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A INCONGRUÊNCIA DO TAYLORISMO À INDÚSTRIA TÊXTIL COMO SISTEMA DE MÁQUINAS NO BRASIL E NOS ESTADOS UNIDOS1 1 Recebido em 21/12/2020, aceito em 25/3/2021. 2 2 Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG pelo apoio financeiro ao projeto que gerou o presente artigo, e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES pela concessão de bolsa de doutoramento para um de seus autores.

THE INCONGRUENCE OF TAYLORISM TO THE TEXTILE INDUSTRY AS A MACHINE SYSTEM IN BRAZIL AND THE UNITED STATES

INCONGRUENCIA DEL TAYLORISMO CON LA INDUSTRIA TEXTIL COMO SISTEMA DE MÁQUINAS EN BRASIL Y ESTADOS UNIDOS

RESUMO

O presente artigo objetiva analisar a congruência formal e histórica entre o setor têxtil como sistema de máquinas (ou grande indústria) no Brasil e nos Estados Unidos e o taylorismo como método de ampliação da produtividade por meio da intensificação do trabalho na transição entre os séculos XIX e XX. Para realizar a análise, diferencia-se manufatura de grande indústria (sistema de máquinas), explicitando os métodos de ampliação da produtividade mais aderentes. Metodologicamente, a pesquisa foi realizada por meio de estudo histórico de caráter qualitativo quanto à abordagem dos dados colhidos para o período entre 1842 e 1946. A conclusão central aponta para a incongruência entre taylorismo e setor têxtil como grande indústria no qual se desenvolveram outros métodos predominantes de ampliação da produtividade, como o maior número de máquinas por operário, nos Estados Unidos, e o prolongamento da jornada de trabalho, no Brasil. A contribuição principal aponta para a importância da delimitação precisa do taylorismo como método de intensificação e da pesquisa concreta por setor em lugar de conceituação abrangente e da generalização abusiva.

Palavras-chave:
Taylorismo; Setor têxtil; Grande indústria; Produtividade; Intensificação do trabalho

ABSTRACT

This article aims to analyze the formal and historical congruence between, in one hand, the textile sector as a machine system (or large industry) in Brazil and the United States and Taylorism as a method of increasing productivity by intensifying work in the transition between the 19th and 20th centuries, in the other. In order to carry out the analysis, we differentiated manufacture and large industry (machine system), showing the most adherent productivity expansion methods. Methodologically the research was carried out by a qualitative historical study regarding the approach of the data collected for the period between 1842 and 1946. The central conclusion points to the low adherence between Taylorism and the textile sector as a large industry in which other predominant methods of expansion were developed productivity, such as the largest number of machines per worker, in the United States, and the extension of the working day, in Brazil. The main contribution points to the importance of the precise delimitation of Taylorism as a method of intensification and of concrete research by sector instead of an abstract conceptualization and abusive generalization.

Keywords:
Taylorism; Textile sector; Large industry; Productivity; Labor intensification

RESUMEN

Este artículo tiene como objetivo analizar la correspondencia formal e histórica entre el sector textil como sistema de máquinas (o gran industria) en Brasil y Estados Unidos y el taylorismo como método de aumento de la productividad a través de la intensificación del trabajo en la transición del siglo XIX y XX. Para realizar el análisis se diferencia manufactura de una gran industria (sistema de máquina), explicando los métodos de expansión de la productividad más adherentes. Metodológicamente, la investigación se llevó a cabo mediante un estudio histórico cualitativo sobre el enfoque de los datos recolectados para el período comprendido entre 1842 y 1946. La conclusión central apunta a la incongruencia entre el taylorismo y el sector textil como una gran industria en la que otros métodos predominantes de expansión de la productividad, como el mayor número de máquinas por trabajador, en Estados Unidos, y la extensión de la jornada laboral, en Brasil. El principal aporte apunta a la importancia de la delimitación precisa del taylorismo como método de intensificación y a la investigación concreta por sector en lugar de una conceptualización abstracta y una generalización abusiva.

Palabras clave:
Taylorismo; Sector textil; Gran industria; Productividad; Intensificación del trabajo

INTRODUÇÃO

O presente artigo objetiva analisar, na transição entre os séculos XIX e XX, a congruência formal e histórica entre o setor têxtil como sistema de máquinas (ou grande indústria) no Brasil e nos Estados Unidos e o taylorismo como método de ampliação da produtividade por meio da intensificação do trabalho. O argumento geral é que modos específicos de ampliação da produtividade do trabalho correspondem à certa modalidade de relacionamento entre base técnica e organização do trabalho, sendo outros pouco aderentes.

Nessa direção, o impulso de se estudar as modificações históricas importantes a partir da configuração geral de certos setores, como no caso do têxtil, é um caminho adequado para se evitar a homogeneização daquilo que fora (e ainda é) heterogêneo. Uma rápida consulta aos livros e artigos de grande circulação permite observar um modo de organizar teoricamente o processo histórico da produção capitalista em fases correspondentes a períodos sucessivos (internamente homogêneos, entretanto), cujos nomes são em geral extraídos em associação às modalidades de organização do trabalho: taylorismo, fordismo, pós-fordismo, cyber-fordismo etc. (e.g. TENÓRIO, 2011TENÓRIO, Fernando G. A unidade dos contrários: fordismo e pós-fordismo. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 45, n. 4, 2011, p. 1141-1172.; PAES DE PAULA; PAES, 2020PAES DE PAULA, A. P; PAES, K.D. Fordismo, pós-fordismo e cyberfordismo: os (des)caminhos da indústria 4.0 na era do capitalismo ultraneoliberal. XLIV Encontro da ANPAD, EnANPAD, 2020.). De ascendência “regulacionista” não declarada, o impulso é estabelecer uma combinação de um paradigma industrial, um regime de acumulação e um modo de regulação (JESSOP, 2017JESSOP, B. Regulation theory. In: TURNER, B.S. (Ed.). The Wiley‐Blackwell Encyclopedia of Social Theory. John Wiley & Sons, 2017. DOI: 10.1002/9781118430873.est0311
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). Não obstante, a generalização teórica de modos de organização do trabalho (taylorismo, fordismo etc.) para todos os setores elimina as suas diferenças, além de nivelá-los a partir de atributos que, por consequência, obstruem a apreensão das importantes características das bases técnicas então existentes. Perde-se no expediente não apenas a diferença entre os setores, mas igualmente o poder explicativo que guardam as bases técnicas com respeito às transformações organizacionais e ao reconhecimento dos pontos tecnologicamente mais avançados do sistema (PAÇO CUNHA; PENNA; GUEDES, 2021PAÇO CUNHA, E.; PENNA, L. N. P.; GUEDES, L. T. Da manufatura moderna à grande indústria: delimitação empírica da mudança técnica no setor de autoveículos no Brasil (1996-2017). Cadernos EBAPE.BR, 2021, v. 19, n. 3, pp. 480-495. DOI: https://doi.org/10.1590/1679-395120200077.
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).

Há exemplos das complicações relacionadas a essa homogeneização teoricamente condicionada. A pesquisa a respeito das evidências da aplicação do taylorismo na primeira metade do século XX, na indústria brasileira em geral, esbarrou na dificuldade de acesso direto às modalidades de organização do trabalho e, por isso, limitou-se em grande parte ao discurso do empresariado daquele período. Diante do mesmo ideário, colocaram-se, por um lado, as afirmações a respeito de uma ampla generalização do taylorismo para toda a economia nacional (RAGO, 1985RAGO, M. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar - Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.; SILVA, 1990; ANTONACCI, 1993ANTONACCI, M. A. M. A vitória da razão (?): o Idort e a sociedade paulista. São Paulo: Marco Zero, 1993. 286 p.) e, por outro, correntes que chegaram à conclusão oposta (VARGAS, 1985VARGAS, N. Gênese e difusão do taylorismo no Brasil. Ciências Sociais Hoje, São Paulo, p. 155-189, 1985.; FLEURY, 1983FLEURY, Afonso C. Rotinização do trabalho: o caso das indústrias mecânicas. In: FLEURY, Afonso C; VARGAS, N. Organização do trabalho: uma abordagem interdisciplinar: sete casos brasileiros para estudo. São Paulo: Atlas, 1983.; RIBEIRO, 1988RIBEIRO, Maria Alice R. Condições de trabalho na indústria têxtil paulista (1870-1930). São Paulo: Hucitec, 1988.; ZANETTI; VARGAS, 2007ZANETTI, A.; VARGAS, J. T. Taylorismo e fordismo na indústria paulista. São Paulo: Humanitas, 2007. 142 p.) sem, no entanto, apresentarem explicações bem fundamentadas para a sugerida ausência.

Há, nessa divergência, uma diferença de abrangência conceitual com importantes consequências. As afirmações de recorrência destacável (como veremos adiante) que generalizam o taylorismo, o tomam como sinônimo de qualquer medida de aperfeiçoamento (“racionalização”) da produção. Cria-se a exigência de se ter que reconhecê-lo por toda a extensão de desenvolvimento do capitalismo mesmo antes do advento da assim chamada administração científica, uma vez que é tendência interna deste modo de produção adotar processo cada vez mais científico. Como sugeriu Marx (2013MARX, Karl. O capital. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 703) nesse sentido, o desenvolvimento do modo de produção capitalista coincide com a “transformação progressiva de processos de produção isolados e fixados pelo costume em processos de produção socialmente combinados e cientificamente ordenados”. Pelo lado da posição oposta, a conceituação considera o quadro conceitual próprio deixado por Taylor e certas especificações que dão a moldura estrita do taylorismo. Na ausência de uma dessas especificações de conjunto, deixaria de se observar o taylorismo integral e propriamente dito5 5 Por exemplo, o fato de se encontrar nas proposituras de Taylor o aumento individual de salários e de se constatar no Brasil sistematizações da produção que não procuraram esse aumento, condicionaram a conclusão de que não houve taylorismo no país. Guardou-se assim outra designação, como “rotinização”, em seu lugar (e.g. FLEURY, 1983). .

É possível superar essa divergência capturando aquilo que o taylorismo tinha de especificidade, sua diferença específica. Considerando o que fora legado pelo próprio Taylor (1953TAYLOR, F. W. Princípios de administração científica. São Paulo: Atlas, 1953., p. 63) a partir do exemplo emblemático da Bethlehem Steel Company, argumentamos que o taylorismo foi, fundamentalmente, um método particular de intensificação do trabalho que opera diretamente sobre a força de trabalho por meio do estudo dos movimentos realizados em um processo de produção, visando a diminuição da massa total de salário e a ampliação da produtividade por operário. A administração científica buscava centralmente realizar aquele objetivo econômico por meio da modelagem dos movimentos adequados para otimização do tempo de produção, ampliando a produtividade do trabalho. Seu foco primário, portanto, era o próprio trabalhador6 6 Essa posição assumida difere da tendência teórica que enfatiza os aspectos mais “políticos” envolvidos, a exemplo do confronto entre trabalhadores e gestão pelo controle do processo de trabalho. Esta tendência aparece de maneira muito bem acabada em Marglin (1980, p.41) ao afirmar que a “origem e o sucesso da fábrica não se explicam por uma superioridade tecnológica, mas pelo fato de ela despojar o operário de qualquer controle e de dar ao capitalista o poder de prescrever a natureza do trabalho e a quantidade a produzir”. Certos traços dessa tendência também podem ser identificados mais brandamente para o caso do taylorismo em Braverman (1977) e, no Brasil, em Motta (2001) e Faria (2017). Não estamos sugerindo que esse aspecto seja desimportante. Consideremo-lo parte do complexo de problemas envolvidos em que, no entanto, o imperativo técnico-econômico é potencializado pela concorrência intercapitalista. .

Tendo delimitado assim o taylorismo como método particular de intensificação do trabalho, cabe analisar sua correspondência lógico-histórica a partir de setores específicos, pois neles se encontram fatores explicativos essenciais, dada a unidade particularmente desenvolvida entre base técnica e organização do trabalho. Essa análise habilita a dissolução da homogeneização e generalização teoricamente condicionadas e abre caminho para contornar as restrições impostas pela concentração exclusiva sobre o ideário do empresariado de então. Para tanto, optamos por considerar o setor têxtil no Brasil e nos Estados Unidos, por seu caráter denotativo do desenvolvimento do modo de produção capitalista no século XIX (FREEMAN, 2018FREEMAN, J. B. Behemoth: A History of the Factory and the Making of the Modern World. New York: WW Norton & Company, 2018.), representando um dos pontos mais avançados em termos de aplicação científica na transição para o século XX.

A análise desse setor nos países compreendeu o estudo da correspondência entre, de um lado, a base técnica e a organização do trabalho concretamente desenvolvidas e, de outro, o taylorismo como uma das possibilidades entre os métodos destinados a ampliar a produtividade do trabalho. Seria razoável esperar a ocorrência de um avanço administrativo da estatura do taylorismo - celebrado como cume da aplicação científica à administração - precisamente no setor mais avançado tecnologicamente de então. A análise das evidências, entretanto, enfraqueceu essa suposição precisamente porque, como apresentaremos adiante, outros expedientes seguiam correntes, dadas as condições da grande indústria desenvolvida tendencialmente no setor e efetivamente na particularidade de cada país sob análise.

Com efeito, o restante do artigo está dividido em cinco seções além desta introdução. Na primeira, apresentamos a diferença entre manufatura e grande indústria como fundamento teórico-histórico de análise dos métodos de produtividade do trabalho correspondentes. Na segunda seção, indicamos os fundamentos e os procedimentos metodológicos da pesquisa. Na terceira, tratamos em termos mais formais o taylorismo no setor têxtil em geral, a partir das características da manufatura e da grande indústria. Na quarta seção, analisamos as evidências mais histórico-concretas relacionadas ao setor têxtil no Brasil e nos Estados Unidos. Na quinta e última seção, registramos as considerações finais do artigo.

1 MANUFATURA, GRANDE INDÚSTRIA E PRODUTIVIDADE DO TRABALHO

O objetivo da presente seção é desenvolver a diferenciação entre manufatura e grande indústria (ou sistema de máquinas) como modos particulares de unidade entre base técnica e organização do trabalho. Tal diferença habilita a análise da correspondência formal entre tais modos particulares e os métodos de se extrair maior produtividade do trabalho, a exemplo da intensificação promovida pelo taylorismo. A consideração principal recai sobretudo no tipo de base técnica que se desenvolveu no setor têxtil.

Por organização do trabalho entendemos a modalidade de divisão e combinação dos diferentes trabalhadores com respeito a tarefas e atividades requeridas por um processo de trabalho. Diz, portanto, mais respeito à direção ou gestão da força de trabalho (ou capital variável), precisamente o fator sobre o qual incidem acentuadamente as técnicas tayloristas. Essa organização do trabalho repousa sobre uma base técnica determinada, dizendo respeito principalmente aos meios de produção (ou capital fixo, como instrumentos, ferramentas, máquinas) e que se apresenta como fator preponderante na reciprocidade existente (PAÇO CUNHA, 2019aPAÇO CUNHA, E. Base técnica e organização do trabalho na manufatura e grande indústria: inflexão, desenvolvimento desigual e reciprocidades. Verinotio-Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio das Ostras, v. 25, n. 1, pp. 88-128, abr. 2019a.)7 7 As relações de reciprocidade entre base técnica e organização do trabalho, assim como a incidência de expedientes como o taylorismo, ultrapassam a problemática geral da presente investigação. O leitor interessado em aprofundar poderá encontrar elementos em Paço Cunha (2019a; 2019c). .

É importante considerar que as modalidades gerais de configuração da produção capitalista estão assentadas sobre a exploração econômica do trabalho. Abstraindo a cooperação simples e a grande indústria moderna, manufatura e grande indústria (bem como seus pontos intermediários de desenvolvimento) (PAÇO CUNHA, 2019aPAÇO CUNHA, E. Base técnica e organização do trabalho na manufatura e grande indústria: inflexão, desenvolvimento desigual e reciprocidades. Verinotio-Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio das Ostras, v. 25, n. 1, pp. 88-128, abr. 2019a.) são formas gerais de extração de mais-valor8 8 Mais-valor expressa a riqueza adicional que o trabalho cria de modo superior à equivalência dos meios de subsistência necessários para a reprodução física e social do trabalho. Na forma dos preços, o mais-valor é excedente ao preço da força de trabalho ou salário, remuneração e equivalentes. por meio de diferentes expedientes, a exemplo do prolongamento da jornada de trabalho (forma extensiva da produtividade) e da intensificação do processo de trabalho (forma intensiva da produtividade). Enquanto o primeiro perdurou praticamente sozinho por todo o período manufatureiro, a grande indústria inaugurou - sem eliminar globalmente as potencialidades da manufatura - a possibilidade de se ampliar a produtividade do trabalho também “pela aceleração da velocidade das máquinas e pela ampliação da escala da maquinaria que deve ser supervisionada pelo mesmo operário, ou do campo de trabalho deste último” (MARX, 2013MARX, Karl. O capital. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 484).

Conforme o Quadro 1, podemos dizer, em termos bastante sintéticos (MORAES NETO, 2003MORAES NETO, Benedito de. Século XX e trabalho industrial: taylorismo/fordismo, ohnoísmo e automação em debate. São Paulo: Xamã, 2003.; SARTELLI; KABAT, 2014SARTELLI, Eduardo; KABAT, Marina. Where did Braverman go wrong? A Marxist response to the politicist critiques. Cad. EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 12, n. 4, p. 829-850, Dec. 2014. Disponível em <http://ref.scielo.org/zbh6pz> acesso em 31 Maio 2018. http://dx.doi.org/10.1590/1679-395115865.
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; PAÇO CUNHA, 2019aPAÇO CUNHA, E. Base técnica e organização do trabalho na manufatura e grande indústria: inflexão, desenvolvimento desigual e reciprocidades. Verinotio-Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio das Ostras, v. 25, n. 1, pp. 88-128, abr. 2019a.; 2019b; 2019c), que enquanto a manufatura tem, por aspecto elementar, a força de trabalho e suas ferramentas sustentadas na divisão do trabalho vivo e nas potencialidades desse trabalho em cooperação sem, porém, eliminar integralmente certas habilidades dos trabalhadores individuais parciais combinados (existentes custos de aprendizagem), por seu turno o princípio da grande indústria ou sistema de máquinas é a automação que se arqueia pelo desenvolvimento dos meios de produção, isto é, maquinaria e pela combinação dela como um sistema automático de máquinas.

Permanece na manufatura uma base técnica estreita que exclui uma “análise verdadeiramente científica” (MARX, 2013MARX, Karl. O capital. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 413), uma vez que a combinação do trabalho é natural-espontânea e cuja divisão ocorre segundo necessidade percebida com a experiência prática. Mantém-se nela o princípio subjetivo de adequação do processo de trabalho ao trabalhador, dado que seu pedestal segue sendo em grande medida o trabalho com características artesanais: o trabalhador e suas ferramentas.

Assim, o desenvolvimento dos instrumentos e ferramentas é relativamente limitado pelo próprio princípio da manufatura, ainda que ela mesma tenha desenvolvido “os primeiros elementos científicos e técnicos da grande indústria” (MARX, 2013MARX, Karl. O capital. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 451). Já o sistema de máquinas totalmente desenvolvido estabelece um princípio objetivo ao materializar um desenvolvimento científico-tecnológico que descentra o trabalho imediatamente produtivo como elemento principal da produção. O ritmo, a configuração da produção etc., são determinados pela maquinaria, sua disposição e velocidade9 9 É importante não confundir sistema de máquinas aqui descrito aproximadamente com graus variados de mecanização possíveis sobre uma base manufatureira, como esteira rolante ou linha de montagem que, diferentemente de tal sistema, mantém o trabalhador e os instrumentos como base a ser progressivamente superada. Guardamos essa forma para a manufatura moderna, explicitada no Quadro 1 e descrita em instantes. . O trabalho é um apêndice do sistema de máquinas nesse estágio. Assim, enquanto na manufatura a força de trabalho (capital variável) é o componente fundamental, na grande indústria é o meio de produção (capital fixo) que desempenha esse papel, levando a uma redução tendencial do tempo de trabalho necessário ao mínimo (MARX, 2011).

Quadro 1:
Síntese das diferenças entre manufatura, manufatura moderna e grande indústria

E é importante abandonar qualquer ilusão quanto à introdução de maquinaria. Ela se dá em grande medida para garantir a produtividade frente ao conflito com o trabalho (greves, paralizações, resistência etc.), para diminuir a dependência frente aos trabalhadores, para resultar no barateamento da força de trabalho e, potencialmente, das mercadorias no enfrentamento concorrencial intercapitalista (MARX, 2013MARX, Karl. O capital. São Paulo: Boitempo, 2013.).

Considerando esses aspectos gerais, é possível determinar a manufatura e a grande indústria como expressões de uma unidade entre um dado grau de desenvolvimento da base técnica e uma organização do trabalho correspondente. O mesmo se diz para a manufatura moderna, como unidade entre os elementos, levando-se em conta uma variação incremental de mecanização e aplicação científica que a afasta gradativamente da manufatura clássica puramente artesanal sem, no entanto, identificar-se ao sistema de máquinas mais desenvolvido como estágio tecnologicamente superior. O destaque é que na manufatura moderna essa mecanização espelha uma aplicação progressiva da ciência no desenvolvimento tecnológico e uma descaracterização do caráter natural-espontâneo do processo de trabalho que se torna um objeto de estudo racional a serviço dos imperativos econômicos do modo de produção capitalista.

Manufatura, manufatura moderna e grande indústria coexistiram desde o século XIX e ainda coexistem numa mesma economia, caracterizando os pontos tecnologicamente mais avançados e os mais arcaicos, inclusive com importantes conexões entre eles. Tais modalidades também podem coexistir por tempos variados em um mesmo setor, expressando ali diferentes ritmos de mudança tecnológica.

Em síntese, quanto mais desenvolvidos são a grande indústria e seu sistema de máquinas em determinado setor, tanto mais estão presentes possibilidades adicionais de ampliação da produtividade por meio de intensificação do trabalho além do método de prolongamento da jornada de trabalho - que segue sendo possível. Com o sistema de máquinas, o processo de produção fica habilitado a acelerar o ritmo das máquinas e a ampliar o número delas supervisionado pelo mesmo operário, precisamente porque o fator preponderante é o sistema de máquinas ao invés do trabalhador e seus instrumentos. Enquanto a manufatura mecanizada possibilita certa ampliação do ritmo do trabalho com a instalação de equipamentos de movimentação de produtos e peças, por exemplo, a manufatura clássica é esvaziada dessa aplicação científica. Ambas, entretanto, permanecem nos limites manufatureiros dados pelo princípio fundamental baseado no trabalhador e em seus instrumentos. Com efeito, estão possibilitados na grande indústria certos métodos de produtividade do trabalho baseados na maquinaria, enquanto métodos mais centrados no trabalhador diretamente espelham as possibilidades dadas pelas variações do modelo manufatureiro.

Cabe considerar a aderência do taylorismo às modalidades acima diferenciadas. Antes, porém, devemos apresentar os fundamentos e procedimentos metodológicos que possibilitaram a análise em sentido formal e histórico.

2 ASPECTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa realizada pode ser considerada de linha histórica em abordagem qualitativa, tangente às preocupações com a história da administração (COSTA; SILVA, 2019COSTA, A. de S. M. da, & SILVA, M. A. de C. A Pesquisa Histórica em Administração: uma Proposta para Práticas de Pesquisa. Administração: Ensino E Pesquisa, 20(1), 2019, pp. 90-121. https://doi.org/10.13058/raep.2019.v20n1.1104
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).

Fazemos remissão ao legado deixado por aquilo que se convencionou chamar de materialismo histórico, cujo fundamento se assenta no reconhecimento de que a realidade social é resultado de um processo prático e histórico, portanto, transitório (LUKÁCS, 2012LUKÁCS, G. Para uma ontologia do ser social. v. 2. São Paulo: Boitempo, 2012.). Nessa tradição de pesquisa, assume-se não apenas a possibilidade como também a necessidade de se estabelecer a verdade objetiva. Ao contrário das tendências pós-modernas que circunscrevem a história a objeto de disputa discursiva (e.g. MILLS et al., 2016MILLS, A. J., SUDDABY, R., FOSTER, W. M., & DUREPOS, G. Re-visiting the historic turn 10 years later: current debates in management and organizational history - an introduction. Management & Organizational History, 11(2),67-76, 2016.), o impulso no materialismo é procurar aproximadamente identificar os nexos objetivos e, eventualmente, sua modificação ao longo do tempo.

Para realizar a análise da correspondência do taylorismo como método de extrair produtividade pela intensificação do trabalho em relação ao estágio de desenvolvimento do setor têxtil no Brasil e nos Estados Unidos, empregamos duas maneiras correlacionadas.

Por um lado, recuperamos as categorias ‘manufatura’ e ‘grande indústria’, apresentadas no tópico anterior, por expressarem, como dito, certa modalidade de combinação entre base técnica, organização do trabalho e métodos de ampliação da produtividade do trabalho. Em sentido mais dedutivo, o objetivo é apresentar o grau de correspondência lógica do taylorismo com o estágio da indústria têxtil. Por este caminho, realizamos uma revisão de literatura que permitiu considerar a questão, conforme veremos no tópico a seguir, em termos mais formais.

Por outro lado, colecionamos evidências históricas - aproximadamente entre 1842 e 1946 - para os casos de Estados Unidos e Brasil que reforçam a análise daquela correspondência, uma vez que outras formas de ampliação da produtividade do trabalho eram também correntes. Tratou-se, portanto, de identificar tais formas e sopesar a prevalência em cada caso, considerando as evidências associadas ao setor têxtil daqueles países. Entre os materiais principais consultados para esse fim, estão relatórios que se debruçam sobre o tema, instrumentos normativos e bibliografia especializada que reúne dados sobre o processo de trabalho no setor, conforme apresentação adiante.

A análise se deu considerando tanto a particularidade estadunidense, entendida como aquela em que o taylorismo nasceu e teve uma difusão mais ampla, quanto a brasileira, justamente como forma de contribuição ao debate nacional circunscrito ao grau de presença do taylorismo no começo do século XX. O período coberto pela pesquisa foi escolhido por abarcar o processo de difusão do taylorismo tanto nos Estados Unidos (a partir de 1896) quanto no Brasil (a partir de 1920, ampliando-se na década de 1930). A pesquisa se debruçou sobre os elementos econômicos, políticos e sociais relacionados ao setor, além dos aspectos particulares da organização do trabalho e dos métodos de ampliação da produtividade empregados nos países investigados.

Passemos, então, à consideração formal da correspondência.

3 ADERÊNCIA DO TAYLORISMO À MANUFATURA E SETOR TÊXTIL COMO GRANDE INDÚSTRIA

Ao considerar o taylorismo como método de ampliação da produtividade pela intensificação do trabalho, devemos levar também em conta a centralidade que o trabalhador ocupava para o estudo dos tempos e movimentos. Em termos formais, a instauração de um sistema de máquinas que torna o trabalhador um apêndice não cria as condições mais favoráveis para aquele método.

Assim, é no estágio da manufatura moderna que precisamos situar o taylorismo primariamente. Em tal estágio manufatureiro ainda não é possível, política e tecnicamente, e nem compensador economicamente, diminuir a massa de salário e ampliar a produtividade do trabalho por meio de investimento no sistema de máquinas. Restam alterações sistemáticas na organização do trabalho e na atuação do próprio trabalhador, dado o impedimento contingente ao salto técnico.

Em direção diferente, o desenvolvimento do sistema de máquinas, muito mais desenvolvido tecnologicamente, convive simultaneamente com as pressões para o prolongamento da jornada de trabalho e para a intensificação do trabalho por meio da própria maquinaria (MARX, 2013MARX, Karl. O capital. São Paulo: Boitempo, 2013.), mas tratam-se de expedientes já conhecidos por todo o século XIX. A intensificação por meios tayloristas difere daquelas proporcionadas por um sistema de máquinas desenvolvido.

O esforço de estender o tempo de trabalho excedente (produtividade extensiva) e diminuir o trabalho socialmente necessário (produtividade intensiva) não é privilégio das modalidades manufatureira ou industrial de extração do mais-valor; ganham contornos mais ou menos diferenciados em termos de preponderância, a depender das condições das lutas sociais e dos regimes jurídicos contingentes. Devemos acrescentar que as condições econômicas de cada país também podem afetar essa preponderância, bem como o grau de formação da própria classe trabalhadora.

Assim, em condições de restrição ao aumento da jornada de trabalho, tende a preponderar a extração de uma maior massa de trabalho em termos de grandeza intensiva. A mera redução da jornada de trabalho durante o período manufatureiro provocou um “aumento da regularidade, uniformidade, ordem, continuidade e energia do trabalho” (MARX, 2013MARX, Karl. O capital. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 483). Adicionalmente, o emprego do “método de pagamento”, principalmente o salário por peça (inclusive praticado também ao tempo de Taylor), fazia com que o “trabalhador efetivamente movimente mais força de trabalho” (MARX, 2013, p. 483). Tão logo a redução da jornada de trabalho tenha se generalizado por força da lei, na Inglaterra primariamente, o desenvolvimento da maquinaria que assim se estimulou, converteu-se pouco a pouco no meio de extrair cada vez mais trabalho em menor tempo, como dito antes, por meio da aceleração do ritmo das máquinas e pelo maior número de máquinas sob a supervisão de um único operário.

Certamente, o chamado “estudo dos tempos e movimentos”, pelo qual Taylor chegou às proposituras básicas para uma “organização racional do trabalho”, está associado à aceleração do ritmo de trabalho (sem ampliar a fadiga), reduzindo os movimentos desnecessários. Mas vê-se que o alvo de tal estudo é o próprio trabalhador, e não aquilo que define a grande indústria: a maquinaria desenvolvida. Assim, taylorismo não constituiria propriamente elemento de intensificação do trabalho no interior do sistema de máquinas, uma vez que nele esse resultado pode ser alcançado pela aceleração das máquinas e pela ampliação do número delas sob a supervisão de um mesmo operário. Ao mesmo tempo, a produtividade pode ser obtida por prolongamento da jornada de trabalho em condições em que os métodos de intensificação atinentes à grande indústria (aceleração e ampliação no número de máquinas por operário) não estão implementados por variados motivos, como os apontados acima.

Diferentemente é o caso dos regimes manufatureiros, tendo em vista que o trabalho imediatamente produtivo permanece ainda a força que manipula os instrumentos e ferramentas no desempenho das tarefas muito simples sobre as quais, inclusive, se dedicou Taylor (1953TAYLOR, F. W. Princípios de administração científica. São Paulo: Atlas, 1953.) a estudar, com destaque para o setor metalúrgico e, nele, a atividade dos torneiros-mecânicos. Basta ter em mente que os tipos de trabalho investigados pelo engenheiro estadunidense estão restritos ao transporte de lingotes de ferro e areia, construção de paredes de tijolos, inspeção de esferas e torno mecânico, de tal maneira que a própria gênese do taylorismo fica condicionada por essas modalidades de trabalho em setores tecnologicamente menos desenvolvidos e intensos em força de trabalho (PAÇO CUNHA, 2020). Vale também o registro de que tais estudos, mesmo quando realizados em grande siderúrgica, não estiveram ocupados com o processo principal de transformação de aço e outros metais - um processo físico-químico contínuo -, mas com os trabalhos como o do torneiro-mecânico e com outros ainda mais secundários, a exemplo do carregamento de lingotes de ferro.

Ocorre que tal forma de intensificação por meio do taylorismo é relativamente pouco correspondente a um estabelecido sistema de máquinas ao qual a força de trabalho é adaptada. Por isso, parece ser maior a aderência entre taylorismo e a organização manufatureira da produção (com baixo ou alto grau de mecanização), na qual o capital variável aparece como elemento central. Isso significa dizer que o taylorismo é mais aderente a setores como os descritos por Taylor e, um pouco mais tarde, a outros mais. No entanto, é pouco correspondente a setores, a exemplo do químico, já estabelecidos como processo de fluxo contínuo desde o século XIX (MORAES NETO, 2003MORAES NETO, Benedito de. Século XX e trabalho industrial: taylorismo/fordismo, ohnoísmo e automação em debate. São Paulo: Xamã, 2003.; PAÇO CUNHA, 2019aPAÇO CUNHA, E. Base técnica e organização do trabalho na manufatura e grande indústria: inflexão, desenvolvimento desigual e reciprocidades. Verinotio-Revista on-line de Filosofia e Ciências Humanas, Rio das Ostras, v. 25, n. 1, pp. 88-128, abr. 2019a.; 2019b). Setores facilmente automatizados, já na virada para o século XX, como o de fabricação de latas e de alimentos processados enlatados nos Estados Unidos, também não apresentaram qualquer vestígio de aplicação de taylorismo (cf. PEARSON, 2016PEARSON, G. S. The democratization of food: tin cans and the growth of the American food processing industry, 1810-1940. Dissertation. Lehigh University, 2016, p. 439.).

O setor têxtil, por sua vez, foi um dos primeiros a assumir a forma do sistema de máquinas na Inglaterra, depois de um longo percurso de eliminação do trabalho como força motriz e substituição da destreza na confecção por maquinismo gigantesco (MARX, 2013MARX, Karl. O capital. São Paulo: Boitempo, 2013.). É a análise desse setor que permitiu a apreensão de que o desenvolvimento da maquinaria torna os conhecimentos empíricos dos operários progressivamente obsoletos, uma vez que a ciência que se desenvolve encarna-se cada vez mais como tecnologia nos meios de produção. O trabalho se torna mais de supervisão da maquinaria como um sistema objetivo ao qual se acoplam os trabalhadores, agora divididos sistematicamente conforme a disposição da maquinaria. Na indústria têxtil, essa característica é bastante visível quando se tem em mente os grandes galpões de tecelagem ocupados com extensos braços mecânicos que se movimentavam durante todo o dia, tecendo quilômetros de fios e tecidos. E esse estágio teria sido alcançado nos Estados Unidos já no século XIX, com desligamento automático de máquinas por volta de 1844 (FREEMAN, 2018FREEMAN, J. B. Behemoth: A History of the Factory and the Making of the Modern World. New York: WW Norton & Company, 2018.), e no Brasil, não antes de 1905 (GUEDES; PAÇO CUNHA, 2019GUEDES, L. T., PAÇO CUNHA, E. History and organisation of production: the inflection to machine system in Brazilian textile industry. VI Congresso Brasileiro de Estudos Organizacionais. UFPE, 2019.). Em ambos os casos, a grande indústria se instalou no setor antes da própria disseminação do taylorismo.

Cabe, a seguir, considerar evidências histórico-concretas mais específicas e que esclarecem que o taylorismo não poderia ter lugar em um setor no qual outros métodos de extrair produtividade correspondentes estavam amplamente estabelecidos.

4 PRODUTIVIDADE DO TRABALHO NO SETOR TÊXTIL COMO GRANDE INDÚSTRIA NO BRASIL E NOS EUA

É notório que a elaboração inicial de Taylor mirava abarcar todos os setores. A aplicação dos princípios anunciados poderia se dar, nas palavras do autor, “em qualquer atividade social”, como economia doméstica, fazenda, lojas comerciais independentemente do tamanho, igrejas, organizações filantrópicas, universidades e setor público (TAYLOR, 1953TAYLOR, F. W. Princípios de administração científica. São Paulo: Atlas, 1953., p. 14). E, de fato, encontramos evidências em muitos setores. No Brasil, por exemplo, é emblemática a experiência do Instituto de Organização Racional do Trabalho - IDORT (VIZEU, 2018VIZEU, Fábio. IDORT e difusão do management no brasil na década de 1930. Rev. adm. empres, São Paulo, v. 58, n. 2, p. 163-173, Mar. 2018. Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-75902018000200163&lng=en&nrm=iso>. access on 06 July 2019. http://dx.doi.org/10.1590/s0034-759020180205.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
) no governo paulista na década de 1930, e que depois culminou no Departamento Administrativo do Serviço Público - DASP (cf. ANTONACCI, 1993ANTONACCI, M. A. M. A vitória da razão (?): o Idort e a sociedade paulista. São Paulo: Marco Zero, 1993. 286 p.).

Há também registros de aplicação do taylorismo, tomado como conceito, grife-se, em sentido bastante abrangente, inclusive no próprio setor têxtil de diferentes países, estando os Estados Unidos entre eles (WRIGHT, 1993WRIGHT, Chris. Taylorism reconsidered: the impact of scientific management within the Australian workplace. Labour History, n. 64, 1993, p.: 34-53. doi:10.2307/27509164.
https://doi.org/10.2307/27509164...
; TSUTSUI, 1998TSUTSUI, William M. Manufacturing ideology: scientific management in twentieth-cantury Japan. New Jersey: Princeton, 1998.; McIVOR, 2010McIVOR, Arthur. The textile firm and the management of labour: comparative perspectives on the global textile industry since c 1700. In: A Global History of Textile Workers. Ashgate, 2010, pp. 597-619. Disponível em: http://strathprints.strath.ac.uk/26383/
http://strathprints.strath.ac.uk/26383...
; VOSS et al., 2010VOSS, Lex Heerma; HIEMSTRA-KUPERUS, Els; MEERKERK, Elise van Nederveen. The Ashgate companion to the history of textile workers, 1650-2000. Farnham, Ashgate, 2010.). Quanto ao Brasil, Nogueira Filho (1965) afirmou, por exemplo, que, em 1923 a Fábrica Santa Bárbara, no interior paulista, pôs "em prática algumas normas tayloristas"; a fábrica adotava o "sistema Rowan de salário progressivo, racionalizava a distribuição das matérias-primas, especializava as atividades dos mestres e contramestres e dava providências visando suprir desperdícios, elevar a qualidade do trabalho e facilitar a execução das tarefas" (NOGUEIRA FILHO, 1965NOGUEIRA FILHO, Paulo. Ideais e lutas de um burguês progressista. 2 vol. Rio de Janeiro: José Olympio, 1965., p. 124). Adicionalmente, tem-se o registro de que a implementação do taylorismo numa fábrica têxtil no interior do estado de Minas Gerais “iniciou-se em meados da década de 50, quando da reorganização da empresa com a criação de setores diversos de produção e manutenção, a substituição do sistema de mestres e contramestres e a adoção de meios racionais de controle de tempo e movimento nas operações de produção” (LOYOLA, 1974LOYOLA, Andréa. Trabalho e modernização na indústria têxtil. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 14, n. 5, p. 19-31, Oct. 1974. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-75901974000500002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 15 de dezembro de 2018. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-75901974000500002.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 23).

A despeito do alvo ser a universalidade, o taylorismo não parece ser generalizável igualmente para todos os setores (cf. CHANDLER, 1977CHANDLER, Alfred. The visible hand: the managerial revolution in American business. Harvard University Press, 1977., p.276-277; BRAVERMAN, 1977BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1977., p.151). E as evidências listadas acima - mesmo que ligadas ao setor têxtil -, ao invés de desaprovar a correspondência entre taylorismo e organização manufatureira (particularmente com seu estágio mais mecanizado), confirma a regra por se tratarem de evidências isoladas ou parciais (que colocaram “em prática algumas normas tayloristas”, não generalizáveis para todo o setor têxtil), motivadas por conceituações consideravelmente abrangentes e que perdem de vista a especificidade do taylorismo como método de intensificação do trabalho visando a maior extração de produtividade. Cabe observar que, em outra direção, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, eram outros os métodos de intensificação propiciados sobre a base técnica da grande indústria, conforme passaremos a considerar a seguir, incluindo a presença do prolongamento da jornada para o caso brasileiro.

4.1 MÉTODO STRETCH-OUT NOS ESTADOS UNIDOS: MAIS MÁQUINAS, MENOR JORNADA

É marcante o alcance das proposições de Taylor na indústria estadunidense. Mesmo no início do século XX, Taylor ganhou seguidores e os estudos ligados à administração científica foram disseminados por inúmeros ramos industriais. As evidências, entretanto, não são favoráveis a uma generalização no setor têxtil daquele país.

Nelson (1974NELSON, D. Scientific Management, Systematic Management, and Labor, 1880-1915. The Business History Review, 48(4), 479-500. 1974) listou uma série de unidades fabris estadunidenses que foram objeto de estudos e da aplicação dos princípios da administração científica por seguidores de Taylor nas duas primeiras décadas do século XX10 10 Pelos critérios do autor, definiam-se como aspectos do taylorismo: “(1) as melhorias técnicas e organizacionais preliminares, tais como mudanças em máquinas e operações de máquinas (incluindo a introdução de ferramentas de alta velocidade feitas de aço nas oficinas de máquinas), melhor sistema de correias [better belting], melhorias por meio de procedimentos de contabilidade de custos e compras sistemáticas, métodos de estocagem e sala de ferramentas - em suma, os refinamentos básicos de Taylor de técnicas de administração sistemática; (2) um departamento de planejamento; (3) supervisão funcional; (4) estudo do tempo; e (5) um sistema de salário incentivador”. (NELSON, 1974, p. 490, tradução nossa). Como se vê, é uma consideração bastante abrangente para o taylorismo, pois quase todas as medidas de melhorias poderiam ser incluídas no conceito. Seguindo esta noção mais abrangente do conceito, alguns trabalhos já antes mencionados dissertaram sobre o taylorismo nas indústrias têxteis da Austrália (WRIGHT, 1993) e do Japão (TSUTSUI, 1998), tomando o taylorismo como sinônimo de “racionalização”, como também é comum na literatura brasileira. Por seu turno, Voos (et al., 2010), também já mencionados, consideraram inadvertidamente taylorismo a maior concentração de teares por operário na Dinamarca. O entendimento muito largo do taylorismo torna o conceito suscetível a estas identidades muito variadas, com alto risco de se gerar maior confusão do que explicação. . Dentre as indústrias listadas pelo autor, a maior parte estava ligada ao setor de metalurgia (estendendo-se à produção de cabos, máquinas e também de armamentos) e minoritariamente às indústrias têxteis de algodão e seda. Nessa mesma direção, Drury (1918DRURY, Horace. Scientific Management. A History and criticism. New York: Columbia University, 1918.) registrou resultados obtidos pela administração científica em termos de produtividade também numa indústria têxtil, mas sem dar detalhes sobre o processo de aplicação.

Nelson e Campbell (1972NELSON, D.; CAMPBELL, S. Taylorism versus Welfare Work in American Industry: H. L. Gantt and the Bancrofts. The Business History Review, 46(1), 1-16. 1972.) tomaram o problema da aplicação do taylorismo por meio de um de seus seguidores, Gantt, numa outra indústria têxtil e de vestuário. Segundo essa investigação, tal aplicação não se mostrou bem-sucedida, por um lado, pela rejeição dos níveis hierárquicos mais altos da empresa às sugestões e, por outro, pela concorrência com a chamada “abordagem de bem-estar no trabalho”, que propunha incentivar os operários com vantagens além da remuneração, como programas de prevenção de acidentes e planos de pensão. Os autores sublinharam inclusive que esta abordagem do bem-estar no trabalho obteve maior sucesso em indústrias têxteis, lojas de departamento e minas, enquanto que o taylorismo se desenvolveu mais na indústria metalmecânica.

Essa baixa aderência do taylorismo à indústria têxtil, sugerida por Nelson e Campbell (1974NELSON, D. Scientific Management, Systematic Management, and Labor, 1880-1915. The Business History Review, 48(4), 479-500. 1974), também foi notada pelo próprio Taylor. A despeito de sugerir pouco acesso a informações, o autor sublinhou que a aplicação da administração científica não encontraria terreno fértil no setor têxtil em razão do desenvolvimento das máquinas e do alto grau de produtividade já alcançado. Num texto de 1896, Taylor escreveu que:

O conhecimento deste autor [o próprio Taylor] sobre a velocidade alcançada na fabricação de produtos têxteis é muito limitado. É sua opinião, no entanto, que devido à uniformidade comparativa desta classe de trabalho, e ao enorme número de máquinas e homens envolvidos em operações semelhantes, a produção máxima por homem e máquina é mais efetiva nesta classe de fabricantes do que em qualquer outra. Se for esse o caso, a oportunidade de melhoria [por meio do taylorismo] não existe aqui na mesma medida que em outros ramos (TAYLOR, 1896TAYLOR, Frederick W. A piece rate system. Economic Studies. vol. 1 n. 2. New York: American Economy association. 1896., p. 105, tradução nossa).

Ou seja, havia um desenvolvimento tal da maquinaria no setor têxtil que o sistema elaborado por Taylor não era então necessário ou adequado para se ampliar a produtividade, pelo menos não naquilo que continha de essencial como método de intensificação do trabalho. Como demarcado anteriormente, o taylorismo é um método de intensificação concentrado nos movimentos e na execução de tarefas realizadas pelo trabalhador, numa base técnica mais restrita (manufatura), método cuja possibilidade de aplicação decai conforme se desenvolve um sistema de máquinas (grande indústria).

É possível questionar, então, qual método era mais adequado ou qual esteve mais presente para intensificação do trabalho no setor têxtil nos Estados Unidos.

Chamamos a atenção, no tópico anterior, para a ampliação da produtividade do trabalho por meio de dois métodos de intensificação aderentes a um sistema de máquinas desenvolvido conforme sublinhado por Marx (2013MARX, Karl. O capital. São Paulo: Boitempo, 2013.): a aceleração da velocidade das máquinas e a ampliação do número delas sob a supervisão de um único operário. O segundo ganhou diferentes nomes ao longo dos séculos XIX e XX em diferentes países. Na Rússia de 1933, por exemplo, recebeu o nome de vinogradovismo (LUCAS, 2015LUCAS, Marcílio Rodrigues. De Taylor a Stakhanov: utopias e dilemas marxistas em torno da racionalização do trabalho. (Tese de doutorado). Campinas: UNICAMP. 2015.), tratando-se especificamente do aumento da produtividade na indústria têxtil com tecelãs responsáveis por um número maior de teares. O destaque russo nesse método em relação às principais economias de então serviu de horizonte inspirador para encaminhamentos técnicos no Brasil, como veremos adiante.

O mesmo método foi descrito nos Estados Unidos desde o século XIX como strecht-out system11 11 Na definição comum do termo, entendia-se o stretch-out system como método “pelo qual o trabalhador é designado a máquinas adicionais ou o ritmo das máquinas é acelerado de modo que ele produza mais em um dado período de tempo” (CODE OF FAIR COMPETITION FOR THE COTTON-TEXTILE INDUSTRY, 1933, p.266). Embora o termo abarque as duas possibilidades, é mais frequente o emprego para indicar a ampliação do número de máquinas sob a supervisão de um único operário. Além disso, apesar de a aceleração do ritmo das máquinas ser algo sempre presente onde quer que o sistema de máquinas esteja desenvolvido, este aspecto é muito mais difícil de rastrear nos dados históricos. Por esses dois motivos, guardamos o sentido restrito do número ampliado de máquinas por operário. .Bessen (2003BESSEN, James. Technology and Learning by Factory Workers: The Stretch-out at Lowell, 1842. The Journal of Economic History, Vol. 63, No. 1, Mar., 2003, pp. 33-64.) afirma que a introdução desse sistema se deu em 1842 naquele país, com o aproveitamento da capacidade dos operários, que aumentaram sensivelmente a produtividade de uma fábrica quando esta passou a concentrar três teares por trabalhador, em vez de dois. A partir do desenvolvimento de um programa de treinamento, essa fábrica pôde estender esse método de intensificação também a trabalhadores menos capacitados e sustentá-lo ao longo do tempo. Ou seja, o nível da base técnica mais desenvolvido colocava em perspectiva um método que extraía maior produtividade dos trabalhadores na sua relação com as máquinas, diferentemente do taylorismo.

Com o passar das décadas, este método ganhou traços ainda mais desdobrados. A introdução dos teares automáticos possibilitou sua ampliação, em que o número médio de teares supervisionados por um só trabalhador passou a seis, nos anos 1880 (FELLER, 1966FELLER, Irwin. The draper loom in New England textiles, 1894-1914: a study of diffusion of an innovation. The Journal of Economic History, vol. 26, No. 3 (Sep., 1966), pp. 320-347.). Tal método alcançou considerável difusão para além da virada do século XX, provocando conflitos trabalhistas e a tentativa não consumada de se limitar legalmente o número de teares por trabalhador (ABERNATHY et al., 1999ABERNATHY, F. H., DUNLOP, J. T., HAMMOND, J. H., & WEIL, D. A stitch in time: lean retailing and the transformation of manufacturing: lessons from the apparel and textile industries. New York: Oxford University Press, 1999.).

As ressonâncias desse método de intensificação do trabalho no setor têxtil com um sistema de máquinas já desenvolvido puderam ser sentidas na década de 1920 também, anos em que o taylorismo já conquistara grande audiência mundial.

Nessa direção, uma pesquisa sobre a situação dos trabalhadores têxteis nos Estados Unidos, naquela década, sublinhou que as indústrias faziam uso dos chamados “engenheiros industriais”, também conhecidos como “homens com cronômetros” (DUNN; HARDY, 1931DUNN, Robert; HARDY, Jack. Labor and Textiles. New York: International Publishers. 1931., p. 123). Esses profissionais contavam o tempo de todas as atividades dos operários, sobretudo marcando o tempo em que não estavam se ocupando das máquinas. Esses dados eram usados para se diminuir os tempos porosos e definir os trabalhadores mais aptos para o trabalho nos teares e aqueles adequados a outras atividades secundárias. O objetivo era, ao mesmo tempo, aumentar a produtividade dos trabalhadores, ocupando-os em mais teares, e diminuir aqueles tempos porosos ao acelerar o ritmo da maquinaria.

Poderíamos afirmar que estamos diante de uma aplicação clara do taylorismo, através do estudo com tais cronômetros? Deve-se observar que se tratou de um estudo dos tempos improdutivos no processo de produção e não dos movimentos específicos dos trabalhadores na execução das tarefas para eventual eliminação daqueles atos desnecessários. O principal para o caso é o fato de que tais estudos e suas proposições tinham por objeto o trabalho como apêndice das máquinas em que se procurou tornar a força de trabalho apta para extrair maior produtividade da maquinaria, restando também mais suscetível à aceleração do ritmo da produção. De tal sorte, há registros de que se tenha alcançado 70 máquinas por operário nos Estados Unidos da década de 1940 (CETEX, 1946, p.90).

A ênfase nesse método de ampliar a escala das máquinas por operário não eliminava as pressões para o prolongamento da jornada de trabalho no setor naquele país, ainda que a tendência geral fosse de redução. Era comum que as indústrias têxteis tivessem jornadas que chegavam às 9 e 10 horas diárias, alcançando, por exemplo, 56 horas semanais em 1928 (DUNN; HARDY, 1931DUNN, Robert; HARDY, Jack. Labor and Textiles. New York: International Publishers. 1931., p.116). Essa circunstância se dava inclusive em desacordo com a lei federal, estabelecida desde 1868 (e reafirmada em 1892, 1912 e 1913), que fixava o limite superior de 8 horas (PUPO NOGUEIRA, 1933, p.179, autor que, a propósito, registrou essa desobediência empresarial como virtude). Não obstante, Pearse (1927PEARSE, Arno S. International Cotton Bulletin. Mill Statistics, no. 21, nov., 1927. Disponível em: < https://archive.org/details/in.ernet.dli.2015.26210/mode/2up>
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) capturou a tendência de queda nas horas semanais entre 1907 e 1918. O autor fez coro, entretanto, contra a influente inclinação europeia à época de se alcançar as 48 horas em uma semana de 6 dias, ao enaltecer os estados estadunidenses que apresentavam entre 8 e 11 horas diárias; alguns deles sem limite superior legal (PEARSE, 1928PEARSE, Arno S. International Cotton Bulletin. Mill Statistics, no. 27, nov., 1928. Disponível em: < https://archive.org/details/dli.ernet.29949/mode/2up>
https://archive.org/details/dli.ernet.29...
, p.42). Isso mostra que a pressão para se manter jornadas mais longas era presente. Para os anos subsequentes, Wolman (1938WOLMAN, L. Hours of work in American industry. National Bureau of Economic Research, 1938, pp. 1-20.) comentou que “apenas 1,2% dos empregados estavam trabalhando 40 horas por semana ou menos em 1929”. Acrescentou também que “98% dos trabalhadores das fábricas têxteis de algodão estavam trabalhando 45 ou mais horas por semana, enquanto 63% trabalhavam mais do que 54 horas” (WOLMAN, 1938WOLMAN, L. Hours of work in American industry. National Bureau of Economic Research, 1938, pp. 1-20., p. 10). O autor ainda registrou que, passados anos da aplicação do Code of Fair Competition em 1933, o qual fixou em 40 horas máximas por semana, significou uma redução de “14 horas na semana” para a “maioria dos trabalhadores nessa indústria”, modificando a tendência de descumprimento pela maioria dos estados da federação dali em diante.

Essa tendência geral de redução da jornada, somada às evidências colecionadas para aquele período, sugerem que o método prevalecente foi mesmo o stretch-out, cujos números foram crescentes, conforme vimos.

Por esses termos, vemos como a distinção entre manufatura e grande indústria é decisiva para se apontar evidências que sinalizam a baixa aderência entre o taylorismo e as condições objetivas existentes no setor têxtil já tomado por um sistema de máquinas no país em tela. Diferentemente de se direcionar esforços para a otimização dos movimentos do trabalhador especializado, como atua o taylorismo, prevaleceu o método de intensificação a partir das possibilidades da maquinaria já desenvolvida no setor têxtil dos Estados Unidos.

4.2 MÉTODOS COMBINADOS NO BRASIL: MAIOR JORNADA, MENOS STRETCH-OUT

A constituição de um sistema de máquinas na indústria têxtil brasileira, conforme indicado antes, consolidou-se já no início do século XX, a partir de 1905. O período dessa constituição coincide com a elaboração e o desenvolvimento do taylorismo nos Estados Unidos. Na década de 1920 já havia muitos indícios da disseminação das ideias tayloristas no Brasil. Entre os mais prestigiados disseminadores estava, por exemplo, Roberto Simonsen (1919SIMONSEN, R. C. O trabalho moderno. São Paulo: Secção de Obras do Estado, 1919.). O setor têxtil no país, entretanto, assumiu naquela década uma caracterização que refletia um estágio bem avançado, cuja descrição é bastante esclarecedora, ao contrastar com uma organização manufatureira:

Das descrições e relatos feitos por contemporâneos ao período estudado, a imagem que se forma da fábrica de fiar e tecer era a de um estabelecimento no qual as operações eram executadas por máquinas que empreendiam todos os movimentos necessários à elaboração da produção, restando ao trabalhador a tarefa de vigiar o seu funcionamento. A ação do operário fazia-se restrita no sentido de servir à máquina, alimentando-a com matéria-prima e cuidando-a quando de uma avaria. Subordinava-se ao movimento e ritmo da máquina (RIBEIRO, 1988RIBEIRO, Maria Alice R. Condições de trabalho na indústria têxtil paulista (1870-1930). São Paulo: Hucitec, 1988., p.115).

Nessa descrição de um desenvolvido sistema de máquinas, é difícil entrever as possibilidades de intensificação via método taylorista. Não obstante, ainda que o sistema de máquinas tenha se desenvolvido nessa proporção, o método de intensificação do trabalho não refletia, como veremos a seguir, a tendência identificada para o caso estadunidense visto antes. No Brasil, diferentemente, há evidências de uma combinação de métodos sob condições adversas. As evidências abaixo sugerem que a produtividade era prioritariamente obtida por jornadas longas de trabalho mal remunerado e completadas, em alguns casos, por intensificação do trabalho via stretch-out (ou vinogradovismo, entre outros nomes). Essa combinação reforça a ausência de taylorismo como método de intensificação no setor de ponta da então economia brasileira.

Antes de considerar diretamente essa combinação, algumas das condições adversas são instrutivas, principalmente as diretamente ligadas à produção e que aumentam os obstáculos da particularidade brasileira a um método do tipo taylorista.

4.2.1 Força de trabalho, níveis gerenciais e salários

Já observamos antes que o sistema de máquinas no setor têxtil não dependia mais do trabalhador artífice que dominava todo o processo de produção. Passa a haver a dependência de um tipo específico de trabalhador “capacitado”, aquele apto a extrair maior produtividade da maquinaria.

O setor têxtil no Brasil refletia esta caraterística da grande indústria de concentrar a maior parte dos trabalhadores na supervisão da maquinaria. No censo industrial de 1920, por exemplo, ocupações como as de mestres, contramestres e técnicos, eram minoritárias (no ano em questão essas profissões não reuniam sequer 1% de toda a força de trabalho do setor). As profissões que concentravam a maioria dos funcionários, como cardadores, urdideiras e maçaroqueiros (além de fiandeiros e tecelões, que concentravam a maior parte dos trabalhadores têxteis, cerca 15%), eram operadores das máquinas relacionadas a cada um desses processos (BRASIL, 1928).

Entretanto, havia também no país certa escassez de trabalhadores aptos a extrair dos teares uma alta produtividade. Era baixa a disponibilidade de operários mais capacitados para o manejo das máquinas (capazes de maior produtividade), embora as operações de tecelagem dispensassem maior domínio técnico (STEIN, 1979STEIN, Stanley J. Origens e evolução da indústria têxtil no Brasil - 1850/1950. Rio de Janeiro: Campos, 1979.).

Essa baixa produtividade coexistia com a ausência de métodos sistemáticos de administração do trabalho adequados à produção têxtil. Estudos realizados por instituições ligadas ao próprio setor têxtil em 1946 são consideravelmente esclarecedoras nesse sentido. Chamam a atenção os obstáculos na formação quantitativa e qualitativa de técnicos para o trabalho nessa indústria. O relatório do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio registrou que “não possuímos técnicos em número suficiente para as necessidades da indústria” (CETEX, 1946, p. 81), ou mais diretamente para “servir à maquinaria moderna” (CETEX, 1946, p. 82). O citado relatório sublinhou que na “generalidade das fábricas brasileiras reina ainda o empirismo e por isso mesmo a produção além de não alcançar eficiência indispensável ao barateamento do preço de custo, comparece aos mercados consumidores sem a perfeição que deveria apresentar” (CETEX, 1946, p. 81). Portanto, ainda que alcançado o estágio da grande indústria no setor têxtil, aspectos numéricos e de formação da força de trabalho consagrados sob o manto do empirismo eram impeditivos para que o sistema stretch-out pudesse ser generalizado, conforme sugere o próprio relatório em questão (voltaremos a esse ponto adiante).

Esse quadro bastante diminuto do corpo técnico-gerencial é consideravelmente sintomático das dificuldades de florescimento do método taylorista, pois refletia-se no estágio da sistematização da produção. A literatura mostra que não havia métodos de trabalho muito apurados, tampouco processos organizativos mais sistematizados que aludissem à existência de aplicação de aspectos essenciais do taylorismo. Como visto acima, prevaleceu o empirismo. Há registros, na verdade, de tentativas de aperfeiçoamento da organização do trabalho, levando-se em consideração a necessidade de aprimorar a capacidade dos operários em lidar com as máquinas (RESENDE, 2003RESENDE, Ana Paula Mendonça de. A organização social dos trabalhadores fabris em São João del-Rei. Tese de doutorado. Belo horizonte: UFMG. 2003).

Ainda nessa direção, as unidades fabris apresentavam, quando muito, a direção pelos proprietários, os operários propriamente ditos e os chamados “condutores de trabalho”, isto é, supervisores mais diretos da produção. A esse respeito, Ribeiro (1988RIBEIRO, Maria Alice R. Condições de trabalho na indústria têxtil paulista (1870-1930). São Paulo: Hucitec, 1988.) sublinhou um aspecto decisivo ao sugerir que a organização do trabalho era “espontaneamente” desenvolvida com as mudanças na base técnica via incorporação de novas máquinas. Em outros termos, a organização do trabalho e o processo de produção em si mesmos não foram convertidos em objetos de investigação e sistematização generalizadas por parte de um corpo gerencial (seguindo os moldes do próprio Taylor, com estatísticos e outros técnicos), de resto diminuto, com vistas à intensificação do trabalho por meios tayloristas no Brasil de então. Nesse diapasão, Stein (1979STEIN, Stanley J. Origens e evolução da indústria têxtil no Brasil - 1850/1950. Rio de Janeiro: Campos, 1979.) sugeriu a existência de um sistema de custos muito precário. Mesmo nas maiores unidades fabris do setor, não se tinha em devida conta o custo real de produção como condição para qualquer investida mais sistemática, como exigia o próprio taylorismo na direção de diminuí-lo com ampliação da produtividade do trabalho pelo método consagrado da administração científica.

Os salários também constituem elemento importante das condições gerais da grande indústria no Brasil daquele período. Os mestres e mecânicos ingleses eram os únicos a terem os salários fixos. Em alguns casos, contratava-se esses técnicos empiricamente experientes, ainda que sem formação, para que pudessem realizar o treinamento dos operários (SEVERINO, 2015SEVERINO, Carlos Molinari Rodrigues. Mestres estrangeiros; operariado nacional: resistências e derrotas no cotidiano da maior fábrica têxtil do Rio de Janeiro (1890-1920). Brasília: UnB. 2015.). Segundo Pinheiro e Hall (1979PINHEIRO, Paulo Sergio; HALL, Michael M. A Classe Operária no Brasil, 1889-1930, documentos. São Paulo, Alfa-Ômega, v. 1, 1979.), na indústria têxtil paulista de 1912, os maiores salários eram justamente os recebidos por mestres e mecânicos contra as menores remunerações entre os operários. Ademais, os salários no setor têxtil também eram menores do que em outros setores da economia nacional. Em 1920, enquanto o salário médio foi de 972 réis no setor têxtil, a média era de 1182 reis nos demais setores industriais do país (BRASIL, 1927). Considerando que um dos alvos econômicos do taylorismo é precisamente a diminuição da massa total de salários (ainda que as remunerações possam crescer individualmente) com a aplicação da administração científica, resta saber o que poderia ser realizado nessa direção em um setor tecnologicamente desenvolvido, em que a média salarial já atingira os mais baixos patamares precisamente pela consolidação do sistema de máquinas.

Essas condições adversas deixam muitas dúvidas quanto à aplicação do taylorismo. Ora, como introduzir métodos de alteração da organização do trabalho que diminuam a massa de salários já rebaixada e ampliem a produtividade do trabalho sem ter em conta os custos envolvidos que autorizam a avaliar os efeitos de tais métodos ou mesmo identificar sua necessidade? Como isso seria possível sem um nível gerencial dedicado ao assunto? As respostas mais consistentes às questões passam também pela apreensão dos métodos de ampliação da produtividade do trabalho correspondentes à grande indústria nas condições do setor têxtil brasileiro.

4.2.2 Prolongamento da jornada e intensificação do trabalho no setor têxtil brasileiro

É possível observar em diversos exemplos ao longo do tempo que o método mais comum de se ampliar a produtividade foi a extensão da jornada de trabalho. Comentamos antes sobre a utilização desse método que inclusive é ainda mais possibilitado pelo desenvolvimento da maquinaria (MARX, 2013MARX, Karl. O capital. São Paulo: Boitempo, 2013.).

Para o caso brasileiro, Pinheiro e Hall (1979PINHEIRO, Paulo Sergio; HALL, Michael M. A Classe Operária no Brasil, 1889-1930, documentos. São Paulo, Alfa-Ômega, v. 1, 1979.) sugeriram que, ainda no início do século XX, “em toda a indústria o horário usual não passa de dez horas e os tecelões, em vez disso, [deviam] trabalhar doze horas ou mais” (PINHEIRO; HALL, 1979PINHEIRO, Paulo Sergio; HALL, Michael M. A Classe Operária no Brasil, 1889-1930, documentos. São Paulo, Alfa-Ômega, v. 1, 1979., p. 47). Apresentar jornadas de trabalho mais longas foi uma das marcas constantes do setor têxtil brasileiro. Isto pode ser corroborado ao se observar as estatísticas de 1912 sobre as horas médias trabalhadas. Segundo Ribeiro (1988RIBEIRO, Maria Alice R. Condições de trabalho na indústria têxtil paulista (1870-1930). São Paulo: Hucitec, 1988.), naquele ano o “inquérito sobre a indústria têxtil realizado pelo DET [Departamento Estadual do Trabalho, São Paulo] constatou que a jornada variava de sete horas e meia a doze horas de trabalho por dia. Entretanto, das 29 fábricas investigadas, 82,76% concentravam-se na jornada de dez a doze horas por dia” (RIBEIRO, 1988RIBEIRO, Maria Alice R. Condições de trabalho na indústria têxtil paulista (1870-1930). São Paulo: Hucitec, 1988., p. 166).

As evidências sugerem que esse método foi o mais utilizado de fato. Na década de 1930, por exemplo, foi emblemático o debate público a respeito da impossibilidade de redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias no setor têxtil por razões do “terreno da prática”, as quais seriam desconhecidas pelos legisladores (PUPO NOGUEIRA, 1935PUPO NOGUEIRA, O. A indústria em face das leis do trabalho. São Paulo: Escolas Profissionaes Salesianas, 1935., p. 126, um representante dos empresários do setor), uma vez que tal regime “restringe a produtividade geral de um país e isto tem reflexo imediato sobre o ‘standard’ de vida” (idem, p. 174, grifo no original). Para a mesma década, registrou-se a ação dos empresários no prolongamento da “jornada de trabalho para além das dez horas habituais, acrescentando um segundo e mesmo um terceiro turno” (STEIN, 1979STEIN, Stanley J. Origens e evolução da indústria têxtil no Brasil - 1850/1950. Rio de Janeiro: Campos, 1979., p.147). Acrescentou-se que, entre 1931 e 1937, diversas fábricas “funcionaram de 16 a 24 horas diariamente, embora, em meados de 1936, os trabalhadores, alegando fadiga, já se recursassem a fazer serão” (STEIN, 1979, p.147).

Em meados da década de 1940, foi possível, diante da necessidade de suprir a demanda crescente por tecidos nacionais, obter junto ao governo federal um decreto que colocava o setor têxtil como exceção à jornada prevista em lei de 8 horas diárias (LOUREIRO, 2006LOUREIRO, Felipe P. Nos fios de uma trama esquecida: a indústria têxtil paulista nas décadas pós-Depressão (1929-1950). (Dissertação de mestrado). USP, 2006.). Este decreto, que reconhecia a indústria têxtil como um setor de interesse nacional, dizia que “a duração normal do trabalho, nas empresas a que se refere esta lei, poderá ser fixada em dez horas diárias, pagas as duas últimas horas com acréscimo não inferior a 20% sobre a remuneração normal” (BRASIL, 1944). A medida parece não ter produzido o efeito esperado para além de certos limites, uma vez que se registrou em relatório, daquele período, uma “queda de produção ‘per capita’ resultante da falta de preparo técnico dos operários especializados que foi necessário improvisar, das dificuldades de condução, da fadiga dos operários, do desgaste de máquinas” (CETEX, 1946, p. 224). Sobressalta a baixa capacidade de se aumentar a produtividade simultaneamente à fadiga dos operários.

Nessas condições, o processo de trabalho da indústria têxtil brasileira sob a forma da grande indústria parecia conter maior porosidade improdutiva do que suas contrapartes internacionais, significando possivelmente a existência de jornada extensa, mas pouco produtiva, justamente em razão daquele caráter improvisado do processo de trabalho. Não obstante, o quadro geral sugere que foi o método mais frequente do que a intensificação do trabalho ao estilo taylorista.

As evidências sugerem que a aplicação do sistema stretch-out se deu de maneira menos sistemática, mas não que seja desimportante. Por se tratar de um método diretamente relacionado com o sistema de máquinas, a sua aplicação no setor têxtil data desde o século XIX inclusive no Brasil. Numa fábrica em Minas Gerais, em 1896, “as operárias mais práticas e com mais destreza, consideradas as melhores dentre o grupo de trabalhadoras chegavam a operar dois teares” (LIMA, 2011LIMA, Junia de Souza. O melhor empregado. Varia Historia, Belo Horizonte, vol. 27, nº 45: p.265-287, jan/jun 2011., p. 281). Fausto (1976FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social, 1890-1920. São Paulo: Difel, 1976.) obteve registros da aplicação do mesmo método em uma fábrica paulista na primeira década do século seguinte. Com o início da implementação no país dos teares automáticos nas décadas seguintes, Silva (1991SILVA, Zélia Lopes da. A Domesticação dos Trabalhadores nos anos 30. Marco Zero, São Paulo, 1991.) notou o fato de um único tecelão supervisionar quatorze teares numa outra fábrica paulista. Os números foram crescentes.

No entanto, as motivações das greves dos trabalhadores da indústria têxtil auxiliam na identificação do lugar do stretch-out na relação com a ampliação da jornada de trabalho. Almeida (1978ALMEIDA, Maria Herminia Tavares. Estado e Classes Trabalhadoras no Brasil (1930-1945). Tese de doutorado. USP: São Paulo, 1978.), ao apresentar um inventário de greves durante o período de 1930 a 1935, contabilizou 26 greves de trabalhadores têxteis. Excluindo as que não tiveram a motivação identificada e as que tiveram motivações outras, houve 11 greves motivadas por questões salariais, 6 pela jornada de trabalho e 1 motivada pelo aumento de máquinas supervisionadas por operários. Dessa forma, essa evidência reforça a tendência de se obter produtividade extensiva do trabalho por meio da jornada de trabalho combinada a baixos salários e mais lateralmente ao aumento de máquinas por trabalhador.

Não obstante essa condição complementar, o fato de se ter o stretch-out como horizonte para avanço da produtividade no setor é decisivo para sinalizar a tendência de baixa aderência do taylorismo aos imperativos da grande indústria no setor têxtil brasileiro. Descrevendo o já referido método de produção das tecelagens russas chamado vinogradovismo, o relatório da CETEX de 1946 argumentou ser possível que “normalmente 1 operário [pudesse] controlar, em média, 24 teares automáticos e fornecer 90% de eficiência de produção” (CETEX, 1946, p. 84). No Brasil, por outro lado, “nas fábricas em que existem teares automáticos, cada tecelão controla, no máximo, 8 teares, cuja produção não alcança 80% da eficiência” (CETEX, 1946, p. 85). Houve registro de que um operário na Rússia de então alcançou a marca de 216 teares sob sua supervisão (CETEX, 1946, p.90); algo que aparecia como possibilidade de ser mimetizado.

Essa constatação comparativa do relatório sugere novamente a baixa incidência da aplicação do método de intensificar a produtividade com o aumento de máquinas supervisionadas por um mesmo trabalhador no Brasil, já com a década de 1950 entrevista. Ao mesmo tempo, não existe qualquer alusão a elemento específico do taylorismo nesse relatório de ampla importância política e estratégia para o setor à época. Em outros termos, quando do assédio de se considerar o caminho para a ampliação da produtividade do trabalho, não se evocou o taylorismo, mas, precisamente, o stretch-out, à luz de sua versão russa quantitativamente mais bem-sucedida.

Adicionalmente, as observações parecem aproximar o Brasil do caminho do estágio mais sistemático de aplicação do stretch-out observado nos Estados Unidos. É preciso considerar que a inserção de teares tecnologicamente mais desenvolvidos facilitava a aplicação do sistema de aumento do número de teares por trabalhador. Mas ainda assim, enquanto os Estados Unidos possuíam 65% do maquinário composto por teares automáticos na década de 1940, o Brasil possuía apenas 4% (CETEX, 1946).

De modo geral, é correto dizer que existem aspectos que aludem a certos traços do taylorismo - mas que não demarcam sua especificidade -, a exemplo da consideração de aspectos físicos dos trabalhadores, do sistema de pagamento por peça, entre outros. No entanto, essas semelhanças não podem ser consideradas suficientes para se pressupor a aderência entre o taylorismo como método de intensificação do trabalho e a grande indústria estabelecida no setor têxtil brasileiro daquele período. Ao contrário, o exame dos aspectos da indústria têxtil mostra que as fases do processo de trabalho eram dominadas pela maquinaria antes da disseminação do taylorismo no país e assim permaneceu no leito da automação. Importa assinalar que o predomínio do método de extensão da jornada de trabalho naquele contexto não é uma disfuncionalidade, mas um meio mais correspondente ao sistema de máquinas do que o próprio taylorismo, sobretudo ao se levar em conta as condições nacionais então existentes.

Com efeito, as evidências sugerem uma baixa aderência entre o taylorismo e o processo de trabalho do setor têxtil brasileiro, assim como foi possível concluir a partir o caso estadunidense. Enquanto no “país da liberdade” vigorou o método da intensificação pela ampliação do número de máquinas por trabalhador, sob Ordem e Progresso combinou-se esse stretch-out ao método das longas jornadas de trabalho, com predominância do último.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo objetivou analisar o grau de aderência do taylorismo ao setor têxtil como grande indústria (ou sistema de máquinas) no Brasil e nos Estados Unidos. Para tanto, consideramos a diferença entre manufatura e grande indústria, além das formas de ampliação da produtividade do trabalho mais aderentes.

O taylorismo, como um método de extração de produtividade pela intensificação do ritmo do trabalho, não parece possuir, em termos formais, afinidades com um sistema de máquinas desenvolvido uma vez que, nessas condições, não é mais o trabalho manipulador de ferramentas o componente essencial. O sistema de máquinas pode conviver com o prolongamento da jornada de trabalho, com a aceleração das máquinas, com o aumento do número de máquinas sob a supervisão de um operário e outros expedientes, pois o sistema automático desenvolvido torna cada vez mais irrelevante os movimentos do operário. É o ritmo do maquinismo que se impõe como fator preponderante.

Em termos mais concretos, o setor têxtil se desenvolveu como grande indústria já no século XIX, para o caso estadunidense, e a partir de 1905, para o caso brasileiro. A ocorrência do sistema de máquinas no setor, portanto, antecede o período de maior difusão do taylorismo. Nessa direção, as evidências históricas reunidas fornecem os contornos da conclusão geral segundo a qual o taylorismo não germinou no setor têxtil daqueles países. A explicação se dá pela presença de outros métodos de ampliação da produtividade mais correspondentes ao sistema de máquinas. Nos EUA prevaleceu a ampliação do número de máquinas por trabalhador (stretch-out), com gradativa redução da jornada de trabalho do século XIX ao XX. No Brasil, diferentemente, as evidências sugerem a prevalência do método de se prolongar a jornada de trabalho com o uso mais secundário daquela ampliação de escala das máquinas sob um operário. As condições objetivas de cada país reforçam essa explicação, conforme fora apresentado.

As evidências dos casos concretos e a baixa adequação do taylorismo em termos formais sugerem que tal método de intensificação do trabalho é bem mais coerente a uma base técnica regredida e a processos de trabalho mais arcaicos. O caso do setor têxtil como um dos pontos tecnologicamente mais avançados de então serve, na verdade, de contraexemplo. Como melhor expressão do desenvolvimento do modo de produção capitalista em razão da aplicação científica incorporada à maquinaria, o setor têxtil colocou como necessidade prática outros métodos mais aderentes. O próprio Taylor pareceu reconhecer esse fato no final do século XIX em razão dos altos níveis de produtividade alcançados por aquela indústria.

Dessa forma, a nossa investigação contribui com o debate a respeito do taylorismo e de sua influência, especialmente no Brasil, conforme sugerido na introdução do presente artigo. Ao considerar a diferença específica do taylorismo como método de intensificação do trabalho, as evidências sugerem que a sua história no Brasil não passou pelo setor têxtil, pelo menos, e as exceções isoladas reforçam essa hipótese geral. As mesmas evidências fornecem uma explicação razoável para isso e que não estava explicitamente formulada pela literatura especializada: o fato de a grande indústria em si repelir o taylorismo por desenvolver um sistema de máquinas, demandando dos agentes práticos outros métodos de produtividade do trabalho. A análise, portanto, que retém a especificidade do taylorismo (longe das definições abrangentes) e que considera concretamente o setor delimitado (em contraposição à homogeneização e generalização desmedidas) apresenta melhores condições explicativas do que aquelas que se limitam ao ideário do empresariado da época e a conceitos abstratos como “racionalização”. Para tanto, a diferenciação entre manufatura e grande indústria é incontornável.

Por fim, há possibilidades de continuidade da pesquisa enfocando exemplos próprios do desenvolvimento do taylorismo e outras técnicas semelhantes, como o fordismo, no Brasil. Seria interessante igualmente explorar ainda outros contraexemplos, como o setor químico e o siderúrgico. Há também o interesse em pesquisa mais contemporânea sobre o desenvolvimento da grande indústria e da grande indústria moderna, com a aplicação mais extensiva da robótica e da inteligência artificial. São possibilidades de pesquisas futuras destinadas a ampliar o conhecimento dessas importantes transformações técnico-organizacionais.

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  • 1
    Recebido em 21/12/2020, aceito em 25/3/2021.
  • 2
    Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG pelo apoio financeiro ao projeto que gerou o presente artigo, e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES pela concessão de bolsa de doutoramento para um de seus autores.
  • 5
    Por exemplo, o fato de se encontrar nas proposituras de Taylor o aumento individual de salários e de se constatar no Brasil sistematizações da produção que não procuraram esse aumento, condicionaram a conclusão de que não houve taylorismo no país. Guardou-se assim outra designação, como “rotinização”, em seu lugar (e.g. FLEURY, 1983).
  • 6
    Essa posição assumida difere da tendência teórica que enfatiza os aspectos mais “políticos” envolvidos, a exemplo do confronto entre trabalhadores e gestão pelo controle do processo de trabalho. Esta tendência aparece de maneira muito bem acabada em Marglin (1980, p.41) ao afirmar que a “origem e o sucesso da fábrica não se explicam por uma superioridade tecnológica, mas pelo fato de ela despojar o operário de qualquer controle e de dar ao capitalista o poder de prescrever a natureza do trabalho e a quantidade a produzir”. Certos traços dessa tendência também podem ser identificados mais brandamente para o caso do taylorismo em Braverman (1977) e, no Brasil, em Motta (2001) e Faria (2017). Não estamos sugerindo que esse aspecto seja desimportante. Consideremo-lo parte do complexo de problemas envolvidos em que, no entanto, o imperativo técnico-econômico é potencializado pela concorrência intercapitalista.
  • 7
    As relações de reciprocidade entre base técnica e organização do trabalho, assim como a incidência de expedientes como o taylorismo, ultrapassam a problemática geral da presente investigação. O leitor interessado em aprofundar poderá encontrar elementos em Paço Cunha (2019a; 2019c).
  • 8
    Mais-valor expressa a riqueza adicional que o trabalho cria de modo superior à equivalência dos meios de subsistência necessários para a reprodução física e social do trabalho. Na forma dos preços, o mais-valor é excedente ao preço da força de trabalho ou salário, remuneração e equivalentes.
  • 9
    É importante não confundir sistema de máquinas aqui descrito aproximadamente com graus variados de mecanização possíveis sobre uma base manufatureira, como esteira rolante ou linha de montagem que, diferentemente de tal sistema, mantém o trabalhador e os instrumentos como base a ser progressivamente superada. Guardamos essa forma para a manufatura moderna, explicitada no Quadro 1 e descrita em instantes.
  • 10
    Pelos critérios do autor, definiam-se como aspectos do taylorismo: “(1) as melhorias técnicas e organizacionais preliminares, tais como mudanças em máquinas e operações de máquinas (incluindo a introdução de ferramentas de alta velocidade feitas de aço nas oficinas de máquinas), melhor sistema de correias [better belting], melhorias por meio de procedimentos de contabilidade de custos e compras sistemáticas, métodos de estocagem e sala de ferramentas - em suma, os refinamentos básicos de Taylor de técnicas de administração sistemática; (2) um departamento de planejamento; (3) supervisão funcional; (4) estudo do tempo; e (5) um sistema de salário incentivador”. (NELSON, 1974, p. 490, tradução nossa). Como se vê, é uma consideração bastante abrangente para o taylorismo, pois quase todas as medidas de melhorias poderiam ser incluídas no conceito. Seguindo esta noção mais abrangente do conceito, alguns trabalhos já antes mencionados dissertaram sobre o taylorismo nas indústrias têxteis da Austrália (WRIGHT, 1993) e do Japão (TSUTSUI, 1998), tomando o taylorismo como sinônimo de “racionalização”, como também é comum na literatura brasileira. Por seu turno, Voos (et al., 2010), também já mencionados, consideraram inadvertidamente taylorismo a maior concentração de teares por operário na Dinamarca. O entendimento muito largo do taylorismo torna o conceito suscetível a estas identidades muito variadas, com alto risco de se gerar maior confusão do que explicação.
  • 11
    Na definição comum do termo, entendia-se o stretch-out system como método “pelo qual o trabalhador é designado a máquinas adicionais ou o ritmo das máquinas é acelerado de modo que ele produza mais em um dado período de tempo” (CODE OF FAIR COMPETITION FOR THE COTTON-TEXTILE INDUSTRY, 1933, p.266). Embora o termo abarque as duas possibilidades, é mais frequente o emprego para indicar a ampliação do número de máquinas sob a supervisão de um único operário. Além disso, apesar de a aceleração do ritmo das máquinas ser algo sempre presente onde quer que o sistema de máquinas esteja desenvolvido, este aspecto é muito mais difícil de rastrear nos dados históricos. Por esses dois motivos, guardamos o sentido restrito do número ampliado de máquinas por operário.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    21 Dez 2020
  • Aceito
    25 Mar 2021
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