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Enfermagem e tecnologias leves para a cultura de paz na família

RESUMO

Objetivo:

Refletir sobre tecnologias para a cultura de paz que possam ser usadas pela enfermagem de família.

Método:

Ensaio teórico fundamentado nas premissas da cultura de paz e não violência.

Resultados:

Apontam-se quatro tecnologias leves para a cultura de paz nas famílias: comunicação não violenta, escuta qualificada, mediação de conflitos e círculos restaurativos.

Conclusão:

As tecnologias apontadas podem ser empregadas por enfermeiros para promover cuidados e políticas voltadas à cultura de paz e não violência nas famílias, com o objetivo de auxiliar na obtenção de bem-estar do sistema familiar e de sistemas correlatos.

Descritores:
Enfermagem; Enfermagem Familiar; Violência; Tecnologia; Comunicação

ABSTRACT

Objective:

To reflect on technologies for the peace culture that can be used in family nursing.

Method:

Theoretical essay, based on the premises of non-violence and peace culture.

Results:

Four light technologies are singled out for the peace culture within families: nonviolent communication, qualified listening, conflict mediation, and restorative circles.

Conclusion:

The technologies proposed can be used by nurses to promote care and policies aiming at a peace culture and non-violence in families, with the objective of assisting in the obtainment of the well-being for family systems and their correlations.

Descriptors:
Nursing; Family Nursing; Violence; Technology; Communication

RESUMEN

Objetivo:

Reflexionar sobre tecnologías para la cultura de paz que puedan ser usadas por la enfermería de la familia.

Método:

Ensayo teórico fundamentado en las premisas de la cultura de paz y de la no violencia.

Resultados:

Se señalan cuatro tecnologías ligeras para la cultura de paz en las familias: la comunicación no violenta, la escucha calificada, la mediación de conflictos y los círculos restaurativos.

Conclusión:

Las tecnologías apuntadas pueden ser empleadas por enfermeros para promover los cuidados y las políticas dirigidas a la cultura de paz y de la no violencia en las familias, con el objetivo de ayudarlas en la obtención de bienestar del sistema familiar y de los sistemas relacionados.

Descriptores:
Enfermería; Enfermería de la Familia; Violencia; Tecnología; Comunicación

INTRODUÇÃO

O impulso violento não é constante entre os humanos, mas uma condição que pode ser precipitada por uma série de fatores sociais, emocionais, físicos e comportamentais. Evitá-lo é um desejo da maioria das pessoas em diferentes culturas e sociedades. A violência pode surgir em situações diversas, inclusive nas relações familiares, causando sofrimento e modificações negativas nas famílias, fragilizando os relacionamentos e rompendo laços(11 Friend DJ, Bradley RPC, Gottman JM. Displayed affective behavior intimate partner violence types during non-violent conflict discussions. J Fam Viol[Internet]. 2016[cited 2017 Mar 12];32(5):493-04. Available from: https://link.springer.com/content/pdf/10.1007%2Fs10896-016-9870-7.pdf
https://link.springer.com/content/pdf/10...
).

Situações violentas podem ser perpetradas por várias gerações quando a família tende a naturalizá-las ou quando não percebe claramente seus efeitos deletérios aos membros envolvidos, que ora podem ser vítimas ora agressores. Portanto, a violência afeta o sistema familiar e o cotidiano dos integrantes, sejam homens, mulheres, crianças e idosos. O ciclo vital pode ser influenciado por ela, assim como a composição de afetos e a organização da instituição.

Entendemos a violência familiar como agressão (física, emocional, verbal, sexual), negligência ou ato omissivo de caráter intencional, cometido por indivíduo com vínculo familiar com a vítima (parentesco natural, civil, social ou substitutivo) na intenção de ofender, tirar proveito ou vantagem, desmoralizar, oprimir ou desencadear dor e sofrimento a quem o agressor julga inferior. Assim, a violência familiar está intimamente relacionada à ideia de relações de poder.

Os atributos de uma cultura de paz propostos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)(22 Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura-UNESCO. Cultura de Paz no Brasil [Internet]. 2017[cited 2017 Feb 15]. Available from: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/social-and-human-sciences/culture-of-peace
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/so...
) surgem como mecanismos balizadores para minimizar a violência e suas repercussões em vários sistemas, inclusive o familiar, na busca de um convívio harmônico entre pessoas e sociedades. Sua proposta é que todos, inclusive as famílias, transcendam valores individuais e valham-se das seguintes premissas para alcançar a homeostase desejada: amor pelo outro, compaixão, solidariedade, cooperação, humildade, liberdade e responsabilidade.

Durante o cuidado familiar, ao se depararem com evidências de violência, enfermeiros(as) devem tratá-las de forma técnica e científica, mas também humana, tomando as medidas cabíveis ao cuidado integral às pessoas em situação de violência, tais como notificação do caso (suspeito ou confirmado), encaminhamento a serviços especializados, acolhimento da vítima, articulação de medidas intersetoriais e trabalho em rede. Entretanto, os(as) enfermeiros(as) não devem cuidar apenas daquele que manifesta o sofrimento, mas também do agressor e de todos familiares direta ou indiretamente envolvidos, tentando compreender os contextos e fatores envolvidos no desencadeamento da pulsão violenta, pois os sintomas e sinais apresentados por uma pessoa podem ser apenas indicadores de problemas mais profundos ou ramificados. Portanto, é preciso que esses profissionais se valham de um olhar mais sistêmico e desprovido de julgamentos imediatistas(33 Cruz RAO, Araujo ELM, Nascimento NM, Lima RJ, França JRFS, Oliveira JS. Reflections in the light of the complexity theory and nursing education. Rev Bras Enferm[Internet]. 2017[cited 2017 Jul 5];70(1):236-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n1/en_0034-7167-reben-70-01-0236.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n1/en_...
-44 Silva RMCRA, Oliveira DC, Pereira ER. The discursive production of professionals about humanizing health: singularity, rights and ethics. Rev Latino-Am Enfermagem[Internet]. 2015[cited 2017 Jun 2];23(5):936-44. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v23n5/0104-1169-rlae-23-05-00936.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rlae/v23n5/0104...
).

Enfermeiros(as) possuem muitas ferramentas que podem auxiliá-los nesse cuidado, como as tecnologias leves. Estas são assim denominadas por não envolverem o uso de equipamentos físicos sofisticados ou aparatos mecânicos. As tecnologias leves estão voltadas às relações e à criação de vínculos, ao acolhimento e à valorização das subjetividades, que não podem ser tratadas com as demais tecnologias, como as duras e leve-duras(55 Horta NC, Capobiango M. Novas tecnologias: desafio e perspectivas na saúde. Perc Acad[Internet]. 2016[cited 2017 Jun 8];6(11):6-9. Available from: http://periodicos.pucminas.br/index.php/percursoacademico/article/view/14505/11807
http://periodicos.pucminas.br/index.php/...
).

No cuidado de enfermagem coeso, pode-se incluir o uso de "tecnologias para a cultura de paz" nas famílias que experienciam a violência ou que desejam evitá-la. Em buscas em bases de dados on-line, foram notadas lacunas sobre o tema, ainda emergente. As poucas evidências apontam tecnologias de fácil implementação pela enfermagem, mas pouco frequentes nos currículos(66 Barash DP, Webel CP. Peace & Conflict Studies. 4 ed. California: SAGE; 2018-77 Rosenberg M. Nonviolent communication: a language of life. 3 ed. California: Puddle Dancer; 2015.). Essas tecnologias são apresentadas nas próximas páginas.

Com base nas premissas de cultura de paz da Unesco(22 Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura-UNESCO. Cultura de Paz no Brasil [Internet]. 2017[cited 2017 Feb 15]. Available from: http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/social-and-human-sciences/culture-of-peace
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), propomos o seguinte questionamento: Quais tecnologias os enfermeiros podem utilizar em seu cotidiano para promover a cultura de paz nas famílias? O objetivo é, portanto, refletir sobre tecnologias para a cultura de paz que possam ser usadas pela enfermagem de família.

Optamos por apresentar esse estudo como um ensaio teórico pela possibilidade de exposição das ideias e críticas de modo fluido e flexível, tendo em vista a subjetividade nas formas de pensar, de sentir e de agir quando se trata do tema abordados. Postos os argumentos, desvela-se a possibilidade de uso das seguintes tecnologias exitosas para a cultura de paz nas famílias(66 Barash DP, Webel CP. Peace & Conflict Studies. 4 ed. California: SAGE; 2018

7 Rosenberg M. Nonviolent communication: a language of life. 3 ed. California: Puddle Dancer; 2015.

8 Maynart WHC, Albuquerque MCS, Brêda MZ, Jorge JS. Qualified listening and embracement in psychosocial care. Acta Paul Enferm[Internet]. 2014[cited 2017 Jun 7];27(4):300-3. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v27n4/en_1982-0194-ape-027-004-0300.pdf
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9 Ferrão IS, Santos SS, Dias ACG. Psicologia e Práticas Restaurativas na Socioeducação: relato de experiência. Psicol Ciênc Prof[Internet]. 2016[cited 2017 Jun 8];36(2):354-63. Available from: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v36n2/1982-3703-pcp-36-2-0354.pdf
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-1010 Feijó MR, Stelata PL, Toledo M, Bonduki L, Chiareto A, Ciasca D, et al. A construção de um projeto de mediação de conflitos e de cultura de paz: etapas e desafios. Nova Perspec Sistêm[Internet]. 2011[cited 2017 Aug 28];20(40):83-98. Available from: http://revistanps.com.br/index.php/nps/article/viewFile/86/199
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): comunicação não violenta, escuta qualificada, mediação de conflitos e círculos restaurativos.

COMUNICAÇÃO NÃO VIOLENTA

Comunicar-se é uma necessidade para a circulação de informações e a construção de ideias. As famílias utilizam essa ferramenta em seu cotidiano, mas nem sempre se dão conta de sua forma, conteúdo, meio e modo.

A transmissão de pensamentos pode ocorrer de forma verbal e não verbal. Ambas são comumente utilizadas pelas famílias, dependendo de qual mensagem se pretende transmitir, e intimamente influenciadas pelas relações entre os membros. Em muitos casos, as famílias criam mecanismos muito particulares de comunicação (como olhares, gestos e símbolos) aos quais o enfermeiro deve estar atento, solicitando explicações quando não consegue compreendê-los.

Além disso, ruídos na comunicação podem ser frequentes em famílias que lidam com a violência. Em várias situações, as expressões, frases, gestos e outros tipos de linguagem têm grande apelo violento, causando injúrias ao sistema familiar e ressonância em outros sistemas (escola, trabalho, religião etc.). Assim, é interessante que se valorize, como tecnologia para o cuidado, a comunicação não violenta, que busca facilitar o diálogo compreensível, firme e seguro, provocando o mínimo possível de sentimentos negativos em todos os envolvidos. Propõe-se que enfermeiros(as) busquem mudanças de foco, saiam das descrições dos "erros" de uns ou outros para as "necessidades" de todos, aumentem a cooperação e diminuam críticas destrutivas ou palavras de sofrimento trocadas de forma lancinante.

A comunicação não violenta tem alguns componentes que devem ser levados em consideração no cuidado com as famílias, a saber: (1) Observação sem julgamento: todas as vezes que se pretende julgar o comportamento violento de alguém, ou a submissão de outro, sem compreender com profundidade o contexto em que a mensagem foi gerada, há a probabilidade de se conduzir o cuidado de forma tendenciosa. (2) Compreender o que são sentimentos e o que são "não sentimentos": é comum o uso do verbo "sentir" em ocasiões onde ele não representa de fato o que é. Deve-se valorizar a expressão de sentimentos na família, porém distinguindo-as de ações, pensamentos e crenças que nada têm a ver com o que realmente se sente ou toca a alma. Também é interessante que sejam encorajadas compreensões sobre a autorresponsabilidade dos sentimentos. (3) Identificação das necessidades: partimos da ideia de que não existe família disfuncional, mas que, em determinados momentos, a família pode não saber como manter a paz e a harmonia, encontrando dificuldade na manutenção dos papéis dos integrantes e de seu equilíbrio. Diante de problemas de difícil solução, a comunicação agressiva pode ser um mecanismo para restabelecer "forçosamente" a homeostase. (4) Pedido daquilo que realmente importa: um exercício a ser proposto a todas as pessoas é pedirem de forma clara o que realmente desejam do(s) outro(s). A clareza do pedido pode minimizar sofrimentos e frustações daquele que emite e daquele que recebe a informação. Isso ocorre porque nem sempre todos os envolvidos compreendem "indiretas" ou formas sutis da comunicação não verbal. Sugere-se o uso de afirmações que revelam as necessidades de quem fala e não as que culpabilizam o outro(77 Rosenberg M. Nonviolent communication: a language of life. 3 ed. California: Puddle Dancer; 2015.).

A comunicação não violenta deve valorizar os elementos da família de forma igualitária, simples e segura, a favor de metas coletivas; favorecer a comunicação com pessoas ditas "difíceis" ou "desafiadoras"; melhorar a compreensão do comportamento alheio; e evitar ataques pessoais. Além disso, é interessante que todos os envolvidos ajudem a encontrar e implementar ações para resolver os conflitos. Em suma, a construção em conjunto auxilia na busca de paz familiar e cria um clima de cooperação(77 Rosenberg M. Nonviolent communication: a language of life. 3 ed. California: Puddle Dancer; 2015.).

ESCUTA QUALIFICADA

A escuta qualificada transcende o ato de ouvir, permitindo que se compreendam as dificuldades, sentimentos e sofrimentos do outro a partir da compreensão daquilo que se vive. Ela é um instrumento que deve ser usado pelo(a) enfermeiro(a) em seu cotidiano, porquanto facilita o desenvolvimento da autonomia do sujeito e da família e permite o acolhimento em um nível mais significativo, podendo transformar cenários de dor pela criação de vínculos e pela produção de relações de confiança dentro do círculo enfermeiro-usuário-família, "dando voz" ao que se sente(88 Maynart WHC, Albuquerque MCS, Brêda MZ, Jorge JS. Qualified listening and embracement in psychosocial care. Acta Paul Enferm[Internet]. 2014[cited 2017 Jun 7];27(4):300-3. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v27n4/en_1982-0194-ape-027-004-0300.pdf
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).

Uma das principais ferramentas da escuta qualificada é a empatia, que dá significado às relações. Usuários e famílias percebem quando a escuta qualificada está sendo empregada de modo empático, enfatizando sentimentos de confiança, paciência, não recriminação, sigilo e segurança. Em alguns casos, a escuta qualificada potencializa tratamentos e projetos terapêuticos.

A escuta e o diálogo não são dons ou habilidades inatas; eles podem ser desenvolvidos pela busca de informações, pela prática cotidiana de "ouvir" com atenção o que o outro fala e aprimorar as habilidades não seletivas de escuta, fazendo perguntas abertas, parafraseando o conteúdo da conversa, relatando anseios e sintetizando as informações narradas(88 Maynart WHC, Albuquerque MCS, Brêda MZ, Jorge JS. Qualified listening and embracement in psychosocial care. Acta Paul Enferm[Internet]. 2014[cited 2017 Jun 7];27(4):300-3. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v27n4/en_1982-0194-ape-027-004-0300.pdf
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).

CIRCULOS RESTAURATIVOS

Advindas do poder judiciário, as práticas restaurativas têm sido frequentemente aplicadas para auxiliar pessoas e grupos a lidarem com conflitos (habitualmente criminais) por meio do diálogo, da integração, da boa convivência e do respeito. Tais práticas partem das premissas da justiça restaurativa, segundo a qual se espera que situações de violência possam ser minimizadas pelo diálogo. A tomada de decisões é feita de forma participativa e deve envolver todos os elementos. Tudo isso está de acordo com um novo paradigma de compreensão da violência, pautado na expectativa positiva. Resumindo, o enfoque não é o problema em si, mas as propostas de solução criadas em conjunto(99 Ferrão IS, Santos SS, Dias ACG. Psicologia e Práticas Restaurativas na Socioeducação: relato de experiência. Psicol Ciênc Prof[Internet]. 2016[cited 2017 Jun 8];36(2):354-63. Available from: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v36n2/1982-3703-pcp-36-2-0354.pdf
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).

As práticas restaurativas na saúde surgiram como uma ferramenta de atenção primária para prevenir a violência que compromete a qualidade de vida de uma comunidade, organização ou família. Uma das formas mais usuais dessas práticas são os círculos restaurativos, em que são reunidas pessoas em grupos pequenos (até dez indivíduos, incluindo um facilitador), organizadas de forma confortável, em um círculo. Costumam-se utilizar elementos lúdicos, como brinquedos, pequenos objetos ou materiais coloridos, que possam dar início às narrativas e expressões de sentimentos. Todos os presentes devem ter igual oportunidade de expressão e não devem participar de modo impositivo. Deve-se respeitar o sigilo das informações, mesmo aquelas expressas de modo não verbal.

O enfermeiro pode ser um facilitador do círculo restaurativo, instigando indivíduos e famílias a reconhecerem as responsabilidades de seus atos e as consequências geradas por eles. Os envolvidos aprendem a se ajudar e, consequentemente, a ajudar outras pessoas, inclusive aquelas que não fazem parte desse círculo, como amigos, familiares distantes e colegas de trabalho, por meio das ideias e soluções geradas no grupo a fim de encontrar alternativas positivas para a vida de todos. É interessante que o facilitador tome nota de ideias apresentadas e devolva-as ao grupo sempre que houver oportunidade.

MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

Conflitos, ideias antagonistas e divergências não são prejudiciais às famílias, pois podem representar possibilidades de compreender formas de pensar e agir diferentes e complementares. Tais situações configuram-se como situações próprias da humanidade, visto que as pessoas necessitam de um ambiente acolhedor e de alguém externo, que medeie seus conflitos, ampliando as narrativas e facilitando o encontro; ademais, tais situações criam novas possibilidades para que a comunicação ocorra de forma mais eficaz. O enfermeiro pode ser o mediador de conflitos nas famílias, levando em consideração características como a imparcialidade, a independência e a atuação participativa dos envolvidos. Além disso, o mediador deve manter-se atento, evitar julgamentos ou posturas arbitrárias, buscar conhecer as naturezas dos conflitos e manter sigilo das informações dadas durante a mediação(1010 Feijó MR, Stelata PL, Toledo M, Bonduki L, Chiareto A, Ciasca D, et al. A construção de um projeto de mediação de conflitos e de cultura de paz: etapas e desafios. Nova Perspec Sistêm[Internet]. 2011[cited 2017 Aug 28];20(40):83-98. Available from: http://revistanps.com.br/index.php/nps/article/viewFile/86/199
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).

A família aceitar algum modo de mediação demonstra um aspecto positivo: a busca de soluções minimamente satisfatórias a todos os envolvidos, a fim de possibilitar acordos ou melhorias nas relações existentes.

Uma das formas de se operacionalizar a mediação de conflitos é sistematizá-la de forma processual. Ou seja, dividi-la em momentos que aqui denominamos de (1) definição e escuta; (2) esclarecimento e síntese; e (3) busca de soluções e fechamento de acordos. No primeiro momento, o enfermeiro mediador deve esclarecer como se dará o processo de mediação e estabelecer regras e condutas que busquem manter alguma ordem e respeito, garantindo a escuta e a fala de todos os envolvidos. Depois, deve-se pedir para os mediados que falem sobre o conflito. A decisão sobre quem inicia a fala é dos envolvidos, não do enfermeiro. Porém, é importante que seja respeitado o direito de igualdade nas narrativas. Caso haja domínio da palavra de forma discrepante, o enfermeiro deve buscar o equilíbrio entre os mediados. No segundo momento, sugere-se que o enfermeiro teça uma síntese dos fatos narrados e peça aos envolvidos que corrijam incoerências. Também é importante que se levantem pontos de convergência das narrativas para esboçar resoluções ao conflito. Destarte, nessa fase, alguns sentimentos podem ser exacerbados, e é possível que ocorram expressões agressivas, prejudiciais à comunicação. Para isso, o enfermeiro deve se manter atento e lembrar aos envolvidos as regras iniciais, tentando acalmar os humores. Em casos extremos, a mediação pode ser interrompida ou realizada em sessão privada, para que fique clara qual a necessidade de cada um. Por fim, no terceiro momento, aconselha-se que o enfermeiro indague os mediados sobre as formas possíveis e racionais de solução dos conflitos. Ressalta-se: o mediador não deve induzir soluções, apenas estimular a comunicação para que elas surjam. Também se devem respeitar as ressalvas apontadas. Uma vez que as partes julguem as possibilidades como plausíveis, recomenda-se que o mediador utilize alguma forma de afirmação do acordo. Se cabível, pode-se inclusive realizar uma redação assinada pelos envolvidos como forma de fixação do acordo estabelecido(1010 Feijó MR, Stelata PL, Toledo M, Bonduki L, Chiareto A, Ciasca D, et al. A construção de um projeto de mediação de conflitos e de cultura de paz: etapas e desafios. Nova Perspec Sistêm[Internet]. 2011[cited 2017 Aug 28];20(40):83-98. Available from: http://revistanps.com.br/index.php/nps/article/viewFile/86/199
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).

CONCLUSÃO

Este ensaio apresenta como limitação o fato de se ater às tecnologias para cultura de paz nas famílias e a seu possível uso pela enfermagem, não abordando tecnologias duras, leve-duras e de atuação interdisciplinar em saúde. Todavia, o conhecimento das tecnologias apontadas auxilia o planejamento e a implementação de cuidados positivos em famílias que desejam caminhar em busca de paz e bem-estar coletivo.

As premissas por uma cultura de paz buscam um mundo melhor (sem utopias) mediante uso de ferramentas factíveis e aplicação de valores humanitários no cotidiano, convergentes com as práticas de enfermagem com famílias.

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    » http://revistanps.com.br/index.php/nps/article/viewFile/86/199

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    10 Set 2017
  • Aceito
    23 Maio 2018
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