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Violência por parceiro íntimo na adolescência: uma análise de gênero e geração

Violencia de pareja en la adolescencia: un análisis de género y generación

RESUMO

Objetivo:

Analisar a violência por parceiro íntimo na adolescência na perspectiva de gênero e geração.

Método:

Pesquisa quantitativa, descritiva e exploratória. Participaram 111 adolescentes, com idades de 15 a 19 anos.

Resultados:

Constatou-se que 91% dos participantes perpetraram e 90,1% sofreram, no mínimo, uma das naturezas de violência. A violência por parceiro íntimo na adolescência constitui uma forma de violência de gênero, e as construções de gênero determinaram as agressões sofridas e perpetradas, possivelmente determinando também a naturalização e legitimação de tais agressões. A desigualdade de poder entre as gerações pode determinar maior vulnerabilidade dos mais jovens ao fenômeno.

Conclusão:

A construção histórica e social da masculinidade e da feminilidade e as desigualdades de poder estabelecidas por essas construções confluem com a desigualdade de poder entre as gerações. Assim, gênero e geração são determinantes da violência por parceiro íntimo na adolescência, bem como da vulnerabilidade de adolescentes a esse fenômeno.

Descritores:
Saúde do Adolescente; Gênero e Saúde; Violência Contra a Mulher; Violência por Parceiro Íntimo; Adolescente

RESUMEN

Objetivo:

analizar la violencia de pareja en la adolescencia, en las perspectivas de género y generación.

Método:

investigación cuantitativa, descriptiva, exploratoria. Participaron 111 adolescentes de entre 15 y 19 años.

Resultados:

se constató que 91% de los adolescentes ejercieron y 90,1% sufrieron, al menos, una forma de violencia. La violencia de pareja en la adolescencia constituye una forma de violencia de género. Las construcciones de género determinaron las agresiones sufridas y ejercidas, posiblemente determinando también la naturalización y legitimación de tales agresiones. La desigualdad de poder entre las generaciones puede determinar mayor vulnerabilidad de los más jóvenes al fenómeno.

Conclusión:

la construcción histórica y social de masculinidad y femineidad y las desigualdades de poder establecidas por dichas construcciones confluyen con la desigualdad de poder entre generaciones. Consecuentemente, género y generación son determinantes de la violencia de pareja en la adolescencia, así como de la vulnerabilidad de adolescentes a este fenómeno.

Descriptores:
Salud del Adolescente; Género y Salud; Violencia contra la Mujer; Violencia de Pareja; Adolescente

ABSTRACT

Objective:

to analyze the intimate partner violence in adolescence from the perspective of gender and generation.

Method:

Quantitative, descriptive, and exploratory research. 111 adolescents participated in this study, with ages from 15 to 19 years old.

Results:

We found that 91% of participants have perpetrated and 90.1% have undergone at least one of the natures of violence. The intimate partner violence in adolescence constitutes a form of gender violence, and gender constructions have determined the suffered and perpetrated aggressions, possibly also determining the naturalization and legitimization of such aggressions. The inequality of power between generations may determine greater vulnerability of youngsters to the phenomenon.

Conclusion:

The historical and social construction of masculinity and femininity and the power inequalities set by these constructions converge with the power inequality between generations. Thus, gender and generation are determinants of intimate partner violence in adolescence, as well as of the vulnerability of adolescents to this phenomenon.

Descriptors:
Adolescent Health; Gender and Health; Violence Against Women; Intimate Partner Violence; Adolescent

INTRODUÇÃO

A violência por parceiro íntimo é definida pela Organização Mundial da Saúde como "comportamento por um parceiro íntimo que cause dano físico, sexual ou psicológico, incluindo atos de agressão física, coerção sexual, abuso psicológico e comportamentos controladores"(11 World Health Organization. Responding to intimate partner violence and sexual violence against women: WHO clinical and policy guidelines[Internet]. Geneva: World Health Organization; 2013[cited 2016 May 05]; Available from: http://www.who.int/reproductivehealth/publications/violence/9789241548595/en/
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).

Neste estudo, optou-se por utilizar o termo violência por parceiro íntimo na adolescência, uma vez que abrange parcerias informais como o namoro e o "ficar". Este último constitui um tipo de relação de intimidade caracterizada como fase de atração sem maiores compromissos entre os parceiros, que pode envolver desde beijos até relações sexuais. Entretanto, também pode assumir características semelhantes às do namoro, relação de intimidade caracterizada pelo compromisso entre os parceiros(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.).

A violência por parceiro íntimo é frequente entre adolescentes e tem sido muito abordada nos estudos internacionais, sobretudo nos países norte-americanos, nos quais é denominada "dating violence" ou "courtship violence". No âmbito nacional, a produção científica sobre o tema é restrita. Da mesma maneira, a articulação entre gênero e violência por parceiro íntimo na adolescência é tema pouco abordado tanto no âmbito nacional como internacional(33 Oliveira RNG, Gessner R, Brancaglioni BCA, Fonseca RMGS, Egry EY. Preventing violence by intimate partners in adolescence: an integrative review. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2016[cited 2016 Apr 12];50(1):134-43. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v50n1/0080-6234-reeusp-50-01-0137.pdf
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).

Estudo espanhol realizado com 567 adolescentes revelou que 96,3% dos participantes perpetraram violência verbal/emocional nas relações de intimidade e 95,4% sofreram violência verbal/emocional. O mesmo estudo apontou que 24,3% dos adolescentes perpetraram e 21,7% sofreram violência física nesse tipo de relação(44 Fernández-Fuertes AA, Fuertes A. Physical and psychological aggression in dating relationships of Spanish adolescents: motives and consequences. Child Abuse Negl [Internet]. 2010[cited 2016 May 05];34(0):183-91. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0145213410000359
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). Estudo semelhante, realizado com 3205 adolescentes de 10 capitais brasileiras, detectou que 38,9% dos participantes perpetraram e 43,8% sofreram violência sexual(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.).

A vivência das primeiras relações de intimidade em uma sociedade androcêntrica pode determinar maior vulnerabilidade à vivência e à perpetração de violência. Além disso, a desigualdade de poder entre as gerações também pode determinar maior vulnerabilidade dos adolescentes ao fenômeno, uma vez que nesta etapa da vida ambos os sexos ocupam posições de subalternidade social.

O presente estudo foi orientado pelos seguintes questionamentos: "Quais as características da violência vivenciada e perpetrada por adolescentes em suas relações de intimidade?" e "Como a violência por parceiro íntimo na adolescência pode ser compreendida na perspectiva de gênero e geração?"

OBJETIVO

Analisar a violência por parceiro íntimo na adolescência na perspectiva de gênero e geração.

MÉTODO

Aspectos éticos

A pesquisa atendeu aos requisitos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Os adolescentes maiores de 18 anos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Desenho, local do estudo e período

Estudo transversal, realizado entre outubro a novembro de 2015, em uma escola pública do município de Curitiba, que oferece cursos de Ensino Técnico e Ensino Superior. O município de Curitiba é a capital do estado do Paraná, localizado na Região Sul do Brasil.

População e amostra

Utilizou-se amostragem por conveniência, tendo participado adolescentes que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: idade de 15 a 19 anos e ter ficado ou namorado, independentemente do tempo de duração da relação.

Coleta dos dados e protocolo do estudo

Os dados foram coletados por meio de instrumento anônimo e autoaplicável. O instrumento utilizado foi composto pela escala CADRI (Conflict in Adolescent Dating Relationships Inventory), criada por Wolfe et al.(55 Wolfe DA, Scott K, Reitzel-Jaffe D, Wekerle C, Grasley C, Straatman AL. Development and validation of the conflict in adolescent dating relationships inventory. Psychol Assess [Internet]. 2001[cited 2016 May 05];13(2):277-93. Available from: http://psycnet.apa.org/journals/pas/13/2/277/
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) e adaptada e validada para o português por Minayo, Assis e Njaine(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.). Foram incluídas questões fechadas, referentes às características dos participantes e aos tipos de relações de intimidade estabelecidas.

A CADRI é uma escala que afere a vitimização e perpetração de violência física, sexual e psicológica na relação de intimidade. A violência psicológica foi subdividida em três itens: violência verbal/emocional, ameaças e violência relacional, que diz respeito a espalhar boatos sobre o parceiro ou parceira, tentar virar os amigos contra ele ou ela e dizer coisas para interromper as amizades do parceiro ou parceira(55 Wolfe DA, Scott K, Reitzel-Jaffe D, Wekerle C, Grasley C, Straatman AL. Development and validation of the conflict in adolescent dating relationships inventory. Psychol Assess [Internet]. 2001[cited 2016 May 05];13(2):277-93. Available from: http://psycnet.apa.org/journals/pas/13/2/277/
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).

Realizou-se pré-teste do instrumento com 10 participantes cujas características assemelhavam-se às da amostra estudada, não sendo verificada necessidade de alteração no instrumento. Os dados coletados no pré-teste não foram contabilizados nos resultados finais. Aproximadamente 40% dos instrumentos foram aplicados em sala de aula. No ensino superior, devido à dificuldade de conseguir horários livres para a aplicação, houve a necessidade de entregar os instrumentos para que os adolescentes os preenchessem em momento oportuno e recolhê-los posteriormente.

Análise dos resultados e estatística

Em cada item da escala os adolescentes foram questionados quanto às agressões sofridas e perpetradas. Para cada questão, eram oferecidas as possibilidades de resposta: "nunca", "raramente", "às vezes" e "sempre", sendo atribuída, respectivamente, pontuação de 0 a 3 para cada uma das opções de resposta. Os dados foram tabulados e analisados com o software SPSS® (Statistical Package for the Social Sciences) versão 22. Realizou-se dupla digitação por pesquisadoras independentes e, posteriormente, procedeu-se à análise estatística descritiva e inferencial. Optou-se por calcular os resultados considerando apenas os casos válidos, ou seja, os campos preenchidos no banco de dados.

Os dados foram descritos por frequências absolutas e relativas, sendo também apresentadas medidas-resumo numéricas, como a média, mediana e desvio padrão. Foram utilizadas técnicas de estatística inferencial para verificar a associação entre variáveis. Para avaliar a associação da variável sexo do adolescente com variáveis categóricas utilizou-se o teste de Qui-quadrado ou o teste exato de Fisher. Verificou-se a associação do sexo com variáveis numéricas por meio do teste t ou do teste Wilcoxon-Mann-Whitney. Para verificar a correlação entre as escalas do CADRI, foi utilizado o coeficiente de correlação de Spearman.

As variáveis referentes à violência sofrida e perpetrada foram constituídas pela soma dos escores dos itens do CADRI para cada tipo de violência. Quando o escore da soma dos itens foi zero, considerou-se que não ocorreu violência na relação. Quando a soma dos escores foi maior ou igual a 1, foi considerado que ocorreu violência na relação.

As variáveis foram analisadas com base nas categorias gênero e geração, que constituíram o referencial teórico da pesquisa. A categoria gênero aborda a construção histórica e social das relações de poder entre os sexos(66 Fonseca RMGS. Gênero e saúde da mulher: uma releitura do processo saúde doença das mulheres. In: Fernandes RAQ, Narchi NZ. Enfermagem e saúde da mulher. 2. ed. Santana do Parnaíba: Manole; 2012. p. 30-61.)

[...] diferenciando o sexo biológico do sexo social. Enquanto o primeiro refere-se às diferenças anátomo-fisiológicas, portanto, biológicas, existentes entre os homens e as mulheres, o segundo diz respeito à expressão que assumem essas diferenças nas distintas sociedades, no transcorrer da história.

A subcategoria violência de gênero permite a compreensão das relações de dominação determinadas pela desigualdade de poder existente entre os sexos, em geral, hegemonicamente situada no polo masculino(77 Bourdieu P. A dominação masculina: a condição feminina e a violência simbólica. Rio de Janeiro: BestBolso; 2014.). A categoria geração aborda as desigualdades de poder existentes entre as gerações, sendo que os adultos correspondem à categoria geracional que detém maior poder(66 Fonseca RMGS. Gênero e saúde da mulher: uma releitura do processo saúde doença das mulheres. In: Fernandes RAQ, Narchi NZ. Enfermagem e saúde da mulher. 2. ed. Santana do Parnaíba: Manole; 2012. p. 30-61.). Além disso, a categoria geração também possibilita compreender a relação entre o contexto histórico e social e as vivências de adolescentes, ou seja, de sujeitos da mesma geração(33 Oliveira RNG, Gessner R, Brancaglioni BCA, Fonseca RMGS, Egry EY. Preventing violence by intimate partners in adolescence: an integrative review. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2016[cited 2016 Apr 12];50(1):134-43. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v50n1/0080-6234-reeusp-50-01-0137.pdf
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).

RESULTADOS

Caracterização da amostra

Participaram do estudo 111 adolescentes, 69 do sexo feminino (62,2%) e 42 do masculino (37,8%). A média de idade dos participantes foi de 18,2 anos. Quanto à nacionalidade, 110 adolescentes eram brasileiros (99,1%) e um japonês (0,9%). Quanto à cor da pele, 80,2% se autodeclararam brancos, 12,6% pardos, 4,5% pretos e 2,7% amarelos ou indígenas. Quanto à procedência, 89,2% eram do município de Curitiba, cuja população é predominantemente branca(88 IPPUC. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba. População: análise censo 2010 [Internet]. Curitiba; 2012[cited 2016 May 05]. Available from: http://www.ippuc.org.br/default.php
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). Apenas 1 (0,9%) adolescente vivia na zona rural, e os demais (99,1%) na zona urbana. Em relação à religião, houve predomínio de católicos (41,8%) ou que não tinham religião (34,5%). A maioria vivia com o pai e a mãe (63,1%). A média do número de cômodos da casa por pessoa foi igual a 2,3. A maioria dos participantes não trabalhava (61,3%), porém, entre os que trabalhavam e recebiam remuneração (36%), a média de ganhos chegou a R$ 923,86. Em relação à escolaridade do pai ou responsável do sexo masculino, a média de anos de estudo foi de 12 anos. A média da escolaridade da mãe ou responsável do sexo feminino foi de 12,3 anos de estudo.

Caracterização dos tipos de relações de intimidade

As relações de intimidade estabelecidas pelos participantes apresentaram-se predominantemente heterossexuais, conforme a Tabela 1. A média da idade em que os adolescentes começaram a "ficar" ou a namorar foi de 13,7 anos. As médias da idade do início do namoro foram semelhantes tanto para os meninos (13,8 anos) quanto para as meninas (13,6 anos).

Tabela 1
Características das relações de intimidade estabelecidas pelos adolescentes, Curitiba, Brasil, 2015

A média do número de pessoas com as quais os participantes "ficaram" ou namoraram revelou-se similar entre os sexos e igual a 10 (X=5) pessoas.

A maioria já havia tido relação sexual. A média de idade da primeira relação sexual foi de 16,4 anos. A média de idade da primeira relação sexual apresentou-se similar entre os meninos e meninas: 16,2 anos e 16,5 anos, respectivamente.

Em relação ao número de pessoas com as quais os adolescentes tiveram relação sexual, a média foi de 3 pessoas. A média das meninas foi de 2,4 pessoas, e a média dos meninos, igual a 4,6 pessoas. A maioria dos adolescentes afirmou ter relações sexuais apenas com um(a) parceiro(a) fixo(a) e do sexo oposto.

Solicitou-se aos participantes que selecionassem uma pessoa com a qual tivessem "ficado" ou namorado. Houve predomínio de participantes que escolheram responder sobre a pessoa com quem estavam namorando ou "ficando" no momento da pesquisa (45,9%), 31,2% escolheram com quem haviam ficado ou namorado há menos de um ano, 21,1% selecionaram a pessoa com quem haviam ficado ou namorado há mais de um ano, e 1,8% responderam sobre a pessoa de quem estavam noivos ou casados no momento da pesquisa. Nenhum participante respondeu sobre alguém de quem foi noivo ou casado.

Em relação à idade do parceiro selecionado, houve predomínio de pessoas mais velhas, e encontrou-se associação estatisticamente significativa entre a idade do parceiro e o sexo do adolescente (Tabela 2). A maioria dos parceiros selecionados era do sexo oposto, revelando o predomínio de relações heterossexuais (89,9%). Quando questionados sobre a frequência de discussões ou brigas com os parceiros, a maioria dos adolescentes relatou discutir ou brigar poucas vezes ou nunca (Tabela 2).

Tabela 2
Características das relações de intimidade selecionadas pelos adolescentes, Curitiba, Brasil, 2015

Quanto ao tempo de duração da relação, a média foi de 55,3 (X=36) semanas. Encontrou-se associação estatisticamente significativa entre o sexo e o tempo de duração da relação. Entre as meninas, essa média chegou a 69 (X=48) semanas e, entre os meninos, 31,3 (X=20) semanas.

A fim de verificar a percepção dos adolescentes sobre as violências sofridas e perpetradas na relação selecionada, solicitou-se que respondessem sim ou não se já haviam sido vítimas ou agressores de violência física, sexual e psicológica. A natureza de violência mais relatada foi a psicológica (Tabela 3).

Tabela 3
Violências sofridas e perpetradas na relação com a pessoa selecionada, Curitiba, Brasil, 2015

Caracterização da violência

Dos 111 participantes, 91% relataram perpetrar no mínimo uma das naturezas de violência e 90,1% (n= 100) afirmaram terem sofrido pelo menos uma delas.

Quando consideradas as frequências absoluta e relativa de perpetração de violência segundo o sexo, 95,7% das meninas e 83,3% dos meninos afirmaram ter perpetrado no mínimo uma das naturezas de violência. Em relação à violência vivenciada, 94,2% das meninas e 83,3% dos meninos afirmaram ter sofrido no mínimo uma das naturezas de violência. As frequências absolutas e relativas por subescala do CADRI são apresentadas na Tabela 4.

Tabela 4
Perpetração e vitimização da violência por subescala do Conflict in Adolescent Dating Relationships Inventory, Curitiba, Brasil, 2015

A violência verbal/emocional apresentou as maiores frequências de perpetração e vitimização. Destacam-se também os elevados percentuais de violência sexual sofrida e perpetrada e de ameaças sofridas e perpetradas. As violências relacional sofrida e física perpetrada foram referidas por 22,5% dos participantes. A violência física sofrida e a violência relacional perpetrada emergiram como as menos relatadas pelos adolescentes.

Na Tabela 5 são apresentados os escores obtidos no CADRI por subescala de perpetração e de vitimização. Encontrou-se associação­ estatisticamente significativa entre o sexo e as variáveis violência sexual perpetrada, violência física perpetrada, violência verbal/emo­cional perpetrada, ameaças perpetradas e comportamentos abusivos perpetrados. Nas subescalas em que houve associação com o sexo, observou-se que os adolescentes do sexo masculino apresentaram maior média apenas na subescala de violência sexual perpetrada. Nas demais subescalas, as médias das meninas foram superiores.

Tabela 5
Escores do Conflict in Adolescent Dating Relationships Inventory por subescala, Curitiba, Brasil, 2015

Com o objetivo de verificar a coocorrência de diferentes naturezas de violência, as subescalas de violência verbal/emocional, violência relacio­nal e ameaças foram agrupadas, formando a variável violência psicológica. Os resultados revelaram que a psicológica foi a mais perpetrada, relatada por 100 (90%) dos participantes. A perpetração de violência psicológica esteve acompanhada da perpetração de outras violências em 39,6% dos adolescentes, sendo que 19 (17,1%) afirmaram cometer violência psicológica e sexual, 14 (12,6%) violência psicológica e física e 11 (9,9%) todas as naturezas de violência.

De todos os adolescentes, 50,5% afirmaram perpetrar somente violência psicológica, 1 (0,9%) somente violência sexual e nenhum somente violência física. Apenas 10 adolescentes afirmaram não perpetrar nenhuma das naturezas de violência.

Quando consideradas as violências sofridas percebe-se que a psicológica foi a mais frequente entre os adolescentes, relatada por 89,2% dos participantes. A violência psicológica esteve acompanhada de outras violências para 36,9% dos adolescentes, sendo que 21 (18,9%) afirmaram sofrer violência psicológica e sexual, 14 (12,6%) todas as naturezas de violência e 6 (5,4%) psicológica e física.

Do total de participantes, 58 (52,3%) afirmaram sofrer somente violência psicológica, 1 (0,9%) somente violência sexual e nenhum somente violência física. Apenas 11 (9,9%) afirmaram não sofrer nenhuma das naturezas de violência.

A fim de complementar a análise da coocorrência entre as violências sofridas e perpetradas por parceiros íntimos na adolescência, utilizou-se o coeficiente de correlação de Spearman. Observou-se que a maior correlação foi encontrada entre perpetrar e sofrer violência verbal/emocional (0,814), seguida de sofrer e perpetrar violência sexual (0,672), sofrer tanto violência verbal/emocional quanto ameaças (0,646), perpetrar ameaças e violência física (0,544), sofrer e perpetrar ameaças (0,545).

DISCUSSÃO

Em relação às condições de vida dos adolescentes, foram identificados potenciais de fortalecimento(99 Trapé CA. Operacionalização do conceito de classes sociais em epidemiologia crítica: uma proposta de aproximação a partir da categoria reprodução social. [Tese]. [Internet]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2011[cited 2016 May 05]; Available from: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/7/7141/tde-13022012-145501/pt-br.php
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), a saber: viver com ambos os pais, residir em domicílios cujo número de cômodos era superior ao número de moradores e média de anos de estudo dos pais ou responsáveis superior aos anos de estudo necessários para a conclusão do Ensino Médio no Brasil. A maioria dos participantes não trabalhava e cursava o Ensino Técnico ou Superior, o que indica que a família possuía condições financeiras que possibilitavam a manutenção dos estudantes na escola.

Esses resultados indicam que a violência por parceiro íntimo na adolescência não é um fenômeno restrito aos grupos com maior vulnerabilidade social, mas que perpassa as classes sociais, tal como apontado por Minayo, Assis e Njaine(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.). Em estudo com estudantes adolescentes de escolas públicas e particulares de 10 capitais brasileiras, as autoras constataram poucas diferenças na prevalência de vitimização e perpetração de violência nas relações de intimidade entre alunos da rede pública quando comparados aos da rede privada de ensino.

Ao serem analisadas as relações de intimidade, constatou-se que a maioria dos adolescentes reproduzia as construções sociais hegemônicas de orientação sexual e de gênero. O presente estudo diferiu de outras pesquisas(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.,44 Fernández-Fuertes AA, Fuertes A. Physical and psychological aggression in dating relationships of Spanish adolescents: motives and consequences. Child Abuse Negl [Internet]. 2010[cited 2016 May 05];34(0):183-91. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0145213410000359
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) ao encontrar maior número de participantes que afirmaram ter namorado, "ficado" e tido relações sexuais homossexuais ou bissexuais. Entretanto, constata-se ainda que a heterossexualidade é a orientação sexual predominante, principalmente entre os meninos. Este achado pode estar relacionado à construção hegemônica da masculinidade, segundo a qual ter relações homossexuais ou bissexuais pode ser considerado como uma traição, podendo comprometer a supremacia masculina(1010 DaMatta R. Tem pente aí?: reflexões sobre a identidade masculina. Enfoques [Internet]. 2010[cited 2016 May 05];9(1):134-51. Available from: http://www.enfoques.ifcs.ufrj.br/ojs/index.php/enfoques/article/view/104/96
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).

As primeiras relações de intimidade ocorreram no início da adolescência, com grande variabilidade no número de pessoas com as quais os participantes "ficaram" ou namoraram, indicando relacionamentos efêmeros entre os adolescentes. Esses aspectos também foram encontrados em estudos nacionais(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.,1111 Castro RJS. Violência no namoro entre adolescentes do Recife: em busca de sentidos [Internet]. Recife: Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz; 2009[cited 2016 May 05]. Available from: http://www.cpqam.fiocruz.br/bibpdf/2009castro-rjs.pdf
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).

Apesar da curta duração das relações, 65,7% dos participantes afirmaram ter iniciado a vida sexual com, em média, 16,4 anos, superior, portanto, à obtida por Minayo, Assis e Njaine(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.), porém semelhante à encontrada por Hugo et al.(1212 Hugo TDO, Maier VT, Jansen K, Rodrigues CEG, Cruzeiro ALS, Ores LC et al. Fatores relacionados à idade da primeira relação sexual em jovens: estudo de base populacional. Cad Saúde Pública [Internet]. 2011[cited 2016 May 05];27(11):2207-14. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v27n11/14.pdf
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). Embora esse dado tenha sido semelhante para ambos os sexos, observou-se que as meninas tiveram maior frequência do que os meninos, divergindo dos resultados obtidos por Minayo, Assis e Njaine(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(1313 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar: 2012 [Internet]. Rio de Janeiro; 2013[cited 2016 May 05]; Available from: http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv64436.pdf
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), que encontraram maior percentual entre os meninos.

Observou-se que o número e o tipo de parceiros sexuais também evidenciaram diferenças de gênero. Entre as meninas que iniciaram a vida sexual, observou-se menor número de parceiros sexuais do que entre os meninos. Além disso, a maioria das meninas (87,8%) afirmou que, no momento da pesquisa, mantinha relações sexuais apenas com um parceiro fixo, reforçando assim a monoparceria para as mulheres, aspecto socialmente valorizado na construção hegemônica de feminilidade(66 Fonseca RMGS. Gênero e saúde da mulher: uma releitura do processo saúde doença das mulheres. In: Fernandes RAQ, Narchi NZ. Enfermagem e saúde da mulher. 2. ed. Santana do Parnaíba: Manole; 2012. p. 30-61.). Quando consideradas as relações dos meninos, observa-se o contrário. Eles relataram maior número de parceiras e apenas metade afirmou ter relações sexuais apenas com uma parceira fixa. Isto pode estar relacionado à importância de provar a virilidade perante os pares, aspecto que confere prestígio aos meninos e é socialmente valorizado na construção social hegemônica de masculinidade(1010 DaMatta R. Tem pente aí?: reflexões sobre a identidade masculina. Enfoques [Internet]. 2010[cited 2016 May 05];9(1):134-51. Available from: http://www.enfoques.ifcs.ufrj.br/ojs/index.php/enfoques/article/view/104/96
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).

Os parceiros da maioria das meninas eram mais velhos ou tinham a mesma idade que elas, diferentemente dos meninos, cujas parceiras eram da mesma idade ou mais novas. A depender da diferença de idade entre os parceiros, a desigualdade de gênero pode confluir com a desigualdade de geração, conferindo às meninas menor poder na relação e maior vulnerabilidade à violência(1414 Barter C, McCarry M. Love, power and control: girl's experiences of relationship exploitation and violence. In: Lombard N, McMillan L (editors). Violence against women: current theory and practice in domestic abuse, sexual violence and exploitation. London: Jessica Kingsley Publishers. 2013. p. 103-24.).

Os resultados também mostraram a coexistência de relações de intimidade duradouras entre adolescentes, principalmente entre as meninas. À luz de gênero, compreende-se que, devido às construções históricas e sociais, homens e mulheres possuem distintas maneiras de pensar e agir em relação ao amor e às relações de intimidade(66 Fonseca RMGS. Gênero e saúde da mulher: uma releitura do processo saúde doença das mulheres. In: Fernandes RAQ, Narchi NZ. Enfermagem e saúde da mulher. 2. ed. Santana do Parnaíba: Manole; 2012. p. 30-61.). A construção hegemônica de feminilidade favorece a manutenção de relações duradouras pelas meninas, uma vez que atribui como valores para as mulheres o casamento e a constituição da família(66 Fonseca RMGS. Gênero e saúde da mulher: uma releitura do processo saúde doença das mulheres. In: Fernandes RAQ, Narchi NZ. Enfermagem e saúde da mulher. 2. ed. Santana do Parnaíba: Manole; 2012. p. 30-61.). Entretanto, tais construções também podem dificultar a saída das meninas de relações violentas(1515 Thongpriwan V, McElmurry BJ. Thai female adolescents' perceptions of dating violence. Health Care Women Int. 2009; 30(8):871-91. [cited 2015 Dec 15]. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/07399330903066392
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).

Entre as meninas houve maior frequência de relatos de brigas com o parceiro, o que evidencia a vivência de conflitos frequentes e de situações de vivência de agressões.

Na análise das violências sofridas e perpetradas, destacou-se a diferença observada entre as frequências de adolescentes que se reconheceram como vítimas ou agressores de violência psicológica, física ou sexual e as frequências de vivência e perpetração de violências obtidas no CADRI, as quais foram muito superiores às primeiras. Resultados semelhantes foram obtidos em estudo com 4102 adolescentes portugueses(1616 Dixe MACR, Fabião JASAO. N(amor)o (im)perfeito: avaliação de resultados. In: Leitão MNC, Fernandes MID, Fabião JASAO, Sá MCGMA, Veríssimo CMF, Dixe MACR, coordenadoras. Prevenir a violência no namoro - N(amor)o (im)perfeito - Fazer diferente para fazer a diferença. Coimbra: Unidade de Investigação em Ciências da Saúde - Enfermagem; 2013. p. 71-97. [cited 2015 Dec 02]. Available from: http://rr.esenfc.pt/rr/index.php?module=rr&target=publicationDetails&pesquisa=&id_artigo=2399&id_revista=19&id_edicao=56
http://rr.esenfc.pt/rr/index.php?module=...
). Nesse, 4% dos participantes afirmaram ter sofrido violência por parceiro íntimo, porém, quando questionados sobre a vivência de agressões como chantagens e comentários negativos sobre a aparência, os percentuais de violência sofrida foram referidos por até 34,3% das meninas e 33,8% dos meninos.

Esses achados indicam que muitas das agressões perpetradas e sofridas nas relações de intimidade não são reconhecidas como violência, sendo negadas devido à idealização das relações como espaços de afeto e amor, nos quais não cabe violência(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.).

Estudos(1111 Castro RJS. Violência no namoro entre adolescentes do Recife: em busca de sentidos [Internet]. Recife: Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz; 2009[cited 2016 May 05]. Available from: http://www.cpqam.fiocruz.br/bibpdf/2009castro-rjs.pdf
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,1515 Thongpriwan V, McElmurry BJ. Thai female adolescents' perceptions of dating violence. Health Care Women Int. 2009; 30(8):871-91. [cited 2015 Dec 15]. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/07399330903066392
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) também revelaram que as construções hegemônicas de gênero determinam a naturalização e a legitimação da violência vivenciada e perpetrada entre adolescentes. Os discursos de adolescentes de ambos os sexos frequentemente estavam fundamentados em estereótipos de gênero sobre o papel de homens e mulheres nas relações de intimidade. As agressões sofridas e perpetradas não eram reconhecidas como violências, pois os estereótipos de gênero eram compreendidos como parte de uma suposta natureza feminina ou masculina, e não como determinados pela construção histórica e social das relações de poder entre os sexos.

Os estudos têm apontado a relação entre a naturalização da violência por parceiro íntimo e as crenças de adolescentes. Em estudo com adolescentes e jovens de Recife(1717 Nascimento FS, Cordeiro RLM. Violência no namoro para jovens moradores de Recife. Psicol Soc[Internet]. 2011[cited 2016 May 05]; 23(3):516-25. Available from: http://www.scielo.br/pdf/psoc/v23n3/09.pdf
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) observou-se que os participantes compreendiam a violência como uma demonstração de amor e cuidado. A troca de xingamentos e tapas foi, muitas vezes, considerada apenas uma brincadeira entre os parceiros.

Embora não tenha sido observada associação estatisticamente significativa entre o sexo e reconhecer-se como agressor de violência física, psicológica ou sexual, os adolescentes do sexo masculino apresentaram maiores frequências que as adolescentes apenas nos itens que questionavam se os participantes reconheciam que haviam perpetrado agressão sexual e que tinham sido vítimas de violência física. Todas as demais frequências foram maiores entre as meninas. Tais achados sugerem questionar se as meninas realmente perpetram mais agressões ou se relatam mais as agressões perpetradas. Considerando-se que a construção hegemônica de masculinidade incentiva os meninos a perpetrarem diversas formas de violência(66 Fonseca RMGS. Gênero e saúde da mulher: uma releitura do processo saúde doença das mulheres. In: Fernandes RAQ, Narchi NZ. Enfermagem e saúde da mulher. 2. ed. Santana do Parnaíba: Manole; 2012. p. 30-61.), é possível que entre eles haja maior naturalização dessas agressões, tidas como inerentes às relações de intimidade.

Os resultados do presente estudo corroboraram os achados de outros autores(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.,44 Fernández-Fuertes AA, Fuertes A. Physical and psychological aggression in dating relationships of Spanish adolescents: motives and consequences. Child Abuse Negl [Internet]. 2010[cited 2016 May 05];34(0):183-91. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0145213410000359
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) ao revelarem que a violência por parceiro íntimo na adolescência constitui um fenômeno frequente e de elevada magnitude. A violência verbal/emocional foi a mais frequente(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.,44 Fernández-Fuertes AA, Fuertes A. Physical and psychological aggression in dating relationships of Spanish adolescents: motives and consequences. Child Abuse Negl [Internet]. 2010[cited 2016 May 05];34(0):183-91. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0145213410000359
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), seguida da violência sexual e das ameaças(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.). Apesar desses achados, o presente estudo e o de Minayo, Assis e Njaine(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.) apontam a centralidade da violência psicológica. A vivência e a perpetração das agressões físicas e sexuais ocorrem predominantemente em conjunto com a violência psicológica, sendo raros os casos em que houve perpetração ou vivência isolada de agressões físicas e sexuais. Houve associação entre sofrer e perpetrar a mesma natureza de violência, bem como entre sofrer e perpetrar diferentes naturezas de violência. Tais resultados foram semelhantes aos de Minayo, Assis e Njaine(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.) e Fernández-Fuertes e Fuertes(44 Fernández-Fuertes AA, Fuertes A. Physical and psychological aggression in dating relationships of Spanish adolescents: motives and consequences. Child Abuse Negl [Internet]. 2010[cited 2016 May 05];34(0):183-91. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0145213410000359
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).

Os resultados obtidos neste estudo e em outros(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.,44 Fernández-Fuertes AA, Fuertes A. Physical and psychological aggression in dating relationships of Spanish adolescents: motives and consequences. Child Abuse Negl [Internet]. 2010[cited 2016 May 05];34(0):183-91. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0145213410000359
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) também confirmam que este fenômeno se caracteriza pela mutualidade das agressões. Embora as meninas tenham apresentado frequência de violências sofridas superior à dos meninos, houve associação estatisticamente significativa entre ser do sexo feminino e perpetrar violência física, verbal/emocional e ameaças.

Esses achados parecem indicar que as relações de poder estabelecidas pelas participantes com seus parceiros possuem características menos assimétricas do que as relações conjugais. Considera-se que as relações de intimidade entre adolescentes ainda não são permeadas por outras iniquidades que parecem aumentar as desigualdades de poder no âmbito das relações conjugais, como a dependência financeira do parceiro, a divisão do trabalho doméstico e dos cuidados dos membros da família, atividades que historicamente têm sido atribuídas predominantemente às mulheres(1818 Oliveira RNG, Fonseca RMGS. Violence as a research object and intervention in the health field: an analysis from the production of the research group on gender, health and nursing. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014[cited 2016 May 05];48(Esp2):32-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48nspe2/0080-6234-reeusp-48-nspe2-00031
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).

Entretanto, as adolescentes também vivenciam desigualdades de gênero em outras relações sociais, como nas intrafamiliares(1919 Gessner R, Fonseca RMGS, Oliveira RNG. Violence against adolescents: an analysis based on the categories gender and generation. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014[cited 2016 May 05];48(Esp):104-10. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48nspe/0080-6234-reeusp-48-esp-104.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48nspe/...
) e entre os pares(2020 Boivin S, Lavoie F, Hébert M, Gagné MH. Past victimizations and Dating Violence perpetration in adolescence: the mediating role of emotional distress and hostility. J Interpers Violence [Internet]. 2012[cited 2016 May 05]; 27(4):662-84. Available from: http://jiv.sagepub.com/content/27/4/662.long
http://jiv.sagepub.com/content/27/4/662....
). As maiores frequências de perpetração de violência entre as meninas também podem ser determinadas pelas violências por elas vivenciadas no espaço doméstico e público. Estudo de revisão sobre a violência contra as mulheres(1818 Oliveira RNG, Fonseca RMGS. Violence as a research object and intervention in the health field: an analysis from the production of the research group on gender, health and nursing. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014[cited 2016 May 05];48(Esp2):32-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48nspe2/0080-6234-reeusp-48-nspe2-00031
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) revelou que as participantes relataram a reprodução da violência anteriormente por elas sofrida, perpetrando-a agora contra cônjuges, filhos e outras pessoas de seu convívio social.

Estudo brasileiro(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.) também revelou, por meio de falas de adolescentes, a determinação de gênero das agressões sofridas e perpetradas por parceiros íntimos, remetendo à construção social do masculino e do feminino. A violência verbal foi identificada por ambos os sexos como agressão "tipicamente" feminina, e as posturas agressivas identificadas como "tipicamente" masculinas, mesmo quando perpetradas pelas meninas. Essas distinções são determinadas pela construção social que vincula os homens à força e ao exercício do poder por meio da dominação(1818 Oliveira RNG, Fonseca RMGS. Violence as a research object and intervention in the health field: an analysis from the production of the research group on gender, health and nursing. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014[cited 2016 May 05];48(Esp2):32-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48nspe2/0080-6234-reeusp-48-nspe2-00031
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).

Os elevados percentuais de violência verbal/emocional e de ameaças perpetradas pelas meninas no presente estudo também parecem reforçar os achados de outra investigação. Algumas meninas relataram gritar com os parceiros como tentativa de não serem subjugadas, ou como defesa em resposta às agressões verbais, físicas ou sexuais sofridas(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.). Entretanto, tais ações possuem impacto negativo na relação, determinando perpetração e vivência de violências(44 Fernández-Fuertes AA, Fuertes A. Physical and psychological aggression in dating relationships of Spanish adolescents: motives and consequences. Child Abuse Negl [Internet]. 2010[cited 2016 May 05];34(0):183-91. Available from: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0145213410000359
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).

As agressões verbais, relacionais e ameaças das meninas frequentemente envolvem injúrias sobre a masculinidade dos parceiros(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.), enquanto as agressões dos meninos direcionam-se à aparência física e costumam envolver injúrias sobre o comportamento sexual das parceiras(2121 Sullivan TN, Erwin EH, Helms SW, Masho SW, Farrell AD. Problematic situations associated with dating experiences and relationships among urban african american adolescentes: a qualitative study. J Prim Prev [Internet]. 2010[cited 2016 May 05];31(5):365-78. Available from: http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs10935-010-0225-5
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).

A vivência de agressões psicológicas também é marcada por diferenças de gênero. As meninas possuem maior liberdade para expressar e compartilhar os sentimentos de tristeza e decepção gerados pelas agressões. Já os meninos são proibidos de expressar esses sentimentos, uma vez que nas sociedades androcêntricas a sensibilidade é uma característica atribuída às mulheres, sendo exigidas dos homens demonstrações constantes de força(66 Fonseca RMGS. Gênero e saúde da mulher: uma releitura do processo saúde doença das mulheres. In: Fernandes RAQ, Narchi NZ. Enfermagem e saúde da mulher. 2. ed. Santana do Parnaíba: Manole; 2012. p. 30-61.,1010 DaMatta R. Tem pente aí?: reflexões sobre a identidade masculina. Enfoques [Internet]. 2010[cited 2016 May 05];9(1):134-51. Available from: http://www.enfoques.ifcs.ufrj.br/ojs/index.php/enfoques/article/view/104/96
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).

Semelhante aos achados obtidos por Minayo, Assis e Njaine(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.), observou-se que os elevados percentuais de violência sexual sofrida e perpetrada decorreram, sobretudo, das altas frequências obtidas no item "beijar o(a) parceiro(a) quando ele/ela não queria". O mesmo estudo verificou que essa agressão nem sempre foi considerada pelos participantes como violência, uma vez que "roubar um beijo" é uma prática disseminada entre os adolescentes e pode apresentar limites tênues entre a experimentação da sexualidade e a perpetração de agressões.

Os meninos apresentaram maior média de perpetração de violência sexual do que as meninas, reforçando que a violência sexual está fundamentada em normas tradicionais de gênero, amparada na desigualdade de poder entre os sexos, a qual determina que o corpo feminino tenha menor valor que o masculino e que seja percebido como corpo para a satisfação dos desejos daquele(66 Fonseca RMGS. Gênero e saúde da mulher: uma releitura do processo saúde doença das mulheres. In: Fernandes RAQ, Narchi NZ. Enfermagem e saúde da mulher. 2. ed. Santana do Parnaíba: Manole; 2012. p. 30-61.).

Entretanto, para a compreensão destas relações de dominação e subordinação, é necessário deslocar a análise das meninas dominadas versus meninos dominadores para a construção histórica e social das relações de poder inter e intragêneros. Estudo(1111 Castro RJS. Violência no namoro entre adolescentes do Recife: em busca de sentidos [Internet]. Recife: Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz; 2009[cited 2016 May 05]. Available from: http://www.cpqam.fiocruz.br/bibpdf/2009castro-rjs.pdf
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) constatou que os adolescentes do sexo masculino são frequentemente pressionados por outros meninos e meninas a serem agressivos e dominadores nas relações de intimidade, o que os faz conviver com a tensão entre corresponder à construção hegemônica de masculinidade ou sofrer humilhações e ser motivo de chacota entre os colegas em razão da masculinidade questionada.

De outra parte, as meninas são frequentemente pressionadas por outras meninas e meninos a se reprimir nas relações de intimidade, convivendo com a tensão entre corresponder à construção hegemônica de feminilidade ou sofrer ofensas. As adolescentes podem ser estigmatizadas com base nos seus comportamentos íntimos(1515 Thongpriwan V, McElmurry BJ. Thai female adolescents' perceptions of dating violence. Health Care Women Int. 2009; 30(8):871-91. [cited 2015 Dec 15]. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/07399330903066392
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). Vivenciam a contradição entre a existência de supostas liberdades no campo sexual e reprodutivo e a manutenção de uma ideologia androcêntrica. Ao longo da história, passam a vivenciar cada vez mais livremente a sexualidade, com acesso a métodos contraceptivos e de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis. Entretanto, esses avanços ainda estão alicerçados na ideologia hegemônica, que determina a condição de subalternidade para as mulheres.

Embora os resultados assinalem que adolescentes de ambos os sexos vivenciam violência sexual nas relações de intimidade, não são mencionados relatos que apontem os meninos como vítimas dessas agressões(2121 Sullivan TN, Erwin EH, Helms SW, Masho SW, Farrell AD. Problematic situations associated with dating experiences and relationships among urban african american adolescentes: a qualitative study. J Prim Prev [Internet]. 2010[cited 2016 May 05];31(5):365-78. Available from: http://link.springer.com/article/10.1007%2Fs10935-010-0225-5
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). Estudo(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.) revelou que normas tradicionais de gênero também podem determinar a vitimização sexual dos meninos, embora esta, na maioria das vezes, não seja percebida como violência ou considerada violência psicológica. Os meninos relataram que muitas vezes vivenciam situações nas quais não gostariam de se relacionar sexualmente, porém, o medo de ter sua masculinidade abalada pelas humilhações e zombarias dos colegas ou da parceira faz com que cedam à pressão e tenham relações sexuais contra a própria vontade. Dessa maneira, a violência por parceiro íntimo na adolescência, embora se apresente como uma das vivências determinadas pela ideologia e seja constantemente vivenciada pelos adolescentes, semelhante ao que ocorre entre os adultos(77 Bourdieu P. A dominação masculina: a condição feminina e a violência simbólica. Rio de Janeiro: BestBolso; 2014.), permanece invisível para a maioria dos meninos e das meninas(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.).

As construções de gênero também podem determinar a legitimação da violência sexual. Estudo realizado com adolescentes tailandesas revelou que as meninas que "ficavam" com muitos garotos, que usavam roupas sensuais, entre outras características pontuadas pelas adolescentes, eram responsáveis pelas agressões sexuais sofridas e desqualificadas pelas participantes(1515 Thongpriwan V, McElmurry BJ. Thai female adolescents' perceptions of dating violence. Health Care Women Int. 2009; 30(8):871-91. [cited 2015 Dec 15]. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/07399330903066392
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).

Embora os resultados tenham revelado maior frequência de perpetração de agressões físicas entre as meninas, as agressões físicas severas são maiores entre os meninos(2222 Foshee VA, Reyes HL, Ennett ST, Suchindran C, Mathias JP, Karriker-Jaffe KJ, et al. Risk and protective factors distinguishing profiles of adolescent peer and dating violence perpetration. Adolesc Health [Internet]. 2011[cited 2016 May 05];48(4):344-50. Available from: http://www.jahonline.org/article/S1054-139X(10)00387-3/pdf
http://www.jahonline.org/article/S1054-1...
). Estudo (1111 Castro RJS. Violência no namoro entre adolescentes do Recife: em busca de sentidos [Internet]. Recife: Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz; 2009[cited 2016 May 05]. Available from: http://www.cpqam.fiocruz.br/bibpdf/2009castro-rjs.pdf
http://www.cpqam.fiocruz.br/bibpdf/2009c...
) mostrou que adolescentes de ambos os sexos revelaram a naturalização das agressões dos meninos. A agressividade foi percebida como parte da natureza dos homens, reforçando a construção histórica e social da masculinidade e as possibilidades de desconstrução desse estereótipo de gênero.

Em síntese, a violência por parceiro íntimo na adolescência constitui uma forma de violência de gênero, uma vez que envolve relações de dominação/subordinação determinadas pela construção histórica e social da masculinidade e feminilidade hegemônicas. A ideologia androcêntrica perpassa as relações de intimidade estabelecidas entre adolescentes, determinando a desigualdade de poder entre os sexos e a manutenção da hegemonia masculina(22 Minayo MCS, Assis SG, Njaine K, organizadoras. Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do "ficar" entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2011.,1818 Oliveira RNG, Fonseca RMGS. Violence as a research object and intervention in the health field: an analysis from the production of the research group on gender, health and nursing. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014[cited 2016 May 05];48(Esp2):32-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48nspe2/0080-6234-reeusp-48-nspe2-00031
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).

Limitação do estudo

A predominância de participantes com 18 anos, idade na qual não é necessário obter autorização dos pais para participar do estudo, impossibilitou a comparação da violência sofrida e perpetrada nas diferentes faixas etárias. Consequentemente, o conhecimento sobre as vivências dos adolescentes com menos de 18 anos quanto à violência por parceiro íntimo foi prejudicado.

Contribuições para a área da enfermagem

Os resultados revelaram a pertinência e necessidade de intervenções realizadas desde o início da adolescência, visando à prevenção e ao enfrentamento da violência por parceiro íntimo, uma vez que é nessa época da vida que a maioria dos participantes de ambos os sexos afirmou vivenciar as primeiras relações de intimidade, o início da vida sexual e o envolvimento em relações violentas.

Tendo em vista o papel da categoria gênero na determinação das agressões sofridas e perpetradas entre parceiros íntimos adolescentes, bem como na naturalização e legitimação dessas agressões, também se considera imprescindível que as intervenções abordem a compreensão da construção histórica e social da masculinidade e feminilidade, bem como a problematização e compreensão da ideologia predominante. A categoria gênero e, nela, a subcategoria violência de gênero podem constituir conhecimentos potentes para diminuir a magnitude da violência por parceiro íntimo na adolescência e ampliar o reconhecimento das agressões sofridas e perpetradas nesse âmbito, concorrendo para superar a postura de naturalização e legitimação de violências.

CONCLUSÃO

A violência por parceiro íntimo na adolescência é um fenômeno frequente e faz parte da realidade de adolescentes de ambos os sexos e diferentes classes sociais. Possui elevada magnitude e gravidade, incluindo a vivência e perpetração de violência psicológica, sexual e física. A vivência e perpetração de violência sexual e física ocorrem em conjunto com as agressões psicológicas. Embora os resultados tenham apontado que as meninas perpetraram mais agressões do que os meninos, são necessários novos estudos sobre o tema a fim de ampliar a compreensão sobre como as construções de gênero podem determinar a naturalização dessas agressões.

Também são necessárias novas pesquisas com vistas a ampliar o entendimento sobre a relação entre as desigualdades de gênero vivenciadas pelas meninas tanto no âmbito público quanto no privado e as maiores frequências de perpetração de violência por parte delas. Além disso, essas agressões também podem estar relacionadas à autodefesa em resposta às agressões sofridas, sendo necessários novos estudos sobre o tema.

Os resultados possibilitaram a compreensão de que a violência por parceiro íntimo na adolescência é determinada pelas categorias gênero e geração. As agressões são determinadas pela construção histórica e social do masculino e feminino, com a diferença sexual assumindo significado social e conformando diferentes padrões de agressões. Além disso, as construções de gênero também podem determinar a naturalização e a legitimação dessa violência, uma vez que os estereótipos de gênero podem ser compreendidos como parte de uma suposta natureza masculina ou feminina, e não como determinados pela construção histórica e social das relações de poder entre os sexos.

Quanto à categoria geração, embora os resultados apontem que a violência por parceiro íntimo na adolescência é um fenômeno predominantemente intrageracional, a diferença de idade entre os parceiros pode determinar maior vulnerabilidade das meninas devido à confluência das subalternidades de gênero e geração. A categoria geração também permitiu compreender as vulnerabilidades determinadas pelo contexto histórico e social no qual estão inseridos os participantes. A vivência das primeiras relações de intimidade em uma sociedade androcêntrica e adultocêntrica pode determinar maior vulnerabilidade à vivência e perpetração de violência por parceiro íntimo na adolescência.

  • FOMENTO
    O presente trabalho foi realizado com o apoio da CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, e do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Brasil.

REFERÊNCIAS

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    » http://www.who.int/reproductivehealth/publications/violence/9789241548595/en/
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2016

Histórico

  • Recebido
    01 Jul 2016
  • Aceito
    10 Jul 2016
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