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A prevalência do modelo tecnocrático na atenção obstétrica na perspectiva dos profissionais de saúde

RESUMO

Objetivos:

identificar os motivos da prevalência do modelo tecnocrático na atenção obstétrica na perspectiva dos profissionais de saúde.

Métodos:

Grounded Theory. Estudo aprovado por dois Comitês de Ética em Pesquisa e conduzido por amostragem teórica, de julho de 2015 a junho de 2017. Realizaram-se 29 entrevistas com profissionais de saúde de duas maternidades da Região Sul do Brasil. Coleta e análise dos dados, realizadas alternadamente; e análise mediante a codificação aberta, axial e seletiva/integração.

Resultados:

o modelo tecnocrático ainda persiste porque a assistência é realizada de forma mecanizada, centrada nos profissionais. Falta sistematização da assistência, e há subdimensionamento do pessoal de enfermagem.

Considerações Finais:

enfermeiros obstétricos precisam rever sua atuação nos centros obstétricos, a organização interna, o dimensionamento dos profissionais de enfermagem e assumir o protagonismo da assistência. É preciso investir na formação acadêmica/atualização do conhecimento dos profissionais da obstetrícia, baseando-se em evidências científicas e no cuidado centrado no usuário.

Descritores:
Atenção à Saúde; Enfermagem Obstétrica; Modelos de Assistência à Saúde; Obstetrícia; Pessoal de Saúde

ABSTRACT

Objectives:

to identify the reasons for the prevalence of the technocratic model in obstetric care from the perspective of health professionals.

Methods:

Grounded Theory. Study approved by two Research Ethics Committees and conducted by theoretical sampling, from July 2015 to June 2017. Twenty-nine interviews were conducted with health professionals from two maternity hospitals in the Southern Region of Brazil. Data collection and analysis was performed alternately; and analysis by open, axial, and selective coding/integration.

Results:

the technocratic model still persists because the assistance is performed in a mechanized way, centered on the professionals. There is a lack of systematization of care, and under-dimensioning of the nursing staff.

Final Considerations:

obstetric nurses need to review their performance in obstetric centers, the internal organization, the dimensioning of nursing professionals, and become protagonists of care. Investment in academic training/updating the knowledge of midwifery professionals, based on scientific evidence and user-centered care is necessary.

Descriptors:
Health Care; Obstetric Nursing; Health Care Models; Obstetrics; Health Personnel

RESUMEN

Objetivos:

identificar motivos del predominio del modelo tecnocrático en atención obstétrica en la perspectiva de profesionales de salud.

Métodos:

Grounded Theory. Estudio aprobado por dos Comités de Ética en Investigación y conducido por muestreo teórico, de julio de 2015 a junio de 2017. Realizado 29 entrevistas con profesionales de salud de dos maternidades del Sur de Brasil. Recolecta y análisis de datos, realizados alternativamente; y análisis mediante codificación abierta, axial y selectiva/integración.

Resultados:

aún persiste modelo tecnocrático porque la asistencia es realizada de manera mecanizada, centrada en los profesionales. Falta sistematización de la asistencia, y hay sobredimensionamiento del personal de enfermería.

Consideraciones Finales:

enfermeros obstétricos precisan rever su actuación en los centros obstétricos, organización interna, dimensionamiento de profesionales de enfermería y asumir el protagonismo de la asistencia. Es preciso investir en la formación académica/actualización del conocimiento de profesionales obstétricos, basándose en evidencias científicas y al cuidado centrado en el usuario.

Descriptores:
Atención a la Salud; Enfermería Obstétrica; Modelos de Atención de Salud; Obstetricia; Personal de Salud

INTRODUÇÃO

Desde a constituição da obstetrícia e da ginecologia no século XIX, observa-se a exploração e dominação do corpo feminino e a construção dos saberes sobre a saúde da mulher. A formação dos profissionais foi estruturada sob uma base misógina, ou seja, de aversão ao feminino, traduzida em uma prática comportamental machista, fundamentada na crença de superioridade do poder e da figura masculina e na manutenção das desigualdades e da hierarquia entre os gêneros. Dessa maneira, no histórico de saúde das mulheres, nota-se que as práticas de saúde exigiam a passividade delas(11 Cruz EA. As estratégias de mobilização do movimento feminista para a Approval da Política Nacional de Atenção Integral a Saúde da Mulher, de 2004 [Dissertação] [Internet]. Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania. Universidade de Brasília. Brasília, 2015 [cited 2020 Jun 20] 178 p. Available from: https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/19802/1/2015_ElianeAparecidaCruz.pdf
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).

O movimento feminista no Brasil, que surgiu nos anos de 1970, trouxe visibilidade às mulheres e marcou o compromisso das feministas com os ideais de transformação da sociedade contra o racismo, sexismo e capitalismo e em busca da equidade de gênero. Ademais, mantémse articulado com outros movimentos democráticos e libertários que denunciam as graves violações de direitos humanos(22 Teles MAA. O protagonismo de mulheres na luta contra a ditadura militar. RIDH Bauru [Internet]. 2014 [cited 2020 Jun 20];2(2):9-18. Available from: https://www3.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/view/173
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).

Durante a ditadura civil militar no Brasil, violências foram infligidas contra mulheres e homens que procuraram, em defesa dos ideais de democracia e liberdade, resistir a esse regime. Mulheres na militância política se articularam para fazer resistência por meio do engajamento nos movimentos a fim de lutarem por seus direitos e conquistarem o seu espaço privado e público. Buscavam romper barreiras de diversas ordens: da família, da religião, da escola, do mercado de trabalho, da sociedade em geral e do aparato estatal repressivo. Dessa forma, “demarcaram as bases para que se fundassem novas estruturas políticas e sociais que alcançassem também igualdade de gênero”(33 Friotto M, Fassheber JR. Ditadura civil militar no Brasil: mulheres militantes. In: Os desafios da escola pública paranaense na perspectiva do professor PDE: artigos. Cadernos PDE, versão online. Volume 1, Paraná, 2014[cited 2020 Jun 19]. Available from: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2014/2014_unicentro_port_pdp_mirian_izabel_tullio.pdf
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).

A partir do século XX, com todas as ações em favor da emancipação feminina, dos movimentos de mulheres, da resistência aos períodos de ditadura, o Brasil conquistou a redemocratização nos anos de 1980. Nesse período, o movimento feminista esteve empenhado na “formulação da política de atenção integral à saúde da mulher, buscando a superação da linha de atendimento materno-infantil e do ‘poder masculino’ da ginecologia e obstetrícia sobre o corpo feminino, impedindo a mulher de conhecer seu próprio corpo e de acessar seus direitos sexuais e reprodutivos”(11 Cruz EA. As estratégias de mobilização do movimento feminista para a Approval da Política Nacional de Atenção Integral a Saúde da Mulher, de 2004 [Dissertação] [Internet]. Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Cidadania. Universidade de Brasília. Brasília, 2015 [cited 2020 Jun 20] 178 p. Available from: https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/19802/1/2015_ElianeAparecidaCruz.pdf
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).

Nessa direção, considerando que, em âmbito mundial, houve a tendência de seguir outro modelo de atenção no campo obstétrico, desde 1990 o parto humanizado foi se tornando mais valorizado no Brasil e, perante isso, as enfermeiras obstétricas foram sendo mais reconhecidas na assistência ao parto, mostrando empoderamento e segurança para atuarem nessa área(44 Prata JA, Progianti JM, Pereira ALF. O contexto brasileiro de inserção das enfermeiras na assistência ao parto humanizado. Rev Enferm UERJ[Internet]. 2012 [cited 2019 Jan 03];20(1):105-10. Available from: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/enfermagemuerj/article/view/4003/2772
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). De acordo com os autores, o contexto neoliberal globalizado influenciou na decisão governamental de investir na inserção de enfermeiras obstétricas para atuarem na assistência ao parto, a fim de racionalizar recursos, investir em recursos humanos qualificados e com uso de tecnologias leves e de baixo custo na saúde pública. Além disso, objetivou-se reduzir a taxa de morbimortalidade materna e neonatal e melhorar a qualidade da assistência obstétrica e neonatal, enquanto medidas da Política de Humanização do Parto e Nascimento.

Desde a década de 1990, o governo brasileiro tem implementado ações, programas e políticas de saúde que buscam reduzir a medicalização do parto, incluindo a redução das intervenções obstétricas desnecessárias, promoção da humanização do atendimento, introdução das boas práticas e melhora da qualidade da assistência obstétrica e neonatal. Entre essas iniciativas, destacam-se o estímulo ao parto normal por meio da limitação do pagamento de cesarianas no Sistema Único de Saúde (SUS); a inclusão do procedimento “parto normal sem distócia” realizado por enfermeiro obstétrico a partir de 1998, na tabela do Sistema de Informações Hospitalares do SUS; a implantação dos centros de parto normal ou casas de parto no SUS, por meio da Portaria/GM nº 985, de 1999; o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento, no ano 2000; a Política Nacional de Humanização, lançada em 2004; a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, de 2004; a Rede Cegonha, lançada em 2011; e o Projeto Aprimoramento e Inovação no Cuidado e Ensino em Obstetrícia e Neonatologia, de 2017.

A humanização pode ser vista seja como um movimento social, seja como uma política pública. Enquanto política pública voltada para a atenção humanizada durante o parto e nascimento, foi uma importante conquista social para combater a hegemonia do modelo assistencial medicalizado. No entanto, a mudança do modelo de atenção obstétrica é um processo que envolve uma luta à qual os profissionais podem ou não aderir, dependendo de sua formação.

Por sua vez, visto que o parto e nascimento são momentos únicos e especiais para a parturiente, nascituro e família, os profissionais de saúde envolvidos na assistência também têm um compromisso ético de buscar realizar um cuidado humanizado e diferenciado, que proporcionará maior segurança e satisfação às mulheres(55 Monguilhott JJDC, Brüggemann OM, Freitas PF, d'Orsi E. Nascer no Brasil: the presence of a companion favors the use of best practices in delivery care in the South Region of Brazil. Rev Saúde Públ. 2018;52(1):1-11. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2018052006258
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).

O conceito de “hegemonia” foi elaborado por Gramsci de forma ampla. Os autores Dore e Souza mostram que, para Gramsci, ela opera sobre o modo de pensar e conhecer, sobre as orientações ideológicas, sobre a estrutura econômica e organização política e serve para analisar as relações de poder na sociedade(66 Dore R, Souza HG. Gramsci nunca mencionou o conceito de contra-hegemonia. Cad Pesqui. 2018;25(3):243-60. https://doi.org/10.18764/2178-2229.v25n3p243-260
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). Segundo eles, a hegemonia é construída “com base na luta incessante dos grupos sociais dominantes para obter o consentimento ativo dos grupos sociais subalternos”, por meio de concessões a reivindicações dos movimentos sociais, subordinando-os à direção dos grupos dominantes. Já o conceito de “contra-hegemonia” foi criado por Raymond Williams, é muito difundido em diversas áreas do conhecimento e remete ao contexto de guerra de movimento e ao Estado-força, em que predomina a sociedade política e a coerção. A contrahegemonia seriam as “experiências, significados e valores que não fazem parte da cultura dominante efetiva; formas alternativas e opositoras que variam historicamente nas circunstâncias reais; práticas humanas que ocorrem ‘fora’ ou em ‘oposição’ ao modo dominante; formas de cultura alternativa ou opositora residuais”(66 Dore R, Souza HG. Gramsci nunca mencionou o conceito de contra-hegemonia. Cad Pesqui. 2018;25(3):243-60. https://doi.org/10.18764/2178-2229.v25n3p243-260
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).

Considerando o exposto, embora desde a década de 1990 seja almejada a mudança do modelo de atenção obstétrico tecnocrático para o modelo humanizado no Brasil(77 Carvalho KM, Backes MTS, Ribeiro LN, Santos EKA, Luz SCL, Backes DS. A persistência do modelo tecnocrático na atenção obstétrica e o desejo de mudança para o modelo de cuidado humanizado. In: VII Congresso Ibero-americano em Investigação Qualitativa, 2018, Fortaleza. Atas do VII Congresso Ibero-americano em Investigação Qualitativa. Fortaleza, 2018. P.1266. Available from: https://www.proceedings.ciaiq.org/index.php/ciaiq2018/article/view/1904
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), passados quase 30 anos, por que o modelo tecnocrático ainda persiste nas maternidades pesquisadas? O que está envolvido nessa persistência? Nesse sentido, o presente estudo está centrado na assistência obstétrica realizada em maternidades que possuem Centro Obstétrico (CO).

OBJETIVOS

Identificar os motivos da prevalência do modelo tecnocrático na atenção obstétrica na perspectiva dos profissionais de saúde.

MÉTODOS

Aspectos éticos

A pesquisa seguiu as orientações da Resolução no 466/2012 e nº. 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa com Seres Humanos das instituições onde o estudo foi realizado. Para todos os participantes foram explicados os objetivos e método proposto, todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e nenhum deles foi identificado neste estudo.

Referencial teórico-metodológico

O referencial teórico-metodológico utilizado foi a Grounded Theory, também chamada de Teoria Fundamentada em Dados (TFD), desenvolvida de forma sistemática pelos sociólogos norteamericanos na Universidade da Califórnia: Barney Glaser e Anselm Strauss, por volta de 1965. Glaser e Strauss continuaram desenvolvendo o método e, posteriormente, seguiram caminhos independentes, cada um com sua versão(88 Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. Tradução Luciane de Oliveira da Rocha. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2008.). O presente estudo seguiu a versão de Strauss(99 Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. 4ª ed. SAGE Pub; 2015.).

A TFD é um método de pesquisa qualitativa que se debruça sobre a realidade para estudá-la e tem como principal finalidade gerar teoria fundamentada em dados coletados e analisados (interpretados) e baseada em investigação realizada sistematicamente(88 Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. Tradução Luciane de Oliveira da Rocha. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2008.-99 Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. 4ª ed. SAGE Pub; 2015.). Para isso, disponibiliza técnicas e procedimentos próprios para coletar e analisar dados.

Tipo de estudo

Estudo de abordagem qualitativa. Foi utilizado o guia Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ).

Procedimentos metodológicos

O estudo foi conduzido com base nos princípios da amostragem teórica conforme recomenda a TFD(88 Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. Tradução Luciane de Oliveira da Rocha. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2008.) e foi realizado em duas maternidades públicas de grande porte, sendo que uma pertence à rede federal e outra à rede estadual de saúde, que neste estudo denominamos de Maternidade 1 (M1) e Maternidade 2 (M2), respectivamente. Essas duas maternidades localizam-se em uma capital da Região Sul do Brasil e são responsáveis pelo atendimento público na área. Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram a entrevista semiestruturada e a observação não participante. Neste estudo, foram considerados apenas os dados referentes à entrevista(77 Carvalho KM, Backes MTS, Ribeiro LN, Santos EKA, Luz SCL, Backes DS. A persistência do modelo tecnocrático na atenção obstétrica e o desejo de mudança para o modelo de cuidado humanizado. In: VII Congresso Ibero-americano em Investigação Qualitativa, 2018, Fortaleza. Atas do VII Congresso Ibero-americano em Investigação Qualitativa. Fortaleza, 2018. P.1266. Available from: https://www.proceedings.ciaiq.org/index.php/ciaiq2018/article/view/1904
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).

Fonte de dados

A amostra deste estudo é composta por 29 entrevistas com enfermeiras(os) generalistas e obstétricas(os), médicas(os) obstetras, residentes médicas em obstetrícia, neonatologia, pediatria e uma residente de enfermagem(77 Carvalho KM, Backes MTS, Ribeiro LN, Santos EKA, Luz SCL, Backes DS. A persistência do modelo tecnocrático na atenção obstétrica e o desejo de mudança para o modelo de cuidado humanizado. In: VII Congresso Ibero-americano em Investigação Qualitativa, 2018, Fortaleza. Atas do VII Congresso Ibero-americano em Investigação Qualitativa. Fortaleza, 2018. P.1266. Available from: https://www.proceedings.ciaiq.org/index.php/ciaiq2018/article/view/1904
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). As entrevistas foram realizadas por uma única entrevistadora, que era enfermeira obstétrica com formação em nível de doutorado e era conhecida por alguns participantes.

Coleta e organização dos dados

Conforme preconiza a TFD, a coleta e a análise de dados foram realizadas de forma simultânea no período de julho de 2015 a junho de 2017. A entrevista semiestruturada, realizada em profundidade e individualmente com cada participante de forma presencial e reservada, ocorreu no local de trabalho dos participantes e no horário mais conveniente para eles; foi gravada com uso de gravador digital e, posteriormente, transcrita na íntegra para análise. Essa entrevista era composta por uma pergunta principal realizada a todos os participantes (“O que significa para você a gestão do cuidado realizada pelo enfermeiro?”), aprofundada no decorrer da investigação; e por mais algumas questões norteadoras pertinentes.

Inicialmente, foram entrevistados dez enfermeiros, na M1, que atuavam no Alojamento Conjunto, CO e Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal. Após a análise dos dados dessa primeira etapa, constatou-se que a M1 trabalha com a filosofia da humanização da assistência e com a Sistematização da Assistência de Enfermagem, o que lhe dá bastante destaque no estado a que pertence na Região Sul do Brasil. No entanto, embora algumas enfermeiras dessa instituição já tivessem formação e preparo para atuar no novo modelo de atenção obstétrica, com uso das boas práticas de cuidado baseadas em evidências científicas, nem todas tinham especialização em Enfermagem Obstétrica. E, entre aquelas que tinham, poucas assistiam/conduziam partos de baixo risco, sendo que algumas delas ainda tinham muita dificuldade para se posicionar e não possuíam autonomia. Além disso, no CO dessa maternidade, ainda predominava o modelo tecnocrático na atenção obstétrica, acompanhado da hegemonia médica, no qual se priorizava a formação dos médicos em nível de residência em obstetrícia(77 Carvalho KM, Backes MTS, Ribeiro LN, Santos EKA, Luz SCL, Backes DS. A persistência do modelo tecnocrático na atenção obstétrica e o desejo de mudança para o modelo de cuidado humanizado. In: VII Congresso Ibero-americano em Investigação Qualitativa, 2018, Fortaleza. Atas do VII Congresso Ibero-americano em Investigação Qualitativa. Fortaleza, 2018. P.1266. Available from: https://www.proceedings.ciaiq.org/index.php/ciaiq2018/article/view/1904
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).

Com base nessas considerações, foram elaboradas as seguintes hipóteses: Como acontece a assistência obstétrica na M2, que é referência estadual na saúde da mulher e referência terciária na atenção obstétrica no contexto da Rede Cegonha? Qual modelo de assistência é utilizado nessa instituição? Os enfermeiros conduzem partos? São utilizadas as boas práticas de cuidado baseadas em evidências científicas segundo as recomendações da Organização Mundial da Saúde? Existem protocolos assistenciais nessa instituição?

Dessa maneira, partiu-se para a segunda etapa, na qual foram entrevistadas nove enfermeiras, sendo seis enfermeiras da M2, as quais atuavam no CO, Alojamento Conjunto, UTI Neonatal e no Ambulatório dessa instituição, que é referência para atendimento à gestação de alto risco. Também foram entrevistadas mais duas enfermeiras do Ambulatório da instituição à qual pertence a M1, igualmente referência no atendimento às gestantes de alto risco; e ainda uma enfermeira residente de enfermagem que atuava tanto na M1 como na M2. Constatou-se que, na M2, o enfermeiro possui menos autonomia e a hegemonia médica estava mais exacerbada ainda. Não era permitido ao enfermeiro conduzir partos porque se priorizava igualmente a formação da Residência Médica em Obstetrícia. O enfermeiro acabava conduzindo partos apenas quando aconteciam vários ao mesmo tempo; fora isso, ele precisava da autorização do médico para tal(77 Carvalho KM, Backes MTS, Ribeiro LN, Santos EKA, Luz SCL, Backes DS. A persistência do modelo tecnocrático na atenção obstétrica e o desejo de mudança para o modelo de cuidado humanizado. In: VII Congresso Ibero-americano em Investigação Qualitativa, 2018, Fortaleza. Atas do VII Congresso Ibero-americano em Investigação Qualitativa. Fortaleza, 2018. P.1266. Available from: https://www.proceedings.ciaiq.org/index.php/ciaiq2018/article/view/1904
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). Por sua vez, parece que a equipe de enfermeiras do CO, na época da coleta de dados, também não buscava uma atuação mais efetiva na condução dos partos de baixo risco.

Diante do exposto e considerando que a equipe de enfermagem e a equipe médica na área de obstetrícia e neonatologia atuavam conjuntamente nas maternidades, elaboraram-se as seguintes hipóteses: Como os médicos e médicos residentes percebem a atuação do enfermeiro e a gestão do cuidado de enfermagem realizada pelos enfermeiros no atendimento a gestantes, parturientes, puérperas e recém-nascidos? Para responder essa questão, na terceira etapa, foram realizadas mais dez entrevistas, a fim de compreender a gestão do cuidado exercida pelo enfermeiro na visão dos médicos, médicos residentes e residente de enfermagem; os profissionais exerciam as suas atividades conjuntamente com os enfermeiros e atuavam nas mesmas unidades assistenciais. Assim, foram entrevistados três médicos assistenciais (dos quais, dois também eram gestores) e seis médicos residentes, tanto da M1 como da M2, incluindo residentes em obstetrícia, neonatologia e pediatria e, ainda, uma enfermeira do CO da M1(77 Carvalho KM, Backes MTS, Ribeiro LN, Santos EKA, Luz SCL, Backes DS. A persistência do modelo tecnocrático na atenção obstétrica e o desejo de mudança para o modelo de cuidado humanizado. In: VII Congresso Ibero-americano em Investigação Qualitativa, 2018, Fortaleza. Atas do VII Congresso Ibero-americano em Investigação Qualitativa. Fortaleza, 2018. P.1266. Available from: https://www.proceedings.ciaiq.org/index.php/ciaiq2018/article/view/1904
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).

A duração média das entrevistas, considerando as três etapas, foi de 42 minutos e 17 segundos. Os participantes foram convidados e incluídos aleatoriamente, contemplando tanto o turno diurno quanto o noturno, tendo como critérios de inclusão: estar atuando na área no momento da coleta de dados e ter disponibilidade para tal. Os critérios de exclusão foram: estar de férias ou afastado do trabalho no momento da coleta de dados. Houve apenas uma recusa por parte de uma enfermeira gestora.

Análise dos dados

A análise de dados foi feita de forma alternada com a coleta de dados, sendo que a análise conduziu o processo até a saturação teórica dos dados. Realizou-se a codificação aberta, axial e seletiva/integração, em fases distintas, porém integradas e complementares(88 Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. Tradução Luciane de Oliveira da Rocha. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2008.).

Na codificação aberta, todas as entrevistas foram analisadas individualmente, linha por linha, para realizar a separação dos dados em partes distintas e compará-los constantemente em termos de similaridades e diferenças, em busca das categorias emergentes dos dados. Na codificação axial, as categorias originadas na codificação aberta foram analisadas, devidamente classificadas e associadas às suas respectivas subcategorias. Na codificação seletiva, fase de integração dos dados, foi utilizado o mecanismo analítico denominado “paradigma”. Este foi preconizado por Corbin e Strauss(77 Carvalho KM, Backes MTS, Ribeiro LN, Santos EKA, Luz SCL, Backes DS. A persistência do modelo tecnocrático na atenção obstétrica e o desejo de mudança para o modelo de cuidado humanizado. In: VII Congresso Ibero-americano em Investigação Qualitativa, 2018, Fortaleza. Atas do VII Congresso Ibero-americano em Investigação Qualitativa. Fortaleza, 2018. P.1266. Available from: https://www.proceedings.ciaiq.org/index.php/ciaiq2018/article/view/1904
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,99 Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. 4ª ed. SAGE Pub; 2015.) como instrumento facilitador e envolve um esquema por meio da organização dos dados que são reunidos e ordenados sistematicamente em torno dos componentes “condições”, “ações-interações” e “consequências”, classificados com base nas conexões emergentes(99 Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. 4ª ed. SAGE Pub; 2015.).

Durante o desenvolvimento do estudo, foram elaborados registros escritos de análise (memorandos), que compreendem as notas de codificação, notas teóricas e notas operacionais. Também foram criados diagramas, referentes aos registros visuais que ajudaram a elucidar as relações entre os conceitos(77 Carvalho KM, Backes MTS, Ribeiro LN, Santos EKA, Luz SCL, Backes DS. A persistência do modelo tecnocrático na atenção obstétrica e o desejo de mudança para o modelo de cuidado humanizado. In: VII Congresso Ibero-americano em Investigação Qualitativa, 2018, Fortaleza. Atas do VII Congresso Ibero-americano em Investigação Qualitativa. Fortaleza, 2018. P.1266. Available from: https://www.proceedings.ciaiq.org/index.php/ciaiq2018/article/view/1904
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-88 Strauss A, Corbin J. Pesquisa qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. Tradução Luciane de Oliveira da Rocha. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2008.).

Após a análise dos dados, foi elaborada a teoria substantiva denominada “Gestão do cuidado de enfermagem para a qualidade da atenção obstétrica e neonatal”, que compreende oito categorias. Como condições contextuais: 1) Gestão do cuidado de enfermagem para a qualidade da atenção obstétrica e neonatal (o fenômeno central); 2) Implementando as políticas públicas vigentes; 3) Gerenciando os recursos humanos e materiais; 4) Qualificação profissional e educação permanente. Como estratégias: 5) Cuidando do binômio mãe-filho, da família e do cuidador; 6) Organizando a assistência. Como consequências: 7) Buscando qualificar o cuidado; 8) Planejamento e avaliação do cuidado(77 Carvalho KM, Backes MTS, Ribeiro LN, Santos EKA, Luz SCL, Backes DS. A persistência do modelo tecnocrático na atenção obstétrica e o desejo de mudança para o modelo de cuidado humanizado. In: VII Congresso Ibero-americano em Investigação Qualitativa, 2018, Fortaleza. Atas do VII Congresso Ibero-americano em Investigação Qualitativa. Fortaleza, 2018. P.1266. Available from: https://www.proceedings.ciaiq.org/index.php/ciaiq2018/article/view/1904
https://www.proceedings.ciaiq.org/index....
). O presente artigo baseia-se na categoria “Cuidando do binômio mãe-filho, da família e do cuidador”, com enfoque na assistência obstétrica realizada no CO.

RESULTADOS

Participaram do estudo 29 profissionais. Destes, eram 20 enfermeiros e 9 médicos. Entre os enfermeiros, 5 eram gestores e 15 assistenciais, sendo 1 residente de enfermagem. Entre os médicos, um ocupava o cargo de gestor do CO; dois eram da assistência (sendo um do CO e o outro da UTI Neonatal); e sete eram estudantes na modalidade de residência nas áreas de obstetrícia (quatro), neonatologia (dois) e pediatria (um). A idade dos participantes variou entre 24 e 59 anos completos, e o tempo de atuação na unidade, na época da coleta de dados, variou de 2 meses a 27 anos.

Com base na análise da categoria “Cuidando do binômio mãe-filho, da família e do cuidador”, com enfoque na assistência obstétrica realizada no CO, foram elaboradas duas subcategorias: O ambiente do Centro Obstétrico; e A prevalência do modelo tecnocrático nas maternidades.

O ambiente do Centro Obstétrico

Essa primeira subcategoria demonstra que o CO é considerado um ambiente de trabalho imprevisível, pois, a qualquer momento, podem acontecer partos/nascimentos, de maneira que a equipe deve estar preparada para atender qualquer situação. Há momentos em que a unidade encontra-se lotada e o número de partos/nascimentos é oscilante, tendo crescido nas duas maternidades desde o ano de 2015, possivelmente devido ao aumento da população no município.

No CO da M1, houve a ideia de abrir mais leitos para dar conta da demanda, porém a enfermagem vetou a ideia na intenção de proteger a mulher e o recém-nascido. Pensou-se na segurança do paciente, na qualidade do atendimento prestado e também em evitar a sobrecarga de trabalho para os profissionais no setor, uma vez que essa sobrecarga reforça o tecnicismo. Já na M2, segundo os participantes, houve vezes em que ocorreram sete partos normais e duas cesáreas em apenas uma noite. No CO dessa maternidade, há sete vagas para parturientes, porém, frequentemente, a equipe enfrenta superlotação na unidade, tendo tido ocasiões em que havia de 15 a 20 mulheres internadas no setor. Isso, na visão de uma das entrevistadas, é uma dificuldade para a realização do cuidado centrado no usuário, não somente devido à superlotação do setor, mas também pela diversidade de mulheres com diferentes necessidades de atenção e cuidado.

Foi mencionado que os profissionais de saúde precisam ser mais sensíveis e entender que o processo de trabalho de parto e parto é um momento único para a mulher e que este deve ser respeitado. Sendo assim, é preciso acolhê-la desde a sua chegada, com a apresentação do ambiente do CO e da equipe que irá atendê-la, e também orientá-la quanto ao trabalho de parto e aos cuidados que podem ser proporcionados.

Evidenciou-se que as parturientes têm falta de privacidade para parir, já que as maternidades eram hospitais-escola, motivo pelo qual vários estudantes estão presentes nesse momento. Muitos entrevistados não acham isso positivo para o cuidado, porém também disseram que muitos profissionais acreditam que, pelo fato de a mulher estar num hospital-escola, ela acaba tendo que passar por isso. Foi mencionado que tanto a equipe médica quanto a de enfermagem acabam se descuidando da privacidade da mulher.

A prevalência do modelo tecnocrático nas maternidades

Essa segunda subcategoria compreende os seguintes aspectos: A falta de preparo das parturientes para o trabalho de parto e parto; A condução do parto quase que exclusivamente pelo profissional médico; Divergências no cuidado; e Apressando o cuidado ao recém-nascido logo após o nascimento.

A falta de preparo das parturientes para o trabalho de parto e parto

Segundo os participantes, as parturientes chegam no CO em trabalho de parto muito inseguras, angustiadas e com medo. Percebem que isso pode estar relacionado a fatores como o próprio nascimento (parto da sua mãe) e partos anteriores traumáticos vivenciados pela mulher. A partir daí, foi relatado que a equipe procura compreender e atuar conforme as necessidades, angústias e medos de cada parturiente. Além disso, busca conhecer como foi o pré-natal da parturiente e o quanto ela foi preparada durante a gestação para o parto, se realizou atividades físicas e exercícios que auxiliam no parto.

Neste estudo, também foi destacado que, no momento do trabalho de parto e parto, é necessário dar atenção suficiente para a parturiente a fim de que ela fique mais tranquila, mais calma, evitando deixá-la sozinha e procurando falar mais baixo. Ainda, disseram que é preciso orientar a mulher a relaxar, a se entregar e nunca fazer força além do que ela tiver vontade, para diminuir o risco de laceração vaginal e para que o bebê nasça com mais tranquilidade.

Foi mencionado pelos participantes que o que ajuda a mulher no trabalho de parto é o quanto ela realizou leituras prévias e estudou sobre isso. No entanto, foi relatado que a maioria das mulheres não estuda e não sabe o que vai acontecer no trabalho de parto e parto. Dessa maneira, referiram que ajudar a mulher no CO diz respeito ao acompanhamento dela no trabalho de parto e que a mulher com mais conhecimento sobre esse processo tende a ficar mais tranquila e sabe o que fazer naquele momento; e, nesse caso, o profissional está ali apenas para acompanhá-la.

Segundo os participantes, a maioria das mulheres que vêm preparadas para o trabalho de parto e parto é porque procuraram informação e buscaram preparar o corpo durante a gestação, seja por meio de grupo de gestantes ou práticas esportivas. Contudo, também foi relatado pelos participantes que há mulheres que, mesmo se preparando muito para o parto normal, quando chegam no CO e sentem as contrações, acabam desistindo pelo cansaço; e, nesses casos, muitas mulheres pedem pela cesárea, mas a equipe intervém, explicando o que é melhor para ela e para o bebê e tentam levá-la para o banho ou oferecer a bola de pilates a fim de mantê-la firme no processo.

Uma médica entrevistada relatou que boa parte das mulheres que vem para a maternidade onde trabalha e na qual foi entrevistada não são bem preparadas para o parto, mas ainda assim as considera mais preparadas do que outras que chegam em outros serviços que ela conhece, pois elas sabem que esta maternidade tem a tendência de respeitar as indicações de parto normal e cesárea. Mencionou que algumas parturientes chegam acompanhadas de doulas, mas que são raras as gestantes que fazem um plano de parto. Para ela, é desgastante para a equipe ter de preparar a mulher para o trabalho de parto quando o processo já está acontecendo e lamenta ver uma mulher sofrendo com o trabalho de parto por não ter tido uma preparação para esse momento desde o início da gestação.

A condução do parto quase que exclusivamente pelo profissional médico

Já era pré-estabelecido nos centros obstétricos nos quais este estudo foi realizado que a preferência pela condução dos partos é dos médicos residentes de medicina, buscando sempre ter um médico assistente e um pediatra no momento do parto. Uma das participantes relatou que o médico responsável pelos residentes permanece no hospital quando está de plantão, porém, quando o setor está mais tranquilo, ele se afasta da parturiente e deixa a responsabilidade pela assistência com os médicos residentes.

Quanto ao acompanhamento do trabalho de parto pela equipe de enfermagem, algumas participantes disseram que, muitas vezes, não há esse acompanhamento por falta de tempo dos profissionais de enfermagem. Por outro lado, referiram que, quando se tem apenas um enfermeiro atuando no CO, torna-se praticamente inviável a ele dar uma assistência direta à parturiente durante o trabalho de parto e parto, uma vez que este possui diversas responsabilidades e demandas ao mesmo tempo, tais como assistir as demais parturientes/puérperas e recém-nascidos, atender urgências, coordenar a equipe de enfermagem e cuidar do ambiente como um todo.

Nas maternidades onde o estudo foi realizado, há enfermeiros que conduzem o parto, tendo aqueles que só o fazem nos momentos de ausência do profissional médico no setor, ou quando está ocorrendo mais de um parto ao mesmo tempo. Uma das participantes mencionou que, para o enfermeiro ter uma boa experiência na condução do parto, é necessário que ele esteja acompanhando o processo para adquirir habilidade. Em uma das maternidades, foi relatado pelos participantes que os enfermeiros possuem experiência na condução do parto, o que, para uma das participantes, conta muito para o cuidado. Outra entrevistada relatou ter havido casos nos quais o enfermeiro efetuou toda a condução do trabalho de parto de uma parturiente, e, no momento em que o médico chegou, ele a deixou concluir esse processo, porém teria expressado que, se o médico residente mostrasse interesse na realização do parto, a prioridade seria dele.

Em relação ao número de enfermeiros no CO, nas duas maternidades há apenas um enfermeiro assistencial por turno, sendo este na sua grande maioria enfermeiro obstetra; e, durante o dia, há também uma enfermeira coordenadora da unidade. Uma das participantes acredita que, se houvesse mais enfermeiros no setor, a mulher teria mais suporte e o reforço de tecnologias não invasivas para alívio da dor seria melhor.

Divergências no cuidado

Nos centros obstétricos em tela, ainda se sobrepõe o modelo tecnocrático no qual a área médica é a mais valorizada. Foi mencionado pelos participantes que muitos profissionais médicos não acreditam no trabalho da enfermagem obstétrica. Em contrapartida, ficou evidente no estudo a existência de médicos que concordavam com a opinião dos enfermeiros obstétricos e outros não. Há momentos em que o médico passa orientações contrárias às do enfermeiro obstétrico para a parturiente; e, nesses casos, o enfermeiro procura não contrariar, mas se mantém ao lado da mulher dando suas orientações. Um dos enfermeiros relatou que já houve casos nos quais o médico queria aplicar ocitocina, mas o enfermeiro obstétrico interviu, explicando que não havia necessidade, pois a evolução do parto estava favorável. Ele referiu também que a enfermagem alerta os médicos quanto ao corte tardio do cordão umbilical e explica a importância disso para o recémnascido (RN).

Outra participante destacou que a falta de sistematização da assistência na obstetrícia leva a divergências nas condutas médicas e ao predomínio da subjetividade do profissional médico; e que isso, muitas vezes, é observado pelas próprias mulheres que são assistidas.

Apressando o cuidado ao recém-nascido logo após o nascimento

Para uma das participantes do estudo, o cuidado neonatal inicia durante o trabalho de parto. E, logo após o nascimento, segundo os entrevistados, o tempo que o RN fica com a mãe varia conforme a determinação do médico neonatologista; depois da avaliação desse profissional, o RN volta para o colo da mãe. Assim, foi mencionado que existe, nas maternidades, uma dificuldade em relação ao contato pele a pele, tanto por parte da equipe de enfermagem como por conta da pressão do neonatologista sobre a equipe de enfermagem para que ele possa realizar a avaliação do RN. Quando o neonatologista não está presente, é o enfermeiro obstétrico quem realiza os primeiros cuidados com o RN. Entretanto, foi destacado que, muitas vezes, isso causa sobrecarga de trabalho ao enfermeiro, gerando estresse, que é transmitido ao RN durante o cuidado, pois este é realizado às pressas.

Durante as entrevistas, também foi revelado que a equipe de enfermagem não tem paciência quando, porventura, é preciso ultrapassar o horário de expediente no caso de um nascimento, ou quando há outra mulher para ser atendida durante o plantão. Isso está relacionado ao modelo mecanicista do CO, em que tudo é feito às pressas, como mencionou uma das participantes.

Foi mencionado por uma médica residente participante do estudo que, às vezes, falta tempo para os técnicos de enfermagem estarem ao lado da mulher durante o trabalho de parto, especialmente quando a unidade está com lotação completa. Outro participante complementou que a equipe de enfermagem é treinada, atualizada e atua com qualidade.

É notável, também, que avanços já estão ocorrendo nas maternidades atualmente, e isso fica claro na fala de uma das participantes quando referiu que, na M2, os cuidados com o RN logo após o nascimento foram modificados, sendo postergados procedimentos como a administração de Kanakion e a aplicação de PVPI tópico ocular, para priorizar o contato pele a pele com a mãe.

DISCUSSÃO

Na primeira subcategoria, observou-se que o ambiente do CO é imprevisível e possui uma demanda variável. Em um estudo realizado com puérperas que tiveram seus filhos no CO de um hospital universitário de Pernambuco, questões relacionadas à ambiência do CO foram levantadas, dentre as quais foi destacada a superlotação do setor, que proporcionou uma internação desconfortável(1010 Reis CC, Souza KRF, Alves DS, Tenório IM, Brandão Neto W. Percepção das mulheres sobre a experiência do primeiro parto: implicações para o cuidado de enfermagem. Cienc Enferm. 2017;23(2):45-56. https://doi.org/10.4067/S0717-95532017000200045
https://doi.org/10.4067/S0717-9553201700...
).

Ainda na subcategoria supracitada, a superlotação da maternidade é um fator que interfere na humanização da assistência obstétrica. Observa-se isso em um estudo de abordagem qualitativa realizado em um hospital materno-infantil também em Pernambuco, em que foram entrevistados 22 profissionais de saúde. Alguns justificaram atos de violência no atendimento às mulheres que solicitavam ajuda com o argumento da superlotação da unidade de internação obstétrica e da sobrecarga de trabalho(1111 Gomes GMS, Pereira RCLF, Fernandes FECV, Melo RA. A violência obstétrica na percepção dos profissionais que assistem ao parto. Rev Enferm Atual [Internet]. 2020 [cited 2020 Jun 21];91(29). Available from: https://www.revistaenfermagematual.com.br/index.php/revista/article/view/563/614.
https://www.revistaenfermagematual.com.b...
).

Um fator que deve ser considerado como primordial na humanização da assistência obstétrica é a privacidade da mulher. Em um estudo no qual foram entrevistadas oito enfermeiras obstétricas de uma maternidade de um hospital-escola localizado em uma capital da Região Sul do Brasil, demonstrou-se que a privacidade da mulher, muitas vezes, não foi respeitada devido à presença de residentes, alunos e diversos profissionais de saúde que prestavam assistência à mulher, e isso tem dificultado a criação de vínculo e impedido a privacidade das mulheres(1212 Sarges RC, López LC. A assistência ao parto na perspectiva de enfermeiras obstétricas em uma maternidade pública: desmedicalização e micropolíticas na linguagem de gênero. VRA [Internet]. 2017. [cited 2020 Jun 21];1(48):133-48. Available from: https://periodicos.ufrn.br/vivencia/article/view/11574/8152
https://periodicos.ufrn.br/vivencia/arti...
). Esses resultados são corroborados por aqueles do presente estudo.

O desejo das mulheres em ter um parto normal em um ambiente confortável, privativo e tranquilo foi evidenciado em um estudo realizado na Turquia. Além disso, foi destacada a importância de ter profissionais de saúde que as apoiem e proporcionem segurança e satisfação(1313 Demirci AD, Kabukcuglu K, Haugan G, Aune I. "I want a birth without interventions": women's childbirth experiences from Turkey. Women Birth. 2019;32(6):e515-e522. https://doi.org/10.1016/j.wombi.2018.12.011
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).

Na segunda subcategoria, mostrou-se que as parturientes chegam em trabalho de parto inseguras e amedrontadas ao CO; e, na maioria das vezes, sem preparo para o trabalho de parto e parto. Corroborando essa informação, a pesquisa nacional Nascer no Brasil, de base hospitalar, realizada entre 2011 e 2012, da qual participaram 23.940 puérperas, evidenciou o papel insuficiente da assistência pré-natal em relação ao preparo das gestantes para o parto. As orientações sobre a promoção do parto vaginal apresentaram frequência baixa; em contrapartida, foram priorizadas as orientações sobre sinais de risco, o que reforça o caráter biomédico da assistência(1414 Viellas EF, Domingues RMSM, Dias MAB, Gama SGN, Theme Filha MM, Costa JV, et al. Prenatal care in Brazil. Cad Saúde Pública. 2014;30(Supl.):S85-S100. https://doi.org/10.1590/0102-311X00126013
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).

Nessa perspectiva, em um estudo realizado no CO de um hospital de ensino do Sul do Brasil, destacou-se nas falas de enfermeiras atuantes nesse setor que a humanização deve perpassar por diversas esferas da assistência obstétrica, iniciando-se com o acolhimento da mulher pelos profissionais de saúde, seguido durante a internação de um atendimento respeitoso, cordial e de qualidade, evitando-se intervenções obstétricas desnecessárias que, por vezes, impedem um parto e nascimento fisiológico e seguro para a mãe e seu bebê(1515 Possati AB, Prates LA, Cremonese LSJ, Neumaier AC, Ressel LB. Humanization of childbirth: meanings and perceptions of nurses. Esc Anna Nery. 2017;21(4):e20160366. https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0366
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).

Evidenciou-se que nos centros obstétricos que ocorreu o estudo, a medicina é vista como topo da pirâmide e o trabalho, muitas vezes, ainda é realizado de forma mecanizada, às pressas, sem respeito à individualidade e em um ambiente barulhento (conversas em tom de voz alto).

O presente estudo mostra os enfrentamentos da enfermeira obstétrica no cotidiano assistencial, com a resistência dos médicos obstetras e médicos residentes, perpetuando a cultura institucional e a não adesão às boas práticas obstétricas. Isso porque, nos centros obstétricos em questão, já é pré-estabelecido que a preferência pela condução dos partos é dos médicos residentes, buscando-se sempre ter um médico assistente e um médico neonatologista no momento do parto. Além disso, o estudo também revelou que, dependendo da equipe de plantão, a parturiente terá ou não um acompanhamento positivo no trabalho de parto, e que há plantões nos quais não há preocupação da equipe em dar uma atenção maior à parturiente e melhorar o atendimento.

Em um estudo realizado no município de Volta Redonda, estado do Rio de Janeiro, é o médico obstetra quem atua nos partos realizados no CO de uma maternidade pública nesse local. Segundo os participantes deste estudo que foram membros da equipe de enfermagem desse setor, embora exista a possibilidade da inserção da enfermagem obstétrica na assistência ao parto normal, isso ainda não ocorre, sendo necessário, portanto, que haja incentivo para tanto, já que o enfermeiro obstetra é um profissional voltado para a humanização do parto(1616 Silva RM, Linhares KC, Guimarães SS, Malta MG, Silva ICM. Inserção de enfermeiras obstétricas no atendimento ao parto: percepção da equipe de enfermagem. RIES. 2018;7(1):293-302. https://doi.org/10.33362/ries.v7il.1240
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).

Nem todas as enfermeiras do CO possuíam título de especialista em obstetrícia. Poucas enfermeiras obstétricas assistiam partos de baixo risco, e algumas delas, inclusive, tinham muita dificuldade para se posicionar e não possuíam autonomia. Sendo assim, ter um protocolo de assistência ao parto com o detalhamento das atribuições de cada profissional da equipe do CO, principalmente dos enfermeiros e médicos, poderia ser uma forma de resolução do problema. Também é necessário que ocorra o empoderamento dos enfermeiros do CO da M1.

Além da valorização exacerbada dos profissionais médicos na assistência obstétrica, não há um consenso de condutas adotadas por esses profissionais e por enfermeiras obstétricas, o que foi observado em um estudo etnográfico realizado em três maternidades públicas do estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Uma das enfermeiras obstétricas entrevistadas nesse estudo relatou a falta de homogeneidade nas condutas dos profissionais, o que ocasionou problemas na atuação da equipe e na qualidade da assistência prestada às mulheres(1717 Santos FAPS, Enders BC, Brito RS, Farias PHS, Teixeira GA, Dantas DNA, et al. Autonomia do enfermeiro obstetra na assistência ao parto de risco habitual. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2019;19(2):471-9. https://doi.org/10.1590/1806-93042019000200012
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).

Dados do inquérito nacional realizado entre 2011 e 2012 no Brasil apontam que a assistência obstétrica, ainda era pautada em intervenções desnecessárias, sendo ainda realizadas práticas rotineiras, sem levar em conta o contexto clínico das mulheres e as evidências científicas disponíveis. Os autores destacam a necessidade de mudança do modelo de atenção obstétrica, que é o tecnocrático e que predomina no Brasil. Pensando nessa transformação, a inserção das boas práticas na assistência ao trabalho de parto, parto e nascimento é essencial, visando ao empoderamento das mulheres e à humanização do cuidado em obstetrícia(1818 Leal MDC, Pereira APE, Domingues RMSM, Theme Filha MM, Dias MAB, Nakamura-Pereira M, et al. Obstetric interventions during labor and childbirth in Brazilian low-risk women. Cad Saúde Pública. 2014;30(Supl.):S1-S31. https://doi.org/10.1590/0102-311X00151513
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).

Nessa mesma direção, estudo realizado no Sul do Brasil demonstrou que, além de ainda ocorrerem intervenções desnecessárias na assistência obstétrica, muitas parturientes continuavam não tendo acesso às boas práticas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde para o trabalho de parto e parto(55 Monguilhott JJDC, Brüggemann OM, Freitas PF, d'Orsi E. Nascer no Brasil: the presence of a companion favors the use of best practices in delivery care in the South Region of Brazil. Rev Saúde Públ. 2018;52(1):1-11. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2018052006258
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). A realidade do cenário onde o presente estudo foi realizado não era muito diferente no momento da realização desta pesquisa, embora existissem movimentos em busca de mudanças.

Muitos profissionais de saúde que prestam assistência obstétrica apresentam resistência a um novo modelo de atenção obstétrica. Nos relatos dos médicos de um estudo realizado no Rio de Janeiro, foi observado que a formação acadêmica e profissional do médico é voltada para a realização de vários procedimentos e intervenções, e que, se esses profissionais não se atualizarem e não estiverem dispostos a mudar, acabarão dando continuidade ao modelo de atenção obstétrico tecnocrático medicalizado e intervencionista e dificultarão a mudança para o modelo de atenção humanizada(1919 Nakano AR, Bonan C, Teixeira LA. O trabalho de parto do obstetra: estilo de pensamento e normalização do "parto cesáreo" entre obstetras. Physis. 2017;27(3):415-32. https://doi.org/10.1590/s0103-73312017000300003
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).

Entretanto, sabe-se que as boas práticas só serão de fato implantadas em uma maternidade quando houver estímulo e direcionamento político da instituição para tal. Esse estabelecimento ocorrerá em função da persistência ou não de um modelo de atenção tecnocrático enraizado, em que prevalece a hegemonia médica e se prioriza a formação na residência médica e centrada no profissional, o que seguramente não depende apenas da enfermagem obstétrica.

Neste estudo, o cuidado ao RN logo após o nascimento era realizado às pressas e impedia, muitas vezes, o contato pele a pele com a mãe pelo tempo recomendado. Por outro lado, também se evidenciaram mudanças no processo de trabalho que apontam para um novo modelo de cuidado, ou seja, para o modelo humanizado, que busca postergar alguns procedimentos como a administração de Kanakion, para priorizar o contato pele a pele.

As intervenções obstétricas no RN no pós-parto imediato, na maioria das vezes, são realizadas de forma desnecessária para cumprir uma rotina, sem considerar a demanda clínica das mulheres nem as evidências científicas internacionais, prejudicando, assim, a formação do vínculo afetivo entre a mãe e o RN e a saúde de ambos(1414 Viellas EF, Domingues RMSM, Dias MAB, Gama SGN, Theme Filha MM, Costa JV, et al. Prenatal care in Brazil. Cad Saúde Pública. 2014;30(Supl.):S85-S100. https://doi.org/10.1590/0102-311X00126013
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,1616 Silva RM, Linhares KC, Guimarães SS, Malta MG, Silva ICM. Inserção de enfermeiras obstétricas no atendimento ao parto: percepção da equipe de enfermagem. RIES. 2018;7(1):293-302. https://doi.org/10.33362/ries.v7il.1240
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,2020 Sampaio ARR, Bousquat A, Barros C. Skin-to-skin contact at birth: a challenge for promoting breastfeeding in a "Baby Friendly" public maternity hospital in Northeast Brazil. Epidemiol Serv Saúde. 2016;52(2):281-90. https://doi.org/10.5123/S1679-49742016000200007
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) .

A síntese deste estudo revela que o modelo tecnocrático ainda predominante na assistência obstétrica brasileira - com suas características intervencionistas, centrado na hegemonia do profissional médico, na sobrecarga de trabalho, superlotação do setor e pressa ao realizar o cuidado - vai contra os princípios de humanização da assistência obstétrica, pois favorece atos de violência no atendimento às mulheres, ou seja, a falta de cuidado. Além disso, também demonstra que a contra-hegemonia ainda precisa ser exercida e fortalecida por meio do movimento feminista, no qual é imprescindível o engajamento efetivo das mulheres em geral e dos enfermeiros obstétricos em prol da mudança do modelo tecnocrático para o modelo de atenção humanizado e centrado na mulher.

Sendo assim, pressupõe-se que a força que domina acaba sendo aceita como orientação intelectual e norma de conduta, de maneira que “para os grupos sociais subalternos se emanciparem e construírem a sua hegemonia, Gramsci afirma ser necessário um processo de identificação, cisão e superação. Uma reforma intelectual e moral que é, ao mesmo tempo, um movimento molecular, complexo, difícil e violento”(66 Dore R, Souza HG. Gramsci nunca mencionou o conceito de contra-hegemonia. Cad Pesqui. 2018;25(3):243-60. https://doi.org/10.18764/2178-2229.v25n3p243-260
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).

Limitações do estudo

Destaca-se como limitação deste estudo a não inclusão de técnicos e auxiliares de enfermagem como participantes do estudo, uma vez que estes também atuam no CO. Contudo, como esta pesquisa foi realizada com diversos profissionais de nível superior e em maternidades diferentes, permitiu-se variabilidade nas características dos dados; e a quantidade e qualidade dos dados possibilitaram a realização de uma análise qualitativa relevante.

Contribuições para a área de enfermagem, saúde ou política pública

O estudo contribui para repensar o atual modelo de atenção tecnocrático e a sua transição para o modelo de cuidado humanizado, ou seja, um cuidado de qualidade, do qual os enfermeiros obstétricos devem ser os gestores e protagonistas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas maternidades em questão, a prevalência e a persistência do modelo de atenção tecnocrático ainda ocorrem por diversas razões, entre as quais destacam-se: a assistência realizada de forma mecanizada e centrada nos profissionais; o modo apressado de realizar a assistência, especialmente os cuidados com o RN logo após o nascimento; a falta de preparo das parturientes para o trabalho de parto e parto e a falta de privacidade delas; a condução dos partos quase que exclusivamente pelos médicos; a falta de sistematização da assistência, que faz com que as condutas sejam subjetivas e divergentes entre os profissionais médicos e o subdimensionamento do pessoal de enfermagem, sobretudo de enfermeiros.

Dessa maneira, o estudo mostra que a assistência ao parto ainda é centrada nos médicos e que estes, muitas vezes, realizam a assistência com intervenções desnecessárias. O trabalho no CO ainda não é feito de modo interprofissional. Nessa direção, a atenção obstétrica brasileira ainda carece de maiores avanços nesta luta relacionada ao modelo de atenção, à mudança de paradigma, na relação entre os profissionais de saúde. Também são necessários esclarecimentos e reflexões mais profundas rumo ao modelo de cuidado humanizado, o qual envolve ternura, compaixão, empatia e afeto.

Diante dos resultados deste estudo, torna-se um imperativo ético que os enfermeiros obstétricos revejam a sua atuação nos centros obstétricos, a organização interna e o dimensionamento dos profissionais de enfermagem nesses ambientes de cuidado, visando assumir o protagonismo da assistência em vez de esperar que a equipe médica e gestores reconheçam as suas competências. Da mesma forma, é preciso investir na sensibilização e formação acadêmica de todos os profissionais da área da obstetrícia e na atualização do conhecimento deles, com base em evidências científicas e no cuidado centrado no usuário.

  • FOMENTO
    Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento do Macroprojeto Processo nº 462049/2014-0; à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina e pela bolsa concedida durante o mestrado.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Fátima Helena Espírito Santo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    26 Jul 2020
  • Aceito
    01 Nov 2020
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