Acessibilidade / Reportar erro

Contextos de vulnerabilidades vivenciados por adolescentes: desafios às políticas públicas

RESUMO

Objetivos:

compreender o contexto de vulnerabilidade vivenciado por adolescentes na perspectiva dos profissionais de saúde da Estratégia Saúde da Família.

Métodos:

estudo descritivo-exploratório, qualitativo, desenvolvido com 80 profissionais da Estratégia Saúde da Família na região Centro-Oeste do Brasil. A coleta de dados foi desenvolvida de julho a setembro de 2018 por meio de grupo focal, e submetidos à Análise Temática.

Resultados:

compreendeu-se que a vulnerabilidade vivenciada por adolescentes não é uma exposição a algo isolado, mas está ligada a fatores de risco e proteção, contextos socioeconômicos e culturais, políticas públicas e de saúde.

Considerações Finais:

ainda existem lacunas nas políticas públicas para essa população, o que impacta no acesso e no desenvolvimento de ações de promoção pelos profissionais de saúde.

Descritores:
Vulnerabilidade em Saúde; Enfermagem; Adolescente; Atenção Primária à Saúde; Política Pública

ABSTRACT

Objectives:

to understand the context of vulnerability experienced by adolescents from the perspective of health professionals from the Family Health Strategy.

Methods:

a descriptive-exploratory qualitative study developed with 80 Family Health Strategy professionals in the Midwest region of Brazil. Data collection was developed from July to September 2018 through a focus group, and submitted to Thematic Analysis.

Results:

it was understood that the vulnerability experienced by adolescents is not an exposure to something isolated, but is linked to risk and protection factors, socioeconomic and cultural contexts, public and health policies.

Final Considerations:

there are still gaps in public policies for this population, which impacts on the access and development of promotion actions by health professionals.

Descriptors:
Health Vulnerability; Nursing; Adolescent; Primary Health Care; Public Policy

RESUMEN

Objetivos:

comprender el contexto de vulnerabilidad experimentado por los adolescentes desde la perspectiva de los profesionales de la salud desde la Estrategia de Salud Familiar.

Métodos:

estudio cualitativo descriptivo-exploratorio desarrollado con 80 profesionales de la Estrategia de Salud Familiar en la región del Medio Oeste de Brasil. La recopilación de datos se desarrolló de julio a septiembre de 2018 a través de un grupo focal y se sometió a análisis temático.

Resultados:

se entendió que la vulnerabilidad experimentada por los adolescentes no es una exposición a algo aislado, sino que está vinculada a factores de riesgo y protección, contextos socioeconómicos y culturales, políticas públicas y de salud.

Consideraciones Finales:

todavía hay lagunas en las políticas públicas para esta población, lo que afecta el acceso y el desarrollo de acciones de promoción por parte de los profesionales de la salud.

Descriptores:
Vulnerabilidad en Salud; Enfermería; Adolescente; Atención Primaria de Salud; Política Pública

INTRODUÇÃO

A adolescência é uma fase do ciclo de vida caracterizada pela transição da infância para a vida adulta, na qual os jovens passam por mudanças físicas, sexuais e cognitivas(11 Viner RM, Ozer EM, Denny S, Marmot M, Resnick M, Fatusi A, Currie C. Adolescence and the social determinants of health. Lancet. 2012; 379(9826):1641-52. doi: 10.1016/S0140-6736(12)60149-4
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(12)60...
-22 Fonseca FF, Sena RKR, Santos RLA, Dias OV, Costa SM. The vulnerabilities in childhood and adolescence and the Brazilian public policy intervention. Rev Paul Pediatr [Internet] 2013 [cited 2019 Aug 8]; 31 (2):258-64. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rpp/v31n2/19.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rpp/v31n2/19.pd...
). Estas ocorrem em um complexo contexto formado pela família, grupos de amigos, sociedade, contextos políticos e econômicos, e influências culturais que causam implicações para a saúde atual e futura(33 Schoen-Ferreira TH, Aznar-Farias M, Silvares EFM. Adolescência através dos séculos. Psicol: Teor Pesqui. 2010; 26(2):227-34. doi: 10.1590/S0102-37722010000200004
https://doi.org/10.1590/S0102-3772201000...
). Ademais, os jovens se defrontaram com pressões relacionadas à sexualidade, identidade pessoal e de grupos, formulação de valores, estilos de vida, planos de carreira, relacionamentos pessoais e novos papeis sociais(33 Schoen-Ferreira TH, Aznar-Farias M, Silvares EFM. Adolescência através dos séculos. Psicol: Teor Pesqui. 2010; 26(2):227-34. doi: 10.1590/S0102-37722010000200004
https://doi.org/10.1590/S0102-3772201000...
).

Essas transformações simultâneas, de cunho individual, acrescidas de fatores externos, como, por exemplo, o ambiente, o contexto familiar, socioeconômico e cultural, o acesso aos diferentes serviços públicos e de suporte sociais e a organização do trabalho podem levar esse público a uma realidade vulnerável(22 Fonseca FF, Sena RKR, Santos RLA, Dias OV, Costa SM. The vulnerabilities in childhood and adolescence and the Brazilian public policy intervention. Rev Paul Pediatr [Internet] 2013 [cited 2019 Aug 8]; 31 (2):258-64. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rpp/v31n2/19.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rpp/v31n2/19.pd...
). Como consequência, podem contribuir para agravos à saúde física e mental, a ocorrência de gravidez precoce não planejada, adoecimento, sofrimento psíquico, baixo rendimento escolar, desemprego, dificuldades de relacionamento, uso de drogas, subnutrição, obesidade, violência, entre outros(44 Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 5ª ed. São Paulo: Roca; 2013. 392 p.).

Nesse contexto, um estudo indiano apontou que aproximadamente 10 a 30% dos jovens sofrem de condições que afetam a saúde, em especial decorrente da vulnerabilidade dessa fase, como transtornos nutricionais, uso de tabaco, uso nocivo de álcool, uso de outras substâncias, comportamentos sexuais de alto risco, estresse, transtornos mentais, lesões por causas externas (acidente de trânsito, suicídios, violência de diferentes tipos), o que necessita de atenção durante o planejamento das políticas públicas(55 Sunitha S, Gururaj G. Health behaviours and problems among young people in India: cause for concern and call for action. Indian J Med Res [Internet] 2014 [cited 2019 Jul 6]; 140 (2):185-208. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4216492/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
). Por sua vez, um estudo realizado em Caruaru, PE apontou que a violência doméstica e as relações afetivas fragilizadas foram os contextos de vulnerabilidade mais identificados(66 Silva AJN, Costa RR, Nascimento AMR. As implicações dos contextos de vulnerabilidade social no desenvolvimento infantojuvenil: da família à assistência social. Pesqui Prát Psicossoc [Internet] 2019 [cited 2019 Jul 7]; 14 (2):1-17. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ppp/v14n2/07.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ppp/v14n2/...
).

De acordo com o relatório da OMS(77 Organização Mundial de Saúde Health for the World’s adolescents: a second chance in the second decade. Geneva: WHO; 2014.) sobre saúde da população adolescente, as principais causas de morte entre os adolescentes em todo o mundo são lesões devido acidentes automobilísticos em rodovias, AIDS, suicídio, doenças respiratórias infeciosas e violência interpessoal. Entretanto, os dados demonstraram melhora em comportamentos relacionados à saúde, como o uso de preservativos em relações sexuais e a diminuição do tabagismo.

A vulnerabilidade pode ser compreendida como uma condição inerente ao ser humano, a qual se caracteriza como o estado de ser/estar em perigo ou exposto a potenciais danos em razão de uma fragilidade atrelada à existência individual(88 Morais IM de. Vulnerabilidade do doente versus autonomia individual. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2010;10(supl 2):S331-S336. doi: 10.1590/S1519-38292010000600010
https://doi.org/10.1590/S1519-3829201000...
). Entretanto, o ser humano vulnerável pode possuir ou ser apoiado para criar as capacidades necessárias para a mudança de sua condição. É com base nessa última afirmação que não se trata a vulnerabilidade apenas de uma condição natural que não permite contestações, visto que esta condição está associada a situações e contextos individuais e, também, coletivos(99 Carmo ME do, Guizardi FL. O conceito de vulnerabilidade e seus sentidos para as políticas públicas de saúde e assistência social. Cad Saúde Pública. 2018;34(3):e00101417. doi: 10.1590/0102-311X00101417
https://doi.org/10.1590/0102-311X0010141...
).

Quando identificamos as vulnerabilidades, pode-se compreender de maneira mais completa do evento e, com isso, propor melhores e mais sensíveis estratégias e ações de promoção e prevenção em saúde, potencializando as possibilidades de transformação da realidade, melhores e mais eficazes políticas públicas de cuidado ao adolescente.

Portanto, a fase da adolescência é vista como um importante momento de investimento e intervenção em saúde(77 Organização Mundial de Saúde Health for the World’s adolescents: a second chance in the second decade. Geneva: WHO; 2014.). De acordo com a literatura sobre o tema, embora houvesse um aumento de investimentos em políticas públicas que impactaram diretamente na promoção e prevenção de saúde dessa população, principalmente relacionadas à diminuição de uso de tabaco, outras questões ainda precisam ser contempladas, como a da saúde mental, nutrição e estilos de vida(1010 Inchley JC. Growing through adolescence: a gendered approach is needed. Int J Public Health. 2019; 64:151-2. doi: 10.1007/s00038-019-01213-4
https://doi.org/10.1007/s00038-019-01213...
).

A OMS(77 Organização Mundial de Saúde Health for the World’s adolescents: a second chance in the second decade. Geneva: WHO; 2014.) propõe algumas estratégias de ação, entre elas o fortalecer da defesa da saúde do adolescente e a incorporação do foco nos adolescentes em todas as políticas de saúde, estratégias e programas, apoio à intervenções que vão além do indivíduo adolescente, promoção de cobertura universal de saúde para essa população, integração intersetorial de serviços de atenção ao adolescente e financiamento, e desenvolvimento de pesquisas prioritárias. Destarte, os adolescentes pertencem a uma parcela populacional que requer atenção especial das políticas públicas, de forma que atendam, de modo integral, suas especificidades e necessidades. Para tanto, estas devem enfatizar ações de enfrentamento diante as situações de vulnerabilidade vivenciadas(22 Fonseca FF, Sena RKR, Santos RLA, Dias OV, Costa SM. The vulnerabilities in childhood and adolescence and the Brazilian public policy intervention. Rev Paul Pediatr [Internet] 2013 [cited 2019 Aug 8]; 31 (2):258-64. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rpp/v31n2/19.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rpp/v31n2/19.pd...
).

Atinente a isso, tem-se na rede de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), em especial na Atenção Primária à Saúde (APS), espaço privilegiado para a identificação, acolhimento, atendimento, cuidados e proteção de adolescentes em situação de vulnerabilidade(1111 Patias ND, Silva DG, Dell’Aglio DD. Exposição de adolescentes à violência em diferentes contextos: relações com a saúde mental. Temas Psicol. 2016; 24(1):205-218. doi: 10.9788/TP2016.1-14
https://doi.org/10.9788/TP2016.1-14...
). No entanto, observa-se que a assistência à saúde do adolescente é permeada por desafios, em especial decorrente da reduzida procura espontânea, por jovens sadios, pelos serviço de saúde. Ademais, a transferência de adolescentes dos serviços pediátricos para o adulto também contribui para a “lacuna” assistencial à essa população(1212 Campbell F, Biggs K, Aldiss SK, O’Neill PM, Clowes M, McDonagh J, While A, Gibson F. Transition of care for adolescents from paediatric services to adult health services. Cochrane Database System Rev. 2016;4:CD009794. doi: 10.1002/14651858.CD009794.pub2
https://doi.org/10.1002/14651858.CD00979...
).

Assim, compreender o contexto de vulnerabilidade vivenciado pelos adolescentes e suas famílias no território nas perspectivas dos profissionais da ESF pode possibilitar um melhor acesso a essa população, bem como o aprofundamento de conhecimentos para subsidiar a promoção de mudanças e aperfeiçoamento da assistência à saúde no território.

OBJETIVOS

Compreender o contexto de vulnerabilidade vivenciado por adolescentes na perspectiva dos profissionais de saúde da Estratégia Saúde da Família.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Após autorização da Secretaria de Saúde, o estudo foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, de acordo com a Resolução nº 466/12. Todos os participantes do estudo foram orientados sobre os objetivos, procedimento de coleta e análise de dados, e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para garantir o sigilo e anonimato, o nome dos integrantes foi expresso pela letra U, indicativa de unidade, seguido do número arábico referente à ordem que os grupos focais foram realizados (e.g., U1).

Referencial teórico-metodológico

A análise dos dados foi fundamentada na representação conceitual de vulnerabilidade(1313 Ayres JRCM, França Jr I, Calazans GJ, Filho HCS. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: Czeresnia D, Freitas CM. (Orgs) Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. p. 117-39.), que define sua análise baseada em três dimensões interligadas individual, social e programática/institucional. Dessa maneira, o conceito de vulnerabilidade pode ser compreendido como a exposição do indivíduo a diversos fatores e/ou eventos, nos quais essas dimensões se inter-relacionam, o que permite análises multidimensionais da influencia na sua saúde, não apenas no adoecimento, mas nos estados mentais, psicológicos, social e físico. Por sua vez, para sistematização e tratamento dos dados, foi utilizada a Análise Temática(1414 Minayo MC. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª ed. São Paulo: Hucitec; 2014. 416 p.).

Tipo de estudo

Estudo descritivo-exploratório de natureza qualitativa. Foi utilizado o Checklist, Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ).

Procedimentos metodológicos

Após autorização concedida pela Secretaria de Saúde, todos os serviços de Estratégia Saúde da Família (ESF) foram visitados e todos os profissionais de saúde e gestores que atendiam aos critérios de inclusão foram convidados a participar do estudo. Cada serviço de ESF estruturou, independentemente, o grupo de profissionais que participariam do estudo, sem interferência dos pesquisadores.

Cenário do estudo

O estudo foi desenvolvido em oito serviços de ESF de uma região sanitária de saúde na capital do estado de Mato Grosso do Sul. Essa região sanitária de saúde é composta por um total de 14 serviços de ESF, abrangendo um território que contém um grande número de adolescentes e de situações de vulnerabilidade, principalmente econômicas e sociais.

Fonte de dados

Os informantes do estudo foram gestores e profissionais de saúde que atenderam aos seguintes critérios: ser profissional de saúde (enfermeiro, técnico de enfermagem, Agentes Comunitários de Saúde (ACS) ou de endemias, médicos, psicólogos, assistentes sociais e profissionais da saúde bucal) ou gestor do serviço de ESF, e estar trabalhando no local do estudo há pelo menos um mês. Como critério de exclusão, foi estabelecido estar afastado ou em período de férias no momento da coleta de dados. Em todos os serviços de saúde participantes, houve a recusa de profissionais em participar do estudo devido não se sentirem a vontade para falar sobre o tema em grupo ou não acharem relevante sua participação.

Coleta e organização dos dados

Os dados foram coletados no período de julho a setembro de 2018, por meio de grupo focal, que é um método que utiliza a estratégia de entrevista grupal, gerada a partir de uma questão inicial e auxiliares que estimulam os participantes a discutirem e dialogarem, com o objetivo de colher o conhecimento, ideias e hipótese sobre o assunto de investigação(1515 Ressel LB, Beck CLC, Gualda DMR, Hoffmann IC, Silva RM, Sehnem GD. O uso do grupo focal em pesquisa qualitativa. Texto Contexto Enferm. 2008; 17(4):779-86. doi: 10.1590/S0104-07072008000400021
https://doi.org/10.1590/S0104-0707200800...
).

Foi realizado um único grupo focal com o grupo de profissionais elegidos por cada serviço de ESF, no próprio ambiente de trabalho, em dia previamente agendado, durante o expediente, em local privado, gravado em mídia digital de áudio, e duração média de uma hora cada. A condução dos grupos focais foi realizada por uma equipe formada por quatro pesquisadores treinados que não possuíam vínculo com o serviço, sendo três enfermeiros e um aluno de graduação em enfermagem. Cada grupo focal teve a participação de pelo menos três desses pesquisadores.

Foi utilizado um questionário semiestruturado elaborado pelos pesquisadores para nortear o estudo. A questão norteadora foi “Gostaríamos que, a partir da experiência de vocês no território assistido por suas equipes, indicassem e descrevessem quais as situações de vulnerabilidade que adolescentes e suas famílias vivenciam, e que afetam direta e indiretamente a sua saúde mental ou/e física”. Notas de campo foram realizadas por um dos pesquisadores durante os grupos focais para o complemento dos dados coletados. As realizações de grupos focais ocorreram até que informações adicionais deixaram de surgir e os dados tornaram-se repetitivos, além de o objetivo da pesquisa já ter sido alcançado.

Análise de dados

Todas as entrevistas transcritas na íntegra foram submetidas à Análise Temática por dois pesquisadores independentes, seguindo as etapas de pré-análise, exploração do material, tratamento dos dados e inferência dos resultados(1414 Minayo MC. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª ed. São Paulo: Hucitec; 2014. 416 p.). Na pré-análise, foi realizada a leitura minuciosa e exaustiva do conteúdo impresso. Após, realizou-se a codificação das mensagens por meio de cores e, então, se apreendeu o núcleo de sentido: a vulnerabilidade como um fenômeno multicausal. Posteriormente, os códigos foram agrupados conforme as similaridades, emergindo três categorias temáticas: “Adversidades do território e contexto socioeconômico”, “Fragilidades de recursos e dispositivos de apoio” e “Acessibilidade aos serviços de saúde”.

RESULTADOS

Participaram do estudo um total de 79 profissionais de saúde, de ambos os sexos, entre eles, gerentes administrativos (4), médicos (6), enfermeiros (8), assistentes sociais (4), técnicos de enfermagem (6), odontólogos (6), auxiliares de saúde bucal (8), ACS (28), agentes de endemias (2), técnicos administrativos (6) e agente de saúde pública (1).

A faixa etária dos participantes variou de 23 anos a maiores de 60 anos, com tempo de atuação em serviço de ESF de no mínimo um mês a 17 anos. A maioria possuía formação de nível superior, seguido de nível médio, formação técnica e fundamental.

Diante da análise dos dados coletados, a vulnerabilidade pode ser compreendida como um fenômeno que envolve a pluralidade no adolescer. Neste estudo, os resultados discorrerão sobre o fenômeno da vulnerabilidade relacionada a variáveis individuais, sociais e programáticos, englobando estrutura social, contextos socioeconômicos e culturais, relações interpessoais, políticas públicas e de saúde.

Adversidades do território e contexto socioeconômico

A organização do território e o contexto socioeconômico e cultural foram indicados pelos profissionais como elementos importantes na emersão de situações de vulnerabilidades e suas consequências. Em seus relatos, o contexto e as situações de pobreza vivenciadas pelos adolescentes foram referidos como um dos principais fatores que podem reforçar a condição de vulnerabilidade vivenciadas por eles. Eles associaram as situações de pobreza não apenas ao poder aquisitivo individual de cada família, mas também ao acesso às necessidades básicas de vida, como saneamento básico, condições habitacionais, oferta de rede elétrica, entre outros.

Eu tenho um caso também de uma família, de uma moça indígena que tem cinco filhos e a carteira vacinal totalmente atrasada, as condições de moradia totalmente insalubres. As crianças defecam no quintal, os cachorros, as crianças brincam perto das fezes, da rede elétrica, as crianças têm contato direto. (U5)

Observou-se ênfase no fato de algumas situações adversas relacionadas à infraestrutura serem percebidas pela população como “normais”, visto que os adolescentes e demais membros das famílias vivenciam, muitas vezes, essas situações como cenários de pobreza, miséria, limitação ao acesso a bens e serviços comuns, desde o nascimento.

São casas sem estrutura de habitação, às vezes o esgoto escorre pelo terreno da casa e a criança está ali brincando. O adolescente cresce achando aquilo normal. (U1)

Desse modo, melhores condições financeiras é um importante fator, para o adolescente e sua família, que pode diminuir a exposição à vulnerabilidade programática, pois promove moradia e alimentação mais adequada, além de uma educação de melhor qualidade.

Está tudo junto ali. A educação, a saúde, tudo tem que estar integrado, tudo tem que estar junto para poder [...]. Porque é igual ele falou, o incentivo discutido agora dá para ver bem superficialmente que é classe de baixa renda que tem mais problemas sociais. E um melhor, um poder aquisitivo melhor, é diferente de quem consegue ir para uma educação melhor, se alimentar melhor, comer bem, dormir bem, é diferente. (U2)

Entre as principais vulnerabilidades sociais e individuais inseridas no contexto da pobreza, o consumo de álcool e outras drogas no território foi uma das mais relatadas.

Então, é isso, é gravidez precoce das meninas, o uso abusivo de álcool, de drogas. Nós temos muitos casos de ser, particularmente, muita notificação de violência relacionada a isso, escolaridade também. Mas, assim, mais das notificações em relação ao serviço social é de álcool e drogas, gravidez precoce de meninas, e pobreza em geral [...]. (U3)

Os profissionais destacaram que a facilidade de acesso ao álcool e drogas pode estar relacionada à presença de locais de tráfico no território, o que facilita também a inserção no tráfico e na criminalidade.

Eu tenho adolescentes que foram colocados no meio da marginalidade, porque é dinheiro fácil da droga e porque outro conhecido anda de em uma moto e aí o guri vê e se envolve. Acha encantador aquilo e acaba se envolvendo. (U4)

[...] tem um contato com a criminalidade da região, então muita exposição à droga e crime aqui na região é assim, bem comum. (U6)

Outro fator relacionado ao uso de álcool e outras drogas é o consumo dentro da própria família, sendo enfatizado pelos participantes como um fator que o expõe à vulnerabilidade ou ao uso dessas substâncias.

Tem até um caso que foi relatado, uma criança na época da nossa área, já era pré-adolescente, a família tinha essa questão do álcool na família, violência, o pai batia na mãe. (U2)

O pai das crianças é usuário de drogas, a mãe saía com ele [pai] de madrugada. E que as crianças acordavam chorando duas horas da manhã procurando os pais. (U5)

Nesse sentido, os profissionais destacaram que a ausência de medidas efetivas, tanto públicas quanto locais, para manejar e atender as demandas relacionadas ao uso de álcool e outras drogas, aumentam as consequências de adoecimento mental dos adolescentes.

As entidades públicas não estão dando certo. A coisa está gritando de tal forma que está fugindo do controle, entendeu? Essa questão de droga, álcool, isso está sendo de uma forma, que essas questões psiquiátricas estão envolvendo isso. (U2)

Nesse contexto, o uso de álcool e outras drogas potencializa os aspectos individuais da condição de vulnerabilidade vivenciada, os quais resultam em consequências, como gravidez na adolescência, práticas de prostituição, violência doméstica e exposição a IST.

[...] sozinhos, sem orientação nenhuma, por muitas vezes se envolvendo desde cedo com drogas ou com festas, com prostituição. Em contato com doenças sexualmente transmissíveis, sem orientação, sem tratamento nenhum. (U4)

Tem uma menina na minha vila, vizinha minha, adolescente. Já apanha do namorado, engravida, mesmo assim ainda engravida [...] essa semana fui colocar o lixo lá fora e ela gritando: socorro, socorro! Ai, eu falei pra minha filha: Meu Deus, ela está apanhando de novo. (U5)

Fragilidades de recursos e dispositivos de apoio

Os participantes destacaram a ausência ou fragilidade de redes de apoio para ofertar ações, atividades e projetos destinados aos adolescentes, principalmente no contraturno escolar, com enfoque na promoção de saúde, que busquem minimizar a exposição à vulnerabilidade e seus agravos.

Nesse sentido, a falta de atividades para ocupação do tempo e de formação contínua do adolescente, seja dentro do ambiente familiar, escolar ou social, foi indicada como um fator importante para eles vivenciarem situações que reforçam a condição de vulnerabilidade no contexto em que estão inseridos.

A falta de algo do que fazer para as crianças é o que também tem o que eu tenho visto, é o que mais tem prejudicado esses adolescentes. (U1)

[...] também não existe para o adolescente aquele trabalho contínuo de formação. Ou seria dentro de uma igreja, ou seria dentro de trabalhos sociais de escola, ou seria trabalhos sociais dentro de uma unidade de saúde, dentro de um Centro de Referência de Assistência Social ou alguma coisa assim, não sei o que dizer. (U2)

Destacaram-se, ainda, escassez de investimentos em políticas públicas sólidas que envolvam educação, saúde, cultura e assistência social, que possam desenvolver redes e dispositivos de apoio contínuos que proporcionem um espaço de melhor desenvolvimento dos adolescentes. Desse modo, muitas vezes, quando a família ou adolescente procuram a unidade de saúde, um agravo de saúde já foi instaurado.

Eu vejo que, nessa linha do pensamento dela, é a falta incentivo, projetos, ações, coisas assim, duradouras, investimentos. Começar lá atrás, a gente que tem que ter mais investimento na educação, investir mais na saúde. As famílias hoje são vulnerabilizadas porquê? Porque os salários hoje em dia não é nem mil reais. Quem precisa pagar um aluguel, sustentar uma criação, água, luz, roupa, calçados, o que é que vai sobrar no mês pra um filho? [...] existem alguns projetos que financiam, mas não tem vagas para todos. [...] mas não tem algo, duradouro, que possa fazer com que melhore a vida do adolescente e do jovem. Então quando a família vem procurar a unidade, é porque ela já foi atingida. (U1)

Nesse sentido, o poder público poderia estar auxiliando essas crianças, com um programa mais efetivo, como um projeto. (U6)

A escola e o investimento em projetos vinculados a ela foram descritos como um importante dispositivo de cuidado e apoio ao adolescente, pois, na perspectiva dos participantes, a escola tem um papel fundamental na formação, não apenas em nível de conhecimento e qualificação profissional, mas também como cidadão, gerando mecanismos de proteção aos mesmos.

Essas crianças estariam na escola estudando, se alimentando melhor, podiam estar aprendendo algo que realmente poderia ajudar elas e ajudar nós também. Eu vejo assim, o Estado não tem interesse para que situações como essa possam ser evitadas. (U5)

E igual foi colocado aqui, essa educação a todos tem que ter acesso. Às vezes, você vai na casa, chega lá, muitos não conseguem ir no Centro de Educação Infantil. ‘Ah, mas a mãe fica o dia inteiro em casa’. Mas será que não é melhor essa criança ter acesso à educação, ou escola de tempo integral, do que ficar em casa vendo cenas que vão trazer muitos traumas para essa criança e futuro adolescente? Então, realmente ter acesso. A mãe fica o dia todo em casa, sim, mas é um direito dela, da criança ou do adolescente, participar de um projeto de tarde, ou de manhã e todos ter acesso a esses projetos. (U2)

Acessibilidade aos serviços de saúde

A relação dos serviços de saúde com os adolescentes e suas famílias também foi discutida pelos participantes como um fator que interfere na exposição dessa população à condições de vulnerabilidade. Percebe-se nos relatos que, no decorrer do desenvolvimento e crescimento da criança à fase da adolescência, a frequência de consultas e idas até a unidade de saúde vai diminuindo, principalmente quando a faixa etária preconizada do programa nacional de vacinação vai tornando-se mais espaçada, fazendo com que raramente eles procurem as unidades de saúde.

Os adolescentes não têm vínculo com a saúde, raramente eles procuram. (U5)

Acho que o Ministério da Saúde preconiza, acho que até dois anos, que as crianças venham na unidade. A partir daí, parece que as famílias esquecem. Então a gente tem que estar lembrando. A questão da vacina, um grande número também deixa de vacinar depois dos dois anos. Então muitas vezes nem sabe. [...] uma paciente com gravidez, por exemplo, com doze anos, com pouco acesso, porque justamente, vem pouco. A partir que a criança vai crescendo, diminui o número de consultas. (U3)

Quando a procura por serviço de saúde pelo adolescente acontece, em sua maioria, está relacionada a algum problema de saúde já instalado, principalmente relacionado à gestação na adolescência ou às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST).

É como o colega falou, você vai fazer o quê? E elas vêm no posto de saúde? Sim, ou para fazer exame que está gestante ou um exame que descobre que está com sífilis. (U5)

Nesse sentido, a baixa procura e adesão aos serviços de saúde, principalmente para promoção da saúde e prevenção de agravos pelos adolescentes, é explicada pelos profissionais pela crença dos adolescentes em saber do que precisam.

Então, é trabalhar com adolescente, não só na ESF, mas em outras unidades, é complicado. Eles acham que eles sabem tudo né, tudo eles sabem. Aceitam pouca coisa da gente [...]. (U5)

Esse fato influencia na interação com a equipe de saúde, e é referida como um dos principais obstáculos no acesso e comunicação com adolescentes.

Assim, eu acho que a fala de alguma forma não está chegando até eles. A forma que a gente está usando para falar [...] assim, não se criou um elo entendeu? Eu não sei o que falta. Ali Paulo Freire com as ideias dele, mas a gente não consegue alcançar esse caso aí [sobre um caso que uma adolescente ficou grávida]. (U2)

Do mesmo modo, a ineficiência de políticas públicas voltadas a essa população e suas necessidades também foram indicadas como um obstáculo ao acesso, o que impacta diretamente o vínculo do adolescente com a ESF.

Quase não vê mãe também marcando [consulta] para o filho adolescente. Isso aí, eu observo isso. Você vê que a unidade não tem, não digo só a unidade, teria que vir da prefeitura, um projeto, algo voltado para o adolescente, pro jovem adolescente. (U1)

[...] se tivesse uma política pública que realmente abraçasse o adolescente. Geralmente a gente pega o adolescente no programa de saúde da escola, porque ele só vem da escola quando começou a vida sexual ativa pra você poder cuidar. Mas, até então, faz o teste rápido, fez o teste de gravidez. Mas, essa faixa etária dificilmente a gente consegue abraçar como a gente queria abraçar, porque é difícil mesmo. (U5)

Sobretudo, as visitas domiciliares dos ACS foram consideradas por eles insuficientes e rápidas, justificadas pela grande demanda de trabalho que impossibilita uma atenção maior a essa população.

Só que eu vejo que o estado tem que ser um trabalho continuo. Nós vamos uma vez na casa, uma vez ao mês. Às vezes pode parecer pouco para gente, mas um mês passa rápido e daqui a pouco estamos aqui de novo, para rever esse caso. Só que para eles é muito tempo. Então, se a gente conta recente, e volta daqui um mês, muita coisa pode acontecer durante esse mês. Só que para nós que estamos aqui, se dedicar a uma família exclusiva, se dedicar a uma família exclusiva não dá conta, de acordo com a possibilidade de trabalho que nós temos. (U2)

Outro fator informado pelos entrevistados foi o despreparo dos profissionais de saúde para lidar com as possíveis situações de vulnerabilidades que os adolescentes e suas famílias vivenciam. Há a dificuldade de saber como agir diante dessas situações, referindo suas ações como medidas temporárias e não resolutivas.

Então, a grande dificuldade hoje, eu falo pelo lugar que eu estou, é a gente não tem uma formação que prepara a gente a enfrentar situações como essa. [...] A gente só vai apagando incêndio, só tentando ajudar, dar uma saúde melhor para aquela pessoa, porém, a solução mesmo a gente não consegue tirar. (U5)

Nós estamos no meio, tentando mudar isso. Mas é duro, é duro, a gente se sente amarrado, e o que fazer? Como fazer se você vê que ele tem uma estrutura ali detonada? E o que a gente pode fazer por tudo isso aí? (U2)

DISCUSSÃO

A partir da análise dos resultados, observa-se que a maneira como o território se organiza, os diferentes contextos socioeconômico e cultural, a fragilidade de recursos e dispositivos de apoio, o acesso aos serviços de saúde e a organização das políticas públicas influenciam na exposição dos adolescentes à vulnerabilidade social e programática e, consequentemente, na organização do cuidado a esse público. Desse modo, os resultados obtidos neste estudo corroboram com a multideterminação da vulnerabilidade, estando ela não relacionada apenas à ausência ou precariedade no acesso à renda financeira, mas também às fragilidades de vínculos afetivo-relacionais e desigualdade de acesso a bens e serviços públicos(99 Carmo ME do, Guizardi FL. O conceito de vulnerabilidade e seus sentidos para as políticas públicas de saúde e assistência social. Cad Saúde Pública. 2018;34(3):e00101417. doi: 10.1590/0102-311X00101417
https://doi.org/10.1590/0102-311X0010141...
,1313 Ayres JRCM, França Jr I, Calazans GJ, Filho HCS. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: Czeresnia D, Freitas CM. (Orgs) Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. p. 117-39.).

Portanto, a influência do território e a circunstância socioeconômica foram indicadas, no presente estudo, como contextos nos quais há a forte relação da vulnerabilidade social e programática, associado principalmente à pobreza caracterizada pelo baixo poder econômico, baixo acesso às condições básicas de vida e à assistência educacional, social e de saúde. Esses resultados corroboram com o estudo que apontou que os déficits de saúde dos adolescentes relacionados à vivência de situações de vulnerabilidade estão associados às relações econômicas, políticas e culturais, que configuram a estrutura social. Dessa maneira, uma melhor situação financeira pode subsidiar recursos imprescindíveis para superar fatores extrínsecos à vulnerabilidade vivenciada, como acesso à educação, à moradia de qualidade, alimentação adequada, entre outros(1616 Silva MAI, Mello FCM, Mello DF, Ferriani MGC, Sampaio JMC, Oliveira WA. Vulnerabilidade na saúde do adolescente: questões contemporâneas. Ciênc Saúde Coletiva. 2014; 19(2):619-27. doi: 10.1590/1413-81232014192.22312012
https://doi.org/10.1590/1413-81232014192...
).

Associado ao cenário de pobreza, a presença de locais de tráfico no território foi descrita como um facilitador na inserção do adolescente ao consumo de álcool e drogas e, também, na inclinação do adolescente e de sua família ao tráfico e criminalidade. No Brasil, uma pesquisa indicou que as principais vulnerabilidades que acometem as crianças e adolescentes são problemas relacionados ao alcoolismo e conflitos entre casais, tornando as crianças testemunhas de agressões e de toda forma de violência(22 Fonseca FF, Sena RKR, Santos RLA, Dias OV, Costa SM. The vulnerabilities in childhood and adolescence and the Brazilian public policy intervention. Rev Paul Pediatr [Internet] 2013 [cited 2019 Aug 8]; 31 (2):258-64. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rpp/v31n2/19.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rpp/v31n2/19.pd...
). No tocante ao setor saúde, em especial na atuação dos profissionais que compõem as equipes da ESF, destaca-se a possibilidade de identificação precoce dos principais fatores de vulnerabilidades social e programática, uma vez que atuam em locais com área de abrangência delimitada e possuem vínculo com a população adstrita.

Ademais, a dimensão individual, como a personalidade e o comportamento dos adolescentes, pode torná-los mais vulneráveis ao envolvimento com criminalidade, tráfico precoce e prática do roubo(1616 Silva MAI, Mello FCM, Mello DF, Ferriani MGC, Sampaio JMC, Oliveira WA. Vulnerabilidade na saúde do adolescente: questões contemporâneas. Ciênc Saúde Coletiva. 2014; 19(2):619-27. doi: 10.1590/1413-81232014192.22312012
https://doi.org/10.1590/1413-81232014192...
). Reitera-se que a exposição à violência leva a padrões de enfrentamento cognitivos mal adaptados que, por sua vez, levam a problemas psicológicos e comportamentais(1717 Musci RJ, Bettencourt AF, Rabinowitz J, Ialongo NS, Lambert SF. Negative consequences associated with witnessing severe violent events: the role of control-related beliefs. J Adolescent Health. 2018; 63(6):739-744. doi: 10.1016/j.jadohealth.2018.07.001
https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.201...
). Nesse sentido, os participantes desta pesquisa destacaram que há uma carência de políticas públicas e medidas efetivas para lidar com as questões de uso de álcool e drogas, criminalidade e tráfico.

Diante do cenário de pobreza e do uso de álcool e drogas, as principais consequências destacadas pelos participantes deste estudo foram as gestações precoces e consecutivas, prostituição, violência doméstica e o adoecimento por IST. No início da vida sexual do adolescente, é comum encontrar práticas sexuais desprotegidas, amparadas pela comunicação e informação insuficientes, também devido a mitos e tabus que permeiam esse tema(1818 Almeida RAAS, Corrêa RGCF, Rolim ILTP, Hora JM, Linard AG, Coutinho NPS. et-al. Knowledge of adolescents regarding sexually transmitted infections and pregnancy. Rev Bras Enferm [Internet]. 2017;70(5):1033-9. [Thematic Edition “Good practices and fundamentals of Nursing work in the construction of a democratic society”] doi: 10.1590/0034-7167-2016-0531
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
).

Atinente a isso, vislumbra-se a necessidade de fortalecimento de ações integradas entre adolescentes, familiares e profissionais, com vistas ao desenvolvimento de ações conjuntas que visem a identificação precoce de fatores relacionados as dimensões individual, social e programática de vulnerabilidade e posterior planejamento de ações de prevenção. Nesse sentido, uma pesquisa demonstra que a presença de projetos sociais envolvendo o esporte e outras práticas corporais tem contribuído para o aumento do vínculo social e a socialização dos adolescentes em comunidade. Este processo pode minimizar a vulnerabilidade a que o adolescente está submetido, protegendo-o das situações de violência durante o período em que não está na escola(1919 Souza DL, Castro SBE, Vialich AL. Barreiras e facilitadores para a participação de crianças e adolescentes em um projeto socioesportivo. Rev Bras Ciênc Esporte. 2012;34(3). doi: 10.1590/S0101-32892012000300016
https://doi.org/10.1590/S0101-3289201200...
-2020 Trindade LL, Ferraz L, Zanatta EA, Bordignon M, Mai S, Ferrabol SF. Vulnerability in adolescence: the perspective of nurses of the family health. Rev Enferm UFPE. 2014; 8(5):1142-8. doi: 10.5205/reuol.5863-50531-1-ED.0805201406
https://doi.org/10.5205/reuol.5863-50531...
).

Embora no contexto das políticas públicas já existam ações intersetoriais que têm como objetivo a promoção da saúde e a prevenção de agravos a essa população, como o Programa Saúde na Escola (PSE), observa-se ainda a descontinuidade das ações propostas, o que impacta diretamente na efetividade dessas ações. Um dos benefícios da parceria entre os setores saúde e educação está no papel fundamental que a escola exerce na educação do adolescente, em especial pelo fato de a escola constituir a principal instituição que complementa a educação dada pela família(1818 Almeida RAAS, Corrêa RGCF, Rolim ILTP, Hora JM, Linard AG, Coutinho NPS. et-al. Knowledge of adolescents regarding sexually transmitted infections and pregnancy. Rev Bras Enferm [Internet]. 2017;70(5):1033-9. [Thematic Edition “Good practices and fundamentals of Nursing work in the construction of a democratic society”] doi: 10.1590/0034-7167-2016-0531
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
).

No que concerne aos programas de saúde vigentes, destaca-se a concentração de ações na diminuição dos índices epidemiológicos de adoecimentos na infância e na fase adulta, criando uma lacuna no acompanhamento do desenvolvimento do adolescente. Desse modo, a busca pelos serviços de saúde por esse grupo, por vezes, ocorre nos momentos de demanda para alívio de sinais e sintomas de doenças ou agravos ou pela gravidez(2121 Mafra MRP, Chaves MMN, Larocca MM, Piosidiadlo LCM. Os olhares de enfermeiras sobre a vulnerabilidade dos adolescentes em um distrito sanitário. Cogitare Enferm. 2015; 20(2):352-29. doi: 10.5380/ce.v20i2.41128
https://doi.org/10.5380/ce.v20i2.41128...
). Essa baixa procura aos serviços de saúde também foi justificada pela dificuldade do uso de uma linguagem e comunicação dos profissionais de saúde, que alcance o adolescente de maneira efetiva. Portanto, repensar estratégias que aproximem os adolescentes dos serviços de saúde constitui uma necessidade indispensável, assim como a busca ativa nos diferentes pontos da rede.

Dessa maneira, uma proposta de atenção integral à saúde dos adolescentes é intervir nesse processo por meio de ações que ofereçam escuta, satisfação de suas necessidades e permissão para o desenvolvimento de competências e habilidades, tornando-os parte de redes sociais alicerçadas em perspectivas de enfrentamento e de minimização da vulnerabilidade(2121 Mafra MRP, Chaves MMN, Larocca MM, Piosidiadlo LCM. Os olhares de enfermeiras sobre a vulnerabilidade dos adolescentes em um distrito sanitário. Cogitare Enferm. 2015; 20(2):352-29. doi: 10.5380/ce.v20i2.41128
https://doi.org/10.5380/ce.v20i2.41128...
).

Os profissionais também destacaram que se sentem, por vezes, impotentes e despreparados para comunicarem-se de forma adequadas com esse público e para lidarem com situações de vulnerabilidades referindo o sentimento de realizar apenas ações temporárias e não resolutivas. Nesse contexto, tornam-se necessárias políticas de Educação Permanente para os profissionais que atuam rotineiramente nesse contexto, com vistas a oportunizar espaços de discussão, identificação de lacunas e principalmente a elaboração de estratégias de intervenção. Sugere-se a utilização de metodologias ativas e ferramentas que auxiliem a discussão dos principais problemas e fragilidades, com vistas a facilitar o planejamento de ações.

Há que se considerar que a minimização das situações de vulnerabilidades em que se encontram os adolescentes poderá ser obtida por meio de ações que promovam sua superação, auxiliando-os a vivenciarem suas experiências e a construir seus projetos de vida. Tanto as diferenças quanto as especificidades devem ser consideradas no planejamento de intervenções no campo da saúde, uma vez que as circunstâncias de vida produzem situações de vulnerabilidade distintas(2222 Ceolin R, Dalegrave D, Argenta C, Zanatta EA. Situações de vulnerabilidade vivenciadas na adolescência: revisão integrativa. Rev Baiana Saúde Pública. 2015; 39(1):150-63. doi: 10.5327/Z0100-0233-2015390100013
https://doi.org/10.5327/Z0100-0233-20153...
).

Limitações do estudo

Não foi possível validar os resultados encontrados com os participantes em um segundo encontro, devido à rotina de trabalho dos mesmos. Para minimizar essa limitação, ao final de cada grupo focal realizado nas unidades, uma síntese do que foi discutido era pontuada pelo pesquisador principal e, com isso, uma revalidação era confirmada pelo grupo. Outra medida foi a análise dos dados por dois pesquisadores independentes.

Contribuições para a saúde e políticas públicas

Acredita-se que, profissionais de saúde necessitam de respaldo das políticas públicas e subsídios, para promover mudanças no processo de cuidado à população adolescente que vivencia as diferentes dimensões de vulnerabilidade. Dessa forma, as evidências e elementos identificados neste estudo fornecem subsídios para reflexão frente ao planejamento de políticas públicas de saúde que atendam às necessidades dos adolescentes e possibilitarão fortalecer os princípios de uma assistência qualificada, integral, equânime e humanizada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo permitiu compreender o contexto vivenciado por adolescentes na perspectiva de profissionais da ESF, nas diferentes dimensões, individual, social e programática da vulnerabilidade, das quais envolvem uma diversidade de fatores, como estrutura social, contextos socioeconômicos e culturais, relações interpessoais, políticas públicas e de saúde.

Assim, a adolescência é marcada por questões individuais e coletivas associadas que impactam diretamente na produção de saúde. Considera-se que ainda existem lacunas na estruturação das políticas públicas e ações intersetoriais voltadas a este público e suas famílias, bem como o despreparo relatado pelos profissionais da saúde em assistir integralmente os adolescentes, o que denota a necessidade de incorporação de processos formativos e/ou de qualificação como forma de instrumentalizá-los para assistir as populações vulneráveis atendidas no contexto da Atenção Básica à Saúde.

  • FOMENTO
    Este estudo foi financiado pela Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundect), em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde (SES), o Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) do Ministério da Saúde (MS) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio do edital FUNDECT/DECIT-MS/CNPq/SES N° 03/2016 – PPSUS-MS.

AGRADECIMENTO

Agradecemos às instituições de fomento que proporcionaram o desenvolvimento do estudo, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, ao Programa de Pós Graduação em Enfermagem do Instituto Integrado de Saúde da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS, ao Núcleo de Estudo e Pesquisa em Psiquiatria e Saúde Mental – NEPPSM/UFMS, à Secretaria Municipal de Saúde Pública – SESAU do município de Campo Grande (MS).

REFERENCES

  • 1
    Viner RM, Ozer EM, Denny S, Marmot M, Resnick M, Fatusi A, Currie C. Adolescence and the social determinants of health. Lancet. 2012; 379(9826):1641-52. doi: 10.1016/S0140-6736(12)60149-4
    » https://doi.org/10.1016/S0140-6736(12)60149-4
  • 2
    Fonseca FF, Sena RKR, Santos RLA, Dias OV, Costa SM. The vulnerabilities in childhood and adolescence and the Brazilian public policy intervention. Rev Paul Pediatr [Internet] 2013 [cited 2019 Aug 8]; 31 (2):258-64. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rpp/v31n2/19.pdf
    » http://www.scielo.br/pdf/rpp/v31n2/19.pdf
  • 3
    Schoen-Ferreira TH, Aznar-Farias M, Silvares EFM. Adolescência através dos séculos. Psicol: Teor Pesqui. 2010; 26(2):227-34. doi: 10.1590/S0102-37722010000200004
    » https://doi.org/10.1590/S0102-37722010000200004
  • 4
    Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 5ª ed. São Paulo: Roca; 2013. 392 p.
  • 5
    Sunitha S, Gururaj G. Health behaviours and problems among young people in India: cause for concern and call for action. Indian J Med Res [Internet] 2014 [cited 2019 Jul 6]; 140 (2):185-208. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4216492/
    » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4216492/
  • 6
    Silva AJN, Costa RR, Nascimento AMR. As implicações dos contextos de vulnerabilidade social no desenvolvimento infantojuvenil: da família à assistência social. Pesqui Prát Psicossoc [Internet] 2019 [cited 2019 Jul 7]; 14 (2):1-17. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ppp/v14n2/07.pdf
    » http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ppp/v14n2/07.pdf
  • 7
    Organização Mundial de Saúde Health for the World’s adolescents: a second chance in the second decade. Geneva: WHO; 2014.
  • 8
    Morais IM de. Vulnerabilidade do doente versus autonomia individual. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2010;10(supl 2):S331-S336. doi: 10.1590/S1519-38292010000600010
    » https://doi.org/10.1590/S1519-38292010000600010
  • 9
    Carmo ME do, Guizardi FL. O conceito de vulnerabilidade e seus sentidos para as políticas públicas de saúde e assistência social. Cad Saúde Pública. 2018;34(3):e00101417. doi: 10.1590/0102-311X00101417
    » https://doi.org/10.1590/0102-311X00101417
  • 10
    Inchley JC. Growing through adolescence: a gendered approach is needed. Int J Public Health. 2019; 64:151-2. doi: 10.1007/s00038-019-01213-4
    » https://doi.org/10.1007/s00038-019-01213-4
  • 11
    Patias ND, Silva DG, Dell’Aglio DD. Exposição de adolescentes à violência em diferentes contextos: relações com a saúde mental. Temas Psicol. 2016; 24(1):205-218. doi: 10.9788/TP2016.1-14
    » https://doi.org/10.9788/TP2016.1-14
  • 12
    Campbell F, Biggs K, Aldiss SK, O’Neill PM, Clowes M, McDonagh J, While A, Gibson F. Transition of care for adolescents from paediatric services to adult health services. Cochrane Database System Rev. 2016;4:CD009794. doi: 10.1002/14651858.CD009794.pub2
    » https://doi.org/10.1002/14651858.CD009794.pub2
  • 13
    Ayres JRCM, França Jr I, Calazans GJ, Filho HCS. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: Czeresnia D, Freitas CM. (Orgs) Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2003. p. 117-39.
  • 14
    Minayo MC. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª ed. São Paulo: Hucitec; 2014. 416 p.
  • 15
    Ressel LB, Beck CLC, Gualda DMR, Hoffmann IC, Silva RM, Sehnem GD. O uso do grupo focal em pesquisa qualitativa. Texto Contexto Enferm. 2008; 17(4):779-86. doi: 10.1590/S0104-07072008000400021
    » https://doi.org/10.1590/S0104-07072008000400021
  • 16
    Silva MAI, Mello FCM, Mello DF, Ferriani MGC, Sampaio JMC, Oliveira WA. Vulnerabilidade na saúde do adolescente: questões contemporâneas. Ciênc Saúde Coletiva. 2014; 19(2):619-27. doi: 10.1590/1413-81232014192.22312012
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232014192.22312012
  • 17
    Musci RJ, Bettencourt AF, Rabinowitz J, Ialongo NS, Lambert SF. Negative consequences associated with witnessing severe violent events: the role of control-related beliefs. J Adolescent Health. 2018; 63(6):739-744. doi: 10.1016/j.jadohealth.2018.07.001
    » https://doi.org/10.1016/j.jadohealth.2018.07.001
  • 18
    Almeida RAAS, Corrêa RGCF, Rolim ILTP, Hora JM, Linard AG, Coutinho NPS. et-al. Knowledge of adolescents regarding sexually transmitted infections and pregnancy. Rev Bras Enferm [Internet]. 2017;70(5):1033-9. [Thematic Edition “Good practices and fundamentals of Nursing work in the construction of a democratic society”] doi: 10.1590/0034-7167-2016-0531
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0531
  • 19
    Souza DL, Castro SBE, Vialich AL. Barreiras e facilitadores para a participação de crianças e adolescentes em um projeto socioesportivo. Rev Bras Ciênc Esporte. 2012;34(3). doi: 10.1590/S0101-32892012000300016
    » https://doi.org/10.1590/S0101-32892012000300016
  • 20
    Trindade LL, Ferraz L, Zanatta EA, Bordignon M, Mai S, Ferrabol SF. Vulnerability in adolescence: the perspective of nurses of the family health. Rev Enferm UFPE. 2014; 8(5):1142-8. doi: 10.5205/reuol.5863-50531-1-ED.0805201406
    » https://doi.org/10.5205/reuol.5863-50531-1-ED.0805201406
  • 21
    Mafra MRP, Chaves MMN, Larocca MM, Piosidiadlo LCM. Os olhares de enfermeiras sobre a vulnerabilidade dos adolescentes em um distrito sanitário. Cogitare Enferm. 2015; 20(2):352-29. doi: 10.5380/ce.v20i2.41128
    » https://doi.org/10.5380/ce.v20i2.41128
  • 22
    Ceolin R, Dalegrave D, Argenta C, Zanatta EA. Situações de vulnerabilidade vivenciadas na adolescência: revisão integrativa. Rev Baiana Saúde Pública. 2015; 39(1):150-63. doi: 10.5327/Z0100-0233-2015390100013
    » https://doi.org/10.5327/Z0100-0233-2015390100013

Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    18 Jun 2019
  • Aceito
    12 Out 2019
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br