Fatores de risco para uso de substâncias: percepção de líderes estudantis

RESUMO

Objetivo:

analisar a percepção dos líderes estudantis da graduação em enfermagem sobre as motivações e/ou fatores de risco para o consumo de substâncias no ambiente universitário.

Método:

estudo qualitativo, transversal, descritivo desenvolvido em um campus universitário no interior de São Paulo. Participaram 30 membros das entidades ligadas ao curso de Enfermagem. Utilizou-se questionário, entrevista semiestruturada, e as informações foram submetidas a análise de conteúdo.

Resultados:

a influência do ambiente sociocultural foi o elemento central nos resultados. As circunstâncias do contexto, algumas condições que propiciam o uso de substâncias e as expectativas dos estudantes em relação ao uso foram percebidas como fatores de risco, destacando a influência dos amigos (96%), curiosidade e busca de diversão (93%).

Considerações finais:

alternativas no contexto universitário, conjuntamente às lideranças estudantis, visando reduzir a exposição ao sofrimento físico e psicológico, constituem recursos importantes para prevenir o uso abusivo de substâncias.

Descritores:
Estudantes de Enfermagem; Fatores de Risco; Consumo de Álcool na Faculdade; Drogas Ilícitas; Saúde Mental

ABSTRACT

Objective:

to analyze the perceptions of student leaders of the undergraduate course in Nursing about the motivations and/or risk factors for substance use in the university environment.

Method:

qualitative, transversal, descriptive study developed in a university campus in the state of São Paulo. Thirty members of associations affiliated with the course in Nursing participated. A questionnaire and a semi-structured interview were used, and the information was subjected to content analysis.

Results:

the influence of the social environment was the central element in the results. The circumstances of the context, some conditions that favor the use of substances and the students’ expectations regarding their use were perceived as risk factors, among which the influence of friends (96%), curiosity and search for fun (93%) stood out.

Final considerations:

alternatives in the university context, in conjunction with student leaders, aimed at reducing the exposure to physical and psychological suffering, constitute important resources to prevent substance abuse.

Descriptors:
Students, Nursing; Risk Factors; Alcohol Drinking in College; Street Drugs; Mental Health

RESUMEN

Objetivo:

analizar la percepción de los líderes estudiantiles de la graduación en enfermería sobre las motivaciones y/o factores de riesgo para el consumo de sustancias en el ambiente universitario.

Método:

estudio cualitativo, transversal y descriptivo desarrollado en un campus universitario en el interior de São Paulo. Participaron 30 miembros de las entidades vinculadas al curso de Enfermería. Se utilizó cuestionario, entrevista semiestructurada, y las informaciones fueron sometidas a análisis de contenido.

Resultados:

la influencia del ambiente sociocultural fue el elemento central en los resultados. Se observó como factores de riesgo las circunstancias del contexto, algunas condiciones que propician el uso de sustancias y las expectativas de los estudiantes en relación al uso, destacando la influencia de los amigos (96%), curiosidad y búsqueda de diversión (93%). Consideraciones finales: alternativas en el contexto universitario, conjuntamente con los líderes estudiantiles, con el fin de reducir la exposición al sufrimiento físico y psicológico, constituyen recursos importantes para prevenir el uso abusivo de sustancias.

Descriptores:
Estudiantes de Enfermería; Factores de Riesgo; Consumo de Alcohol en la Universidad; Drogas Ilícitas; Salud Mental

INTRODUÇÃO

O ingresso no ensino superior pode ser considerado um marco importante na transição de etapas do ciclo vital dos jovens. Tal evento, em geral, abarca um conjunto de novas experiências e sentimentos positivos relacionados à vida adulta e à busca por uma carreira profissional. A adaptação à nova rotina, por outro lado, consiste num momento crítico de transformações no estilo de vida, na rede de apoio e na autonomia do indivíduo. Assim, as exigências dessa etapa de vida podem culminar em maior vulnerabilidade à adoção de comportamentos nocivos e em possíveis oscilações no bem-estar psicológico^(1-4).

Um dos comportamentos aos quais os estudantes universitários são mais vulneráveis é o uso de substâncias psicoativas. Isto é, alguns pesquisadores apontam o período de graduação como um importante determinante relacionado ao início, continuidade ou intensificação do uso de substâncias psicotrópicas (SPA)^(5-6).

A ampla aceitação do consumo, disponibilidade dessas substâncias e suscetibilidade ao estresse no meio universitário têm sido descritos como fatores que favorecem o uso experimental e/ou aumento da frequência do uso entre estudantes, contribuindo para a alta prevalência de consumo de substâncias nessa população⁽⁶⁾.

O uso abusivo de substâncias entre universitários tem sido associado com comportamento sexual de risco, acidentes automobilísticos, violência, distrações e prejuízos acadêmicos, estresse, diminuição da cognição e problemas de saúde^(5,7-8).

A despeito dessas consequências negativas, alguns estudos têm buscado identificar os fatores de risco relacionados a esse consumo no contexto universitário, apontando resultados importantes e traçando inúmeras recomendações^(5,7-9). Apesar disso, a prevalência do consumo nesse grupo não tem diminuído e traz à reflexão a necessidade de abordagens de pesquisa que captem com maior acurácia a realidade desses sujeitos.

Entende-se que para planejar e empreender estratégias de prevenção eficazes se faz necessário conhecer a percepção dos próprios estudantes sobre a dinâmica desses riscos, isto é, o entendimento deles sobre como tais fatores operam no seu cotidiano acadêmico.

Vale ressaltar que o quesito “prevenção” da política sobre drogas brasileira tem recomendado a adoção de uma filosofia de responsabilidade compartilhada, valorizando a lógica de multiplicadores e o engajamento de entidades representativas no apoio às atividades preventivas. Os líderes estudantis são mencionados como um dos elementos-chaves nessa proposta^(9-11).

Entende-se que tais sujeitos têm uma visão privilegiada sobre os reais fatores de risco do uso de substâncias e o modo como operam no cotidiano acadêmico, uma vez que possuem maior proximidade com os estudantes, frequentam competições esportivas e recreativas, festas e eventos educacionais.

OBJETIVO

Analisar a percepção dos líderes estudantis da graduação em enfermagem sobre as motivações e/ou fatores de risco para o consumo de substâncias psicoativas no ambiente universitário.

Há uma gama de estudos quantitativos sobre os fatores de risco e/ou motivação para o consumo de substâncias psicoativas no ambiente universitário^(1-8,12-18). No entanto, a presente pesquisa traz subsídios pautados na perspectiva qualitativa, sob a ótica de líderes estudantis, ampliando essa discussão.

MÉTODO

Aspectos éticos

O estudo foi elaborado de acordo com as diretrizes contidas na resolução CNS 466/12 para o desenvolvimento de pesquisa com seres humanos e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da unidade na qual foi realizado. Para preservar o anonimato dos participantes do estudo, nas tabelas não foi inserida cidade na qual foi realizado o estudo, e os entrevistados foram identificados, ao longo da pesquisa, por números.

Referencial teórico-metodológico

O processo de investigação e análise teve como referencial teórico as recomendações do Ministério da Saúde sobre a prevenção do uso de substâncias^(5,9-11).

Tipo de estudo

Trata-se de uma pesquisa descritiva exploratória de caráter qualitativo.

Procedimentos metodológicos

Cenário do estudo

O estudo foi desenvolvido em um campus de uma universidade do interior de São Paulo, especificamente na unidade dos cursos de Enfermagem.

Fonte de dados

Na referida unidade, as entidades estudantis são responsáveis pela organização, orientação e incentivo à integração dos alunos do curso de Enfermagem por meio de atividades esportivas, recreativas, acadêmico-científicas e sociais, além de terem papel de representar e defender os interesses dos graduandos.

Assim, a população do estudo foram os 30 membros dessas entidades estudantis. Os critérios de inclusão consistiram em: estar regularmente matriculado em qualquer semestre dos cursos de Enfermagem e ser membro das referidas entidades. Os critérios de exclusão foram: ser menor de 18 anos, estar com algum problema de saúde que inviabilizasse a participação na entrevista. Todos os membros atenderam aos critérios adotados e concordaram em participar do estudo totalizando 30 participantes.

Coleta e organização dos dados

Os dados foram coletados por uma aluna do último ano da graduação previamente treinada para a realização da coleta. As entrevistas foram realizadas individualmente, nas sedes das referidas entidades, fora do período de aula (nos horários de intervalo ou após o término das aulas) de comum acordo com o participante, logo não interferiu nas atividades acadêmicas dos docentes ou estudantes. O período de coleta de dados foi de maio a agosto de 2016, e cada entrevista teve duração média de 30 minutos.

Etapas do trabalho

Primeiramente foram realizadas entrevistas semiestruturadas utilizando um roteiro preestabelecido. Cada um dos cinco itens do roteiro correspondia à descrição de um caso relacionado ao consumo de substâncias por estudantes universitários, principalmente em festas promovidas pelas próprias entidades estudantis durante a recepção dos calouros ou ao longo do curso. Tais situações foram disparadoras para o relato dos participantes sobre as experiências do seu cotidiano em relação à temática. O roteiro foi discutido com dois profissionais com experiência na temática de álcool e drogas e com dois alunos da graduação em enfermagem que não pertenciam à população estudada.

Em um segundo momento foi aplicado um questionário contendo itens relacionados aos aspectos sociodemográficos e seis situações descritas pela literatura como fatores de risco para o consumo de substâncias entre universitários^{(5-6,8,12,16-17)}: influência dos pares, curiosidade, entretenimento, situações estressoras, influência dos meios de comunicação e distanciamento do núcleo familiar. Os participantes deveriam assinalar se consideravam ou não tais situações como fatores de risco.

Análise dos dados

Para a análise dos dados foi utilizada a técnica de análise temática⁽¹⁹⁾, com triangulação de analistas⁽²⁰⁾. As entrevistas foram gravadas e, após as transcrições, organizadas num corpus de informações. Empreenderam-se leituras sucessivas para identificação de unidades de significado a partir das quais foi gerada uma lista de códigos. A partir da codificação das informações, identificou-se que a influência do ambiente sociocultural foi o elemento central nos resultados. Assim, o agrupamento dos códigos em categorias foi realizado considerando os diferentes aspectos que constituem um ambiente propício para o uso de substâncias, considerando o referencial teórico adotado. Logo, as categorias geradas foram: 1) as circunstâncias do ambiente acadêmico, 2) as condições que propiciam o uso de substâncias, e 3) as expectativas em relação ao uso. A etapa analítica foi empreendida por uma estudante de graduação e uma doutoranda, sob a supervisão de uma docente com experiência em pesquisa qualitativa. O fato de a graduanda compor o grupo de pesquisadores foi um fator importante pois, embora ela não pertencesse às entidades pesquisadas e não tivesse vínculo direto com os participantes (relação de amizade ou vínculo afetivo), ela vivenciava de algum modo o fenômeno sob estudo, tinha proximidade com a temática e envolvimento com a população estudada (estudantes universitários). Esse é um fator importante em termos de reflexividade pois, do mesmo modo que influenciou positivamente o desenvolvimento da pesquisa, também pode ter suscitado algum viés na análise. Os dados dos questionários foram inseridos numa planilha do Microsoft Excel versão 2013 e foram analisados utilizando estatística descritiva.

RESULTADOS

Os participantes tinham em média 21 anos (dp = 1,52), e 15 (50%) eram do sexo feminino. Cinco (17%) estavam no primeiro ano do curso, seis (20%) no segundo, 10 (33%) no terceiro, sete (23%) no quarto, e dois (7%) no quinto ano da graduação.

Conforme pode ser observado na Tabela 1, a influência de amigos, seguida de curiosidade e busca por diversão foram os fatores de risco mais mencionados pelos participantes.

Tabela 1
Fatores de risco para o consumo de substâncias psicoativas, interior de São Paulo, Brasil, 2016

Fatores de risco	Simn (%)	Nãon (%)	Não responderamn (%)
Influência de amigos	29 (96,6)	0 (0)	1 (3,3)
Curiosidade	28 (93,3)	0 (0)	2 (6,6)
Busca de diversão	28 (93,3)	1 (3,3)	1 (3,3)
Estresse da faculdade	26 (86,6)	2 (6,6)	2 (6,6)
Morar distante da família	24 (80,0)	5 (16,6)	1 (3,3)
Influência dos meios de comunicação	17 (56,6)	12 (40,0)	1 (3,3)

Quanto às experiências relatadas pelos participantes, a Figura 1 apresenta os códigos correspondentes a cada uma das categorias geradas.

Figura 1
Summary of results by category, state of São Paulo, Brazil, 2016

Os fatores de risco apontados pelos participantes nos questionários convergiram com as experiências relatadas nas entrevistas. Em relação à primeira categoria (as circunstâncias do ambiente acadêmico), algumas circunstâncias mencionadas pelos participantes foram: estar em um ambiente com fácil acesso às substâncias e o baixo custo das bebidas alcoólicas.

Quando a gente está em alguma festa […] a gente já se acostuma a consumir o álcool, a gente fica mais vulnerável a consumir outras substâncias. (participante 4)

Já aconteceu comigo essa situação. Estar em uma festa barata, com bebida barata. (participante 18)

Além disso, os participantes apontaram estressores específicos do ambiente acadêmico como circunstâncias que favoreciam o consumo de substâncias, tais como excessivos compromissos, estágios e carga horária de aulas extensa, conforme ilustrado nas falas:

Na minha opinião, a questão do estresse, da pressão da universidade, a carga horária que é muito apertada, deixando a gente muito ansioso, beber é uma forma interessante pra gente eliminar o estresse. (participante 6)

Porque muitas vezes a universidade nos leva ao nosso limite de estresse, e é muito complicado você simplesmente pensar em outras alternativas pra desestressar quando o que você tem mais próximo é, infelizmente, o álcool ou alguma droga. (participante 22)

No tocante à segunda categoria (as condições que propiciam o uso de substâncias), os participantes referiram que estar no primeiro ano da graduação, ou em termos populares, ser calouro, é uma condição de risco para o consumo de substâncias, pois a obediência à hierarquia culturalmente delimitada entre calouro e veteranos implica seguir a ordem destes últimos para o consumo de substâncias.

Eu acho errado essa atitude do veterano ficar obrigando o calouro a beber. Porque eu acho que aqui o calouro fica muito na pressão de ter que fazer as coisas pra ser aceito na faculdade. O veterano coloca uma pressão pra cima dele e, se ele não fizer, ele será excluído. (participante 18)

Além disso, o contato do calouro com o mundo universitário, geralmente idealizado como um ambiente propício para a vivência de novas experiências, inclusive a do uso liberado de substâncias, pode tanto estimular quanto inibir o uso devido ao entusiasmo ou medo das novas condições.

Talvez eles [calouros] achem que tem toda aquela questão dos filmes que eles veem na televisão, que a universidade é que nem um ‘American Pie’, sabe? (participante 7)

Quando é um curso fora de sua cidade, quando você vem pra um lugar novo, tem medo de tudo. Você não quer beber, você não quer usar nada diferente, principalmente quando você acabou de conhecer uma pessoa e não confia nela. (participante 28)

A distância da família também foi mencionada como condição que favorece o uso:

Só o fato de estar longe de casa […], estar longe assim propicia o abuso das substâncias. (participante 10)

Eu acho que o principal deles é estar longe da família. (participante 29)

Você está sozinho numa cidade que você não conhece, não tem família, não tem ninguém que possa realmente contar. (participante 22)

Os participantes também apontaram características individuais como: imaturidade, o tipo de personalidade e ser jovem como fatores de risco.

Depende da formação que ele tem, da maturidade também. Tem essa questão da personalidade, se ele já não tem isso, ele acaba sendo induzido, manipulado a ter esses tipos de comportamento. […] Depende do que ele tem mais propensão. (participante 27).

Na terceira categoria (as expectativas em relação ao uso), os participantes ressaltaram expectativas como a busca por diversão e pertencimento.

Nós temos as festas que têm álcool como forma de lazer. (participante 6)

A galera vem pra experimentar e curtir […] a maioria usa droga para recreação, pra lazer mesmo. (participante 14)

Se enquadrar nos padrões alheios, para serem aceitos. Então eles têm que ser aceitos em tal grupinho por exemplo, estar junto com o pessoal. Então eles fazem o que os outros fazem pra não serem o ‘careta da turma’. (participante 1)

Formas de enfrentamento e relaxamento foram também identificadas como expectativas:

Um tipo de relaxamento. (participante 8)

Porque a bebida, a droga, ela te dá um prazer momentâneo, uma aliviada. (participante 27)

É um meio de escapar dos problemas por pouco tempo. (participante 9)

Acredito que a bebida e drogas são um refúgio. (participante 16)

DISCUSSÃO

Os líderes estudantis mencionaram influências socioculturais do ambiente universitário como fatores de risco para o consumo de substâncias, destacando circunstâncias desse ambiente, condições pessoais e expectativas relacionadas ao consumo.

Uma pesquisa anterior identificou resultados semelhantes ao presente estudo, isto é, sugerindo que o ambiente universitário pode favorecer o aumento da frequência de consumo de bebidas alcoólicas⁽⁴⁾.

Estudos prévios apontam que os determinantes ambientais operam em conjunto com as características individuais dos sujeitos^(6,12,14), e no presente estudo tanto a faixa etária do grupo quanto aspectos relacionados à maturidade e ao tipo de personalidade foram percebidos como fatores de risco pelos participantes.

A cultura universitária oferece vários momentos em que as substâncias psicoativas não apenas estão disponíveis como são parte do contexto, como em festas nas moradias estudantis ou repúblicas, durante as atividades de recepção de calouros(as), nos eventos para arrecadar recursos para formaturas, bares ou restaurantes próximos à universidade⁽¹⁾.

Uma pesquisa realizada em universidade privada do Rio de Janeiro apontou que os estudantes de Enfermagem habitualmente consumiam bebidas alcoólicas principalmente em festas⁽⁴⁾, corroborando os resultados do presente estudo. A modalidade “open bar” – na qual a compra do ingresso dá direito ao consumo ilimitado de bebidas alcoólicas, ou ainda referindo a eventos com bebidas alcoólicas a preço muito reduzido – constitui-se em situações de maior vulnerabilidade para o consumo excessivo^(4,15).

Diante do exposto, destaca-se que a legislação que regula e controla a venda de bebidas alcoólicas para os jovens precisa ser colocada em prática, e eventos com outras modalidades de recreação, alternativas ao uso de substâncias psicoativas, precisam ser estimulados e efetivados⁽⁴⁾. Por conseguinte, as entidades estudantis podem exercer papel fundamental para a elaboração de ações preventivas mais efetivas.

Como exemplo, os líderes estudantis poderiam, dentre outras atividades, promover rodas de conversas e debates utilizando a linguagem dos pares para motivá-los e propiciar um ambiente amigável para que os estudantes exponham suas opiniões, sentimentos e propostas de enfrentamento do problema de uso abusivo.

No tocante às demandas acadêmicas, neste estudo foram mencionadas condições semelhantes às descritas em estudos prévios, que apontaram privação de sono para dar conta dos estudos, tensão gerada pelas tarefas^(16,21), carga horária extensa, exigências relacionadas à elaboração de relatórios⁽²²⁾, exposição às atividades de estágio, que geram medos relacionados a falhas/erros, e avaliações constantes⁽¹⁸⁾, que geram níveis elevados de estresse.

Ressalta-se que, embora não elencado pelos participantes do presente estudo, há também uma carga emocional gerada entre os estudantes de Enfermagem pelo contato próximo com diferentes pessoas em sofrimento e com sua dor⁽²³⁾.

Embora alguns participantes tenham referido que a insegurança sentida no período de calouro poderia evitar o consumo, estudos têm apontado o oposto: a entrada na universidade permite experimentações que antes não poderiam ser vividas, assim como é maior a autonomia para decidir sobre o uso ou não de substâncias⁽¹⁵⁾. Discute-se que, somados às demais condições, a curiosidade e o desejo de experimentar são fatores de risco, identificados em pesquisa prévia realizada na universidade pública da Amazônia Ocidental com estudantes de Enfermagem⁽⁴⁾.

Assim, a condição de calouro na universidade é um fator de risco que mereceria ações específicas visando o controle ou prevenção do uso abusivo e/ou involuntário de substâncias psicoativas. Deveriam haver alternativas aos chamados “trotes” (comportamentos ou ações obrigatórias, principalmente direcionados pelos veteranos) e às demais condições que se caracterizem como pressão para o consumo de bebidas alcoólicas. Algumas opções seriam ações solidárias ou ainda eventos de caráter cultural e/ou de entretenimento que marcassem a entrada para o mundo universitário, sem a prerrogativa do uso de substâncias. Novamente, as entidades estudantis poderiam exercer um papel-chave na implantação de tais ações, considerando que os representantes podem ser referências seguras para os novos alunos.

A busca por diversão, relaxamento e enfrentamento foram expectativas relacionadas ao uso, segundo a percepção dos participantes, e tais efeitos foram descritos também em pesquisas prévias realizadas com estudantes da área de saúde, que destacam que as substâncias psicoativas podem despertar sensações de bem-estar geral e relaxamento físico e mental; o uso delas tem sido uma estratégia utilizada por estudantes para alívio do estresse e da carga emocional^(1,15), conforme mencionado por alguns participantes. Discute-se que os estudantes universitários podem optar por essa forma negativa de enfrentamento às situações adversas, por acreditarem na possibilidade de esse uso proporcionar uma espécie de “transcendência” do mundo real em que vivem, fugindo da realidade⁽¹⁸⁾.

A experiência universitária proporciona aos estudantes uma nova oportunidade de se integrar em um grande grupo de amigos sem ou com menos supervisão familiar, tornando-os mais vulneráveis e propícios a experimentar novas sensações como as do consumo de substâncias psicoativas⁽⁸⁾. Além disso, a necessidade de estabelecer novas amizades faz parte desse ciclo que pode estimular o estudante ao uso do álcool e outras drogas, pois muitos buscam a sensação de pertencimento⁽¹⁾.

Assim, o presente estudo aponta que, além de ações específicas para prevenção do uso de substâncias, cuidados voltados para atenuação da carga de estresse gerada pelas atividades acadêmicas entre os estudantes de Enfermagem também seriam relevantes. Como exemplo, são válidas sugestões de ter “janelas” (tempos livres) obrigatórias na grade horária; espaços de discussão e escuta para as angústias geradas pelas avaliações e outros aspectos da vida acadêmica; o oferecimento de espaços físicos para descanso entre as aulas; e estímulo para a prática de atividades físicas.

Esse último aspecto costuma ser explorado por uma das entidades estudantis participantes do presente estudo, e tem como função a organização de atividades esportivas. Mas, além disso, tais entidades poderiam exigir e negociar, junto dos conselhos e comissões gestoras formais das atividades acadêmicas, as demais sugestões acima citadas para atenuar a carga emocional e o estresse desses sujeitos.

Limitações do estudo

Considera-se como limitação deste estudo o uso de apenas uma técnica qualitativa para coleta de dados. Outros instrumentos de coleta como o ecomapa e a observação-participante por um pesquisador externo ao universo estudado poderiam auxiliar na identificação das relações e locais que se constituem como fatores de risco ou motivação para o consumo de substâncias. Apesar disso, os dados do questionário possibilitaram de algum modo o cruzamento das informações geradas.

Contribuições para a área da Enfermagem

Os profissionais de Enfermagem estão numa posição ideal para realizar intervenções de promoção da saúde. Entretanto, os resultados deste estudo denotam que alguns aspectos relacionados à autorresponsabilidade no cuidado com a saúde e à promoção de estilos de vida saudáveis necessitam ser mais fortalecidos durante o período de sua formação profissional e nos espaços de circulação desses sujeitos enquanto estudantes de graduação.

A detecção precoce do uso de drogas e a disseminação de informação são ações já desenvolvidas mundialmente e têm se mostrado úteis nessa abordagem. No entanto, utilizar alternativas próximas aos estudantes, em parceria com as lideranças estudantis e que contemplem as situações do próprio contexto universitário, reduzindo a exposição ao sofrimento físico e psicológico do cotidiano, constituem recursos em potencial para o enfrentamento do uso abusivo de substâncias, ampliando a gama de opções e fortalecendo os programas de prevenção nesse contexto.

Em termos mais amplos, entende-se que os resultados desta pesquisa contribuirão para dar relevância à saúde mental dos estudantes de Enfermagem, fomentar o debate acerca do desenvolvimento de novas estratégias de prevenção do uso abusivo de substâncias e promover um ambiente escolar mais saudável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados deste estudo corroboram alguns fatores de risco já apontados pela literatura como a influência de amigos, a curiosidade, a busca por diversão, morar distante da família e o estresse da faculdade. Porém, também foram discutidos atributos intrapessoais (características pessoais), socioambientais (estar em um ambiente com substâncias, bebidas de baixo custo, ser influenciado pelo momento), a condição de ser um aluno ingressante na universidade e questões inerentes ao contexto acadêmico. A partir dos resultados apresentados, importantes recomendações foram traçadas.

Algumas propostas seriam utilizar alternativas próximas a esses sujeitos a fim de reduzir a exposição ao sofrimento físico e psicológico do cotidiano, contemplando situações do próprio contexto universitário, que se constituiriam em recursos em potencial para a prevenção do uso abusivo de substâncias psicoativas. Nesse sentido, a capacidade de reconhecimento dessas situações no ambiente universitário é positiva para o desenvolvimento de ações direcionadas à prevenção nesse local.

Além disso, vale ressaltar o papel central das entidades estudantis nesses aspectos, considerando a posição-chave desses líderes na rede social dos graduandos. Ações colaborativas entre os mecanismos de gestão formais e esses estudantes poderiam ser efetivas para a elaboração e implementação de estratégias preventivas nesse contexto.

Ademais às discussões elucidadas, destaca-se a relevância da colaboração dos próprios estudantes tanto como fonte de dados como no caso da participação da aluna de graduação na análise dos resultados do presente estudo, que proporcionou uma discussão não apenas acadêmica, mas também pautada em sua percepção sobre essa realidade.

• *
  Informações sintetizadas a partir do site dessas entidades; o endereço do site foi omitido por motivos éticos, visando o anonimato dos sujeitos.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  2018

Histórico

• Recebido
  21 Ago 2017
• Aceito
  18 Nov 2017