, engendrando assim uma pluralidade de ordenamentos jurídicos. (SALUSTIANO, 1994SALUSTIANO, Dimas. Direito Insurgente do Negro no Brasil: Perspectivas e Limites no Direito Oficial. In: CHAGAS, Sílvio Donizete (org.). Lições de direito civil alternativo. São Paulo: Acadêmica, p. 57-71, 1994., p. 61)

Nesse sentido, Salustiano defende que há sim um direito quilombola que configura um direito infraestatal de caráter consuetudinário. Importante ressaltar que esse não é o exato ponto de vista que se defende no presente trabalho. Aqui, a cultura quilombola não é vista como propriamente jurídica e, portanto, dizer que há um direito quilombola significa traduzir “grosseiramente práticas comunitárias em termos de relações sociais jurídicas, seguindo uma antropologia etnocêntrica que faz do distinto aquele no qual se ressalta a falta pela presença” (PAZELLO, 2014PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente e movimentos populares: o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito. Curitiba: Programa de Pós- Graduação (Doutorado) em Direito da Universidade Federal do Paraná, 2014., 492).

Mesmo que, segundo o que se pode ver, não haja propriamente um direito quilombola, a cultura não-jurídica presente nessas comunidades é de grande valia e o trabalho de Salustiano, ao apontar para o tratamento que essa cultura tem com base na posse de suas terras e meios existenciais, demonstra como os quilombolas são comunidades muito mais voltadas para o coletivo do que para um individualismo egoísta próprio da sociedade capitalista e eurocêntrica, logo racista.

Essa visão pode ser um bom ponto de partida para examinar o quanto as comunidades quilombolas correspondem ao potencial libertador mais sensível para a luta antirracista na atual conjuntura política de resistência. Noutros termos, a experiência quilombola é sem dúvidas o modelo mais potente para a construção do antirracismo estrutural e, por consequência, do antirracismo jurídico.6 6 Ver, também, a interessante interpretação de Mariana Trotta Dallalana Quintans (2015) sobre a luta por direitos do movimento negro, inclusive na constituinte brasileira, especialmente pelo movimento quilombola.

Aliás, em consonância com esse pensamento, destaque-se a importante categoria construída por Clóvis Moura, denominada quilombagem. Esse autor demonstra como a experiência quilombola representou o modelo mais bem assentado de negação radical do sistema escravista:

De um modo geral, o quilombo é visto como um ato de fuga do escravo, sem um projeto político ou uma configuração consciente dos objetivos estratégicos do seu papel como agente social. Se analisarmos do ponto de vista do comportamento de cada quilombo isoladamente, isto poderá ser aceito. Mas, se analisarmos na sua totalidade o processo histórico da sua existência é que poderemos ver como a quilombagem se articula socialmente como arma permanente de negação do sistema. E o nega no centro do eixo mais importante para o seu êxito: nas relações de trabalho entre o senhor e o escravo. É justamente no nível da produção que a quilombagem atinge o sistema escravista, vulnerabilizando-o e desgastando-o através da negação do trabalho do agente mais importante da dinâmica do sistema. É através da quilombagem que a luta de classes se realiza no bojo das relações senhor-escravo. É por isto que para compreendê-la (a quilombagem) temos de encará-la como um processo permanente de negação radical ao sistema escravista. (MOURA, p. 109, 2001)

Dessa forma, é possível afirmar que a quilombagem simboliza a experiência antirracista mais radical e concreta no enfrentamento ao racismo estrutural que pôde ter sido observada na realidade. Isto não quer dizer, entretanto, que tal experiência fica adstrita a um espaço-tempo utópico; cabe, isto sim, projetá-la para outros âmbitos, recriando-a coetaneamente.

Esses três primeiros usos do direito insurgente negro – combativo, relido e assimétrico – correspondem aos usos possíveis na atual conjuntura política, assinalada como centralmente de resistência em relação à assimetria do poder popular em oposição ao poder hegemônico.

Já o uso dual do direito proposto pelo direito insurgente (PAZELLO, 2014PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente e movimentos populares: o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito. Curitiba: Programa de Pós- Graduação (Doutorado) em Direito da Universidade Federal do Paraná, 2014.) ultrapassa as possibilidades políticas concretas e não traduz a atual conjuntura. Sua ocorrência já indica que o “conflito é aberto e, portanto, o horizonte revolucionário começa a se concretizar” (PAZELLO, 2014PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente e movimentos populares: o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito. Curitiba: Programa de Pós- Graduação (Doutorado) em Direito da Universidade Federal do Paraná, 2014., p. 492). Assim, “não se trata mais de assimetria, porque a dualidade implica aquisição de condições relativamente equivalentes na disputa” (PAZELLO, 2014PAZELLO, Ricardo Prestes. Direito insurgente e movimentos populares: o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito. Curitiba: Programa de Pós- Graduação (Doutorado) em Direito da Universidade Federal do Paraná, 2014., p. 492). No entanto, mesmo que o uso dual ainda não exista na realidade, sua reflexão não é menos relevante, ainda mais quando são verificados os exemplos presentes na história.

Trazendo essa reflexão para o direito insurgente negro, é passível de menção o exemplo histórico da Revolução Haitiana de 1791. Nesse sentido, Marcos Queiroz (2017)QUEIROZ, Marcos Vinícius Lustosa. Constitucionalismo brasileiro e o Atlântico Negro: a experiência constitucional de 1823 diante da Revolução Haitiana. 200 f., il. Dissertação (Mestrado em Direito) Universidade de Brasília, Brasília, 2017. empreende um importante trabalho ao demonstrar o quanto as elaborações político-constitucionais realizadas pelos jacobinos negros romperam concretamente com a maior violência colonial, a escravidão:

para as constituições haitianas, a escravidão nunca foi uma divagação abstrata ou uma metáfora, como costumeiramente ocorria nas discussões constitucionais europeias, muito menos fonte de legitimidade filosófica do Estado. A escravidão era um dado concreto, necessariamente vinculado à experiência moderna e ao colonialismo. É a partir deste ponto que é possível compreender os dispositivos extremamente dirigistas no que toca a organização do trabalho e da família presentes em algumas das primeiras constituições. Por outro lado, é possível perceber que o mesmo tema da escravidão é trazido para a razão de Estado, em que o Haiti é fundado para garantir a liberdade e acabar com a subordinação racial. Assim, o fim da escravidão não é nem metáfora nem uma lista abstrata de direitos políticos, mas está no programa fundacional da estrutura estatal.

Neste sentido, o Haiti adotava uma postura de antiescravismo radical, propondo um movimento transnacional e transimperial. (QUEIROZ, 2017QUEIROZ, Marcos Vinícius Lustosa. Constitucionalismo brasileiro e o Atlântico Negro: a experiência constitucional de 1823 diante da Revolução Haitiana. 200 f., il. Dissertação (Mestrado em Direito) Universidade de Brasília, Brasília, 2017., p. 73-74)

Assim, pode-se ter em conta que o antiescravismo radical adotado pelas constituições pós-revolucionárias do Haiti representa um momento dual de forças, onde não há mais a mera resistência contra-hegemônica. Desse modo, o estudo da experiência haitiana tem grande relevância para o direito insurgente negro, pois se configura como exemplo concreto e histórico de uso dual do direito.

Em suma, o quadro a seguir pode sintetizar os usos políticos táticos do direito insurgente negro, tais como foram aqui elaborados:

Quadro 2
Os usos políticos táticos do direito insurgente negro

Apresentados os diferentes usos políticos táticos que o direito insurgente negro pode revelar, entende-se que esta proposta teórica detém enorme potencial analítico para compreensão da luta antirracista no direito. Nesse sentido, o direito insurgente negro não perde de vista as importantes contribuições promovidas pelas diferentes correntes críticas do antirracismo jurídico, mas, ao mesmo tempo, permite dar um passo a mais na compreensão do uso do direito para a luta antirracista. Ao aliar a estratégia final de abolição da forma jurídica e de seu colonialismo jurídico com um uso tático do direito, o direito insurgente negro representa uma teoria crítica antirracista do direito relevante e provocativa tanto para a teoria quanto para a prática dos movimentos antirracistas.

Conclusão

O que o presente ensaio buscou expor foi justamente uma proposta de leitura do problema do racismo jurídico, contrastando – sem desprezar suas contribuições – as posições teóricas que sobre ele produziram interpretações e indicações de enfrentamento. A partir da produção deste texto, abre-se toda uma agenda de pesquisa por se aprofundar, que certamente exigirá meditação e comprovação prática por parte dos que com ela se familiarizarem, seja para desenvolvê-la seja para contestá-la.

A perspectiva de um direito insurgente negro procura destacar o papel que desempenha sobre o direito a questão racial. A crítica sistemática do fenômeno jurídico mas também a práxis que a partir dele vier a se realizar impõem, na dialética entre totalidade e particularidade, uma consideração do racismo, em termos estruturantes. O desafio de elaboração de um direito insurgente negro, portanto, tem a ver com a apreciação prático-teórica do direito e o posicionamento acerca das conexões entre abolicionismo do jurídico (não apenas criminológica, seja bem entendido) e do racismo.

As linhas de pesquisa que se apresentam como de necessário desenvolvimento têm a ver, ao nível teórico, com reflexões sobre o significado do direito entre os marxistas antirracistas bem como entre os autores descoloniais. Também, dizem respeito à busca por perspectiva sobre o antirracismo – mesmo que muitas vezes nas suas entrelinhas – no interior da crítica marxista ao direito, bem como em toda postura jurídico-critica antietnocêntrica. Por fim, dispõe ainda sobre os possíveis diálogos do marxismo e do descolonialismo com o antirracismo jurídico, nas suas mais variadas vertentes.

Ao nível prático, faz-se cada vez mais necessária a pesquisa militante junto aos movimentos e organizações populares que lutam contra o racismo para diagnosticar os limites e potencialidades da classificação dos usos do direito em nível tático, como sendo combativos, relidos, assimétricos e duais. Apenas pesquisas atreladas ao movimento concreto do direito sob utilização dos não-sujeitos de direito que são os movimentos populares podem, como esforço coletivo, propiciar uma conclusão mais assertiva sobre tais definições – ainda que intuídas há muito em um contexto de lutas sociais.

Tendo por intuito dialogar com as teorias jurídicas antirracistas, a presente proposta de um direito insurgente negro fez questão de apresentar o legado interpretativo marxista-descolonial sobre o direito, para compreender a especificidade do fenômeno jurídico bem como seu posicionamento no contexto do capitalismo dependente que o conforma, fazendo-lhe seguir um repertório de indicações a respeito dos seus usos táticos, solução teórica para realizar a mediação entre a crítica à essência do direito como forma social do capital e a necessidade de seu manejo sob a sociedade capitalista.

  • 1
    Aqui é pertinente notar um diálogo interessante entre a perspectiva sistêmica de racismo e a categoria marxista da totalidade. Esse diálogo é em certa medida realizado pela obra mais recente de Dennis de Oliveira (2021)OLIVEIRA, Dennis de. Racismo estrutural: uma perspectiva histórico-crítica. São Paulo: Editora Dandara, 2021. quando este indica a diferença entre a concepção de racismo estrutural e a de “racismo estruturalista”. Conforme o autor, esse último entendimento sobre o racismo resulta de uma visão essencialista que cai na armadilha da identidade ao desconsiderar as questões de classe (OLIVEIRA, 2021OLIVEIRA, Dennis de. Racismo estrutural: uma perspectiva histórico-crítica. São Paulo: Editora Dandara, 2021., p. 46 e 54). Já a concepção sistêmica de racismo não perde de vista sua totalidade e entende que as relações raciais “estão inseridas em um determinado contexto sócio-histórico” (OLIVEIRA, 2021OLIVEIRA, Dennis de. Racismo estrutural: uma perspectiva histórico-crítica. São Paulo: Editora Dandara, 2021., p. 146). Dessa forma, Dennis defende que o racismo estrutural é a perspectiva relacional e totalizante sobre racismo, onde é possível observar o profundo vínculo que as relações raciais possuem com os fundamentos da estrutura da sociedade capitalista.
  • 2
    Importante ressaltar que ainda não há na teoria uma unanimidade sobre a ontologia do racismo. A perspectiva sistêmica afirma a primazia dessa dimensão e conclui que o racismo do cotidiano e das instituições sociais são meras manifestações desse elemento estrutural (ALMEIDA, 2019ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019., p. 21). Por outro lado, Campos (2017)CAMPOS, Luiz Augusto. Racismo em três dimensões: uma abordagem realista-crítica. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, vol. 32, n° 95, p. 1-19, 2017. traz, por exemplo, um relevante contraponto ao rebater tal predominância do elemento sistêmico e defender uma dimensão tripartite do racismo. Baseado no realismo crítico de Roy Bhaskar, Campos afirma que o racismo se manifesta no campo das práticas, da ideologia e da estrutura, não sendo possível apontar para uma primazia sobre essas três dimensões.
  • 3
    O termo aqui proposto de “Antirracismo Jurídico” se refere às tentativas teóricas de propor o direito como ferramenta política para o combate ao racismo. Optamos por esse termo ao invés de “Direito Antirracista”, esse sim preferido pela literatura, pois entendemos que Direito Antirracista intui uma autonomia indesejada, como se houvesse uma disciplina independente no campo jurídico que tratasse do antirracismo.
  • 4
    Utiliza-se o termo teoria crítica antirracista do direito para evitar confusões em relação à “teoria crítica racial do direito” (Silva, 2019SILVA, Allyne Andrade e. Uma teoria crítica racial do Direito Brasileiro: Aportes teóricos e metodológicos sobre direito e raça. Tese (Doutorado – Programa de Pós-Graduação em Direito Civil) Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 2019.) ou à “teoria crítica da raça” (TCR), que, por sua vez, se remete à corrente crítica norte-americana denominada “critical race theory” (CRT). A perspectiva aqui adotada se apoia na crítica marxista ao direito e no crivo do giro descolonial, bases epistemológicas diversas das empregadas pelas concepções citadas.
  • 5
    Ressalta-se que o presente trabalho não tem a intenção de esgotar o tema. Tendo em vista que o artigo corresponde a uma introdução ao direito insurgente negro, serão sinalizadas apenas as referências entendidas como mais pertinentes para a apresentação dessa categoria. Uma revisão bibliográfica mais completa exigiria maior fôlego da pesquisa e fugiria da proposição de um artigo introdutório.
  • 6
    Ver, também, a interessante interpretação de Mariana Trotta Dallalana Quintans (2015)QUINTANS, Mariana Trotta Dallalana. Classe, raça e gênero na luta por direitos do movimento negro. InSURgência: revista de direitos e movimentos sociais. Brasília: PPGDH/UnB; IPDMS, vol. 1 n. 1, jan./jun de 2015, p. 72-100. sobre a luta por direitos do movimento negro, inclusive na constituinte brasileira, especialmente pelo movimento quilombola.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Abr 2022
  • Aceito
    21 Jul 2022
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