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A consulta aos povos indígenas e o equilíbrio do poder simbólico entre as perspectivas envolvidas

Consultation with indigenous peoples and the balance of symbolic power between the perspectives involved

Resumo

O presente artigo demonstra como o procedimento de consulta aos povos indígenas torna-se um mecanismo de participação democrática quando minorado o desequilíbrio de poder simbólico e adotado um viés descolonizante. Os métodos foram o dedutivo e o materialista histórico-dialético e a pesquisa bibliográfica. Para alcançar o resultado, utilizou-se as teorias do poder simbólico de Pierre Bourdieu e do perspectivismo ameríndio de Viveiros de Castro.

Palavras-chave:
Consulta prévia; Livre e informada; Poder simbólico; Perspectivismo ameríndio

Abstract

This article demonstrates how the procedure of consultation with indigenous peoples becomes a mechanism of democratic participation when the imbalance of symbolic power is reduced, and a decolonizing bias is adopted. The methods used were deductive and historical-dialectical materialist and the research was bibliographic. The result was achieved using Pierre Bourdieu’s theory of symbolic power and the Amerindian perspectivism of Viveiros de Castro.

Keywords:
Free and informed prior consultation; Symbolic power; Ameridian perspectivism

1 Introdução

O presente artigo é fruto da disciplina Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais na Amazônia: constitucionalismo latino-americano e teorias pós-coloniais ofertada no Programa de Mestrado em Direito da Universidade Federal do Amazonas, com área de concentração em Constitucionalismo e Direitos na Amazônia.

Uma das atividades realizadas na disciplina tratava da compreensão das garantias conferidas na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, seguida da análise da trajetória histórica, social e política dos povos indígenas.

Durante o estudo, foi possível constatar o problema da dificuldade de implementação das garantias já positivadas, e levantar como hipótese a questão da mudança da condição de invisibilidade social, jurídica e política desses povos, para a condição de sujeito ativo, participante e cuja opinião deve ser tomada em consideração. Para averiguar a hipótese levantada, o presente artigo restringiu seu âmbito de investigação ao direito de consulta.

O objetivo do artigo, portanto, é demonstrar que na consulta aos povos indígenas deve-se considerar que existe uma situação histórica, social e política que estabelece, desde o seu início, um desequilíbrio na participação entre as partes, que precisa ser minorado.

Para embasar o argumento desse desequilíbrio prévio, utilizou-se o referencial teórico de Pierre Bourdieu sobre a diferença de poder simbólico existente na expressão de um pensamento dominado frente a um dominante e, como alternativa a minorar tal desequilíbrio, utilizou-se o perspectivismo ameríndio de Viveiros de Castro, como forma de ver o direito de consulta como um mecanismo de descolonização e de maior consideração do ponto de vista indígena.

A pesquisa se justifica jurídica e socialmente, pela importância da Convenção 169 da OIT como norma positivada e protetiva de direitos indígenas e pela necessidade de se pensar em mecanismos para reforçá-la. Precedida da Constituição Federal de 19881 1 Vale ressaltar que a Constituição Brasileira de 1988 trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro estes direitos, nos artigos 231 e 232, sendo o documento jurídico mais importante e progressista quanto aos direitos dos povos indígenas no Estado Brasileiro (NOGUEIRA, 2016). , é a norma mais importante de proteção dos direitos de povos indígenas no ordenamento jurídico brasileiro (GRABNER, 2015GRABNER, Maria Luiza. O direito humano ao consentimento livre, prévio e informado como baluarte do sistema jurídico de proteção dos conhecimentos tradicionais. Boletim Científico ESMPU, Brasília, n. 45, p. 11-65, 2015., p. 16), internalizada por meio da promulgação do Decreto n. 5.051/2004.

Algumas foram as contribuições desse marco protetivo à nova ordem constitucional, tendo o direito à consulta livre, prévia, informada e de boa-fé, se tornado um instrumento que visa não só a resguardar o social e a territorialidade de povos indígenas (MARÉS, 2019MARÉS, Carlos Frederico. A força vinculante do protocolo de consulta. In: GLASS, Verena (Org.). Protocolos de consulta prévia e o direito à livre determinação. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, CEPEDIS, 2019. p. 19-45., p. 22), mas também a sua condição de sujeitos, promovendo o direito a ser e a opinar, a ser consultado.

Para sua implementação, é necessário um procedimento que respeite a instituição representativa de cada povo (MARÉS, 2019MARÉS, Carlos Frederico. A força vinculante do protocolo de consulta. In: GLASS, Verena (Org.). Protocolos de consulta prévia e o direito à livre determinação. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, CEPEDIS, 2019. p. 19-45., p. 23, 30-31), e também que se tenha em conta que não se trata de um acordo ou ato bilateral de duas partes com igual força, mas do direito de uma parte (os povos indígenas), e do dever da outra parte, inclusive quando essa segunda parte é o Estado (MARÉS, 2019MARÉS, Carlos Frederico. A força vinculante do protocolo de consulta. In: GLASS, Verena (Org.). Protocolos de consulta prévia e o direito à livre determinação. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, CEPEDIS, 2019. p. 19-45., p. 33).

Quando não se tem a preocupação em ouvir as populações indígenas envolvidas, há uma relação em que “de um lado, parecem estar os ‘civilizados’ e, de outro, os ‘bárbaros’ ou ‘selvagens’” (BALDI, 2008BALDI, César Augusto. Questão indígena tem de abandonar concepções racistas. Revista Consultor Jurídico, de 2 de junho de 2008. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/artigos/docs_artigos/artigo_protecao_constitucional.pdf/view>. Acesso em 15 fev. 2020.
http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/cc...
, p. 1). A questão indígena, então, acaba por estar inserida em críticas que “reatualizam o imaginário político-social que ainda associa índio a incapacidade civil, cooptação, manipulação e necessidade de tutela, num estado de ‘menoridade’, para qual somente podem ser ‘objetos de estudo’, nunca ‘sujeitos de direito’” (BALDI, 2008BALDI, César Augusto. Questão indígena tem de abandonar concepções racistas. Revista Consultor Jurídico, de 2 de junho de 2008. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/artigos/docs_artigos/artigo_protecao_constitucional.pdf/view>. Acesso em 15 fev. 2020.
http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/cc...
, p.1).

Nesse cenário, além da correta implementação do direito de consulta, e respeito aos seus requisitos essenciais, deve-se tomar em consideração também como a arena de comunicação entre as partes é desigual e permeada por um campo político e uma estrutura de anos de dominação e distância com a organização social hegemônica (MARÉS, 2019MARÉS, Carlos Frederico. A força vinculante do protocolo de consulta. In: GLASS, Verena (Org.). Protocolos de consulta prévia e o direito à livre determinação. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, CEPEDIS, 2019. p. 19-45., p. 45).

Quanto à metodologia adotada, a pesquisa é bibliográfica e os métodos foram o dedutivo e o materialista histórico-dialético, visto que se pretende comprovar a hipótese levantada por meio de uma análise pelo contexto histórico, social e político do tema abordado.

O raciocínio dedutivo foi inicialmente utilizado para aferir a relação lógica entre as premissas da pesquisa (MEZZAROBA; MONTEIRO, 2009MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de Metodologia da Pesquisa no Direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.). Seguiu-se o seguinte silogismo: os povos indígenas foram historicamente invisibilizados e enfrentam dificuldades no respeito a seu direito de consulta, compreendido como diálogo e participação (premissa maior); para exercício efetivo de participação de grupos dominados, há necessidade de se atentar para para a existência de desequilíbrio das relações de poder na arena política (premissa menor); logo, as dificuldades de implementação do direito de consulta têm relação com a modificação da condição de invisibilidade para a condição de sujeito ativo participante (conclusão silogística adotada).

A opção pelo método materialista, por sua vez, deu-se como alternativa à perspectiva tradicional jurídica positivista, visando a aproximar o objeto teórico estudado (direito à consulta prévia) da sua esfera do real, e a diminuir a distância entre o abstrato e o concreto na produção científica (DE OLIVEIRA; BELLO, 2015).

Apesar de o método materialista da teoria marxiana não ter sido cunhada para o Direito, pode ser utilizado enquanto método de perspectiva crítica, na área da epistemologia e da pesquisa jurídica, por meio do qual se vai além do formalismo jurídico e se apreende o objeto estudado de forma dinâmica, à luz da realidade concreta, histórica e dialeticamente construída no seu passado, como um processo e como um produto, o qual, no seu tempo presente, ainda não está terminantemente construído, admitindo novas proposições para transformação da realidade (FALBO, 2015FALBO, Ricardo Nery. A Contribuição da Teoria Crítica para o Direito. In: BELLO, Enzo; ENGELMANN, Wilson (coord.). Metodologia da Pesquisa em Direito. Caxias do Sul: Educs, 2015. p. 15-31.; KELLER, 2015KELLER, Rene José. Análise do fenômeno jurídico e das lutas sociais a partir do método dialético materialista da economia política. In: BELLO, Enzo; ENGELMANN, Wilson (coord.). Metodologia da Pesquisa em Direito. Caxias do Sul: Educs, 2015. p. 139-154.).

Além disso, ainda que a pesquisa perpasse pela compreensão da colonialidade e da descolonização do pensamento, admite-se a compatibilidade da teoria decolonial com a teoria marxiana, quando (i) a categoria de análise crítica não se limitar à classe e ao trabalho, como é o caso da categoria subalternidade, já presente em estudos de Gramsci e Mariategui, e (ii) quando a realidade é adstrita ao contexto latino-americano, como desenvolvido pelos teóricos decoloniais Dussel e Quijano (NASCIMENTO, 2017).

Essa compatibilidade, portanto, decorre da adaptação da metodologia marxiana para as ciências sociais, compreendida como teoria universal de método e de epistemologia crítica, afastando-se da análise economicista eurocentrada (FALBO, 2013; NASCIMENTO, 2017).

Para realização do intento, o trabalho foi dividido em três partes. Na primeira parte, adotou-se uma abordagem histórica e descritiva sobre o processo de conquista e como foi permeado pela negativa do ser-indígena, pela invisibilização dos povos. Na segunda, apresentou-se, descritivamente, o direito à consulta, seu histórico e finalidade, a fim de demonstrar como se constitui numa guinada de tratamento conferido a esses povos, que passam, então, a serem obrigatoriamente considerados e ouvidos.

Na terceira parte, foram apresentados referenciais teóricos escolhidos para fundamentar a pesquisa, sendo o de Pierre Bourdieu o referente ao capital simbólico presente nas visões de mundo do pensamento dominante e do pensamento dominado; e o de Viveiros de Castro sobre o perspectivismo ameríndio que retrata a existência de dois pontos de vistas ontológicos diversos entre os mundos indígena e não-indígena.

Ao final, pode-se concluir que se existe uma pluralidade de pontos de vista no procedimento de consulta, é necessário considerar a proporção do poder simbólico existente entre os polos de expressão e que a participação indígena deve ser reequilibrada, a fim de dar uma adequada e descolonizante valorização do seu ponto de vista.

2 A invisibilidade do “outro” indígena

A primeira premissa de que parte o presente trabalho é de que houve um processo de conquista – e não de descobrimento – de terras em que habitavam povos indígenas na América (NOGUEIRA, 2016NOGUEIRA, Caroline Barbosa Contente. A autodeterminação dos povos indígenas frente ao Estado. 2016. 226 f. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba., p. 59), marcado por uma série de injustiças e violências institucionalizadas cujo fator comum está no ocultamento e na invisibilização desses povos (DANTAS, 2014DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Descolonialidade e direitos humanos dos povos indígenas. Revista de Educação Pública, Cuiabá, n. 53/1, v. 23, p. 343-357, 2014., p. 344).

O processo de conquista tornou os novos mundos e pessoas dominadas em objetos, encobertos num papel denominado “Outro” (DUSSEL, 1993DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade: Conferências de Frankfurt. Tradução Jaime A. Clasen. Petrópolis, RJ: Vozes. 1993. ISBN 85-326-1045-5., p. 36). Após o reconhecimento do território de conquista, o primeiro passo da dominação foi a pacificação das pessoas que nele habitavam (DUSSEL, 1993DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade: Conferências de Frankfurt. Tradução Jaime A. Clasen. Petrópolis, RJ: Vozes. 1993. ISBN 85-326-1045-5., p. 43), ou seja, um processo de pacificação desse Outro.

Esse processo de pacificação surgiu com base em estratégia militar, prática violenta em que o Outro era “sujeitado, subsumido, alienado a se incorporar à Totalidade dominadora como coisa, como instrumento, como oprimido, como ‘encomendado’ (...)” (DUSSEL, 1993DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade: Conferências de Frankfurt. Tradução Jaime A. Clasen. Petrópolis, RJ: Vozes. 1993. ISBN 85-326-1045-5., p. 43-44).

Não houve, portanto, um simples encontro entre culturas diversas, a que Dussel denominou “comunidade argumentativa”, na qual “os membros fossem respeitados como pessoas iguais -, mas era uma relação assimétrica, onde o ‘mundo do Outro’ é excluído de toda racionalidade e validade religiosa possível” (1993, p. 64-65).

Essa dominação e violência foram ocultadas durante a conquista, ficando o sofrimento causado ao Outro, justificado, por muito tempo, pela racionalidade moderna que pretendia “salvá-los” de ser uma civilização com inferioridade em seus instrumentos, tecnologia, estrutura política ou econômica e exercício de subjetividade (DUSSEL, 1993DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade: Conferências de Frankfurt. Tradução Jaime A. Clasen. Petrópolis, RJ: Vozes. 1993. ISBN 85-326-1045-5., p. 77-78).

Mas também se ocultou que essa culpabilidade que carregavam, de serem povos com “inferioridade” ou “imaturidade”, também era um discurso falso da modernidade (DUSSEL, 1993DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade: Conferências de Frankfurt. Tradução Jaime A. Clasen. Petrópolis, RJ: Vozes. 1993. ISBN 85-326-1045-5., p. 82). Atribuiu-se a culpa aos povos habitantes do Novo Mundo sem considerar que, naquela época, já havia construções teóricas (a exemplo da Escola Ibérica da Paz2 2 A Escola Ibérica da Paz era considerada o “centro motriz de quase todas as discussões derivadas da dúvida indiana na Europa e nos territórios coloniais ultramarinos” (CALAFATE; LOUREIRO, 2020, p. 59). ), que eram contrárias ao uso da força e que reconheciam os povos indígenas como “autênticas Nações soberanas, política e juridicamente iguais aos demais reinos cristãos europeus” (CALAFATE; LOUREIRO, 2020CALAFATE, Pedro; LOUREIRO, Sílvia Maria da Silveira. As origens do Direito Internacional dos Povos Indígenas: a Escola Ibérica da Paz e as gentes do novo mundo. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2020., p. 57).

Dentre elas, Bartolomeu de las Casas invalidava os argumentos que legitimavam a violência ou guerras de conquista para inseri-los, por meio da racionalidade, num processo de comunicação entre as culturas (DUSSEL, 1993DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro: a origem do mito da modernidade: Conferências de Frankfurt. Tradução Jaime A. Clasen. Petrópolis, RJ: Vozes. 1993. ISBN 85-326-1045-5., p. 82). Dussel relata que esse debate não se destacou pela ausência de uma argumentação entre os conquistadores e os povos dominados, mas pela falta do reconhecimento de que o Outro poderia ter a “possibilidade de participação racional” (1993, p. 82), de entrar e participar na comunicação naquele processo de conquista.

Os autores da Escola Ibérica da Paz tentavam combater “a negativa da humanidade e, por conseguinte, da racionalidade dos índios” (CALAFATE; LOUREIRO, 2020CALAFATE, Pedro; LOUREIRO, Sílvia Maria da Silveira. As origens do Direito Internacional dos Povos Indígenas: a Escola Ibérica da Paz e as gentes do novo mundo. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2020., p. 178). De forma antagônica, também havia na doutrina ibérica o legado de Juan Ginés de Sepúlveda, que defendia “a ideia aristotélica da escravidão natural e argumentava que os crimes contra a lei natural cometidos pelos ameríndios deveriam ser punidos com guerra justa pelos espanhóis” (LOUREIRO, 2015, p. 208).

O arcabouço teórico dos que se filiavam a Juan Ginés de Sepúlveda era o mesmo que defendia “o senhorio universal do papa e o direito de guerra justa contra os infiéis, construídas nos séculos XIII e XIV por canonistas e autoridades eclesiásticas” e que predominava nas guerras santas contra muçulmanos (LOUREIRO, 2015, p. 209). Ocorre que, conforme destaca a autora, esse legado também não foi o mais adequado para explicar o que ocorreu no processo de conquista dos povos indígenas, afinal:

(...) os naturais do Novo Mundo, ao contrário dos infiéis conhecidos até o século XV, não tinham um passado de confronto com a Cristandade que validasse um espírito de cruzadas e justificasse as guerras de conquista a partir de então travadas em terras americanas.

Com efeito, ao serem aplicadas as teses medievais do senhorio universal do papa e da guerra justa contra os infiéis aos povos do Novo Mundo que apareciam no horizonte dos descobrimentos e conquistas imperiais, evidenciava-se sua inadequação, uma vez que estas gentes nada tinham a ver com os infiéis combatidos pela tradição teocrática medieval, já que nunca houve qualquer contato entre eles e a Cristandade, portanto, não havia nenhuma injúria a ser desagravada e nem terra de reino cristão ou Lugar Santo a ser recuperado em guerra justa na América (LOUREIRO, 2015, p. 209-210)

Nesse contexto, Loureiro conclui que a doutrina ibérica vencedora para justificar e legitimar a conquista não era nem a de Bartolomeu de las Casas, nem a de Juan Ginés de Sepúlveda, mas a de Carlos V, a qual “representava, naquele momento, o nascimento da corrente absolutista que prevaleceria na Europa até o final do século XVIII” (2015, p. 306), com a “consolidação do Estado-Nação aos moldes dos Estados europeus” (2015, p. 213).

Loureiro destaca, citando Anaya, que no início da colonização americana, “alguns tratados foram celebrados entre autoridades indígenas e reis europeus, demonstrando-se um autêntico treaty-making-power destes grupos sociais politicamente organizados”, mas que, contudo, “depois do estabelecimento dos Estados nacionais, estes tratados não eram mais considerados como fontes de direito válidas” (2015, p. 132).

Os povos indígenas foram absorvidos por esses Estados nacionais e seu processo assimilacionista teve efeitos jurídicos, políticos e de genocídio físico e cultural sobre esses povos (LOUREIRO, 2015, p. 132). Neste contexto, Nogueira (2016)NOGUEIRA, Caroline Barbosa Contente. A autodeterminação dos povos indígenas frente ao Estado. 2016. 226 f. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba. explana sobre o processo de construção do Estado Nacional na América-Latina, ratificando essa diferença no modus operandi das políticas para com povos indígenas.

A independência do Brasil, por exemplo, como comenta Ianni (1988)IANNI, Octavio. A questão nacional na América Latina. Estudos avançados [online], v. 2., n. 1, p. 05-40, 1988. excluiu as “castas inferiores”, ou seja, os povos indígenas e todos os que apresentavam identidade cultural e social diferente daquela identidade nacional imposta pelo governo central. Isso ocorreu porque o ideal do Estado-Nação é monista, suplantando toda diversidade política, social, cultural, linguística e étnica, para consolidar os ideais da modernidade: homogeneização e centralização de poderes na nação imaginada (NOGUEIRA, 2016NOGUEIRA, Caroline Barbosa Contente. A autodeterminação dos povos indígenas frente ao Estado. 2016. 226 f. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba.; ANDERSON, 2008ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Tradução de Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.; DUSSEL, 2005DUSSEL, Enrique. Europa, modernidade e Eurocentrismo. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Colección Sur Sur, Ciudad Autônoma de Buenos Aires: CLACSO. 2005.).

Nesse processo de invisibilização do Outro para ascensão do Estado nacional, “nem os povos nem a natureza puderam participar” (MARÉS, 2017MARÉS, Carlos Frederico. A essência socioambiental do constitucionalismo latino-americano. Revista da Faculdade de Direito da UFG, v. 41, n. 1, p. 197-215, 2017., p. 198). A repressão cultural e a colonização foram acompanhadas do extermínio indígena, tanto pelo uso da mão-de-obra, como pela violência empregada e pelas enfermidades que lhe acometeram (QUIJANO, 2014QUIJANO, Aníbal. Textos de Fundación. Buenos Aires: Ediciones del Signo, 2014., p. 62).

A intenção de construir um Estado nacional aos moldes europeus trouxe consigo a “homogeneização étnica ou cultural de um povo trancado nas fronteiras de um Estado” (tradução livre) (QUIJANO, 2014QUIJANO, Aníbal. Textos de Fundación. Buenos Aires: Ediciones del Signo, 2014., p. 93). O ocultamento e a invisibilidade dos povos indígenas estavam vinculados aos seus diferenciados modos de ser, pensar e agir (DANTAS, 2014DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Descolonialidade e direitos humanos dos povos indígenas. Revista de Educação Pública, Cuiabá, n. 53/1, v. 23, p. 343-357, 2014., p. 358); eles “incomodavam o pensamento colonial porque traziam, em si, estampada a marca da diferença, do pensar diferenciado” (DANTAS, 2012DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Direitos Humanos e Pensamento Indígenas no Brasil: um breve percurso sobre a violência da invisibilização dos modos indígenas de ser, fazer e viver. Revista PRAXIS da Escuela de Filosofía da Universidad Nacional de Costa Rica, [Heredia], n. 67, p. 31-48, 2012., p. 32).

Para além da permanência das estruturas de poder dos moldes coloniais após as independências latino-americanas (QUIJANO, 2005QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Colección Sur Sur, Buenos Aires: CLACSO. 2005.; CASANOVA, 2007CASANOVA, Pablo González. Colonialismo interno (uma redefinição). In: BORON, Atilio A.; AMADEO, Javier; GONZÁLEZ, Sabrina (org.). A teoria marxista hoje. Problemas e perspectivas. Buenos Aires: CLACSO. 2007.), está o caráter de rigorosa centralização política e de imposição dos processos de homogeneização por meio do Estado-Nação. Afinal, o Estado nacional da Modernidade é “universal, individual, pautado pelo nacionalismo” e “torna-se cada vez mais intolerante com a diferença cultural”, porque a diferença é vista como um risco para as “ideias homogêneas criadas para a nação perfeita” (NOGUEIRA, 2016NOGUEIRA, Caroline Barbosa Contente. A autodeterminação dos povos indígenas frente ao Estado. 2016. 226 f. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba., p. 83).

Nos séculos de implantação do Estado nacional no Brasil, os interesses oscilavam em função dos moradores, da Coroa e dos jesuítas (CARNEIRO DA CUNHA, 1992CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Política Indigenista no século XIX. In: CARNEIRO DA CUNHA, Manuela (org.) História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das letras. 1ª ed. 1992. p. 133-154., p. 133). Com a vinda da Família Real e a expulsão dos jesuítas, “nenhum projeto ou voz dissonante se interpunha no debate” (CARNEIRO DA CUNHA, 1992CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Política Indigenista no século XIX. In: CARNEIRO DA CUNHA, Manuela (org.) História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das letras. 1ª ed. 1992. p. 133-154., p. 133). Os povos indígenas não possuíam representação e só se manifestavam mediante “hostilidades, rebeliões e eventuais petições ao imperador ou processos na Justiça” (CARNEIRO DA CUNHA, 1992CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Política Indigenista no século XIX. In: CARNEIRO DA CUNHA, Manuela (org.) História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das letras. 1ª ed. 1992. p. 133-154., p. 133).

No início do processo de conquista, no século XVI, enquanto a questão indígena era tratada apenas como uma questão de mão-de-obra, se duvidava que os indígenas poderiam ter almas, mas não que eles eram homens e mulheres. Quando deixou de ser uma questão de mão-de-obra e passou a ser uma questão de terras, até sua humanidade começou a ser contestada, surgindo teorias que os aproximavam da animalidade (CARNEIRO DA CUNHA, p. 133-134).

Questionados de sua humanidade, os indígenas então ficaram sob “a tutela da superioridade de uma raça civilizada para que pudessem progredir” (NOGUEIRA, 2016NOGUEIRA, Caroline Barbosa Contente. A autodeterminação dos povos indígenas frente ao Estado. 2016. 226 f. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba., p. 83). Essa dominação tutelar deve ser compreendida, segundo Souza Lima, num contexto que considere os mecanismos de poder, histórias de invasão e estratégias de luta muito variados, no qual se deve considerar as tradições nativas como fator importante (1995, p. 81).

Sempre reduzidos ao Outro, e até mesmo ao não-humano, o indígena tutelado passou da barbárie à civilização, mas sob um status de pessoa em transição, genérica, abstrata e inexistente no mundo real (DANTAS, 2012DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Direitos Humanos e Pensamento Indígenas no Brasil: um breve percurso sobre a violência da invisibilização dos modos indígenas de ser, fazer e viver. Revista PRAXIS da Escuela de Filosofía da Universidad Nacional de Costa Rica, [Heredia], n. 67, p. 31-48, 2012., p. 35), que, “às vezes escondidos, confundidos ou dissimulados, continuaram resistindo, recriados, inovados ou teimosamente mantendo seus sagrados ancestrais modos originais e tradicionais” (MARÉS, 2017MARÉS, Carlos Frederico. A essência socioambiental do constitucionalismo latino-americano. Revista da Faculdade de Direito da UFG, v. 41, n. 1, p. 197-215, 2017., p. 198).

Na metade do século XX, há o renascer desses povos mediante a construção de unidades, alianças e organizações capazes de reivindicar seus direitos (MARÉS, 2017MARÉS, Carlos Frederico. A essência socioambiental do constitucionalismo latino-americano. Revista da Faculdade de Direito da UFG, v. 41, n. 1, p. 197-215, 2017., p. 204) e então, a outrora negação da humanidade e da cultura passa a ser substituída pelo limite mínimo ao exercício de seus direitos e sua cidadania (DANTAS, 2014DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Descolonialidade e direitos humanos dos povos indígenas. Revista de Educação Pública, Cuiabá, n. 53/1, v. 23, p. 343-357, 2014., p. 344).

Para ser ultrapassado esse novo limite, Dantas propõe uma cidadania nova e ressignificada, “baseada no alargamento da ideia de vínculos sociais, culturais, jurídicos e políticos de pertença concomitante às suas sociedades e culturas particulares e ao Estado” e que ofereça uma possibilidade descolonial e emancipatória para esses povos (2014, p. 353).

Com isso, seria modificada a condição que negou aos indígenas o “direito de expressar suas identidades e diferenças” (DANTAS, 2014DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Descolonialidade e direitos humanos dos povos indígenas. Revista de Educação Pública, Cuiabá, n. 53/1, v. 23, p. 343-357, 2014., p. 353-354); permitida a participação democrática nos assuntos de seus interesses (DANTAS, 2014DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Descolonialidade e direitos humanos dos povos indígenas. Revista de Educação Pública, Cuiabá, n. 53/1, v. 23, p. 343-357, 2014., p. 357); e inaugurado um diálogo intercultural que se configuraria como:

um “espaço e um instrumento” da nova cidadania indígena, diferenciada, multicultural, dinâmica, criativa e participativa no sentido de construir os direitos diferenciados indígenas e, como consequência, criar, também, contextos plurais e heterogêneos onde a convivência democrática possibilite o desenvolver das ações da vida sem opressão, sem exclusão. (DANTAS, 2012DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Direitos Humanos e Pensamento Indígenas no Brasil: um breve percurso sobre a violência da invisibilização dos modos indígenas de ser, fazer e viver. Revista PRAXIS da Escuela de Filosofía da Universidad Nacional de Costa Rica, [Heredia], n. 67, p. 31-48, 2012., p. 40)

Dentre os mecanismos de participação democrática indígena, o presente trabalho foca no direito à consulta aos povos indígenas como instrumento de diálogo entre a sociedade moderna e as organizações indígenas. Nesse contexto, essas organizações passam a ser, ao menos nessa relação, também uma “organização de papel” e de “contrato” (MARÉS, 2019MARÉS, Carlos Frederico. A força vinculante do protocolo de consulta. In: GLASS, Verena (Org.). Protocolos de consulta prévia e o direito à livre determinação. São Paulo: Fundação Rosa Luxemburgo, CEPEDIS, 2019. p. 19-45., p. 20), que passa a utilizar os mecanismos da modernidade (o papel e o contrato) de modo eficaz a proteger, agora, também os seus direitos.

Sob essa ótica, haverá, ao menos, a necessidade de que se estabeleça um “contexto plural, heterogêneo e igualitário complexo, de onde se possa falar e, acima de tudo, que o sujeito da fala exerça poder” (DANTAS, 2012DANTAS, Fernando Antonio de Carvalho. Direitos Humanos e Pensamento Indígenas no Brasil: um breve percurso sobre a violência da invisibilização dos modos indígenas de ser, fazer e viver. Revista PRAXIS da Escuela de Filosofía da Universidad Nacional de Costa Rica, [Heredia], n. 67, p. 31-48, 2012., p. 44). Com isso, impõe-se um necessário debate que demonstre a importância da quebra paradigmática da invisibilidade do Outro por meio do instrumento da consulta aos povos indígenas.

3 Entre a colaboração e o consentimento: a escolha da consulta prévia, livre e informada na Convenção 169 da OIT

O direito à consulta foi previsto pela primeira vez na Convenção 169 da OIT como um instrumento de participação e respeito num momento em que se pretendia estabelecer uma nova relação entre Estado e povos indígenas (FAJARDO, 2009FAJARDO, Raquel Z. Yrigoyen. Aos 20 anos do Convênio 169 da OIT: Balanço e desafios da implementação dos direitos dos Povos Indígenas na América Latina. In: VERDUM, Ricardo (org.). Povos indígenas, Constituições e Reformas Políticas na América Latina. Brasília: Instituto de Estudos Socioambientais – Inesc. 2009. p. ISBN 978-85-87386-21-2. p. 9-62., p. 21). Rompeu-se com a lógica integracionista da anterior Convenção 107, também da OIT, estabelecendo novas bases para uma relação em que os povos indígenas poderiam controlar suas instituições, modelo de desenvolvimento e participação nas políticas estatais (FAJARDO, 2009FAJARDO, Raquel Z. Yrigoyen. Aos 20 anos do Convênio 169 da OIT: Balanço e desafios da implementação dos direitos dos Povos Indígenas na América Latina. In: VERDUM, Ricardo (org.). Povos indígenas, Constituições e Reformas Políticas na América Latina. Brasília: Instituto de Estudos Socioambientais – Inesc. 2009. p. ISBN 978-85-87386-21-2. p. 9-62., p. 15).

Antes, na Convenção 107, não havia previsão para participação dos povos indígenas nas medidas que lhes influenciassem direta ou indiretamente. Na verdade, cabia aos governos promover o desenvolvimento social, econômico e cultural dos povos indígenas e a sua integração nacional (OIT, 1957OIT. Convenção nº 107 da OIT, de 05 de junho de 1957. Concernente à proteção e integração das populações indígenas e outras populações tribais e semitribais de países independentes. [Genebra], 1957.), tomando em consideração, para cumprir essa determinação, os valores desses povos e a procura de sua colaboração (OIT, 1957OIT. Convenção nº 107 da OIT, de 05 de junho de 1957. Concernente à proteção e integração das populações indígenas e outras populações tribais e semitribais de países independentes. [Genebra], 1957.). É o que se verifica na leitura em conjunto de seus artigos 2º, incisos 1 e 2, “b”, 4º, “a” e 5º, “a”.

Ou seja, o que se procurava dos povos indígenas era apenas sua “colaboração” para o desenvolvimento em suas terras, por meio da ingerência e da interpretação que o governo atribuía a seus valores. Não havia a preocupação “com o ponto de vista indígena sobre os seus problemas e, claramente, [se] adotava perspectivas integracionista e assimilacionista que buscavam dissolver os povos indígenas nas sociedades nacionais” (ANTUNES, 2019ANTUNES, Paulo de Bessa. A convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho na América do Sul. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. 188 p. ISBN 978-85-519-1128-0., p. 34).

A Convenção 107 representava a política que vigia no século XX de desaparecimento e de dissolução do indígena com a sua “conversão em cidadãos” (FAJARDO, 2009FAJARDO, Raquel Z. Yrigoyen. Aos 20 anos do Convênio 169 da OIT: Balanço e desafios da implementação dos direitos dos Povos Indígenas na América Latina. In: VERDUM, Ricardo (org.). Povos indígenas, Constituições e Reformas Políticas na América Latina. Brasília: Instituto de Estudos Socioambientais – Inesc. 2009. p. ISBN 978-85-87386-21-2. p. 9-62., p. 17). Os povos indígenas eram tratados na temática de relações de trabalho e na condição de campesinos (FAJARDO, 2009FAJARDO, Raquel Z. Yrigoyen. Aos 20 anos do Convênio 169 da OIT: Balanço e desafios da implementação dos direitos dos Povos Indígenas na América Latina. In: VERDUM, Ricardo (org.). Povos indígenas, Constituições e Reformas Políticas na América Latina. Brasília: Instituto de Estudos Socioambientais – Inesc. 2009. p. ISBN 978-85-87386-21-2. p. 9-62., p. 20), mas não como povos indígenas com uma distintiva identidade.

Na modificação conceitual que originou a Convenção 169, o primeiro ponto que sobressai é a mudança de perspectiva de que os povos indígenas poderiam ter o controle do próprio desenvolvimento (PALOMINO, 2015PALOMINO, Marco Antonio Huaco. Los trabajos preparatorios del Convenio Nº 169 sobre Pueblos Indígenas y Tribales en Países Independientes a los 25 años de su adopción. Lima: Fundação Konrad Adenauer, 2015., p. 133). Junto a isso, lutavam por sua identidade, para serem vistos como novos sujeitos de direitos: como habitantes das nações originárias ou como sujeitos coletivos (FAJARDO, 2009FAJARDO, Raquel Z. Yrigoyen. Aos 20 anos do Convênio 169 da OIT: Balanço e desafios da implementação dos direitos dos Povos Indígenas na América Latina. In: VERDUM, Ricardo (org.). Povos indígenas, Constituições e Reformas Políticas na América Latina. Brasília: Instituto de Estudos Socioambientais – Inesc. 2009. p. ISBN 978-85-87386-21-2. p. 9-62., p. 27).

Durante os procedimentos preparatórios da Convenção 169, os países concordavam que procedimentos de consulta meramente formais eram muito frágeis para permitir uma participação dos povos indígenas, de modo que, se assim adotados, os povos afetados e suas necessidades continuariam desconsiderados (PALOMINO, 2015PALOMINO, Marco Antonio Huaco. Los trabajos preparatorios del Convenio Nº 169 sobre Pueblos Indígenas y Tribales en Países Independientes a los 25 años de su adopción. Lima: Fundação Konrad Adenauer, 2015., p. 134). Concluída a convenção, a consulta passou a ter a natureza de um mecanismo substancial de participação e não de um “requisito meramente formal” (RODRÍGUEZ, 2014RODRÍGUEZ, Gloria Amparo. De la consulta prévia al consentimiento libre, previo e informado a pueblos indígenas en Colombia. Colección Diversidad Étnica y Cultural. Bogotá: Universidad del Rosario, GIZ Cooperación Alemania, 2014., p. 43), a ser preenchido previamente a um empreendimento ou a medidas legislativas e administrativas estatais.

Em outra via, na época de revisão da Convenção 107 da OIT, os Estados também queriam impedir uma autonomia aos povos indígenas que levasse à criação de um Estado dentro de outro Estado (PALOMINO, 2015PALOMINO, Marco Antonio Huaco. Los trabajos preparatorios del Convenio Nº 169 sobre Pueblos Indígenas y Tribales en Países Independientes a los 25 años de su adopción. Lima: Fundação Konrad Adenauer, 2015., p. 135). Naquela época, já havia quem entendesse sobre o que alerta Nogueira acerca da autodeterminação dos povos implicar apenas na “ruptura com os processos de exclusão do Estado ou de dominação integracionista e não na vontade de se constituir Estado” (2016, p. 117).

Tanto é que no período de revisão da Convenção 107 pela 169 existiam casos de governos que tinham em suas legislações internas expressões como livre determinação ou autonomia, sem que significasse um direito de secessão ou de separação política (PALOMINO, 2015PALOMINO, Marco Antonio Huaco. Los trabajos preparatorios del Convenio Nº 169 sobre Pueblos Indígenas y Tribales en Países Independientes a los 25 años de su adopción. Lima: Fundação Konrad Adenauer, 2015., p. 134). Apesar disso, ainda foi preciso uma compatibilização das ideias de participação e autodeterminação, garantindo-se que não fosse uma ameaça à soberania do Estado, levando ao consenso de que os povos indígenas teriam maior participação no seu próprio desenvolvimento, mas desde que sem controle ou direito de dar a última palavra (PALOMINO, 2015PALOMINO, Marco Antonio Huaco. Los trabajos preparatorios del Convenio Nº 169 sobre Pueblos Indígenas y Tribales en Países Independientes a los 25 años de su adopción. Lima: Fundação Konrad Adenauer, 2015., p. 134).

Até o século XIX, a autodeterminação é relacionada ao princípio das nacionalidades, prevalecendo a ideia estatalista (NOGUEIRA, 2016NOGUEIRA, Caroline Barbosa Contente. A autodeterminação dos povos indígenas frente ao Estado. 2016. 226 f. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba.) que, influenciada pelo positivismo jurídico, “enfraqueceu o próprio Direito Internacional, reduzindo-o a um direito estritamente interestatal, não mais acima mas entre Estados soberanos” (CANÇADO TRINDADE, 2020CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A Perenidade do Legado dos “Pais Fundadores” do Direito das Gentes (Prefácio). In: CALAFATE, Pedro; LOUREIRO, Sílvia Maria da Silveira. As origens do Direito Internacional dos Povos Indígenas: a Escola Ibérica da Paz e as gentes do novo mundo. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., p. 17-42, 2020., p. 29).

Essa questão ganhou novos contornos com o período de descolonização no cenário internacional pós Segunda Guerra Mundial, não sem bastante controvérsia, como visto, e tornando os povos indígenas que ocupavam as terras no interior das fronteiras dos países independentes limitados às políticas integracionistas (NOGUEIRA, 2016NOGUEIRA, Caroline Barbosa Contente. A autodeterminação dos povos indígenas frente ao Estado. 2016. 226 f. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba.).

Nesse contexto, a autodeterminação tornou-se não só uma questão de Estado, mas também de direitos humanos e de coletivo (NOGUEIRA, 2016NOGUEIRA, Caroline Barbosa Contente. A autodeterminação dos povos indígenas frente ao Estado. 2016. 226 f. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba.), tendo como finalidade não obter uma espécie de soberania nacional ou direito de secessão, mas de ver reconhecido seu direito “a um desenvolvimento livre, recuperando os séculos em que o colonialismo tomou para si este direito” (NOGUEIRA, 2016NOGUEIRA, Caroline Barbosa Contente. A autodeterminação dos povos indígenas frente ao Estado. 2016. 226 f. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba., p. 110).

A autodeterminação para os povos indígenas é interna, permitindo-lhes resguardar sua racionalidade frente à incompatível gênese ideológica do Estado-Nação em que estão inseridos (NOGUEIRA, 2016NOGUEIRA, Caroline Barbosa Contente. A autodeterminação dos povos indígenas frente ao Estado. 2016. 226 f. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba.), e garantindo-lhes a “liberdade da manifestação da vontade coletiva dos povos em decidir sobre sua forma de organização política, social, jurídica e suas relações entre si e com a natureza, com base em suas tradições e cultura” (NOGUEIRA, 2016NOGUEIRA, Caroline Barbosa Contente. A autodeterminação dos povos indígenas frente ao Estado. 2016. 226 f. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba., p. 116).

As propostas de revisão da Convenção 107 consideravam que os povos indígenas teriam direito a participar de um processo de tomada de decisão que os “brindasse a oportunidade de se fazer escutar e de influenciar nas decisões adotadas” e “a possibilidade efetiva de expressar seu ponto de vista” (traduções livres) (PALOMINO, 2015PALOMINO, Marco Antonio Huaco. Los trabajos preparatorios del Convenio Nº 169 sobre Pueblos Indígenas y Tribales en Países Independientes a los 25 años de su adopción. Lima: Fundação Konrad Adenauer, 2015., p. 134).

As organizações indígenas e ONGs tinham o posicionamento de que a “consulta” não era o termo mais adequado para ampliar sua capacidade de determinarem seu desenvolvimento, de modo que pudessem dar seu “consentimento” para os programas e atividades que lhe afetassem (PALOMINO, 2015PALOMINO, Marco Antonio Huaco. Los trabajos preparatorios del Convenio Nº 169 sobre Pueblos Indígenas y Tribales en Países Independientes a los 25 años de su adopción. Lima: Fundação Konrad Adenauer, 2015., p. 136).

No entanto, o termo “consentimento” (buscado pelos representantes dos trabalhadores) era visto com temor no âmbito da OIT porque poderia “constituir um obstáculo para a ratificação da convenção revisada, cuja aplicação poderia inclusive provocar a dissolução de alguns Estados” (tradução livre) (PALOMINO, 2015PALOMINO, Marco Antonio Huaco. Los trabajos preparatorios del Convenio Nº 169 sobre Pueblos Indígenas y Tribales en Países Independientes a los 25 años de su adopción. Lima: Fundação Konrad Adenauer, 2015., p. 138).

Não à toa, a emenda de substituição do termo “consentimento” por “consulta” foi aprovada e a subemenda de inclusão da expressão “consulta com objetivo de obter consentimento” foi inicialmente reprovada pelos Estados no texto de conclusão das reuniões preparatórias (PALOMINO, 2015PALOMINO, Marco Antonio Huaco. Los trabajos preparatorios del Convenio Nº 169 sobre Pueblos Indígenas y Tribales en Países Independientes a los 25 años de su adopción. Lima: Fundação Konrad Adenauer, 2015., p. 140).

Os membros trabalhadores não conseguiram restabelecer uma emenda com a expressão “consentimento” porque se considerava que “consulta” já estava em harmonia com o que era desejado pela OIT: estabelecer um diálogo (PALOMINO, 2015PALOMINO, Marco Antonio Huaco. Los trabajos preparatorios del Convenio Nº 169 sobre Pueblos Indígenas y Tribales en Países Independientes a los 25 años de su adopción. Lima: Fundação Konrad Adenauer, 2015., p. 146).

E essa ideia é reproduzida há mais de 20 (vinte) anos de Convenção 169. Quando Antunes retrata o direito à consulta, sustenta que ele “não induz um direito a vetar projetos e programas de investimento, pois esse não é o objetivo da Convenção 169”, mas sim estabelecer a consulta como um “instrumento para o aperfeiçoamento do diálogo intercultural que deverá ser permanente” (ANTUNES, 2019ANTUNES, Paulo de Bessa. A convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho na América do Sul. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. 188 p. ISBN 978-85-519-1128-0., p. 159).

Apesar dessa forma de compreendê-la, importa destacar que quando da aprovação da Convenção 169, o termo “consentimento” foi incluído no item 2 do artigo 6º, não como um procedimento obrigatório a ser seguido pelos Estados como a “consulta”, mas, ao menos, como o objetivo final a ser perseguido junto à obtenção de um acordo (OIT, 1989OIT. Convenção nº 169 da OIT, de 27 de junho de 1989. Sobre Povos Indígenas e Tribais. [Genebra], 1989.).

A necessidade do consentimento varia e possui um nível mais elevado de importância quanto maior for o impacto das medidas administrativas ou legislativas e os resultados mais severos ou duradouros para os povos indígenas (RODRÍGUEZ, 2014RODRÍGUEZ, Gloria Amparo. De la consulta prévia al consentimiento libre, previo e informado a pueblos indígenas en Colombia. Colección Diversidad Étnica y Cultural. Bogotá: Universidad del Rosario, GIZ Cooperación Alemania, 2014., p. 48). Essa visão consegue explicar a inclusão do termo “consentimento” no artigo 16, item 2[5], da Convenção 169, a qual prevê expressamente que será a regra para os casos de translado e reassentamento (OIT, 1989OIT. Convenção nº 169 da OIT, de 27 de junho de 1989. Sobre Povos Indígenas e Tribais. [Genebra], 1989.), medidas muito mais gravosas por retirar os povos indígenas de suas territorialidades.

Outro ponto de destaque é que qualquer debate sobre a implementação da consulta deve tomar em consideração que os indígenas “historicamente sempre estiveram fora dos processos de tomada de decisão” e que é por meio dela, como instrumento de participação, que encontram uma forma de se “aproximarem, participarem, influenciarem nas decisões e acompanharem tudo antes que as coisas aconteçam” (YAMADA, OLIVEIRA, 2013YAMADA, Erika M.; OLIVEIRA, Lúcia Alberta Andrade de. (Orgs). A Convenção 169 da OIT e o Direito à Consulta Livre, Prévia e Informada. Brasília: Funai/GIZ. 2013., p. 13).

Não à toa, a Convenção 169 da OIT sempre foi vista como normativa com grandes desafios de implementação (FAJARDO, 2009FAJARDO, Raquel Z. Yrigoyen. Aos 20 anos do Convênio 169 da OIT: Balanço e desafios da implementação dos direitos dos Povos Indígenas na América Latina. In: VERDUM, Ricardo (org.). Povos indígenas, Constituições e Reformas Políticas na América Latina. Brasília: Instituto de Estudos Socioambientais – Inesc. 2009. p. ISBN 978-85-87386-21-2. p. 9-62., p. 22). A tendência é que, no processo de consulta, os povos indígenas devem não só ter acesso aos estudos de impactos fornecidos pelo governo, mas também ter a oportunidade de “apresentar suas próprias análises acerca dos impactos das medidas sob consulta” (YAMADA, OLIVEIRA, 2013YAMADA, Erika M.; OLIVEIRA, Lúcia Alberta Andrade de. (Orgs). A Convenção 169 da OIT e o Direito à Consulta Livre, Prévia e Informada. Brasília: Funai/GIZ. 2013., p. 17).

Isso sem contar que o processo de consulta tem seus próprios e consistentes adjetivos: deve ser prévia, livre, informada, efetiva, culturalmente adequada e de boa-fé (RODRÍGUEZ, 2014RODRÍGUEZ, Gloria Amparo. De la consulta prévia al consentimiento libre, previo e informado a pueblos indígenas en Colombia. Colección Diversidad Étnica y Cultural. Bogotá: Universidad del Rosario, GIZ Cooperación Alemania, 2014., p. 37; CAPORRINO, 2018CAPORRINO, Bruno Walter. Autodeterminação, participação e consulta prévia. Dos direitos ofertados pelo Estado aos povos indígenas às estratégias por eles elaboradas para sua apropriação e efetivação: o protocolo de consulta e consentimento Wajãpi . In: Seminário Internacional em Sociedade e Cultura na Pan-Amazônia, III, 2018, Manaus. Disponível em: <https://doity.com.br/anais/iiisiscultura/trabalho/76440>. Acesso em: 15 dez 2019.
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, p. 11). Aprofundar seus elementos, no entanto, não é a finalidade do presente trabalho.

Por ora, pretende-se firmar como segunda base de análise do presente artigo o fato de a consulta aos povos indígenas representar um instrumento que permite o diálogo entre duas perspectivas distintas na resolução de uma mesma questão. Sob essa premissa, a parte seguinte prossegue na demonstração de que o ponto de vista do indígena deve ser adequadamente valorizado durante o procedimento de consulta, a fim de que seja utilizado como um mecanismo efetivo de participação democrática.

Nessa ótica, é possível inserir o debate sobre o direito à consulta no viés do perspectivismo indígena amazônico de Viveiros de Castro - que impõe o repensar da valoração atribuída ao ponto de vista indígena -, ao mesmo passo em que também o insere na arena do poder simbólico de Pierre Bourdieu, quando identifica as relações de poder existentes nas relações de comunicação entre os pontos de vista envolvidos – aqui, o indígena e o não-indígena. É o que será abordado no próximo tópico.

4 O direito à consulta, o desequilíbrio do poder simbólico e a proposta do perspectivismo ameríndio

Nos tópicos anteriores foram apresentados, de um lado, o tratamento conferido aos povos indígenas no contexto histórico de conquista e de dominação de suas terras e, de outro, a atual orientação normativa que prevê a esses povos o direito à consulta prévia, livre e informada como um mecanismo mínimo de participação para tomada de decisões sobre medidas que de alguma forma lhe afetem.

Entre o passado de opressão e a nova demanda de escuta ativa desses povos, foram anos de domínio exclusivo do ponto de vista não-indígena na sociedade. O direito à consulta representa, portanto, uma guinada na importância conferida à sua existência, ao seu ponto de vista e à participação no espaço social de que fazem parte.

O direito de participação é vinculado à manutenção de uma sociedade democrática e da legitimidade política (ZAMORA, 2018ZAMORA, Francisco J. Campos. Menos Habermas y más Realpolitik ¿Qué tan eficaces son los procesos participativos en la toma de decisiones? In: FUNDACIÓN KONRAD ADENAUER. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano 2018. [Bogotá]: Konrad-Adenauer-Stiftung e. V., ano XXIV, p.21-38, 2018. ISSN 2346-0849.), tendo a teoria do agir comunicativo de Habermas levantado debates para suplantar a duradoura ética racional e monológica de Kant por uma ética discursiva e participativa (ZAMORA, 2018ZAMORA, Francisco J. Campos. Menos Habermas y más Realpolitik ¿Qué tan eficaces son los procesos participativos en la toma de decisiones? In: FUNDACIÓN KONRAD ADENAUER. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano 2018. [Bogotá]: Konrad-Adenauer-Stiftung e. V., ano XXIV, p.21-38, 2018. ISSN 2346-0849.).

Conferir o direito a participar e, portanto, a construir um diálogo social sobre questões políticas, pode dar a entender, pela teoria do agir comunicativo habermasiana, que existe a possibilidade de se buscar um consenso e uma verdade pela via da comunicação e do conhecimento partilhado, na qual os interlocutores pudessem intervir sob as mesmas possibilidades de participação (ZAMORA, 2018ZAMORA, Francisco J. Campos. Menos Habermas y más Realpolitik ¿Qué tan eficaces son los procesos participativos en la toma de decisiones? In: FUNDACIÓN KONRAD ADENAUER. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano 2018. [Bogotá]: Konrad-Adenauer-Stiftung e. V., ano XXIV, p.21-38, 2018. ISSN 2346-0849.).

Ocorre que nem sempre existe a igualdade entre os sujeitos, e a imposição de um consenso pode gerar os efeitos de um “condicionamento cultural” (ZAMORA, 2018ZAMORA, Francisco J. Campos. Menos Habermas y más Realpolitik ¿Qué tan eficaces son los procesos participativos en la toma de decisiones? In: FUNDACIÓN KONRAD ADENAUER. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano 2018. [Bogotá]: Konrad-Adenauer-Stiftung e. V., ano XXIV, p.21-38, 2018. ISSN 2346-0849., p. 30). Pretender isso seria incorrer, do mesmo modo, nas acusações de etnocentrismo dirigidas à teoria de Kant (ZAMORA, 2018ZAMORA, Francisco J. Campos. Menos Habermas y más Realpolitik ¿Qué tan eficaces son los procesos participativos en la toma de decisiones? In: FUNDACIÓN KONRAD ADENAUER. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano 2018. [Bogotá]: Konrad-Adenauer-Stiftung e. V., ano XXIV, p.21-38, 2018. ISSN 2346-0849.), e desconsiderar que na atual sociedade “a problemática está conectada com a diferenciação de culturas, e a análise das concepções ético-jurídicas não pode se limitar às estruturas gerais de uma única visão de mundo, mas, antes, deve considerar as diferentes respostas de cada cultura” (ZAMORA, 2018ZAMORA, Francisco J. Campos. Menos Habermas y más Realpolitik ¿Qué tan eficaces son los procesos participativos en la toma de decisiones? In: FUNDACIÓN KONRAD ADENAUER. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano 2018. [Bogotá]: Konrad-Adenauer-Stiftung e. V., ano XXIV, p.21-38, 2018. ISSN 2346-0849., p. 30, tradução livre).

Diante disso, Zamora aponta que o fundamento para o direito de participação na sociedade moderna é justamente “uma forma de equilibrar os jogos de poder que geralmente pertencem apenas aos poderes político-governamentais”, a fim de neles envolver os setores historicamente marginalizados e facilitar as mudanças sociais (2018, p. 31, tradução livre).

O autor demonstra que essa finalidade está, no entanto, longe de ser vista na prática e que o cenário mais comum é o de resistência ou de manutenção das relações de poder existentes (ZAMORA, 2018ZAMORA, Francisco J. Campos. Menos Habermas y más Realpolitik ¿Qué tan eficaces son los procesos participativos en la toma de decisiones? In: FUNDACIÓN KONRAD ADENAUER. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano 2018. [Bogotá]: Konrad-Adenauer-Stiftung e. V., ano XXIV, p.21-38, 2018. ISSN 2346-0849.). A partir disso, o direito de participar deve ser reforçado como a possibilidade de quem foi historicamente marginalizado construir, com esse espaço institucional, capital social e transformar as relações de poder existentes (ZAMORA, 2018ZAMORA, Francisco J. Campos. Menos Habermas y más Realpolitik ¿Qué tan eficaces son los procesos participativos en la toma de decisiones? In: FUNDACIÓN KONRAD ADENAUER. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano 2018. [Bogotá]: Konrad-Adenauer-Stiftung e. V., ano XXIV, p.21-38, 2018. ISSN 2346-0849.).

O simples aumento do direito de participar não garante o início de processos de reconhecimento ou identificação, podendo “reforçar as desigualdades preexistentes” (ZAMORA, 2018ZAMORA, Francisco J. Campos. Menos Habermas y más Realpolitik ¿Qué tan eficaces son los procesos participativos en la toma de decisiones? In: FUNDACIÓN KONRAD ADENAUER. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano 2018. [Bogotá]: Konrad-Adenauer-Stiftung e. V., ano XXIV, p.21-38, 2018. ISSN 2346-0849., p. 33). Em razão disso, este trabalho pretende demonstrar que os novos desafios do direito à consulta vão muito além da sua implementação, sendo imprescindível pensar na estruturação social e no poder simbólico envolvido no momento da comunicação, inclusive para fins de possibilitar a justa participação e poder de decisão a esses povos.

Quanto a esse ponto, algumas bases do pensamento de Pierre Bourdieu sobre o poder simbólico e outras do pensamento de Viveiros de Castro sobre o perspectivismo ameríndio auxiliam na compreensão do que ora se defende.

Em primeiro lugar, destaca-se no pensamento de Bourdieu que é preciso superar a possível dicotomia ou o antagonismo entre as visões fisicalista e simbólica do mundo social (BOURDIEU, 2014BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado: Cursos no Collège de France (1989-92). Tradução: Rosa Freire d’Aguiar. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014., p. 304). Para o autor, toda relação de força, até mesmo as mais brutais, apesar de serem evidentemente físicas, são também simbólicas, e representam uma relação de comunicação entre o mais forte e o mais fraco (BOURDIEU, 2014BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado: Cursos no Collège de France (1989-92). Tradução: Rosa Freire d’Aguiar. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014., p. 305).

No processo de conquista, a brutalidade física foi evidente, permeada não só pelas mazelas de guerras, genocídio, doenças, escravização, mas também pelo massacre cultural, com processos de deculturação3 3 Violência praticada contra a cultura de um povo, contra o diferente (PONTES FILHO, 2017, p. 151). e de aculturação4 4 Interpenetração de culturas com sobreposição de uma cultura a outra ou sobre as demais culturas (PONTES FILHO, 2017, p. 151). ocidentalizante - a logospirataria (PONTES FILHO, 2017), que culminou na invisibilização e na desconsideração da existência do Outro indígena.

Na atualidade, a relação de força física ainda pode ser identificada, vez que aumentou, nos últimos anos, o número de assassinatos de lideranças indígenas (CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO, 2019CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil - Dados de 2018. [S.l.]: Conselho Indigenista Missionário – CIMI, [2019]. 156 p. ISSN 1984-7645. Disponível em: <https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2019/09/relatorio-violencia-contra-os-povos-indigenas-brasil-2018.pdf>. Acesso em 15 fev. 2020.
https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2...
, p. 14). Todavia, quando se trata de respeito ao direito à consulta, maior evidência está na relação de força simbólica, sendo as demandas indígenas, ainda hoje, constantes “objetos de questionamentos jurídicos, administrativos, econômicos ou sociais” (CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO, 2019CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO. Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil - Dados de 2018. [S.l.]: Conselho Indigenista Missionário – CIMI, [2019]. 156 p. ISSN 1984-7645. Disponível em: <https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2019/09/relatorio-violencia-contra-os-povos-indigenas-brasil-2018.pdf>. Acesso em 15 fev. 2020.
https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2...
, p. 72).

Nessa relação de força simbólica, a posição de dominante ou de dominado permite descobrir as influências da estrutura social sobre os agentes e como ela age interferindo em suas percepções do mundo social (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Difusão Editorial Lda; Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A., 1989., p. 141). Quanto mais firmes e rigorosas forem as condições de existência no meio social, maior é a aceitação tácita de posição, limites e distância do papel que se ocupa dentro da sociedade (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Difusão Editorial Lda; Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A., 1989., p. 141), percepção esta influenciada pelas estruturas existentes no espaço social (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Difusão Editorial Lda; Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A., 1989., p. 141).

Como visto, por muito tempo os povos indígenas sobreviveram à sua exclusão do espaço social, preenchendo o lugar de dominado. Isso lhes impôs a condição de exclusão social, no entanto, não lhes retirou suas perspectivas específicas, que ficaram apenas silenciadas.

Bourdieu demonstra que apesar do conhecimento e reconhecimento da condição de dominado, os objetos do mundo social continuam a ser vistos sob perspectivas diversas, permanecendo a pluralidade de visões de mundo e de pontos de vista (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Difusão Editorial Lda; Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A., 1989., p. 139), o que dá fundamento “a lutas simbólicas pela produção e imposição da visão do mundo legítima” (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Difusão Editorial Lda; Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A., 1989., p. 140).

Essa diversidade se torna a responsável por formar grupos com estilos de vida diferentes (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Difusão Editorial Lda; Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A., 1989., p. 144), e que também se diferenciam na proporção do capital simbólico que detêm para impor, nessa luta, a sua visão de mundo (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Difusão Editorial Lda; Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A., 1989., p. 145).

Essa proporção de poder simbólico é variante porque depende da posição que o agente ocupa dentro do espaço social (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Difusão Editorial Lda; Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A., 1989., p. 151), sendo importante a quem está em posições dominadas também estar no campo de produção simbólica (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Difusão Editorial Lda; Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A., 1989., p. 152).

Isso significa dizer que é possível haver uma ruptura no círculo da reprodução simbólica do ponto de vista dominante, seja com a institucionalização de instrumentos que permitam apresentar uma visão de mundo diferente (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Difusão Editorial Lda; Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A., 1989., p. 153), seja mediante um processo histórico, ainda que difícil, de transformação da identidade social advinda das divisões entre grupos e das visões sociais diversas de mundo (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Difusão Editorial Lda; Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A., 1989., p. 157).

Em relação a isso, o direito à consulta se mostra tanto como instrumento de participação institucionalizado, como decorre da luta histórica por reverter o quadro de exclusão, dominação e invisibilidade dos povos indígenas.

Esclarecido o campo social simbólico em que inseridos ambos os lados participantes da consulta, passa-se a apresentar as bases de como o pensamento antropológico de Viveiros de Castro auxilia no valor a que deve ser dado ao ponto de vista diferente dos povos indígenas, a partir do perspectivismo ameríndio.

A partir da década de 70, houve uma transformação radical na relação entre povos indígenas e sociedades dominantes, decorrente da mobilização política daqueles povos que, por meios burocráticos, passaram a contestar sua opressão (AMANTE, 2019AMANTE, Victor Abreu. Tradição ou invenção: a projeção do perspectivismo ameríndio no cenário de sua crítica e da virada ontológica. 2019. 96 f. Monografia - Universidade Estadual de Campinas, Campinas., p. 14). Segundo Viveiros de Castro, os indígenas começaram a reivindicar e obtiveram um “reconhecimento constitucional de um estatuto diferenciado permanente dentro da chamada ‘comunhão nacional’” (1999, p. 138).

Alguns teólogos descobriram que o que “estudavam como se fossem ‘comunidades rurais que apresentavam a particularidade de ser indígenas’ eram, na verdade, ‘comunidades indígenas que tinham a particularidade de ser camponesas’” (VIVEIROS DE CASTRO, 1999VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Etnologia brasileira. In: MICELI, S. (org.), O que ler na Ciência Social brasileira (1975-1995), vol. I, Antropologia. São Paulo: Sumaré/Anpocs, p. 109-223, 1999., p. 138). Muitos trocaram “a sociologia da ‘questão indígena’ por uma antropologia das questões indígenas, tornadas teoricamente acessíveis a partir dos anos 70: rotação de perspectiva” (VIVEIROS DE CASTRO, 1999VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Etnologia brasileira. In: MICELI, S. (org.), O que ler na Ciência Social brasileira (1975-1995), vol. I, Antropologia. São Paulo: Sumaré/Anpocs, p. 109-223, 1999., p. 142).

Houve uma amplitude da cobertura etnográfica no Brasil e também consequências na teoria etnóloga que começou a tratar os indígenas como sujeitos, abandonando o antigo cenário científico em que eram apenas objetos de estudo, quando eram, ou considerados selvagens primitivos, ou investigados por interesse ecológico e economicista sobre sociedades de subsistência (AMANTE, 2019AMANTE, Victor Abreu. Tradição ou invenção: a projeção do perspectivismo ameríndio no cenário de sua crítica e da virada ontológica. 2019. 96 f. Monografia - Universidade Estadual de Campinas, Campinas., p.13-14).

Nesse contexto, percebeu-se que os conceitos de trabalho de campo utilizados por cientistas estrangeiros não se adequavam à realidade brasileira, onde os indígenas não formavam sistemas políticos tal como no continente africano, nem se caracterizavam por ser uma sociedade com concentração de poder (AMANTE, 2019AMANTE, Victor Abreu. Tradição ou invenção: a projeção do perspectivismo ameríndio no cenário de sua crítica e da virada ontológica. 2019. 96 f. Monografia - Universidade Estadual de Campinas, Campinas., p. 19-20). Sob esse cenário, foi possível construir uma etnologia tipicamente brasileira, não no sentido de ser feita por brasileiros, mas com foco na brasilidade dos povos estudados (VIVEIROS, 1999, p. 159).

Surgiu, então, o perspectivismo ameríndio de Viveiros de Castro, remodelando conceitos antropológicos estrangeiros sobre modos de organização social, dissolvendo a relação entre cultura e natureza do estruturalismo e do animismo vigentes na época, indo além do relativismo cultural para um multinaturalismo (AMANTE, 2019AMANTE, Victor Abreu. Tradição ou invenção: a projeção do perspectivismo ameríndio no cenário de sua crítica e da virada ontológica. 2019. 96 f. Monografia - Universidade Estadual de Campinas, Campinas.).

O perspectivismo ameríndio demonstrou que a diferença entre humanos e não-humanos do pensamento Ocidental Moderno não era a mesma concepção adotada por indígenas brasileiros, e que havia alguns pontos característicos, por exemplo, sobre seus corpos, rituais de passagem e projeção de humanidade pela condição de sujeito (AMANTE, 2019AMANTE, Victor Abreu. Tradição ou invenção: a projeção do perspectivismo ameríndio no cenário de sua crítica e da virada ontológica. 2019. 96 f. Monografia - Universidade Estadual de Campinas, Campinas.).

Isto, no entanto, aproveita mais aos estudos antropológicos do que à área do Direito. A sua utilização neste trabalho tem mais vinculação com a “Virada Ontológica” ocorrida na Antropologia a partir do perspectivismo ameríndio, e com a sua utilização como “cosmopolítica”, do que propriamente suas especificidades técnicas para estudos etnográficos.

Como visto, o perspectivismo ameríndio surge num cenário de reconhecimento do indígena (antes, objeto de estudo) como sujeito de direitos e, junto a isso, permite a modificação das premissas colonialistas dos estudos etnográficos.

Em seu artigo “Transformação na antropologia, transformação da “antropologia”, Viveiros de Castro demonstra seu novo momento em que reflete sobre as implicações filosóficas da antropologia (2012, p. 151) e em que se volta “para a busca de métodos mais eficazes de transfusão das possibilidades realizadas pelos mundos indígenas para dentro da circulação cosmopolítica global” (2012, p. 152).

Ressalta o perspectivismo ameríndio, então, não pelo objeto da sua teoria, mas por definir para si “um interlocutor, um (co)respondente dialógico que tem o aspecto de uma sofisticada cosmopolítica indígena” (VIVEIROS DE CASTRO, 2012VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Entrevista com Eduardo Viveiros de Castro. [Entrevista cedida a] Cleber Lambert & Larissa Barcellos. Primeiros Estudos: Revista de Graduação em Ciências Sociais da USP, São Paulo, n. 2, p. 251-267, 2012., p. 156). Isso significa dizer que o próprio autor ressalta o seu perspectivismo ameríndio não pelas finalidades epistemológicas que trouxe para a Antropologia, mas por possibilitar uma nova ontologia política, um perspectivismo ontológico (2012, p. 157).

Essa virada ontológica teria influências na filosofia (e, da mesma forma que retratado anteriormente sobre a teoria do agir comunicativo habermasiana), no repensar da metafísica antropocêntrica, universal e racional de Kant, permitindo uma “reontologização”, com o pensamento indígena, daquilo que antes esteve limitado na racionalidade do “eu” (VIVEIROS DE CASTRO, 2012VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Entrevista com Eduardo Viveiros de Castro. [Entrevista cedida a] Cleber Lambert & Larissa Barcellos. Primeiros Estudos: Revista de Graduação em Ciências Sociais da USP, São Paulo, n. 2, p. 251-267, 2012., p. 167).

Mediante um perspectivismo ameríndio ontológico, não se estaria querendo desvendar filosoficamente “o Ser”, mas permitir que se compreenda o mundo do outro (AMANTE, 2019AMANTE, Victor Abreu. Tradição ou invenção: a projeção do perspectivismo ameríndio no cenário de sua crítica e da virada ontológica. 2019. 96 f. Monografia - Universidade Estadual de Campinas, Campinas., p. 61). É uma teoria que permite ir além do mero compreender de um ponto de vista, estimulando que os nossos próprios pressupostos de pensamento possam ser transformados pelo contato com a outra forma de pensar o mundo (AMANTE, 2019AMANTE, Victor Abreu. Tradição ou invenção: a projeção do perspectivismo ameríndio no cenário de sua crítica e da virada ontológica. 2019. 96 f. Monografia - Universidade Estadual de Campinas, Campinas., p. 62; VIVEIROS DE CASTRO, 2012VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Entrevista com Eduardo Viveiros de Castro. [Entrevista cedida a] Cleber Lambert & Larissa Barcellos. Primeiros Estudos: Revista de Graduação em Ciências Sociais da USP, São Paulo, n. 2, p. 251-267, 2012.).

Em seu livro Metafísicas Canibais, Viveiros de Castro parte da premissa de que os povos do Novo Mundo já compartilhavam da concepção de que havia uma multiplicidade de pontos de vista (2018, p. 33), o que agora passa a ser também obrigatório para a comunidade não-indígena. Se a perspectiva indígena passa a ser considerada não só em razão de formalidade, não apenas para cumprir requisitos formais do dever de consulta, e passa a ser levada a sério, pode vir inclusive a produzir modificações no ponto de vista não-indígena (VIVEIROS DE CASTRO, 2018VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Metafísicas canibais: Elementos para uma antropologia pós-estrutural. [São Paulo]: UBU Editora Ltda. – ME, 2018. E-book (288 p.). ISBN 9788592886417., p. 192)

Tomar a sério o pensamento indígena não seria adotá-lo como verdade, nem como mera opinião ou prejulgá-lo como erro ou ideologia (VIVEIROS DE CASTRO, 2018VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Metafísicas canibais: Elementos para uma antropologia pós-estrutural. [São Paulo]: UBU Editora Ltda. – ME, 2018. E-book (288 p.). ISBN 9788592886417., p. 192-193). Para o autor, “o pensamento nativo deve ser tomado - se se quer tomá-lo a sério - como prática de sentido: como dispositivo autorreferencial de produção de conceitos, de ‘símbolos que representam a si mesmos’.” (VIVEIROS DE CASTRO, 2018VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Metafísicas canibais: Elementos para uma antropologia pós-estrutural. [São Paulo]: UBU Editora Ltda. – ME, 2018. E-book (288 p.). ISBN 9788592886417., p. 194) (grifo do autor).

A percepção do mundo diferente da nossa, é considerada a expressão de outro como um mundo possível, que acaba precisando ser atualizado pelo “Eu”, mediante um processo de verificação para validá-lo ou desmenti-lo (VIVEIROS DE CASTRO, 2018VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Metafísicas canibais: Elementos para uma antropologia pós-estrutural. [São Paulo]: UBU Editora Ltda. – ME, 2018. E-book (288 p.). ISBN 9788592886417., p. 194-195). Nessa validação, acaba-se por se exigir condições especiais, sobretudo quando o Outro ainda não existe para nós senão por meio de sua expressão (VIVEIROS DE CASTRO, 2018VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Metafísicas canibais: Elementos para uma antropologia pós-estrutural. [São Paulo]: UBU Editora Ltda. – ME, 2018. E-book (288 p.). ISBN 9788592886417., p. 195).

Tendo isso em conta, o papel que caberia à antropologia e mesmo ao perspectivismo ontológico como teoria, não seria o de explicar o mundo do outro, o ponto de vista do indígena, mas o de multiplicar o mundo não-indígena “povoando-o de todos esses exprimidos que não existem fora de suas expressões” (VIVEIROS DE CASTRO, 2018VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Metafísicas canibais: Elementos para uma antropologia pós-estrutural. [São Paulo]: UBU Editora Ltda. – ME, 2018. E-book (288 p.). ISBN 9788592886417., p. 196):

Pois não podemos pensar como os índios; podemos, no máximo, pensar com eles. E a propósito - tentando só por um momento pensar “como eles” -, se há uma mensagem clara do perspectivismo indígena, é justamente a de que não se deve jamais tentar atualizar o mundo tal como exprimido nos olhos alheios. (VIVEIROS DE CASTRO, 2018VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Metafísicas canibais: Elementos para uma antropologia pós-estrutural. [São Paulo]: UBU Editora Ltda. – ME, 2018. E-book (288 p.). ISBN 9788592886417., p. 196)

A perspectiva indígena não deveria passar pelo processo de validação ou desmistificação para que seja aceito pelo outro polo da relação de comunicação do procedimento de consulta. Se assim o fosse, estariam mantidos os fundamentos metafísicos do colonialismo (VIVEIROS DE CASTRO, 2012VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Entrevista com Eduardo Viveiros de Castro. [Entrevista cedida a] Cleber Lambert & Larissa Barcellos. Primeiros Estudos: Revista de Graduação em Ciências Sociais da USP, São Paulo, n. 2, p. 251-267, 2012., p. 155).

Assim como na antropologia, o perspectivismo, como teoria ontológica, pode servir para o âmbito administrativo e jurídico – ou onde quer que se decida sobre o que buscamos enquanto sociedade -, pois tem como objetivo uma descolonização permanente do pensamento sobre o outro (VIVEIROS DE CASTRO, 2018VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Metafísicas canibais: Elementos para uma antropologia pós-estrutural. [São Paulo]: UBU Editora Ltda. – ME, 2018. E-book (288 p.). ISBN 9788592886417., p. 14-15).

Essa descolonização permanente do pensamento permitiria afastar, segundo o autor, a tendência natural ao colonialismo, o que, a nosso ver, também permite aumentar a proporção de capital simbólico atribuído à nova perspectiva, agora levada em consideração no procedimento de consulta.

Assim, se “o encontro ou o intercâmbio de perspectivas é um processo perigoso, e uma arte política - uma diplomacia” (VIVEIROS DE CASTRO, 2018VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Metafísicas canibais: Elementos para uma antropologia pós-estrutural. [São Paulo]: UBU Editora Ltda. – ME, 2018. E-book (288 p.). ISBN 9788592886417., p. 39), mas que pode ser utilizado para a transformação da realidade social mediante instrumentos institucionalizados de representação da visão de mundo (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Lisboa: Difusão Editorial Lda; Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil S.A., 1989., p. 153, 157), deve-se conferir, no exercício do direito de consulta, a devida tomada a sério da participação indígena, a fim de tentar equilibrar a discrepância de capital simbólico nas perspectivas envolvidas.

Considerações finais

Ao longo deste artigo, pretendeu-se demonstrar que não só se deve lutar pela implementação do direito à consulta aos povos indígenas, mas por uma implementação de um direito de participação que (i) leve em conta a necessidade de equilibrar o peso atribuído às expressões de ambas as partes participantes no procedimento e (ii) dê possibilidade de a voz desses povos serem verdadeiramente ouvidas, para quem sabe, possibilitarem guiar novas escolhas para o que buscamos no mundo enquanto sociedade. Num cenário mais elucidativo, essas escolhas podem dizer respeito a opções econômico-desenvolvimentistas ou ambientalmente sustentáveis.

Inicialmente, apresentou-se o contexto histórico da conquista, e como foi imposta aos povos habitantes do Novo Mundo uma condição de submissão e inferioridade, às vezes até mesmo de não humanidade, e advinda do pensamento moderno de dominação.

Em seguida, foram demonstrados quais eram os valores em confronto na época de edição da Convenção 169 da OIT, que substituiu a Convenção 107 da mesma organização, em especial quanto ao direito à consulta, expondo que está intimamente ligado ao direito à autodeterminação dos povos, além de que sempre houve uma intenção de afastá-lo do poder de veto e de consentimento para aproximá-lo à ideia de uma “mera formalidade”.

Na terceira parte, e a partir dos tópicos anteriores, o direito à consulta foi tratado como um instrumento de virada histórica no tratamento atribuído aos povos indígenas que saem da condição de dominados, e então tutelados, para membros participantes de medidas administrativas e legislativas que lhes atingem.

A partir da visão de direito de participação enquanto mecanismo de transformação das relações de poder, seguiu-se contextualizado o principal ponto do presente trabalho mediante a base teórica retirada dos pensamentos de Pierre Bourdieu (poder simbólico) e de Viveiros de Castro (perspectivismo ameríndio).

No que se refere ao primeiro teórico, evidenciou-se, inicialmente, que grupos excluídos, mesmo passando por anos de dominação, não perdem sua pluralidade de percepção do mundo social e de ponto de vista. Prosseguiu-se demonstrando que o cenário de poder simbólico de um grupo dominante sobre um grupo dominado na estrutura social pode ser modificado, seja por meio de um instrumento de institucionalização da expressão dos dominados, seja pelas lutas simbólicas e históricas de maior visibilização de seus pontos de vista.

Nesse cenário, o direito à consulta se mostra não só como produto da luta histórica desses povos, como também um mecanismo, agora institucionalizado e reconhecido - ao menos normativamente pelo Estado -, dando, assim, a oportunidade para que os povos indígenas possam expressar-se, em seu direito de participar, no campo político dessas forças simbólicas de dominação.

Apesar disso, e considerando que existe uma desproporção de poder simbólico entre os discursos, até mesmo por toda a bagagem histórica de inferiorização desses povos ainda presente na sociedade e nas instituições, deve haver algum modo de tentar equilibrar o peso de participação no procedimento de consulta.

Uma alternativa apresentada neste artigo foi o perspectivismo ameríndio de Viveiros de Castro, não no sentido das bases de uma antropologia epistemológica brasileira, mas como uma verdadeira teoria ontológica de descolonização do pensamento, do tratamento e do estudo dos povos indígenas, como seres e sujeitos capazes de contribuir com novas opções de desenvolvimento para a humanidade.

Com isso, o presente trabalho tem como intuito demonstrar que a preocupação com a implementação do direito à consulta aos povos indígenas deve ser muito mais profunda, considerando toda a complexidade relacionada às consequências do colonialismo, de modo que a validade do procedimento deve estar adstrita também ao equilíbrio do poder de influência das partes e ao acolhimento da perspectiva indígena sob um pensamento descolonizante.

  • 1
    Vale ressaltar que a Constituição Brasileira de 1988 trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro estes direitos, nos artigos 231 e 232, sendo o documento jurídico mais importante e progressista quanto aos direitos dos povos indígenas no Estado Brasileiro (NOGUEIRA, 2016NOGUEIRA, Caroline Barbosa Contente. A autodeterminação dos povos indígenas frente ao Estado. 2016. 226 f. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba.).
  • 2
    A Escola Ibérica da Paz era considerada o “centro motriz de quase todas as discussões derivadas da dúvida indiana na Europa e nos territórios coloniais ultramarinos” (CALAFATE; LOUREIRO, 2020CALAFATE, Pedro; LOUREIRO, Sílvia Maria da Silveira. As origens do Direito Internacional dos Povos Indígenas: a Escola Ibérica da Paz e as gentes do novo mundo. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2020., p. 59).
  • 3
    Violência praticada contra a cultura de um povo, contra o diferente (PONTES FILHO, 2017, p. 151).
  • 4
    Interpenetração de culturas com sobreposição de uma cultura a outra ou sobre as demais culturas (PONTES FILHO, 2017, p. 151).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    25 Set 2020
  • Aceito
    13 Jan 2021
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