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Da resistência ao ajuste: o trabalhador na década de 1930

Resistance and adjustment: the worker in the 1930s

Resumo

A história de um processo pode indicar transformações sociais, jurídicas, econômicas e políticas. O caso em análise representa uma reclamação trabalhista promovida por trabalhadores de uma mina de carvão que questionava o descumprimento da recém legislação social promulgada pelo governo provisório de Getúlio Vargas. No bojo deste dilema, muitas estratégias e ações foram utilizadas pelas partes em conflito, tanto para se adequar quanto resistir às regras constitucionais junto ao Conselho Nacional do Trabalho. Diante de incertezas e debilidades, com a microhistória identificam-se relações entre justiça, trabalhadores e empregados que se forjavam em novos “locais de direitos” naquele período.

Palavras-chave:
Legislação social; Conflito trabalhista; Conselho nacional do trabalho

Abstract

The story of one process may indicate social, legal, economic and politics transformations. The present case is a labor claim promoted by workers at one coal mine in 1930s that questioned the failure of new social legislation enacted by the provisional government of Getulio Vargas. In the middle of this dilemma, many strategies and actions were used by the parties, both to suit to as to resist to the constitutional rules with the National Labour Council. Given the uncertainties and weaknesses, with the microhistory method, we can identify relationchips between justice, workers and employees, that forged into new “places of rights” in that period of time.

Keywords:
Social legislation; Labor dispute; National labour council

Introdução

Nos últimos anos, o governo brasileiro anunciou uma série de medidas que atingiriam diretamente os interesses de inúmeros contribuintes que buscassem benefícios previdenciários: pensão por morte, auxílio-doença, abono salarial, seguro-desemprego e seguro-defeso foram as primeiras alterações que comporiam o chamado “pacote de ajuste fiscal”.

Desde então, longas análises foram produzidas, ora questionando as ações, ora defendo-as. Muitos brasileiros se reorganizaram, ajustaram e buscaram alternativas frente às novas mudanças. Medidas como essas retratam um presente que pode ser compreendido tanto pela perspectiva do futuro quanto pela do passado. O retorno ao passado pode ser bem sugestivo para as questões do presente. A legislação trabalhista e previdenciária impacta diretamente sobre a vida de trabalhadores e empregadores.

O problema enfrentado nesses últimos anos, guardada suas devidas proporções, é muito semelhante a outras experiências já retratadas pelo Brasil, como exemplo, as que abalizaram a transição da 1a República para o período chamado Era Vargas. Esse período marcou mudanças profundas no mundo do trabalho. A alteração de um modelo agrário-exportador para um industrial, por exemplo, trouxe à tona inovações técnicas e modernização que se projetaram por longo tempo.

Essas transformações geraram consequências importantes para a repactuação de estratégias e interesses que se formalizaram desde os movimentos reformistas conduzidos por Getúlio Vargas até a Constituição de 1934. Às rupturas próprias desse período, associa-se uma série de modificações ocorridas nas relações desenvolvidas pela política e pelo direito. No entanto, ainda são comuns afirmações genéricas sobre os eventos políticos que se sucederam desde a Revolução de 1930, incapazes de compreender as iniciativas autônomas que se formaram progressivamente por racionalidades próprias e não necessariamente ancoradas nos interesses do governo provisório. Iniciativas estas que influenciaram a forma como as legislações sociais foram recepcionadas por empregadores e empregados, colocando em evidência as alternativas, as resistências e os avanços que a condição de cidadania reinaugurava com a Constituição de 1934.

A regulação do trabalho, logo após a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), em 1930, pode ser aqui mencionada, principalmente, ao se verificar que os conflitos relacionados à ideia de novos direitos misturavam-se em uma realidade concreta que não permitia a construção de um modelo claro ou inequívoco. De tal modo que as organizações dos trabalhadores, sobretudo após a reforma sindical de 1931, ainda podiam ser associadas a modelos antagônicos: i) corporativista e não combativo, ou seja, submisso aos patrões e aliados do MTIC; e ii) independente ou de oposição, vinculado aos movimentos comunistas, anarquistas ou socialistas. Fato é que, durante muito tempo, esses modelos tiveram um peso significativo no debate historiográfico. Mas quais eram os impulsos do direito para a regularização das relações de trabalho?

Este trabalho analisa, a partir de um caso concreto ocorrido em 1934, como a tensão decorrente dos novos direitos do trabalho teve impacto nas estruturas da relação de trabalho e, concomitantemente, registra a reação e atuação dos trabalhadores diante das novas regras constitucionais, sob a perspectiva da história do direito. As transformações do mundo do trabalho pela via judicial ou administrativa não ocorreram pacificamente. Identificar esses movimentos é importante para que seja possível produzir narrativas que reconstruam episódios relevantes da história dos direitos sociais no Brasil.

De certo modo, esse objetivo ganhou corpo no processo de desenvolvimento da pesquisa, a partir do realce que as contradições e os conflitos observados naquela situação apresentaram. Na composição entre capital e trabalho, verificou-se o desdobramento do conflito trabalhista em outros níveis de equilíbrio, permitindo a assunção de novos “lugares de direito” e, com isso, de situações imprevisíveis.

Selecionado em um fundo de arquivo do Conselho Nacional do Trabalho (CNT), o objeto de análise consiste da reclamação trabalhista nº 9.582/1934, promovida por Domingos Mantilha e outros seis trabalhadores, representados pelo Sindicato dos Mineiros de Arroio dos Ratos1 1 Para maiores informações sobre a cidade e o sindicato de Arroio dos Ratos ou a história dos mineiros na região ver: Bunse (1984), Cioccari (2004), Eckert (1985), Klovan (2014), Simch (1961) e Sulzbach (1989). (SMAR), contra a Companhia Estrada de Ferro e Minas de São Jerônimo (CEFMSJ), em agosto de 1934. O caso relata uma situação não incomum nas minas de carvão do país: o conflito entre empregados e patrões para o cumprimento da legislação social produzida nos últimos anos da Primeira República e início da década de 1930. A principal legislação para ferroviários e mineiros2 2 Aos mineiros, a estabilidade decenal seria estendida apenas em 1932. No entanto, desde 1926, a condição de ferroviários envolvia um conceito amplo, abrangendo todos os empregados que exerciam suas funções ligados diretamente ou não às estradas de ferro. foi demarcada pela introdução da Lei Elói Chaves, de 1923 (e suas alterações, em 1926, 1931 e 1932). Ao estabelecer a obrigatoriedade de Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs), a legislação incluiu também a garantia de estabilidade decenal aos empregados que comprovassem tempo de serviço mínimo de dez anos dedicados a uma mesma empresa. A estabilidade, desse modo, oferecia garantia de manutenção do vínculo empregatício do trabalhador, tornando a possibilidade de demissão mais restrita aos casos de falta grave, apurados em inquérito administrativo.

A reclamação trabalhista relatava a demissão sem justa causa de trabalhadores estáveis e não estáveis, com pedido de reintegração aos seus ofícios. A primeira manifestação da CEFMSJ informava que a substituição dos trabalhadores ocorrera por abandono de emprego, configurada com a expulsão dos mineiros pela polícia local, após denúncia de estarem tramando uma greve geral nas minas em março de 1934 – sendo considerados, então, indesejáveis.

Os fatos que legitimaram as demissões dos empregados têm origem em um possível movimento de greve. Desde o início da Assembleia Nacional Constituinte, em novembro de 1933, o direito à greve estava em disputa na arena política. O conceito “greve dos trabalhadores” foi utilizado sob muitas perspectivas.

A forma como o processo se desenvolveu, atrelado ainda à configuração das defesas apresentadas, refletia, na verdade, o uso de uma racionalidade seletiva e limitada, cuidadosamente construída para não expor as realidades mais ameaçadoras do mundo do trabalho em conflito com a lei, mas de grande referência para a história do direito constitucional brasileiro. Os acontecimentos locais (em que foram presenciados os conflitos entre polícia, mineiros e companhia) – por mais que representassem uma prática, possivelmente, reiterada da companhia empregadora – estavam interligados a fatos econômicos e políticos que fugiram do controle da companhia.3 3 A reclamação trabalhista, possivelmente, era uma das primeiras que não foram resolvidas por intermédio do inspetor do MTIC, em Porto Alegre e, ao ultrapassar esse filtro, chegou ao CNT em um momento de grandes redefinições na política e no direito com o retorno da nova ordem constitucional. Nesse contexto, surgem problemas interessantes para a reflexão acerca da história do direito em momentos de aplicação do direito.

O que emergia desses conflitos não era apenas uma resistência ou crise no sistema punitivo local, mas a presença de alternativas, de possibilidades históricas que, ao serem ritualizadas mediante o processo, permitiam o registro dos limites e avanços de uma comunidade de trabalhadores que passava a ser mediada pelo direito de maneira inédita.

O processo em análise teve curso há mais de 80 anos. O passado já não pode ser acessado diretamente. O uso da metodologia da micro-história foi importante para o desenvolvimento da pesquisa. Ao reduzir o nível na escala de observação, com o tratamento intensivo das fontes, dentro da perspectiva do paradigma indiciário (GINZBURG, 2007GINZBURG, Carlo. O fio e os rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.), possibilitou trazer à tona elementos constantes e regras individuais que demonstraram uma circularidade temática que colocava em evidência as tensões entre exercício, reconhecimento e proteção de direitos no mundo do trabalho. O destaque desta pesquisa será o contexto da Companhia Estrada de Ferro e Minas de São Jerônimo e como seu sistema de vigilância e controle sobre a mão de obra resistia aos novos direitos sociais em vigor.

À margem do caso Domingos Mantilha e outros, o conjunto de vestígios, fragmentos de verdade, representações do real, provas documentais e testemunhos levantados pela pesquisa produziu um impacto significativo sobre algumas premissas em que se assentava a investigação. A reconstituição do vivido, a começar pela redução na escala de observação proporcionada pelo universo restrito do processo, permitiu traçar um programa de pesquisa que viabilizou a revogação de algumas certezas. E, a partir das estratégias sindicais, de trabalhadores, empregadores e dos tribunais (ou órgãos administrativos, como o CNT), foi possível demonstrar o longo processo de elaboração e redefinição de espaços institucionais que direito e política reproduziram em um determinado momento constitucional. Desse modo, o processo em apreciação inseriu-se em um universo de novas experiências, em que as inovações da política social, a redefinição de espaços jurídicos e a reorientação do sistema produtivo e econômico assentavam-se em bases diversas e inéditas na configuração nacional promovida desde a Revolução de 1930.4 4 Sobre a revolução de 1930, ver Fausto (1987), Silva (1966), Gomes (1990) e Ferreira e Sá Pinto (2003).

O trabalho está subdividido em duas seções. Na primeira, há uma transcrição do caso a partir das fontes primárias consultadas. Na segunda, busca-se analisar o caso a partir das reações e ajustes promovidos pelos empregados e empregadores frente às novas regras do direito do trabalho que passavam a ser constitucionalizadas com a Constituição Federal de 1934.

1. Os mineiros e a reclamação trabalhista no Conselho Nacional do Trabalho

Nos primeiros dias do mês de setembro de 1934, chegava ao Conselho Nacional do Trabalho5 5 O CNT foi criado em 1923 para ser o principal órgão administrativo do governo federal para assuntos trabalhistas e previdenciários. Desde o início do governo Vargas, o CNT vinculou-se à pasta do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e, a partir de 1934, passou a exercer atividades judicantes frente conflitos trabalhistas, ao lado das juntas de conciliação e julgamento de dissídios coletivos e individuais. Em 1939, o CNT se tornou instância recursal das juntas. Com a instalação da Justiça do Trabalho em 1941, o CNT transformou-se em Tribunal Superior do Trabalho, sendo incorporado, a partir de 1946, ao poder judiciário federal. (CNT) uma reclamação trabalhista da 11a Inspetoria do CNT em Porto Alegre/RS. Tratava-se do processo dos mineiros Domingos Mantilha, Liberalino Machado de Lima (ou Januário Machado de Lima), Raphael Mezza, Antônio Nunes das Pedras, Adalberto Azambuja dos Santos, João Keenan e Thomaz Gonçalves da Silva6 6 As primeiras petições no processo indicavam apenas o nome de Thomaz Gonçalves. A partir de 1935, a referência a Thomaz Gonçalves da Silva tornou-se comum. contra a Companhia Estrada de Ferro e Minas de São Jerônimo (CEFMSJ).

O caso se originou em uma das instalações da CEFMSJ, no distrito de Arroio dos Ratos, município de São Jerônimo/RS. A primeira manifestação oficial da empresa ocorreu em 22 de agosto de 1934. Produzida em lauda única, esclarecia que os empregados Liberalino, Raphael, Antônio e Adalberto foram expulsos das minas de carvão pelas autoridades policiais em março de 1934, “como indesejáveis, motivo por que nossa Companhia os considerou demitidos por abandono de emprego”.7 7 Fl. 03 do processo nº 9.582/1934. O empregado Domingos foi transferido para lugar diverso de sua ocupação, por conveniência do serviço e “com igual ordenado, deixou de se apresentar no serviço que lhe fora destinado”. Os empregados João e Thomaz teriam deixado de comparecer ao serviço “por sua livre vontade”, o primeiro, em 1929 e o segundo, em dezembro de 1933, sem darem nenhuma satisfação.

Na sequência, seguia o processo na íntegra, com petição inicial8 8 Fls. 05 e ss. do processo nº 9.582/1934. e provas documentais dos empregados reclamantes, todos representados pelo advogado do Sindicato dos Mineiros de Arroio dos Ratos (SMAR).9 9 O sindicato dos Mineiros de Arroio dos Ratos foi criado em 1º de janeiro de 1933 e reconhecido pelo MTIC em junho do mesmo ano. Dos sete reclamantes, apenas Antônio e Adalberto, segundo dados da petição, possuíam pouco mais de sete anos de vínculo empregatício. Os demais eram empregados estáveis, com tempo superior a dez anos de vínculo empregatício na categoria de mineiros.

Na petição inicial, os empregados narravam que as demissões foram injustas, visto não terem cometido faltas graves que justificassem a reação da empresa e em função da violação dos procedimentos legais para demissão,10 10 O Decreto nº 22.096, de 16 de novembro de 1932, estendeu aos serviços de mineração o regime das Caixas de Aposentadoria e Pensão e outros dispositivos de proteção social e previdenciária aos trabalhadores (Decreto nº 20.465, de 1º de outubro de 1931, alterado em 24 de fevereiro de 1932). presentes no art. 53, do Decreto nº 20.465, de 1º de outubro de 1931, que exigia a instauração de inquérito administrativo para apurar a existência de falta grave de empregados com mais de dez anos prestados a uma mesma empresa. Embora reconhecessem que Antônio e Adalberto poderiam ser demitidos sem ofensa a dispositivos de leis por não serem estáveis, “a injustiça de tal ato não deixa de ser chocante, para qualquer pessoa, que se preze de ter um pouco de sentimento de justiça para com o seu semelhante”. Buscando a reintegração dos trabalhadores, o sindicato requereu a intervenção do Ministério do Trabalho.

Com a ausência de inquérito administrativo, os trabalhadores promoveram uma ação de justificação judicial,11 11 No processo nº 9.582/1934, a justificação judicial pode ser encontrada entre as fls. 06-23. em 18 de junho de 1934, no juízo distrital de São Jerônimo/RS com o objetivo de comprovar, mediante testemunhos, que eram estáveis e não haviam cometido falta grave que justificassem as demissões.

Designado o conselheiro Manoel Tibúrcio da Silva12 12 Foi conselheiro do CNT, representante dos empregados. Tomou posse em 21 de setembro de 1934 e exonerou-se em 22 de dezembro de 1938 (Fonte: registro Fundo CNT-TST, Brasília/DF). --- (BRASIL, 1934) como relator do processo pelo presidente do CNT,13 13 Fl. 37 do processo nº 9.582/1934. a reclamação foi apreciada na 6a sessão da 2a Câmara do CNT, em 16 de novembro de 1934. Estavam presentes os conselheiros Francisco Barbosa Rezende14 14 Barbosa Rezende presidiu o CNT na maior parte do processo trabalhista que subsidia esta pesquisa. Para mais detalhes, ver Brasil (1975, p. 63-64). (presidente do conselho), Irineu Malagueta15 15 Tomou posse no CNT em 21 de setembro de 1934, atuando como técnico. Exonerou-se em 16 de agosto de 1939 (Fonte: registro Fundo CNT-TST, Brasília/DF). , Gualter José Ferreira16 16 Tomou posse no CNT em 21 de setembro de 1934, exonerando-se em 22 de dezembro de 1938. Nos livros de assentos, não há registro acerca de quais forças sociais representava (Fonte: registro Fundo CNT-TST, Brasília/DF). e o relator. Iniciada a sessão, o relator informou aos demais membros que o processo em apreço deveria ser um inquérito administrativo. Acrescentou, em seu relato, que eram

[...] empregados que foram dispensados pela empresa e recorreram então ao juiz distrital, apresentando testemunhas que atestaram terem alguns mais de 10 anos de serviço. A empresa não se fez representar. Também não teria, tanto é verdade que procurava o Inspetor Regional deste Conselho. O inspetor notificou a empresa sobre o inquérito e a empresa mandou simplesmente um memorando que vou ler, para mostrar o menosprezo da empresa: (lido).17 17 O memorando em referência é o ofício de fl. 3, encaminhado pela empresa ao inspetor do CNT, oferecendo informações sobre as demissões dos reclamantes, reproduzido anteriormente. A empresa nem sequer quis provar o que alegou. Podia juntar certidão da autoridade estadual. Ainda diz mais: (lido). Temos aqui 4 com mais de 10 anos de serviço, sendo um com 40 anos. Agora eu pergunto se a empresa andou certa não fazendo inquérito administrativo, como era de obrigação? Se os empregados foram demitidos como mau elemento, nada mais fácil que provar no inquérito administrativo. Entretanto, a empresa não cogitou, não a interessava, o que para mim importa como má-fé. Aqui estão os depoimentos das testemunhas que declaram como companheiro há mais de 10 anos, não haver falta nenhuma, nem ainda terem ouvido sequer falar mal dos companheiros. A procuradoria dá o seguinte parecer: (lido).18 18 A sessão de julgamento encontra-se disponível para acesso no Fundo CNT, setor Notas Taquigráficas (1932-1946). A recuperação das discussões encontra-se registrada na 6a sessão da 2a Câmara do CNT, realizada em 16 de novembro de 1934, p. 1-2.

Após a apresentação do parecer da procuradoria, que pugnava pela conversão do julgamento em diligência, iniciaram-se as discussões entre os membros do conselho. O voto do relator, em discordância com a procuradoria, era para que todos os empregados estáveis fossem reintegrados, “tanto mais havendo o erro da empresa por não ter feito inquérito administrativo e por ter feito o memorando”, destacava Manoel Tibúrcio.

Em entendimento diverso, o conselheiro Gualter Ferreira informara que

[...] não teria dúvida em concordar com o relator se nisto tivesse sido citada a empresa. É uma situação muito difícil para nós; pode até afetar nosso prestígio. Por isso que acho também que é caso de converter o julgamento em diligência, como opina a Procuradoria para que ela mande o inquérito administrativo, que ela tenha feito. A diligência deve ser para que a empresa mande o inquérito administrativo procedido, e até dê ofício desta gente. Aí é que vamos conhecer o tempo de serviço de cada um.19 19 Sessão de julgamento, p. 2.

Com a matéria em debate, o conselheiro Irineu Malagueta também acompanhou a opinião de Gualter Ferreira, tendo o relator destacado que já compreendia que seu voto não seria acompanhado pelos demais membros, que provavelmente acompanhariam a procuradoria, “mas, por uma convicção proletária minha, eu acho que a empresa errou, e como errou de início foi até o fim. De modo que o meu voto tem que ser assim, julgando procedente a reclamação”.20 20 Sessão de julgamento, p. 2. Diante do resultado, por dois votos contra um, o conselho converteu o julgamento em diligência para que a empresa enviasse o inquérito administrativo, folha de antecedentes e tempo de serviço dos operários.

Em 11 de dezembro de 1934, a CEFMSJ apresentou uma petição21 21 Fls. 40 e ss. do processo nº 9.582/1934. em que buscava embargar a decisão que converteu o julgamento em diligência. Amparada por opinião jurídica do consultor da empresa, o delegado diretor da companhia apresentou novos argumentos, indicando a impossibilidade de enviar o inquérito administrativo para apurar falta grave por entender que tal medida somente se aplicaria a empresas que tivessem demitido empregados estáveis, conforme nova disposição do art. 2o do Decreto nº 22.096, de 16 de novembro de 1932.22 22 O decreto estendia aos serviços de mineração, em geral, as disposições do Decreto nº 20.465, de 1 de outubro de 1931, com as modificações constantes do de nº 21.081 de 24 de fevereiro de 1932, prevendo as CAPs e a estabilidade decenal aos empregados. Para a empresa, o afastamento dos trabalhadores não ocorreu pela demissão, mas, sim, pela prisão efetuada pela polícia, o que, em seu entendimento, não ensejava a obrigação de instaurar inquérito administrativo. Sobre o assunto, a empresa manifestava que:

De fato, nenhuma demissão foi lavrada ou dada aos reclamantes por esta empresa, tendo eles em sua maior parte, sido privados de trabalhar pela polícia local, em consequência de prisão por ela efetuada, devido à denúncia recebida de estarem tramando uma greve geral entre os mineiros, denúncia, aliás, a que a Direção desta empresa foi completamente estranha. Afastados, assim, do serviço, por motivo, não de demissão, que não houve, mas de prisão efetuada pela polícia, é claro que a nenhum inquérito administrativo estava obrigada a empresa a qual, diante do inopinado afastamento, forçado, dos reclamantes, não podia deixar de logo dar-lhes substituto, conforme fez, em legítimo resguardo dos interesses da mesma que lhe incumbe precipuamente zelar.23 23 Fl. 40 do processo nº 9.582/1934.

Em decorrência desse argumento, caracterizando o “abandono de emprego forçado”, a companhia pretendeu contornar eventuais prejuízos causados aos reclamantes utilizando o disposto no art. 171 da nova Constituição, em vigor desde 16 de julho de 1934, que previa ser de responsabilidade do funcionário público indenizar, em solidariedade com o Estado e municípios, situações que, por negligência, omissão ou abuso no exercício de seus cargos,24 24 No original, a empresa grifou o termo. viessem a causar prejuízos a terceiros. Ao utilizar esse dispositivo, a companhia pretendia afirmar que, uma vez comprovada posteriormente a “injustiça da prisão”, o responsável direto pelos prejuízos causados, decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício de suas funções deveria ser acionado judicialmente – nesse caso, a polícia e não a empresa, cuja obrigação de readmitir os empregados e pagar-lhes salários não procederia, visto não ter contribuído para a privação a que foram sujeitos. Assim, a empresa utilizava o argumento da culpa de terceiro como exclusão de eventual responsabilidade para ressarcir os prejuízos causados aos empregados. Remetendo, novamente, aos dispositivos da Constituição de 1934, a empresa afirmava que essa obrigação só seria possível se houvesse lei que determinasse tal ressarcimento, pois conforme o art. 113, parágrafo 2o da Constituição, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo se não em virtude de lei”.

Assim, argumentava que, naquele caso, por não se tratar de demissão dada pela empresa, mas de impedimento dos operários para comparecerem ao serviço por motivo de prisão efetuada pela polícia, a responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos pesaria contra a autoridade policial, inquestionavelmente prevista no art. 1.550 do Código Civil de 1916, que preceituava que “a indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e no de uma soma calculada nos termos do parágrafo único do art. 1.547”.

Acompanhando a manifestação, a empresa apresentou um ofício da Inspetoria Regional do MTIC, no qual constatava que o inspetor Ernani de Oliveira, em atendimento ao SMAR, acompanhou as causas que teriam determinado a prisão e demissão dos operários Raphael Mezza, Adalberto Azambuja dos Santos, Ricardo Pavio, João Herrera, Liberalino Machado, Antônio das Pedras e José Francisco. No ofício, Ernani de Oliveira destacava que a Chefatura de Polícia do Estado informou-lhe que esses operários foram denunciados à polícia como comunistas e promotores de um movimento grevista entre o pessoal de mineração. Todavia, após rigorosa sindicância promovida pelo 3o delegado auxiliar da capital, concluiu-se que as imputações eram destituídas de fundamento. O ofício indicava, por fim, um pedido do inspetor à direção da empresa: “afigura-se-me, assim, ato de boa justiça a readmissão desses operários, tão rudemente atingidos por infundada e aleivosa imputação. Acredito que diverso não será o vosso juízo, o que me autoriza a confiar nessa reparação”.

Em 5 de fevereiro de 1935, a procuradoria apresentou novo parecer sobre o caso Domingos Mantilha e outros. Refutando os argumentos da empresa, compreendeu que “desde que forçado pela polícia, deixava de se caracterizar o abandono de emprego pelos reclamantes e ainda apurada a improcedência da denúncia, cabia à companhia readmiti-los em seu serviço, uma vez que não se verificavam as hipóteses do art. 53 dos decretos n. 20.465 e 21.081”.25 25 Fl. 46 do processo nº 9.582/1934. Os decretos em referência se interconectam com as razões que permitiriam o reconhecimento da falta grave. Ao reiterar, novamente, o pedido de envio dos novos certificados de tempo de serviço dos demais reclamantes, a procuradoria também contestou o entendimento da empresa sobre responsabilidade indenizatória, apontando que “seria estranho que o Poder Público ficasse tolhido em sua ação preventiva por indenizações dessa natureza”; esclareceu, ainda, que as indenizações previstas no Código Civil brasileiro, especificamente, no art. 1.550, referiam-se a constrangimento da liberdade causado pelas pessoas naturais e jurídicas de natureza civil, ausente no caso em tela.

O acórdão26 26 Os acórdãos eram redigidos por funcionários auxiliares da secretaria do CNT. À fl. 52, há informação de que este acórdão foi redigido por Bergamine de Abreu, em 14 de maio de 1935. proferido rejeitou a manifestação da empresa. Em agosto do mesmo ano, a companhia apresentou ao CNT os certificados de tempo de serviço dos operários.27 27 Fls. 56-63 do processo nº 9.582/1934. As certidões eram de 13 de julho de 1935. Após trocas de ofícios entre o CNT e o sindicato, somente em 16 de abril de 1936 houve nova manifestação nos autos, quando o sindicato reagiu às informações da companhia sobre as certificações de tempo de serviços, passando a questioná-las, inclusive, com a apresentação de outras declarações de tempo de serviço emitidas pela própria companhia.28 28 O sindicato apresentou uma justificativa judicial em busca da comprovação de que Liberalino e Januário eram a mesma pessoa, com vinculação de tempo de serviço superior a dez anos. No entanto, a justificação foi desentranhada do processo, sem cópia nos autos.

O sindicato também se manifestou sobre documento fornecido pelo delegado de polícia, apontando que o comparecimento dos operários junto à delegacia não foi espontâneo, pois foram forçados diante das acusações que haviam surgido. Acrescentou, ainda, a própria informação da empresa, segundo a qual os operários foram expulsos das minas em razão de uma acusação que se verificou infundada.

A ação da polícia, bem como sua vinculação aos administradores da Estrada de Ferro e Minas, passou a ser questionada apenas a partir desse momento pelo sindicato: há uma acusação formal de que o delegado José Maria de Carvalho “era autoridade truculenta, perseguidor sistemático de operários a soldo das companhias de mineração”.

Em 19 de maio de 1936, a procuradoria lançou aos autos um parecer29 29 Fl. 92, verso, processo nº 9.852/1934. conclusivo para o deslinde do feito. Considerando as conclusões da empresa como ilógicas, o parecer apontou que a simples prisão pela polícia, mesmo sob efeito de processo de investigação instaurado perante a autoridade policial, não era suficiente para confirmação de falta grave, uma vez que esta deveria ser provada em inquérito administrativo, nos termos do art. 53 do Decreto nº 20.465, de 1] de outubro de 1931, cumulado com o Decreto nº 22.096, de 16 de novembro de 1932. O acórdão30 30 Fls. 96-99, processo nº 9.582/1934. produzido pelos membros da 3a Câmara31 31 Não há no fundo CNT registro das notas taquigráficas desta sessão, impossibilitando, novamente, acesso aos debates dos conselheiros no julgamento. relatou as duas decisões anteriores do conselho e sustentou que “à vista dos elementos constantes dos autos, fica[va] evidenciado que os empregados reclamantes, por terem tramado uma greve geral entre os mineiros, foram expulsos do serviço da mina pela polícia, que os prendeu para averiguação e processo criminal posterior”. Ao considerar improcedente a argumentação da CEFMSJ de que não lhe cabia promover inquérito administrativo devido à prisão efetuada pela polícia, e por se tratar de prisão que não resultou em condenação criminal, o CNT entendeu que era dever da empresa proceder à abertura de inquérito para apurar falta grave eventualmente cometida por empregados estáveis. Nesses termos, o conselho determinou: i) o pagamento das indenizações que teriam direito Domingos; ii) a reintegração de Thomaz e Raphael, com pagamento de indenizações salariais pelo tempo que ficaram privados do trabalho; iii) a rejeição do pedido de Adalberto e Antônio, devido à ausência de provas do tempo de serviço superior a dez anos, necessários para configurar estabilidade profissional; iv) rejeição do pedido de Liberalino ou Januário, por serem imprecisas os documentos juntados aos autos para provar que se tratava da mesma pessoa, e mesmo se fosse acolhida, por não cumprir os dez anos de trabalho necessários para a estabilidade decenal; e v) em relação a João Keenan, a conversão do julgamento em diligência, na qual se exigia da empresa informações sobre a comprovação do tempo de serviço do empregado.

A 3a Câmara do CNT, durante sessão realizada em 6 de setembro de 1938,32 32 Fls. 154-155, no processo nº 9.582/1934. acolheu o pedido de João Keenan e determinou sua reintegração. A discussão dos membros do CNT nesse julgamento pode ser recuperada nas notas taquigráficas do arquivo. Informado sobre a decisão, em 29 de dezembro de 1938, o Cadem33 33 Consórcio Administrador de Empresas de Mineradoras. O consórcio incorporou a CEFMSJ em 1936. comunicou o falecimento de João Keenan, ocorrido em 14 de janeiro de 1938.

2. A resistência institucionalizada e a aplicação dos direitos trabalhistas no contexto da década de 1930

A Revolução de 1930, em alguns aspectos, representa uma reação a um modelo de esgotamento político que marcou grande parte da Primeira República. Na questão social, esse tema era bem evidente, principalmente, pela forma como esse tema foi incluído na agenda política do governo provisório.

Ao lado das constantes transformações na relação entre capital e trabalho, sob a batuta do recém-criado Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, a reforma da legislação sindical, em 1931, merece destaque. A abertura política para novos atores sociais e o intenso controle político sobre seus desdobramentos refletia a constante tensão que caracterizou as ações administrativas do governo provisório varguista. Temas como centralização ou descentralização política e econômica, representação classista no legislativo federal e regulamentação de direitos sociais, como o direito do trabalho, compõem o acervo de exemplos expressivos que ajudam compreender o período.34 34 Para maior aprofundamento, ver CABRAL, 2011.

O espaço de experiência produzido pela Primeira República, sobretudo pelas greves gerais em setores de relevância econômica para a produção nacional na década de 1910, colocava em destaque as atuações de comunistas, anarquistas e trabalhadores estrangeiros no foco da crise.35 35 A dissertação de mestrado de Maria Pia dos Santos Lima Guerra (2012) resgata algumas destas contradições utilizadas na primeira República, quando houve repressões à organização de trabalhadores e expulsão de estrangeiros, imigrantes e de brasileiros natos do país, considerados como indesejáveis. De certo modo, a legislação produzida refletiu não apenas esse ambiente mas também a forma como a transição do modelo agrário-exportador para o modelo industrial ocorreria quando o tema era o mundo do trabalho. Ao mesmo tempo que protegia o empregado sindicalizado que entrasse em divergência com o empregador, exigia do sindicato a abstenção de propaganda de ideologias consideradas sectárias, de caráter social, político ou religioso.

As tendências políticas observadas por Machado (1983)MACHADO, Carmém Lúcia Bezerra. O movimento operário sindical no Rio Grande do Sul de 1930 a 1937. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1983. em relação ao movimento operário sindical no Rio Grande do Sul podem ser justificadas diante do ajuste político e jurídico que marcou a expansão da organização do trabalho e dos sindicatos no governo provisório, principalmente, por corresponderem às alternativas da classe trabalhadora aos limites impostos pela legislação sindical de 1931. Nesse aspecto, a experiência do Rio Grande do Sul se destaca para a fundação do Sindicato dos Mineiros de Arroio dos Ratos.

A abertura política iniciada por Getúlio Vargas, após a Revolução de 1930, principalmente por sua ligação direta com o Rio Grande do Sul, onde foi presidente, ampliou as etapas do desenvolvimento gaúcho e, com isso, novos atores políticos e sociais passaram a disputar espaços e voz nas decisões políticas.36 36 Para maiores detalhes, ver ainda Konrad (2004) e Konrad (2006).

Entre as possíveis abordagens desses fatos, a condição do trabalho chama a atenção por duas razões: primeiro, por se constituir como força de trabalho que exerce influência direta na estrutura produtiva (economia) e, com isso, matizar a heterogeneidade de interesses que passam a ditar o tom do conflito entre capital e trabalho (social, política e jurídica); e segundo, por permitir o mapeamento de como as acomodações dos interesses da política (Estado) refletiam na forma de intervenção para a construção das narrativas de nacionalidade, nação e desenvolvimento que tiveram curso na década de 1930.

À margem desse fragmento, que alia conflitos e concertações na relação entre trabalho e capital, encontra-se outro elemento que pode ter sido marginalizado nas análises sobre a década de 1930 até então observadas. Trata-se da estratégia nacional para a proteção das fontes energéticas produzidas nas jazidas de minérios de carvão no país. Na década de 1930, especialmente na Assembleia Nacional Constituinte de 1933-1934, a construção dos aparatos que delimitavam a segurança e a defesa nacional das minas e jazidas de minérios era preponderante e, nesse sentido, não se pode ignorar o impacto que os conflitos trabalhistas promoviam nesse arranjo produtivo. A organização política e social da vila de Arroio dos Ratos indicava que, embora fosse considerada um distrito da intendência de São Jerônimo, sua administração era subordinada aos interesses da CEFMSJ. Separar até que ponto a companhia exercia autonomia política decisória passa a ser fundamental, principalmente, para se investigar a relação entre a companhia e a autoridade policial local.

O sistema vilas-fábricas atingiu seu apogeu após a formação do grupo Cadem, a partir de 1936. A interligação da CEFMSJ com a CCR trouxe à região um ciclo de desenvolvimento que agregava escolas, hospitais, lazer (clube, cinema) e igrejas, entre outros, com grandes semelhanças ao formato de pequenas cidades. A própria constituição da cidade de Arroio dos Ratos, a partir da década de 1960, época de sua emancipação, refletia esse período. Os relatos de Santos (1966)SANTOS, Adalberto Thimóteo. A legião dos condenados. São Jerônimo: [s.n.], 1966. e Speranza________. Os mineiros de carvão, seus patrões e as leis sobre trabalho: conflitos e estratégias durante a Segunda Guerra Mundial. Revista Brasileira de História (Online), São Paulo, v. 32, n. 64, p. 129-148, 2012. 37 37 Ver ainda Speranza (2013; 2012). A autora produziu múltiplas pesquisas sobre aos mineiros e a região carbonífera do Rio Grande do Sul no período de 1937 a 1954. (2012, p. 47) reforçam o argumento: “do cemitério à polícia, do armazém e cooperativa ao cinema, tudo dependia e/ou era controlado pelo Cadem”. No entanto, embora o Cadem tenha aprimorado esse sistema de controle, não se pode negar a existência de um mecanismo prévio de vigilância, que, articulado à propriedade privada da companhia, estabelecia outro ritmo à dinâmica de direitos.

A constatação inicial permite afirmar que, no espaço privado, o mecanismo de vigilância da companhia reproduzia um sistema de repressão típico do poder público. Na prática, essa substituição refletia uma estrutura que conferia direitos desiguais aos trabalhadores, solapando espaços, locais onde os direitos poderiam emergir. O sistema de vigilância e controle que a empresa estabelecia sobre os empregados da companhia desencadeava, outrossim, aquilo que poderia ser qualificado como “dialéticas de controle”.38 38 A referência é o trabalho de Giddens (2008) e aos comentários de José Maurício Domingues na apresentação da referida obra. À vigilância opõem-se formas específicas de concretização de direitos civis, políticos e sociais (ou econômicos). No espaço público-privado da mina, a estrutura de vigilância tem referência à ideia de ordem pública, pois era nesse âmbito que os direitos se circunscreviam. Como constantemente se argumenta em relação aos novos direitos, os limites e possibilidades, eram testados nesse espaço. Em toda a trajetória de exploração de carvão dessas minas, a preocupação com a ordem pública era um ponto em comum e, com isso, a ligação entre a companhia e a autoridade policial era sólida e muito anterior ao caso de 1934.

Nos fundos da CCR e da CEFMSJ foi possível encontrar alguns momentos em que os espaços público e privado – ou ainda, ordem pública e segurança privada – nas minas encontram-se em uma configuração híbrida, porém, importante para as constituições das empresas naquela região. O domínio do privado assentava-se em um panorama superdimensionado e, com isso, uma nítida assimetria entre a relação público-privado era observada, principalmente quando suas relações se camuflavam com a roupagem dos contratos. Em 17 de fevereiro de 1921, o engenheiro-chefe da CCR, Roberval Medeiros, encaminhou ofício ao intendente de São Jerônimo com o seguinte pedido:

Tendo estas minas entrado em fase de rápido desenvolvimento, tornou-se bastante numerosa a população proletária que trabalha em nossos serviços; se bem que, em geral, o pessoal seja composto de elementos ordeiros, vai-se tornando necessária a criação, no quadro da mina, de uma seção de polícia, exclusivamente encarregada desse serviço, sendo, portanto, indispensável que o mesmo seja feito por pessoal da Polícia Municipal (FUNDO CCR, Caixa 01, Maço 02).

Em 22 de fevereiro de 1921, o cel. João Rodrigues de Carvalho, intendente de São Jerônimo, informou que estava disposto a conceder a abertura da seção policial visando regularizar o controle no quadro das minas de Butiá desde que diretor da CCR, Jaime Leal Costa, aceitasse os termos de um convênio.39 39 O convênio foi registrado no livro de Contratos, fls. 73, da Intendência Municipal de São Jerônimo, em 2 de março de 1921. Com o acesso ao convênio, foi possível desvendar as características do acordo entre o poder público e a direção da companhia.

Na primeira cláusula, ficou determinado que o policiamento das minas do Butiá ficaria subordinado à direção, fiscalização e determinação geral do intendente do município, contudo, o destacamento policial composto por um chefe de seção e dois praças, prestariam imediata e direta obediência ao superintendente da companhia ou seu preposto.

A atuação do destacamento policial vinculava-se apenas ao território do “quadro das minas”, em relação aos atos ou fatos concernentes ao regular e legal policiamento e respectivos serviços. Entre as prerrogativas do chefe de seção estava o dever de compartilhar instruções que julgasse conveniente ao superintendente da mina, a fim de promover o bom e eficaz policiamento. O chefe de seção era subordinado ao subintendente das minas de Butiá apenas nos casos puramente policiais. Com a limitação hierárquica de se subordinar ao subintendente apenas em situações policiais, chama a atenção o papel a ser desenvolvido pelos policiais no interesse dos diretores da companhia.

Com exceção do armamento, todas as despesas da força policial eram custeadas pela companhia. Os pagamentos dos salários, combinados na cifra de Rs 169$000 (cento e sessenta e nove mil réis) mensais ao chefe da seção e Rs 93$000 (noventa e três mil réis) a cada um dos praças seriam pagos pela companhia no início de cada mês. No entanto, não haveria pagamento direto entre a companhia e os policiais: a empresa deveria encaminhar os salários para a tesouraria da intendência antes de cada mês, a fim de que fossem incluídos na folha de pagamento municipal. Até os fardamentos seriam custeados pela companhia, muito embora coubesse à intendência fornecê-los. A par dessas despesas, a companhia se responsabilizaria, ainda, a fornecer casa para o posto policial e residências aos praças, assumindo toda a responsabilidade com as despesas.

O convênio em si não era excepcional e retratava as relações cotidianas entre os interesses privados da companhia e os interesses públicos do município. Naturalmente, o funcionamento desse sistema não apenas estimulava a fluidez entre os espaços público e privado, mas também representava a forma pela qual a companhia conseguia neutralizar interesses que se demonstrassem contrários à “ordem pública dentro da mina”.

Em outras palavras, é possível identificar que o termo ordem pública poderia ter assumido uma conotação diversa da já complexa definição de ordem pública assumida em contextos mais amplos, como os das cidades. Isso porque os movimentos que a ameaçavam eram encarados como prejudiciais à organização do trabalho. Na medida em que desavenças provocadas pelo uso de bebidas alcóolicas, furtos, roubos, bigamia e violências de todo tipo impactassem no trabalho das minas, a polícia se faria presente para cessar a desordem. Mas, à época, essas situações seriam naturalmente relacionadas à atividade policial. Assim, o que instiga nesse enredo é compreender até que ponto a companhia fazia uso do aparato policial para repelir ações dos empregados relacionadas às condições de trabalho nas minas.

Os relatos disponíveis sobre as atividades dos mineiros, inclusive em Arroio dos Ratos, apontavam que a companhia utilizava os policiais como verdadeiros fiscais da relação de trabalho, desviando, desse modo, de sua competência originária. As atividades dos policiais não estavam vinculadas apenas à manutenção da segurança pública, mas também à atuação como agentes infiltrados no convívio social dos mineiros, para conseguir informações que pudessem ajudar a controlar as opiniões dos mineiros, bem como os bens materiais da companhia.

Adalberto Thimóteo dos Santos (1966)SANTOS, Adalberto Thimóteo. A legião dos condenados. São Jerônimo: [s.n.], 1966., por exemplo, relatou situações em que as opiniões dos mineiros, por vezes contrárias à empresa ou seus diretores, chegaram ao conhecimento dos superintendentes da companhia após terem sido obtidas pelos policiais. O resultado era a violência e consequente expulsão dos trabalhadores das minas.

Nos autos da reclamação, essa prática também foi denunciada, quando Pedro Logue Sobrinho e o próprio Adalberto Thimóteo dos Santos declararam conhecer Liberalino, que foi despedido por intrigas de um tal Cathalã, que andou nas minas como operário, mas que depois, soube-se ser um “secreta da polícia”.40 40 Fl. 31 do processo nº 9.582/1934.

Opiniões divergentes, movimentos de contestação ou reclamações por melhores condições de trabalho e cumprimento da lei eram recebidas como atos de insubordinação e, não raramente, eram criminalizadas, com consequências aos trabalhadores. A insubordinação estava capitulada como falta grave, que autorizava a demissão dos empregados estáveis, isto é, com mais de dez anos na mesma categoria, desde que mediante a instauração de inquérito administrativo. A criminalização, por sua vez, não atentava apenas contra a ordem pública redefinida pelos interesses da mineradora, mas tinha um alcance muito mais abrangente.

Entretanto, a condição de cidadania conferida pelo trabalho era considerada superior às consequências de uma prisão dos mineiros. Desde as reformas trabalhistas produzidas por Getúlio Vargas, o status de cidadania estava vinculado à condição de trabalhador e, com isso, um novo panorama de efeitos e consequências vieram à tona. O processo de Domingos Mantilha e outros funcionou como um ponto de inflexão nesse formato, pois fica evidente que as ações dos mineiros no processo eram uma tentativa de invalidar sua qualificação de criminosos, harmonizando-se com a condição de trabalhadores.

Retomando os efeitos do convênio entre o município e a CCR, o fio que mantinha a autonomia decisória da companhia sobre os policiais era financeiro. Em 26 de março de 1921, um ofício do superintendente da CCR ao intendente registrou que, por intermédio do escritório da Estrada de Ferro do Jacuí, remeteu-se a importância de Rs 219$994 (duzentos e dezenove mil, novecentos e noventa e quatro réis) para o pagamento da seção policial da mina. Provavelmente, era o primeiro pagamento em decorrência do convênio.

Contudo, no acervo também foi possível encontrar outro registro de ofício do intendente de São Jerônimo para o superintendente da companhia informando que, em virtude das contínuas faltas de pagamento de impostos pela CCR, o intendente resolveu esperar e com isso, conceder novo prazo até o dia 10 do mês subsequente41 41 O ofício está danificado parcialmente na parte superior, impedindo a identificação do mês em que foi emitido. A indicação do dia (21) e ano (1921) dão conta de que se trata de junho, pois o conteúdo registrou os meses de março, abril e maio como referência. para pagamento dos impostos devidos referentes aos meses de março, abril e maio de 1921, do contrário, mandaria “embargar a saída do carvão, enquanto não for efetuado o referido pagamento”. Na sequência do ofício, o intendente afirmava ainda: “espero até o mesmo dia 10 a importância do quantum para pagamento à seção policial do Butiá, referente aos meses de abril e maio, o qual não sendo efetuado, ver-me-ei forçado a dispensar a polícia da mesma mina”.

Mesmo diante desses fatos, seria possível afirmar que essa realidade representada pelo convênio poderia ser aplicada a Arroio dos Ratos? Nenhum documento existente nos acervos pesquisados evidenciou cláusulas contratuais tão explícitas quanto as encontradas nas minas de Butiá. Se não há como afirmar, no entanto, pelo mesmo motivo, não se pode negar a existência de arranjos institucionais dessa natureza, principalmente pela forma precária que as relações de interesse público se forjavam frente aos interesses econômicos locais42 42 Na metodologia da micro-história, há uma redução na escala de observação que influencia e altera o nível de informação disponível sobre um determinado objeto. Na prática, não modifica apenas o que era ou não perceptível, mas também transforma a configuração da realidade analisada (ROJAS, 2007). Ao recriar as conexões entre os diversos níveis avaliados, ao mesmo tempo que se leva em conta suas especificidades e diferenças, os silêncios observados e as lacunas da documentação tornam-se parte do relato. Foi nesta perspectiva que as ausências documentais compuseram a narrativa desta pesquisa. .

Partindo-se da premissa de que em Arroio dos Ratos a relação entre a CEFMSJ e a autoridade policial constituiu-se de forma semelhante, a atenção voltou-se, forçosamente, à condição do subdelegado de polícia, cap. Luiz F. Pereira. Além de exercer a função de autoridade policial na mina, Pereira também era subprefeito. Em 27 de setembro de 1934, o prefeito José Maria de Carvalho encaminhou à diretoria da CEFMSJ um ofício no qual comunicava a dispensa do capitão Luiz F. Pereira do cargo de subprefeito do distrito de Arroio dos Ratos.43 43 Esse ofício foi reconstruído a partir das informações contidas na resposta ofertada pela diretoria da companhia, em 2 de outubro de 1934. Em substituição, fora nomeado o sr. Olavo de Araújo Ramos, que, até então, exercia o cargo de subprefeito em outro distrito.

Ao que tudo indica, a demissão de Luiz Pereira do cargo de subprefeito não estava vinculada ao movimento de greve que ocorreria nas minas de Arroio dos Ratos em 15 de outubro de 1934. Segundo o jornal Correio do Povo, a motivação da greve não estava atrelada a melhorias nas condições de trabalho, mas era motivada pelo desconforto causado por um engenheiro graduado da CEFMSJ. No acervo da companhia, foi possível identificar o engenheiro: tratava-se de Mário Pena. O movimento de greve foi então intermediado pela presença de Ernani de Oliveira, do MTIC.

De alguma maneira, a substituição do capitão Pereira na subprefeitura de Arroio dos Ratos afetou os interesses da companhia. Curiosamente, as lideranças do sindicato dos mineiros encaminharam, provavelmente em 20 de dezembro de 1934, um pedido especial para a CEFMSJ.44 44 Em resposta a esse ofício, o conteúdo destinou-se a Pedro Logue Sobrinho, Pedro Saraiva, Antônio Haro, Castor Bispo e Gustavo Muller Filho. Solicitavam uma “colocação” do cap. Luiz Pereira nos quadros da companhia. Em resposta ao ofício, a companhia informou, em 5 de janeiro de 1935, ter conhecimento de que o “amigo capitão Luiz Pereira foi dispensado do cargo que ocupava na subprefeitura, por ordem do dr. José Maria de Carvalho, M.D. Prefeito do Município”, acrescentando que a companhia teria satisfação em ver a reintegração de Pereira, mas que seria impossível atender ao pedido de sua colocação, “em vista das ordens rigorosas de economia que recebiam da diretoria”.

Em pouco tempo, a própria companhia viria a solicitar intervenção do prefeito José Maria de Carvalho acerca do caso Luiz Pereira. Em 28 de janeiro de 1935, o diretor da companhia dirigiu-se ao prefeito como amigo, informando sobre um desdobramento interessante do caso. Luiz Pereira era genro de um coronel na região, com influência junto ao representante do MTIC, em Porto Alegre. No ofício, o diretor da companhia relatava:

Tendo o Cel. Sinhô Cunha apelado para o dr. Ernani de Oliveira, no sentido de obter a permanência do seu genro nas Minas, tomamos a liberdade de fornecer, particularmente, a esse nosso amigo, uma cópia da carta que V. S. nos dirigiu em 17 do corrente, a fim de melhor se inteirar da situação que o caso Luiz Pereira está criando nesse município, e resolvê-lo com maior rapidez. Estamos certos que o sr. Luiz Pereira não quererá perturbar as nossas cordiais relações e os altos interesses do município, que vez foram confiados pelo benemérito General Interventor. Aproveitamos o ensejo para reiterar-vos os nossos protestos de apreço e alta consideração e firmamo-nos (Fundo CEFMSJ, Caixa Correspondências, Maço 02).

Não há outras correspondências entre o diretor da companhia e o prefeito José Maria de Carvalho que permitissem encontrar o desfecho sobre o caso capitão Luiz F. Pereira. O fato de a companhia fazer referência a Valentin Aragon como subchefe de polícia junto à mina de Arroio dos Ratos dá a entender que o afastamento determinado por José Maria de Carvalho foi completo, atingindo a subprefeitura e a subdelegacia. Com isso, tornou-se necessário averiguar a possibilidade de que o conflito entre o subdelegado e a companhia tivesse relação com o processo nº 9.582/1934.

As fontes até então disponíveis para análise do caso ainda oferecem espaços para incertezas.45 45 A referência de como lidar com desafios dessa natureza encontra-se em Natalie Zemon Davis (1987). Essas lacunas foram sendo preenchidas a partir das evidências disponíveis nas camadas de realidade que a reclamação trabalhista contemplou. Nas estratégias oferecidas pelo advogado do sindicato em face das assumidas pela companhia, existe outra camada que camuflou uma série de desdobramentos que foram silenciados no decorrer do processo junto ao CNT.

Entre os aspectos que podem ser analisados, está a definição dos possíveis limites da camaradagem da companhia com a autoridade policial. Curiosamente, foi a partir de 11 de dezembro de 1934 que a companhia apresentou a primeira contestação na reclamação trabalhista nº 9.582/1934. O processo já tramitava no CNT desde setembro de 1934, mas só houve reação por parte da empresa quando o conselho converteu o julgamento em diligência, a fim de que a companhia apresentasse aos autos o original do inquérito administrativo aberto para apurar a suposta falta grave cometida pelos mineiros reclamantes.

O argumento da companhia foi de que a instauração do inquérito seria desnecessária, uma vez que não foram demitidos, mas, sim, “privados de trabalhar pela polícia local, em consequência da prisão por ela efetuada, devido à denúncia recebida de estarem tramando uma greve geral entre os mineiros, denúncia, aliás, a que a Direção desta empresa foi completamente estranha”.

Assim, a companhia buscou eximir-se de sua obrigação trabalhista afirmando que, depois de verificada a injustiça da prisão, caberia à polícia a responsabilidade de indenizar os prejudicados. Os argumentos jurídicos fundamentavam-se na Constituição de 1934 – que estabelecia que os funcionários públicos seriam responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual e Municipal por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício de seus cargos – e no Código Civil de 1916, nos termos do art. 1.550.46 46 Código Civil de 1916, art. 1.550, dispunha que: “A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e no de uma soma calculada nos termos do parágrafo único do art. 1.547”. O artigo estava incluído no capítulo que tratava da liquidação das obrigações resultantes de atos ilícitos. Alegava, assim, que a responsabilidade por indenizar os reclamantes seria da a polícia, que restringiu a liberdade destes indevidamente.

Supondo-se que o subdelegado capitão Pereira tenha sido um dos principais responsáveis pela expulsão dos mineiros das minas em fevereiro ou março de 1934, e considerando o fato de este não estar mais à frente da polícia local desde setembro de 1934, cabe questionar se isso pode ter tido alguma influência na construção do argumento da companhia. Nesse sentido, a companhia estaria não apenas se isentando da responsabilidade de indenizar os trabalhadores, mas transferindo essa responsabilidade a uma autoridade policial que, por sua vez, não contava com o apoio do prefeito José Maria de Carvalho. Mas o fato de a companhia atribuir culpa à parceiros institucionais não contribuiria para abalar aquela relação? Seria mais estratégico, naquela situação, enfraquecer essa relação de parceria que assumir a responsabilidade pelas indenizações? Ou o poder exercido pela companhia era tamanho que a autoridade policial sequer exercia pressão na relação de parceria?

O fato de Pereira não estar mais vinculado a Carvalho teve influência no argumento de exclusão de responsabilidade por parte da companhia, mas não foi determinante. A empresa acreditava que, se fosse considerada responsável pelas indenizações, haveria uma inversão na culpa, em que a responsabilidade cairia sobre a empresa na modalidade de culpa de terceiro, não existente no caso.

O caso exterioriza uma ampla rede de relações que não se esgota apenas no plano institucional. Os interesses pessoais e profissionais se fundem em uma série de situações que fogem ao controle dos parâmetros jurídicos. Desde o início, o poder econômico teve destaque na relação amigável entre a companhia e a intendência de São Jerônimo.

Conforme as explorações nas minas de carvão atingiam novos patamares, a influência financeira nessas relações também se ampliava. Nos livros de correspondência da companhia, os anos de 1930 a 1936 registraram algumas dessas relações. Alguns ofícios continham uma marca entre parênteses – “(Reservado)” –, indicando um aprofundamento no assunto a ser tratado, possivelmente, sem que seu registro de entrada fosse determinado em livros de correspondência.

José Maria de Carvalho, além de exercer o cargo de prefeito de São Jerônimo entre 1933-1936, também era líder local do Partido Republicano Liberal (PRL). A análise das fontes permitiu verificar que, durante um longo período, a CEFMSJ foi questionada sobre possíveis financiamentos ao partido político de Carvalho. Nos registros, também se verifica que os ofícios da companhia para José Maria de Carvalho não faziam mais referência ao cargo de prefeito do município, mas como “M. D. Presidente da Comissão Diretora do Partido Republicano Liberal em São Jerônimo”. Em 21 de agosto de 1934, o diretor da companhia informava ao “amigo e senhor” Carvalho ter a honra de comunicar que colocaria à disposição da comissão do partido, como “contribuição”, a quantia de dois contos de réis (Rs 2:000$000).

A referência ao PRL no contexto da organização do trabalho também se destacava. Conforme Machado (1983)MACHADO, Carmém Lúcia Bezerra. O movimento operário sindical no Rio Grande do Sul de 1930 a 1937. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1983., o modelo corporativista de organização do trabalho no Rio Grande do Sul tinha apoio direto do PRL. Criado em novembro 1932, em decorrência de uma cisão no partido da Frente Única Gaúcha (FUG), o partido era liderado por Flores da Cunha. Segundo Abreu (2007), um dos objetivos principais da formação do PRL não era apenas retratar a realidade gaúcha, mas congregar forças políticas em torno da liderança pessoal de Flores, o que garantia, ainda, um ponto de apoio importante para o governo provisório de Getúlio Vargas. Foi nesse contexto que a inspetoria do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, sob a liderança de Ernani de Oliveira, foi constituída.

Os apoios financeiros sustentavam a ampla rede de interesses entre as lideranças municipais e as companhias de carvão (CEFMSJ e CCR) e, em muitas situações, podem ter sido determinantes para compreender os limites que se impunham à ação sindical dos mineiros.

Por mais complexo que seja determinar o impacto que essa rede de influências produzia no mundo do trabalho desenvolvido nas minas, a comunicação oficial entre as demais esferas institucionais era clara o suficiente para precisar os limites e as possibilidades de suas realizações. Paralelamente às correspondências oficiais, foi possível detectar outras estratégias para exteriorizar diálogos e ações em torno daquilo que não se registra oficialmente. Tratava-se de um aperfeiçoamento significativo dos sistemas de controle e vigilância mantidos pela companhia não apenas contra as organizações operárias e seus trabalhadores, mas contra qualquer pessoa, grupo ou interesse que representassem resistência a seus interesses.

Uma série de códigos utilizados pela companhia em comunicações extraoficiais foi encontrada no fundo Cadem. Embora não seja possível determinar se esses códigos foram utilizados nos autos nº 9.582/1934, dadas algumas ausências decorrentes de interceptação das fontes consultadas, sua identificação pode elucidar como se dava a circulação de informações entre os dirigentes e a polícia nas minas de carvão.

Condicionados em uma pasta de arquivo com a indicação “Código de nomes próprios (alterado e completamente reformado)” os códigos ultrapassavam 40 páginas. Arrolados por ordem alfabética, as situações, pessoas, bens e empresas eram renomeadas dentro de uma linguagem específica. Não havia informações sobre datas, com exceção de uma folha em que constou o dia de seu arquivamento: 2 de agosto de 1939.

Uma greve passaria a ser renomeada como Abdias. Já Adalberto ou Ananias fazia referência ao delegado de polícia de São Jerônimo. General Flores da Cunha era reconhecido como Adolfo. E Almeidas era a referência aos operários. Ademir representava o chefe do pessoal da Brigada Militar nas Minas de São Jerônimo. Dirceu, o Conselho Nacional do Trabalho. Getúlio Vargas era conhecido como Caetano, e Oswaldo Aranha, como Calixto. O advogado da CEFMSJ, Euribíades Dutra Vila, era renomeado como Hugo. O embaixador dos Estados Unidos da América era conhecido como Valério. Juvenal era utilizado para expressar um entendimento direto entre os operários e o diretor Roberto Cardoso para aumento de salários. Greve geral era referenciada como Eloy. Fornecimento de carne, Jardel; de gêneros, Romancino e de pão, Luiz. Família do Juvêncio significava empreiteiros; família do Ludovico, tocadores; e família do Vital, furadores. Se as greves fossem em Butiá, chamariam-se Belmiro; em Arroio dos Ratos, Juvêncio; se atingissem as minas de Butiá e Arroio dos Ratos, Clodoveu. O jornal Diário de Notícias era intitulado Herculano. José Maria de Carvalho era conhecido como Zacarias. Luiz Carlos Prestes, Rufino. O presidente do sindicato dos mineiros era identificado como Laerte ou Nicacio. O partido comunista, Leopoldo. Os parentes do Abílio eram os patrões; parentes do Frederico, os ajudantes; e parentes do Oswaldo, os diaristas. O subdelegado de polícia das minas de São Jerônimo era referido por Murilo; e das Minas de Butiá, Modesto. Serafim era o nome indicado ao Ministro do Trabalho. O Tribunal de Segurança era indicado como Trobaldo. Minas de São Jerônimo, Marias. A referência ao sindicato dos mineiros alternava entre José ou Carlos. A censura era nomeada como Thiago. Intendente de São Jerônimo era reconhecido como Isaac. Esses termos são identificados e empregados, em especial na escrita de cartas e telegramas, o que não exclui a possibilidade de terem sido usados no discurso oral – uso que não pode ser confirmado pelas fontes.

O monitoramento das ações sindicais foi aperfeiçoado com a implementação de novas alternativas para a vigilância e o controle permanente dos operários. Não raro, a autoridade policial era utilizada pela companhia como instrumento para disciplinar socialmente os trabalhadores, à revelia das novas diretrizes que a ordem constitucional impunha. Mesmo assim, a possibilidade de recorrer a um processo judicial era um rito essencial à redefinição de novos espaços de empoderamento para os trabalhadores, proporcionados pelo direito.

Considerações finais

Durante muito tempo a década de 1930 tem sido revisitada por pesquisadores das mais variadas matizes. Temas relacionados à questão social, ao lado das transformações políticas iniciadas pelo governo provisório de Getúlio Vargas, sempre se destacaram neste cenário. Neste mesmo tempo, o acesso a novas fontes de pesquisa, via arquivos, testemunhos e outros vestígios, se transformou completamente e este trabalho é um desdobramento deste momento. No fundo de arquivo do CNT no Tribunal Superior do Trabalho foi possível ter acesso há mais de 900 reclamações trabalhistas que demonstram outros indicadores sociais, políticos, econômicos e sobretudo jurídicos que marcaram o tema questão social na década de 1930.

A reclamação n. 9.582/1934 é representativa por duas razões especiais: a primeira, por ser iniciada em concomitância com a Constituição de 1934. No entanto, essa observação se torna especial não para dar à constituição um efeito normativo que não possuía em 1934, mas ser um momento em que, de forma inédita, o país constitucionalizava um amplo experimento de legislação social já em curso nos primeiros anos da década de 1930. A segunda razão pode ser explicada por ser a reclamação a instrumentalização do direito contra arbítrios, uma alternativa prática a resistência a desmandos e violação de direitos.

Na primeira parte deste trabalho, a reclamação foi relatada. Em cada desdobramento dos autos, é possível verificar o jogo argumentativo das partes, bem como os limites e possibilidades de ação. Mas uma reclamação, por si só, não tem a capacidade de desvendar outros elementos subjacentes que exercem pela influência na forma como os direitos são exercidos, até mesmo para não diminuir as alternativas estratégicas das partes.

Desde 1932, aos trabalhadores mineiros foram concedidas as mesmas garantias no trabalho previstas aos ferroviários. Em um contexto de organização desses trabalhadores por intermédio dos sindicatos, 7 mineiros foram demitidos sem a abertura de inquérito administrativo para apurar faltas graves. O enredo do caso aponta para outras esferas de violação de direitos. No entanto, a estratégia de defesa desses trabalhadores foi justamente usar a violação à lei, objetivamente verificável.

A seletividade dos trabalhadores no uso dos argumentos chamou a atenção e com a redução da escala de observação, tornou-se possível verificar um ineditismo significativo para compreender os conflitos trabalhistas em contexto de recém regulação do trabalho.

No caso em apreço, a lei trabalhista não era suficiente para combater os sistemas de controle e vigilância exercidos pelo empregador sobre a mão de obra nas minas de carvão. Contudo, a regulação trabalhista, ao lado do Conselho Nacional do Trabalho, promovia alternativas tanto para os trabalhadores, quantos aos empregadores, pois permitia a presença do Estado (mesmo com interesses próprios, corporativos e limitados) em uma relação que, durante longo tempo, era exercida de maneira desigual, sujeita a violações e abusos.

A reclamação trabalhista exteriorizou uma relação em que o público e o privado se encontravam radicalizados, vislumbrada na relação entre a companhia, o município de São Jerônimo e os contornos da ordem pública e privada reconstruídos pelos diretores da CEFMSJ. Essa rede complexa de relações era forjada também na medida em que a companhia se utilizava da autoridade policial local para o controle e fiscalização dos trabalhadores nas minas e, depois, ao tentar se isentar de suas obrigações legais,47 47 Em especial, no que diz respeito ao processo, a obrigação de instaurar inquérito administrativo para apurar falta grave. transferindo a responsabilidade para a autoridade policial. Em um segundo momento, foi possível compreender o conflito sob a perspectiva da inovação de direitos dentro do sistema híbrido dos espaços público e privado no local de trabalho e o impacto que uma reclamação trabalhista poderia causar nessa estrutura.

A reclamação trabalhista representa ainda, nesse enredo, um desafio que pode ter a capacidade de romper com os silêncios que os acordos de longa duração promoveram no âmbito da companhia. O desdobramento do processo impôs a necessidade de diálogo, que seria mediado em um “local de direito” inédito para a CEFMSJ.

À margem desses fenômenos, outra estrutura, já consolidada e caracterizada pela polícia local, pelo prefeito municipal e pelo diretor da companhia, passava a ser questionada em novos planos de institucionalidade. Por mais que o processo possa ser contemplado em seus limites, ele não perde a característica de ser instrumento pelo qual a resistência ao arbítrio se efetivou, permitindo, na medida do possível, uma extensão aos benefícios da cidadania que ainda deveria enfrentar um longo processo de ajuste às regras constitucionais de proteção ao trabalhador.

  • 1
    Para maiores informações sobre a cidade e o sindicato de Arroio dos Ratos ou a história dos mineiros na região ver: Bunse (1984)BUNSE, Heinrich Adam Wilhelm. A mineração de carvão no Rio Grande do Sul: estudo histórico-etnográfico-sociolinguístico. Porto Alegre: Secretaria de Energia, Minas e Comunicações, 1984., Cioccari (2004)CIOCCARI, Marta. Ecos do subterrâneo: estudo antropológico do cotidiano e memória da comunidade de minérios de carvão de Minas do Leão (RS). Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2004., Eckert (1985)ECKERT, Cornélia. Os homens da mina – Um estudo das condições de vida e representações dos mineiros de carvão em Charqueadas-RS. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1985., Klovan (2014)KLOVAN, Felipe Figueiró. Sob o fardo do ouro negro: as experiências de exploração e resistência dos mineiros de carvão do Rio Grande do Sul na década de 1930. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014., Simch (1961)SIMCH, Alfredo. Monografia do município de São Jerônimo. Porto Alegre: Imprensa Oficial do Estado, 1961. e Sulzbach (1989)SULZBACH, Cônego Ervino Lothar. Arroio dos Ratos: berço da indústria carbonífera nacional. 2. ed. Arroio dos Ratos: PBF, 1989a..
  • 2
    Aos mineiros, a estabilidade decenal seria estendida apenas em 1932. No entanto, desde 1926, a condição de ferroviários envolvia um conceito amplo, abrangendo todos os empregados que exerciam suas funções ligados diretamente ou não às estradas de ferro.
  • 3
    A reclamação trabalhista, possivelmente, era uma das primeiras que não foram resolvidas por intermédio do inspetor do MTIC, em Porto Alegre e, ao ultrapassar esse filtro, chegou ao CNT em um momento de grandes redefinições na política e no direito com o retorno da nova ordem constitucional.
  • 4
    Sobre a revolução de 1930, ver Fausto (1987)FAUSTO, Bóris. A revolução de 1930: historiografia e história. São Paulo: Brasiliense, 1987., Silva (1966)SILVA, Hélio. 1930 – A revolução traída. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966., Gomes (1990)GOMES, Angela de Castro. Confronto e compromisso no processo de constitucionalização (1930-1935). In: FAUTOS, Bóris (Org.). História da Civilização Brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano. São Paulo: Difel, 1990. e Ferreira e Sá Pinto (2003)FERREIRA, Marieta de Morais; SÁ PINTO, Sumara Conde. A crise dos anos 1920 e a Revolução de 1930. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de A. N. (Orgs.). O Brasil republicano. Vol. 1. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2003..
  • 5
    O CNT foi criado em 1923 para ser o principal órgão administrativo do governo federal para assuntos trabalhistas e previdenciários. Desde o início do governo Vargas, o CNT vinculou-se à pasta do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e, a partir de 1934, passou a exercer atividades judicantes frente conflitos trabalhistas, ao lado das juntas de conciliação e julgamento de dissídios coletivos e individuais. Em 1939, o CNT se tornou instância recursal das juntas. Com a instalação da Justiça do Trabalho em 1941, o CNT transformou-se em Tribunal Superior do Trabalho, sendo incorporado, a partir de 1946, ao poder judiciário federal.
  • 6
    As primeiras petições no processo indicavam apenas o nome de Thomaz Gonçalves. A partir de 1935, a referência a Thomaz Gonçalves da Silva tornou-se comum.
  • 7
    Fl. 03 do processo nº 9.582/1934.
  • 8
    Fls. 05 e ss. do processo nº 9.582/1934.
  • 9
    O sindicato dos Mineiros de Arroio dos Ratos foi criado em 1º de janeiro de 1933 e reconhecido pelo MTIC em junho do mesmo ano.
  • 10
    O Decreto nº 22.096, de 16 de novembro de 1932, estendeu aos serviços de mineração o regime das Caixas de Aposentadoria e Pensão e outros dispositivos de proteção social e previdenciária aos trabalhadores (Decreto nº 20.465, de 1º de outubro de 1931, alterado em 24 de fevereiro de 1932).
  • 11
    No processo nº 9.582/1934, a justificação judicial pode ser encontrada entre as fls. 06-23.
  • 12
    Foi conselheiro do CNT, representante dos empregados. Tomou posse em 21 de setembro de 1934 e exonerou-se em 22 de dezembro de 1938 (Fonte: registro Fundo CNT-TST, Brasília/DF). --- (BRASIL, 1934BRASIL. Processo de Domingos Mantilha e outros em face da Companhia Estrada de Ferro e Minas de São Jerônimo. Brasília: Fundo CNT-TST, Série Dissídios, Cx. 27, Maço 01, 195p., 1934.)
  • 13
    Fl. 37 do processo nº 9.582/1934.
  • 14
    Barbosa Rezende presidiu o CNT na maior parte do processo trabalhista que subsidia esta pesquisa. Para mais detalhes, ver Brasil (1975BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Do CNT ao TST. Brasília, 1975., p. 63-64).
  • 15
    Tomou posse no CNT em 21 de setembro de 1934, atuando como técnico. Exonerou-se em 16 de agosto de 1939 (Fonte: registro Fundo CNT-TST, Brasília/DF).
  • 16
    Tomou posse no CNT em 21 de setembro de 1934, exonerando-se em 22 de dezembro de 1938. Nos livros de assentos, não há registro acerca de quais forças sociais representava (Fonte: registro Fundo CNT-TST, Brasília/DF).
  • 17
    O memorando em referência é o ofício de fl. 3, encaminhado pela empresa ao inspetor do CNT, oferecendo informações sobre as demissões dos reclamantes, reproduzido anteriormente.
  • 18
    A sessão de julgamento encontra-se disponível para acesso no Fundo CNT, setor Notas Taquigráficas (1932-1946). A recuperação das discussões encontra-se registrada na 6a sessão da 2a Câmara do CNT, realizada em 16 de novembro de 1934, p. 1-2.
  • 19
    Sessão de julgamento, p. 2.
  • 20
    Sessão de julgamento, p. 2.
  • 21
    Fls. 40 e ss. do processo nº 9.582/1934.
  • 22
    O decreto estendia aos serviços de mineração, em geral, as disposições do Decreto nº 20.465, de 1 de outubro de 1931, com as modificações constantes do de nº 21.081 de 24 de fevereiro de 1932, prevendo as CAPs e a estabilidade decenal aos empregados.
  • 23
    Fl. 40 do processo nº 9.582/1934.
  • 24
    No original, a empresa grifou o termo.
  • 25
    Fl. 46 do processo nº 9.582/1934.
  • 26
    Os acórdãos eram redigidos por funcionários auxiliares da secretaria do CNT. À fl. 52, há informação de que este acórdão foi redigido por Bergamine de Abreu, em 14 de maio de 1935.
  • 27
    Fls. 56-63 do processo nº 9.582/1934. As certidões eram de 13 de julho de 1935.
  • 28
    O sindicato apresentou uma justificativa judicial em busca da comprovação de que Liberalino e Januário eram a mesma pessoa, com vinculação de tempo de serviço superior a dez anos. No entanto, a justificação foi desentranhada do processo, sem cópia nos autos.
  • 29
    Fl. 92, verso, processo nº 9.852/1934.
  • 30
    Fls. 96-99, processo nº 9.582/1934.
  • 31
    Não há no fundo CNT registro das notas taquigráficas desta sessão, impossibilitando, novamente, acesso aos debates dos conselheiros no julgamento.
  • 32
    Fls. 154-155, no processo nº 9.582/1934.
  • 33
    Consórcio Administrador de Empresas de Mineradoras. O consórcio incorporou a CEFMSJ em 1936.
  • 34
    Para maior aprofundamento, ver CABRAL, 2011CABRAL, Rafael Lamera. A contribuição da Assembleia Nacional Constituinte de 1933 para o Brasil: da Revolução de 1930 à Constituição de 1934. São Paulo: Cedec, out. 2011. (Cadernos Cedec, n. 101)..
  • 35
    A dissertação de mestrado de Maria Pia dos Santos Lima Guerra (2012)GUERRA, Maria Pia dos Santos Lima. Anarquistas, trabalhadores, estrangeiros: a construção do constitucionalismo brasileiro na Primeira República. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Brasília, Brasília, 2012. resgata algumas destas contradições utilizadas na primeira República, quando houve repressões à organização de trabalhadores e expulsão de estrangeiros, imigrantes e de brasileiros natos do país, considerados como indesejáveis.
  • 36
    Para maiores detalhes, ver ainda Konrad (2004)KONRAD, Diorge Alceno. O fantasma do medo: o Rio Grande do Sul, a repressão policial e os movimentos sócio-políticos (1930-1937). Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004. e Konrad (2006)KONRAD, Glaucia Vieira Ramos. Os trabalhadores e o Estado Novo no Rio Grande do Sul: um retrato da sociedade e do mundo do trabalho (1937-1945). Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006..
  • 37
    Ver ainda Speranza (2013________. O trabalho perante a lei: os mineiros de carvão na Justiça do Trabalho em São Jerônimo, RS (1946- 1954). Topoi (Online), Rio de Janeiro, v. 14, n.27, p. 416-437, jul./dez. 2013.; 2012SPERANZA, Clarice Gontarski. Cavando direitos: as leis trabalhistas e os conflitos entre trabalhadores e patrões nas minas do Rio Grande do Sul nos anos 40 e 50. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.). A autora produziu múltiplas pesquisas sobre aos mineiros e a região carbonífera do Rio Grande do Sul no período de 1937 a 1954.
  • 38
    A referência é o trabalho de Giddens (2008)GIDDENS, Anthony. O Estado-Nação e a violência: segundo volume de uma crítica contemporânea ao materialismo histórico. 1. ed. São Paulo: Edusp, 2008. e aos comentários de José Maurício Domingues na apresentação da referida obra.
  • 39
    O convênio foi registrado no livro de Contratos, fls. 73, da Intendência Municipal de São Jerônimo, em 2 de março de 1921.
  • 40
    Fl. 31 do processo nº 9.582/1934.
  • 41
    O ofício está danificado parcialmente na parte superior, impedindo a identificação do mês em que foi emitido. A indicação do dia (21) e ano (1921) dão conta de que se trata de junho, pois o conteúdo registrou os meses de março, abril e maio como referência.
  • 42
    Na metodologia da micro-história, há uma redução na escala de observação que influencia e altera o nível de informação disponível sobre um determinado objeto. Na prática, não modifica apenas o que era ou não perceptível, mas também transforma a configuração da realidade analisada (ROJAS, 2007ROJAS, Carlos Antônio Aguirre. Convite a outra micro-história: a micro-história italiana. In: MALERBA, J.; ROJAS, C. A. (Orgs.). Historiografia contemporânea em perspectiva crítica. Bauru: SP; EDUSC, 2007.). Ao recriar as conexões entre os diversos níveis avaliados, ao mesmo tempo que se leva em conta suas especificidades e diferenças, os silêncios observados e as lacunas da documentação tornam-se parte do relato. Foi nesta perspectiva que as ausências documentais compuseram a narrativa desta pesquisa.
  • 43
    Esse ofício foi reconstruído a partir das informações contidas na resposta ofertada pela diretoria da companhia, em 2 de outubro de 1934.
  • 44
    Em resposta a esse ofício, o conteúdo destinou-se a Pedro Logue Sobrinho, Pedro Saraiva, Antônio Haro, Castor Bispo e Gustavo Muller Filho.
  • 45
    A referência de como lidar com desafios dessa natureza encontra-se em Natalie Zemon Davis (1987)DAVIS, Natalie Zemon. O retorno de Martin Guerre. Tradução Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987..
  • 46
    Código Civil de 1916, art. 1.550, dispunha que: “A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e no de uma soma calculada nos termos do parágrafo único do art. 1.547”. O artigo estava incluído no capítulo que tratava da liquidação das obrigações resultantes de atos ilícitos.
  • 47
    Em especial, no que diz respeito ao processo, a obrigação de instaurar inquérito administrativo para apurar falta grave.

Referências bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2017

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2016
  • Aceito
    26 Jan 2017
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