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Projeto K: Kapacitar para uma transição segura hospital-comunidade

RESUMO

Objetivo:

Definir o processo de transição segura do hospital para a comunidade da pessoa com doença mental crônica e sua família.

Método:

Este é um estudo de investigação-ação, inserido no paradigma construtivista. Teve como participantes os enfermeiros de um serviço de psiquiatria e dos cuidados de saúde primários.

Resultados:

Após a identificação das causas da fragmentação da continuidade, emergiram do discurso dos participantes: a) duas categorias de critérios para a transição segura (os associados à condição de saúde, ao grau de dependência e à capacidade de autocuidado do cliente e os associados ao conhecimento e ao nível de competência do cuidador informal); b) o desenho de um algoritmo para facilitar a tomada de decisão clínica.

Considerações finais:

Para promover a adesão ao regime terapêutico na transição hospital-comunidade, o projeto terapêutico tem de incluir a pessoa e a sua família e melhorar as redes de comunicação e suporte entre níveis de cuidado.

Descritores:
Saúde Mental; Enfermagem; Continuidade da Assistência ao Paciente; Adesão à Medicação; Cuidadores

ABSTRACT

Objective:

To define the safe transition process from hospital to community of patients with chronic mental disorders and their families.

Method:

This was an action research study included in the constructivist paradigm. The participants in the study were nurses from a psychiatry service and from primary healthcare services.

Results:

After the identification of causes of continuity fragmentation, the following items emerged from the participants’ speeches: a) two criteria categories for safe transition (those associated with health status, dependence level, and self-care capacity of patients, and those associated with knowledge and competence level of informal caregivers); b) the design of an algorithm to facilitate clinical decision-making.

Final considerations:

In order to promote adherence to therapeutic treatment in the hospital-community transition, treatment plans must include patients and their families, and improve communication networks and support among care levels.

Descriptors:
Mental Health; Nursing; Continuity to Patient Care; Medication Adherence; Caregivers

RESUMEN

Objetivo:

Definir el proceso de transición segura del hospital a la comunidad de la persona con enfermedad mental crónica y su familia.

Método:

Estudio de investigación-acción, inserto en el paradigma constructivista. Participaron los enfermeros de un servicio de psiquiatría y de atención primaria de salud.

Resultados:

Luego de identificarse las causas de fragmentación de la continuidad, surgieron del discurso de los participantes: a) Dos categorías de criterios para la transición segura (los asociados a condición de salud, grado de dependencia y capacidad de autocuidado del paciente, y los asociados al conocimiento y nivel de competencia del cuidador informal); b) El diseño de un algoritmo para facilitar la toma de decisión clínica.

Consideraciones finales:

Para estimular la adhesión al régimen terapéutico en la transición hospital-comunidad, el proyecto terapéutico debe incluir a la persona y a su familia, y mejorar las redes de comunicación y soporte entre niveles de cuidado.

Descriptores:
Salud Mental; Enfermería; Continuidad de la Atención al Paciente; Cumplimiento de la Medicación; Cuidadores

INTRODUÇÃO

As orientações para a alta hospitalar visam ao cumprimento da terapêutica proposta pela equipe de saúde desde a internação até o domicílio(11 Pereira SK, Santana RF, Morais VSC, Soares TS, Silva DM. Discharge planning in post-operative of elderly: multiple cases study. Rev Pesqui: Cuid Fundam[Internet]. 2016[cited 2018 Mar 02];8(4):4949-55. Available from: http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2016.v8i4.4949-4955
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). Todavia, a transição do hospital para a comunidade nem sempre é feita em segurança e com a garantia de que a pessoa e a sua família vão ter apoio e suporte para as necessidades sentidas no regresso a casa. Esta é uma realidade para todas as pessoas com dependência no autocuidado, alterações cognitivas e/ou perda de autonomia(11 Pereira SK, Santana RF, Morais VSC, Soares TS, Silva DM. Discharge planning in post-operative of elderly: multiple cases study. Rev Pesqui: Cuid Fundam[Internet]. 2016[cited 2018 Mar 02];8(4):4949-55. Available from: http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2016.v8i4.4949-4955
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2 Ibanez G, Mercedes BPC, Vedana KGG, Miasso AI. Adherence and difficulties related to drug treatment in patients with depression. Rev Bras Enferm[Internet]. 2014[cited 2018 Mar 07];67(4):556-62. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2014670409
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2014...

3 Mata LRF, Napoleão AA. Nursing interventions for patients discharged from prostatectomy: an integrative review. Acta Paul Enferm[Internet]. 2010[cited 2018 Feb 27];23(4):574-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v23n4/en_21.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ape/v23n4/en_21...
-44 Mendes F, Gemito MLP, Parreirinha C, Cladeira EC, Serra IC, Casas-Novas MV. Continuity of care from the perspective of users. Ciência Saúde Colet[Internet]. 2017[cited 2018 Feb 27];22(3):841-53. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017223.26292015
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).

No caso da pessoa com doença do foro mental, a garantia da continuidade do cuidado é premente, porque esta raramente consegue garantir a continuidade de cuidados por si, seja pelo risco de fragilidade, pelas dificuldades associadas à dependência para o autocuidado, seja pela falta de autonomia.

Os próprios cuidadores (familiares ou cuidadores informais) confrontam-se com essas dificuldades associadas ao embaraço da não compreensão da doença e da incapacidade na execução das orientações associadas às demais limitações(11 Pereira SK, Santana RF, Morais VSC, Soares TS, Silva DM. Discharge planning in post-operative of elderly: multiple cases study. Rev Pesqui: Cuid Fundam[Internet]. 2016[cited 2018 Mar 02];8(4):4949-55. Available from: http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2016.v8i4.4949-4955
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).

É consensual que os enfermeiros têm um papel fundamental na escolha de intervenções apropriadas que garantam a continuidade dos cuidados, entre o hospital e a comunidade. O planejamento antecipado e adequado do regresso a casa minimiza os efeitos colaterais e as incapacidades secundárias à doença e à medicação, promove o conhecimento e as habilidades para o enfrentamento adaptativo do transtorno e possibilita incluir a família como alvo e parceira no cuidado(22 Ibanez G, Mercedes BPC, Vedana KGG, Miasso AI. Adherence and difficulties related to drug treatment in patients with depression. Rev Bras Enferm[Internet]. 2014[cited 2018 Mar 07];67(4):556-62. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2014670409
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).

Em diferentes áreas, o planejamento da alta continua problemático, com dificuldades em garantir a efetividade da continuidade de cuidados. Alguns autores referem que questões, como o tempo despendido nesta atividade, a metodologia, as dificuldades de comunicação entre os profissionais de saúde, a não avaliação da efetividade da intervenção(11 Pereira SK, Santana RF, Morais VSC, Soares TS, Silva DM. Discharge planning in post-operative of elderly: multiple cases study. Rev Pesqui: Cuid Fundam[Internet]. 2016[cited 2018 Mar 02];8(4):4949-55. Available from: http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2016.v8i4.4949-4955
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,33 Mata LRF, Napoleão AA. Nursing interventions for patients discharged from prostatectomy: an integrative review. Acta Paul Enferm[Internet]. 2010[cited 2018 Feb 27];23(4):574-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v23n4/en_21.pdf
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), a falta de registro e a não sistematização da mesma, colaboram para a sua invisibilidade no exercício da profissão, contribuindo para as lacunas no planejamento da alta(11 Pereira SK, Santana RF, Morais VSC, Soares TS, Silva DM. Discharge planning in post-operative of elderly: multiple cases study. Rev Pesqui: Cuid Fundam[Internet]. 2016[cited 2018 Mar 02];8(4):4949-55. Available from: http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2016.v8i4.4949-4955
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) e subsequente transição segura e informada entre diferentes contextos de cuidados.

Um estudo recente conclui mesmo que a partilha de informação entre os serviços de saúde, em Portugal, é inexistente ou escassa(44 Mendes F, Gemito MLP, Parreirinha C, Cladeira EC, Serra IC, Casas-Novas MV. Continuity of care from the perspective of users. Ciência Saúde Colet[Internet]. 2017[cited 2018 Feb 27];22(3):841-53. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017223.26292015
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), com implicações claras na qualidade dos serviços prestados à população.

Na área da saúde mental, os investigadores alertam que o seguimento adequado da prescrição medicamentosa é necessário para se obterem benefícios clínicos e reduzir os riscos de recaída ou recorrência da doença mental(22 Ibanez G, Mercedes BPC, Vedana KGG, Miasso AI. Adherence and difficulties related to drug treatment in patients with depression. Rev Bras Enferm[Internet]. 2014[cited 2018 Mar 07];67(4):556-62. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2014670409
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). Uma ilustração dessa realidade é a toma de antidepressivos e antipsicóticos com metade das pessoas com doença mental a interromper o tratamento nos primeiros seis meses da prescrição da terapêutica medicamentosa(55 Párraga Martinez I, Lopez-Torres Hidalgo J, Del Campo Del Campo JM, Villena Ferrer A, Morena Rayo S, Rabadan F, et al. Adherence to patients antidepressant treatment and the factors associated of non-compiance. Aten Primaria[Internet]. 2014[cited 2018 Mar 05]:S0212-6567(13)00308-9. Available from: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0212-6567(13)00308-9
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6 García S, Martínez-Cengotitabengoa M, López-Zurbano S, Zorrilla I, López P, Vieta E, et al. Adherence to antipsychotic medication in bipolar disorder and schizophrenic patients: a systematic review. J Clin Psychopharmacol[Internet]. 2016[cited 2018 Feb 28];36(4):355-71. Available from: http://dx.doi.org/10.1097/JCP.0000000000000523
http://dx.doi.org/10.1097/JCP.0000000000...

7 El-Mallakh P, Findlay J. Strategies to improve medication adherence in patients with schizophrenia: the role of support services. Neuropsychiatric Dis Treat[Internet]. 2015[cited 2018 Mar 05];11:1077-90. Available from: https://doi.org/10.2147/NDT.S56107
https://doi.org/10.2147/NDT.S56107...
-88 Chakrabarti S. What’s in a name? compliance, adherence and concordance in chronic psychiatric disorders. World J Psychiatr[Internet]. 2014[cited 2018 Feb 28];4(2):30-6. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4087153/pdf/WJP-4-30.pdf
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) ou então a fazê-lo de forma inconsistente(22 Ibanez G, Mercedes BPC, Vedana KGG, Miasso AI. Adherence and difficulties related to drug treatment in patients with depression. Rev Bras Enferm[Internet]. 2014[cited 2018 Mar 07];67(4):556-62. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2014670409
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). Esse fenômeno representa um problema particularmente grave no que diz respeito às doenças crônicas psiquiátricas, cujas taxas de adesão ao tratamento são ainda menores do que em outras patologias(66 García S, Martínez-Cengotitabengoa M, López-Zurbano S, Zorrilla I, López P, Vieta E, et al. Adherence to antipsychotic medication in bipolar disorder and schizophrenic patients: a systematic review. J Clin Psychopharmacol[Internet]. 2016[cited 2018 Feb 28];36(4):355-71. Available from: http://dx.doi.org/10.1097/JCP.0000000000000523
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).

A não adesão à medicação inclui uma gama de comportamentos, de recusa de tratamento para um uso irregular, alteração parcial da medicação diária(88 Chakrabarti S. What’s in a name? compliance, adherence and concordance in chronic psychiatric disorders. World J Psychiatr[Internet]. 2014[cited 2018 Feb 28];4(2):30-6. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4087153/pdf/WJP-4-30.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
-99 Higashi K, Medic G, Littlewood KJ, Diez T, Granström O, De Hert M. Medication adherence in schizophrenia: factors influencing adherence and consequences of nonadherence, a systematic literature review. Ther Adv Psychopharmacol[Internet]. 2013[cited 2018 Mar 17];3(4):200-218. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3805432/pdf/10.1177_2045125312474019.pdf
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) ou interrupções regulares da mesma(66 García S, Martínez-Cengotitabengoa M, López-Zurbano S, Zorrilla I, López P, Vieta E, et al. Adherence to antipsychotic medication in bipolar disorder and schizophrenic patients: a systematic review. J Clin Psychopharmacol[Internet]. 2016[cited 2018 Feb 28];36(4):355-71. Available from: http://dx.doi.org/10.1097/JCP.0000000000000523
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,99 Higashi K, Medic G, Littlewood KJ, Diez T, Granström O, De Hert M. Medication adherence in schizophrenia: factors influencing adherence and consequences of nonadherence, a systematic literature review. Ther Adv Psychopharmacol[Internet]. 2013[cited 2018 Mar 17];3(4):200-218. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3805432/pdf/10.1177_2045125312474019.pdf
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).

Os fatores potenciais de não adesão podem estar relacionados com a atitude face à doença e os comportamentos do indivíduo na sua gestão, o conhecimento sobre a doença, a gravidade dos sinais e sintomas, as comorbilidades, o funcionamento cognitivo, a relação com a medicação(66 García S, Martínez-Cengotitabengoa M, López-Zurbano S, Zorrilla I, López P, Vieta E, et al. Adherence to antipsychotic medication in bipolar disorder and schizophrenic patients: a systematic review. J Clin Psychopharmacol[Internet]. 2016[cited 2018 Feb 28];36(4):355-71. Available from: http://dx.doi.org/10.1097/JCP.0000000000000523
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,99 Higashi K, Medic G, Littlewood KJ, Diez T, Granström O, De Hert M. Medication adherence in schizophrenia: factors influencing adherence and consequences of nonadherence, a systematic literature review. Ther Adv Psychopharmacol[Internet]. 2013[cited 2018 Mar 17];3(4):200-218. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3805432/pdf/10.1177_2045125312474019.pdf
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-1010 Kane JM, Kishimoto T, Correll CU. Non-adherence to medication in patients with psychotic disorders: epidemiology, contributing factors and management strategies. World Psychiatry[Internet]. 2013[cited 2018 Feb 28];12(3):216-26. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24096780
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), o tratamento, as características pessoais, os fatores ambientais externos(99 Higashi K, Medic G, Littlewood KJ, Diez T, Granström O, De Hert M. Medication adherence in schizophrenia: factors influencing adherence and consequences of nonadherence, a systematic literature review. Ther Adv Psychopharmacol[Internet]. 2013[cited 2018 Mar 17];3(4):200-218. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3805432/pdf/10.1177_2045125312474019.pdf
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), as atitudes em relação à medicação, bem como as experiências passadas com a sua doença e o tratamento(1010 Kane JM, Kishimoto T, Correll CU. Non-adherence to medication in patients with psychotic disorders: epidemiology, contributing factors and management strategies. World Psychiatry[Internet]. 2013[cited 2018 Feb 28];12(3):216-26. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24096780
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) ou mesmo o suporte terapêutico. Em particular, os riscos percebidos e os benefícios do tratamento e da doença (ou seja, “doença insight “) desempenham um papel importante na adesão(1010 Kane JM, Kishimoto T, Correll CU. Non-adherence to medication in patients with psychotic disorders: epidemiology, contributing factors and management strategies. World Psychiatry[Internet]. 2013[cited 2018 Feb 28];12(3):216-26. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24096780
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2409...
).

Algumas características sociodemográficas têm sido descritas como determinantes da não adesão, tais como o início do tratamento inaugural, a idade mais jovem no início da doença, a dependência de álcool e outras drogas ilícitas, a falta de moradia, baixos níveis de envolvimento em atividades sociais, habitação independente e restrições financeiras com a consequente incapacidade de pagar a medicação(77 El-Mallakh P, Findlay J. Strategies to improve medication adherence in patients with schizophrenia: the role of support services. Neuropsychiatric Dis Treat[Internet]. 2015[cited 2018 Mar 05];11:1077-90. Available from: https://doi.org/10.2147/NDT.S56107
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,1010 Kane JM, Kishimoto T, Correll CU. Non-adherence to medication in patients with psychotic disorders: epidemiology, contributing factors and management strategies. World Psychiatry[Internet]. 2013[cited 2018 Feb 28];12(3):216-26. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24096780
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2409...
).

As dificuldades na adesão ao regime terapêutico prescrito têm um efeito negativo sobre o resultado da doença, aumentam as taxas de recorrência e hospitalização, agravam os sinais e sintomas, e aumentam os custos hospitalares(22 Ibanez G, Mercedes BPC, Vedana KGG, Miasso AI. Adherence and difficulties related to drug treatment in patients with depression. Rev Bras Enferm[Internet]. 2014[cited 2018 Mar 07];67(4):556-62. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2014670409
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,66 García S, Martínez-Cengotitabengoa M, López-Zurbano S, Zorrilla I, López P, Vieta E, et al. Adherence to antipsychotic medication in bipolar disorder and schizophrenic patients: a systematic review. J Clin Psychopharmacol[Internet]. 2016[cited 2018 Feb 28];36(4):355-71. Available from: http://dx.doi.org/10.1097/JCP.0000000000000523
http://dx.doi.org/10.1097/JCP.0000000000...
-77 El-Mallakh P, Findlay J. Strategies to improve medication adherence in patients with schizophrenia: the role of support services. Neuropsychiatric Dis Treat[Internet]. 2015[cited 2018 Mar 05];11:1077-90. Available from: https://doi.org/10.2147/NDT.S56107
https://doi.org/10.2147/NDT.S56107...
,99 Higashi K, Medic G, Littlewood KJ, Diez T, Granström O, De Hert M. Medication adherence in schizophrenia: factors influencing adherence and consequences of nonadherence, a systematic literature review. Ther Adv Psychopharmacol[Internet]. 2013[cited 2018 Mar 17];3(4):200-218. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3805432/pdf/10.1177_2045125312474019.pdf
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).

A questão da não ou incorreta adesão é particularmente importante nos primeiros estágios da doença mental grave, dado que o não tratamento é crítico para o prognóstico e a qualidade de vida destas pessoas(66 García S, Martínez-Cengotitabengoa M, López-Zurbano S, Zorrilla I, López P, Vieta E, et al. Adherence to antipsychotic medication in bipolar disorder and schizophrenic patients: a systematic review. J Clin Psychopharmacol[Internet]. 2016[cited 2018 Feb 28];36(4):355-71. Available from: http://dx.doi.org/10.1097/JCP.0000000000000523
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).

O envolvimento da família é indispensável para a manutenção do cuidado e ressocialização da pessoa com doença mental. Da mesma forma que afeta e/ou influencia o indivíduo, ela também é influenciada e afetada por ele(1111 Nascimento KC, Kolhs M, Mella S, Berra E, Olschowsky A, Guimarães AN. The family challenge in for people care suffering from mental disorder. Rev Enferm UFPE[Internet]. 2016[cited 2018 Mar 07];10(3):940-8. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/viewFile/11044/12449
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), o que justifica que a família de pessoas com doença mental seja preparada antecipadamente para o regresso do seu familiar a casa.

A família desenvolve ações no sentido de manter o autocuidado, incentivar, estar presente, ser suporte seguro e confiável(1111 Nascimento KC, Kolhs M, Mella S, Berra E, Olschowsky A, Guimarães AN. The family challenge in for people care suffering from mental disorder. Rev Enferm UFPE[Internet]. 2016[cited 2018 Mar 07];10(3):940-8. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/viewFile/11044/12449
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).

Embora os enfermeiros adotem a função de coordenar o processo de planejamento do regresso a casa, na prática, as orientações redigidas e fornecidas à pessoa em situação de doença e aos seus familiares, especialmente ao cuidador familiar, têm sido diminutas para garantir esta continuidade do cuidado(11 Pereira SK, Santana RF, Morais VSC, Soares TS, Silva DM. Discharge planning in post-operative of elderly: multiple cases study. Rev Pesqui: Cuid Fundam[Internet]. 2016[cited 2018 Mar 02];8(4):4949-55. Available from: http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2016.v8i4.4949-4955
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) e, na sua maioria, fornecidas pela equipe médica(33 Mata LRF, Napoleão AA. Nursing interventions for patients discharged from prostatectomy: an integrative review. Acta Paul Enferm[Internet]. 2010[cited 2018 Feb 27];23(4):574-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v23n4/en_21.pdf
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).

Além da medicação, a pessoa precisa conhecer e ter competências para gerir outros elementos relacionados com a sua doença, nomeadamente o tratamento, a gestão dos sintomas e o estilo de vida saudável, entre outros(22 Ibanez G, Mercedes BPC, Vedana KGG, Miasso AI. Adherence and difficulties related to drug treatment in patients with depression. Rev Bras Enferm[Internet]. 2014[cited 2018 Mar 07];67(4):556-62. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2014670409
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).

Cabe aos enfermeiros a responsabilidade de assegurar que tanto a pessoa em situação de doença como a família, especialmente o cuidador, saiam do hospital suficientemente preparadas e apoiadas, o que se consegue por meio de uma melhor articulação e comunicação entre profissionais, clientes, cuidadores e serviços de saúde(1212 Weber LAF, Lima MADS, Acosta AM, Marques GQ. Care transition from hospital to home: integrative review. Cogitare Enferm[Internet]. 2017[cited 2018 Mar 07];22(3):e47615. Available from: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v22i3.47615
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).

OBJETIVO

Definir o processo de transição segura, do hospital para a comunidade, da pessoa com doença mental crônica e sua família, tendo em vista a promoção e manutenção da adesão ao regime terapêutico.

MÉTODO

Aspectos éticos

O estudo teve início após o parecer positivo das três instituições envolvidas e foi consumado pela assinatura de um protocolo de parceria. Para assegurar o anonimato e a confidencialidade dos dados, os investigadores que colheram dados na comunidade e no hospital codificaram os dados da observação (O), das Entrevistas (E) e dos Registos (R), sem identificarem os clientes e suas famílias.

As Instituições autorizaram o estudo em parceria com a Escola Superior de Enfermagem de Lisboa enquanto instituição aglutinadora.

Tipo de estudo

Este estudo de abordagem qualitativa, inserido no paradigma construtivista, decorreu nos anos de 2015 a 2017, envolvendo investigadores de uma instituição de ensino superior e enfermeiros de um serviço de psiquiatria de um hospital e do agrupamento de centros de saúde da área de abrangência do hospital, num total de 38 profissionais.

A opção metodológica recaiu sobre a investigação-ação, pela flexibilidade como método participativo de investigação, com envolvimento da praxis, permitindo a interação entre o investigador e os sujeitos da pesquisa, ou seja, entre o saber formal e o saber informal, entre a teoria e a prática(1313 Silva JC, Morais ER, Figueiredo MLF, Tyrrell MAR. Action research: concepts and applicability in Nursing studies. Rev Bras Enferm[Internet]. 2011[cited 2018 Mar 08];64(3):592-5. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672011000300026
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), potencializando as qualidades e capacidades individuais dos participantes.

Partiu-se do pressuposto de que o método científico deve ser usado para promover a resolução de problemas, melhorar o conhecimento e transladar rapidamente o mesmo para os consumidores finais (profissionais de saúde) e para os beneficiários (clientes dos cuidados de saúde)(1414 Baixinho CL, Ferreira Ó, Marques FM, Presado MH, Cardoso M. Transição segura: um projeto da transferência do conhecimento para a prática clínica. In: Costa AP, Sánches-Gómez MC, Cilleros MVM. A prática na Investigação Qualitativa: exemplos de estudos. Oliveira de Azeméis: Ludomédia, 2017; pp.57-80.). A investigação-ação foi a escolha de eleição porque é um processo dinâmico que possibilita combinar o processo de colheita de dados com a análise, a reflexão e a ação para a mudança das práticas clínicas promovendo a translação do conhecimento.

Os autores reforçam como características fundamentais deste método: a procura de soluções para problemas da prática; o trabalho colaborativo de profissionais e investigadores; a mudança e o desenvolvimento de teoria(1515 Streubet HJ, Carpenter DR. Investigação Qualitativa em Enfermagem: avançando o imperativo humanista. 5ª ed. Loures: Lusociência; 2013.).

Procedimentos metodológicos

A partir da questão “Como garantir a transição segura, do hospital para a comunidade, da pessoa com doença mental e sua família?”, procedeu-se à colheita de dados a qual foi efetuada por meio de observação participante, entrevistas semiestruturadas, consulta aos processos clínicos e às notas efetuadas pelos profissionais das instituições, reuniões de equipe com a presença dos investigadores e profissionais de ambos os contextos de prática clínica.

Este estudo está inserido num projeto mais abrangente denominado de “Transição Segura do hospital para a comunidade”, o qual engloba intervenções de enfermagem a outros tipos de clientes dos cuidados de saúde/enfermagem e inclui as fases de identificação do problema, planejamento, tratamento e análise de dados, ação e avaliação. Neste artigo, apresentamos os resultados das três primeiras etapas do processo de investigação relativas ao projeto K: Kapacitar.

As reuniões com todos os intervenientes foram fundamentais para a partilha de informação e para clarificar o hiato entre o discurso oral e as práticas do dia a dia, aproximar o saber formal do saber informal e estabelecer a comunicação entre os dois universos culturais: o dos especialistas e o dos generalistas participantes(1313 Silva JC, Morais ER, Figueiredo MLF, Tyrrell MAR. Action research: concepts and applicability in Nursing studies. Rev Bras Enferm[Internet]. 2011[cited 2018 Mar 08];64(3):592-5. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672011000300026
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), tendo em vista a tomada de decisão sobre como garantir que o planejamento da alta previsse a continuidade de cuidados, (re)centrando o grupo na questão central da investigação.

Fonte de dados

Os participantes do estudo foram os enfermeiros do hospital e do agrupamento de centros de saúde da área de abrangência do hospital.

Coleta e organização dos dados

Os dados coletados foram registrados num diário de bordo. A diversidade de técnicas e fontes facilitou o trabalho indutivo, porque trouxe a perspectiva dos diferentes intervenientes no processo, enriquecendo a interpretação e guiando o surgir de novas questões e soluções para desvelar a complexidade do fenômeno em estudo.

Análise dos dados

A observação participante foi efetuada nos contextos hospitalar e comunitário por dois investigadores. O resultado das entrevistas aos profissionais orientou a observação, as questões que foram colocadas nos momentos de presença e o registro das interações no diário de bordo.

As entrevistas não foram gravadas, tendo os investigadores presentes no “terreno” registrado os momentos de interação com os profissionais(1515 Streubet HJ, Carpenter DR. Investigação Qualitativa em Enfermagem: avançando o imperativo humanista. 5ª ed. Loures: Lusociência; 2013.). Os dados foram ordenados, classificados e analisados para a obtenção de respostas à questão de investigação.

RESULTADOS

As reuniões de discussão sobre as práticas possibilitaram o diagnóstico da situação. A determinação das dificuldades e oportunidades para a transição segura, com discussão entre os enfermeiros da comunidade e do hospital, propiciou a explicitação do modelo em uso, dos constrangimentos organizacionais, das dificuldades de comunicação e de circulação da informação entre os dois níveis de cuidados, bem como a percepção de que muitas pessoas com doença mental não eram acompanhadas após alta clínica, quando do regresso a casa, por falta de referenciação aos profissionais dos cuidados de saúde primários.

Salientamos, da fase de identificação do problema, a questão do envio da carta de alta hospitalar e a constatação de que esta não é eficaz para garantir a continuidade de cuidados:

A carta de alta nem sempre nos chega ao centro de saúde, ela é entregue em mão ao doente e sua família [...] às vezes não tem condições económicas para se deslocarem, outras o estigma social da doença é tão elevado que se sentem envergonhados com esta, o que dificulta o pedir ajuda [...] há doentes que por experiências anteriores negativas não querem apoio do enfermeiro da comunidade. (E37)

A falta de um instrumento que prediga o risco de não adesão foi outra adversidade identificada para a descontinuidade no cuidado:

No processo clínico temos muitos dados daquele doente, mas como adivinhar o comportamento de adesão após a alta? [...] os próprios doentes mentem sobre a toma. (E4)

Para as úlceras de pressão há uma forma mais objetiva de ver qual o risco de desenvolvimento e isso orienta o colega da comunidade. No caso da doença mental não estamos habituados a avaliar o risco da não adesão, já utilizamos a escala de MARS, mas no momento de desligar do hospital, esquecemo-nos que o seu preenchimento pode guiar a intervenção do colega da comunidade. (R13)

Na análise do discurso dos participantes, identificaram-se ainda como dificuldades no processo: 1) a falta de organização, sistematização e disseminação das boas práticas nos diferentes serviços; 2) a não estruturação do ensino a efetuar à pessoa com doença mental e cuidador familiar em três áreas-chave: compreensão da terapêutica, realização das atividades de vida diária e capacitação do cuidador familiar; e 3) as dificuldades na comunicação e transição da informação para a continuidade de cuidados entre hospital e comunidade, sem definição do conteúdo e do circuito da informação.

De salientar que os profissionais observaram algumas dificuldades autopercepcionadas pela própria pessoa e família que determinam o insucesso da transição segura, destacando-se: o baixo nível de literacia; a baixa adesão dos cuidadores familiares à formação no hospital e nos cuidados de saúde primários; e as barreiras à mudança por parte dos profissionais de saúde.

Na fase de planejamento da resolução dos problemas identificados, a análise das notas escritas pelos enfermeiros e os dados coletados nas reuniões da equipe permitiram o despontar dos critérios para a continuidade de cuidados.

A discussão de casos clínicos de reinternações hospitalares por não adesão à terapêutica facultou à equipe um momento ímpar de reflexão sobre a sua própria prática, clarificando e motivando para a mudança dessas práticas.

Na análise de conteúdo do discurso e dos registros dos enfermeiros, emergem duas grandes categorias relacionadas com os critérios para a continuidade de cuidados: os associados à pessoa com doença mental e os determinados pelo conhecimento e competência do cuidador familiar. No Quadro 1, apresentam-se as subcategorias e as unidades de enumeração (UE) de cada categoria.

Quadro 1
Critérios para a continuidade de cuidados da pessoa com doença mental e sua família, Vila Franca de Xira, Portugal, 2017

Discernido o problema, o primeiro passo para a mudança foi o planejamento do processo de transição segura com a determinação dos critérios de elegibilidade das pessoas em situação de doença e suas famílias, para se garantir a continuidade de cuidados.

Os participantes determinaram que, numa primeira fase, a prioridade para garantir a continuidade de cuidados, de acordo com o problema, e tendo em conta a disponibilidade de recursos humanos na comunidade e as redes de suporte comunitárias existentes, garantindo equidade e justiça, seriam as pessoas com doença mental e suas famílias com: Insight parcial ou ausente da pessoa com doença mental grave (foro psicótico) e/ou do cuidador familiar; Dinâmicas familiares disfuncionais (conflitos/relações abusivas/níveis de emoção expressa); Falta de recursos/estruturas de apoio da pessoa/família; Fraca rede de suporte social e familiar das pessoas com doença mental grave.

Acordou-se ainda a utilização de instrumento de avaliação e predição da não adesão. A opção negociada entre investigadores e clínicos recaiu sobre a Escala de MARS (Medication Adherence Rating Scale), dado que os enfermeiros do hospital já a utilizavam e o instrumento validado para a população portuguesa, em 2011, havia demonstrado que a escala de autopreenchimento é de fácil e rápida administração, com aplicabilidade e fiabilidade satisfatórias(1616 Vanelli I, Chendo I, Gois C, Santos J, Levy P. Medication adherence rating scale. Acta Med Port [Internet]. 2011[cited 2018 Mar 08];24:17-20. Available from: http://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/view/348/118
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).

Para garantir a transição segura e acompanhada do binómio pessoa/família, houve necessidade de desenhar um algoritmo que facilitasse a tomada de decisão e onde, a partir da evidência, graficamente se recriasse o circuito de intervenção, informação e comunicação entre os dois contextos de cuidados (Figura 1). A utilização de algoritmos na prática clínica promove uma aprendizagem e interiorização mais rápida, permite a introdução da evidência na prática clínica de modo mais célere e uniforme e facilita a definição das estratégias particulares a serem introduzidas nos sistemas informáticos de suporte à documentação, neste caso, a documentação em enfermagem(1717 ACP. Proposal for Clinical Algorithm Standards: Society for Medical Decision Making Committee on Standardization of Clinical Algorithms. Medical Decision Making. 1992.).

Figura 1
Algoritmo para a transição segura, do hospital para a comunidade, da pessoa com doença mental e sua família, Vila Franca de Xira, Portugal, 2017

Nota: U.A. - Unidade Autônoma; CS - Centro de saúde; Enf. - Enfermeiro; FC - Familiar Cuidador


Para a sua construção, seguiram-se as orientações da Society for Medical Decision Making, no que à construção dos algoritmos dizem respeito(1717 ACP. Proposal for Clinical Algorithm Standards: Society for Medical Decision Making Committee on Standardization of Clinical Algorithms. Medical Decision Making. 1992.).

A preocupação central com o Projeto Terapêutico do doente e família visa ao controle dos sintomas e à reintegração da pessoa e requer, na opinião dos participantes, duas abordagens: uma medicamentosa e outra psicossocial. O tratamento medicamentoso é feito com antipsicóticos ou neurolépticos, que são utilizados na fase aguda da doença para aliviar os sintomas psicóticos e também nos períodos entre as crises, para prevenir novas recaídas. O médico procura manter a medicação na menor dose possível para evitar recaídas e evitar eventuais efeitos adversos. Existe o Risco de Não Adesão ao Regime Terapêutico, pelo que as intervenções terapêuticas de todos os profissionais são no sentido de promover a adesão à terapêutica por meio de uma boa aliança terapêutica e da psicoeducação com a pessoa e família.

Para facilitar a aliança e para cada situação clínica, foram definidos os enfermeiros de referência no hospital e na comunidade.

Após o regresso a casa, o Enfermeiro de Referência da comunidade dá continuidade ao Projeto Terapêutico com acompanhamento quinzenal durante o primeiro mês. Depois passa a mensal, de forma a manter a adesão terapêutica. Na primeira avaliação, determina o estado da pessoa e da sua situação familiar.

A escala de MARS é aplicada tanto no hospital como na comunidade. No hospital, aplica-se no momento da admissão e no dia da alta hospitalar. Na comunidade, no 3º, 6º e 12º mês, após o regresso a casa.

Nas situações de difícil adesão e controle sintomático, torna-se premente articular com os elos de ligação no Hospital. No caso de acontecer, é preciso gerir uma crise e ter um plano para reverter qualquer agravamento dos sintomas psicóticos, bem como reduzir pensamentos delirantes. Nessa altura, é preciso fornecer proteção imediata e apoio à pessoa doente, para si mesmo e outros membros da família. São os seguintes os sinais de alerta que a pessoa ou seus familiares foram reconhecendo: insônia; preocupação ritualística com determinadas atividades; ser desconfiado; explosões imprevisíveis; procurar sossego ou isolamento; alterações no humor; e demonstrar comportamento bizarro.

A gestão da crise deve ser feita preferencialmente na comunidade, em articulação com o serviço de ambulatório do hospital, para evitar a hospitalização. A gestão da crise inclui todas as atividades que permitem a gestão do estresse (gestão do contexto e da situação em si); a gestão de sintomas e da terapêutica (por exemplo: sono, delírios, alucinações); a gestão das emoções (ansiedade, irritabilidade, agressividade, labilidade, entre outros); a gestão da comunicação e a articulação com os elos de ligação na Unidade Hospitalar.

DISCUSSÃO

A não adesão ao tratamento destaca-se como fator potencialmente modificável que pode precipitar recaídas e refratariedade farmacológica(22 Ibanez G, Mercedes BPC, Vedana KGG, Miasso AI. Adherence and difficulties related to drug treatment in patients with depression. Rev Bras Enferm[Internet]. 2014[cited 2018 Mar 07];67(4):556-62. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2014670409
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).

O problema central e ponto de partida para esta investigação foi a descontinuidade dos cuidados e o provável impacto que esta tem na não adesão ao regime terapêutico.

Os utentes são vulneráveis a experiências de perda de continuidade quando há alterações do estado de saúde ou quando se deslocam entre as organizações de cuidados, e isso tem implicações na sua funcionalidade e qualidade de vida. A continuidade de cuidados garante a melhoria da qualidade dos cuidados prestados, contribui para a diminuição dos custos e apresenta-se como uma estratégia adequada e uma política a seguir pelos serviços de saúde(44 Mendes F, Gemito MLP, Parreirinha C, Cladeira EC, Serra IC, Casas-Novas MV. Continuity of care from the perspective of users. Ciência Saúde Colet[Internet]. 2017[cited 2018 Feb 27];22(3):841-53. Available from: https://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017223.26292015
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).

A fragmentação da continuidade dos cuidados pode resultar em orientações de tratamento confusas para as pessoas doentes, com uma forte probabilidade de erros e duplicações, num seguimento inadequado, assim como numa falta de preparação/informação da pessoa e do cuidador familiar(1717 ACP. Proposal for Clinical Algorithm Standards: Society for Medical Decision Making Committee on Standardization of Clinical Algorithms. Medical Decision Making. 1992.).

Os resultados da nossa investigação apontam que, para garantir a continuidade e gerir os próprios recursos comunitários, é necessária uma avaliação fiável da adesão à medicação pelas pessoas com doença crônica e mensurar o próprio risco associado aos critérios de vulnerabilidade que estas e suas famílias apresentam. Porém a determinação do risco da não adesão é um desafio. Apesar de ser uma preocupação, a sua mensuração é difícil(1010 Kane JM, Kishimoto T, Correll CU. Non-adherence to medication in patients with psychotic disorders: epidemiology, contributing factors and management strategies. World Psychiatry[Internet]. 2013[cited 2018 Feb 28];12(3):216-26. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24096780
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,1616 Vanelli I, Chendo I, Gois C, Santos J, Levy P. Medication adherence rating scale. Acta Med Port [Internet]. 2011[cited 2018 Mar 08];24:17-20. Available from: http://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/view/348/118
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). Os profissionais despendem tempo na avaliação dos fatores preditores da não adesão, e a pessoa em situação de doença pode, eventualmente, não comunicar as suas intenções em relação à medicação. Mesmo havendo um tipo de “personalidade não aderente”, não há padrões universalmente aceitos para uma abordagem válida e confiável para avaliar o comportamento de adesão(1010 Kane JM, Kishimoto T, Correll CU. Non-adherence to medication in patients with psychotic disorders: epidemiology, contributing factors and management strategies. World Psychiatry[Internet]. 2013[cited 2018 Feb 28];12(3):216-26. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24096780
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).

Os principais métodos de avaliação são o relato da própria pessoa e a informação dos profissionais, a contagem de comprimidos/cápsulas e os métodos biológicos (como o doseamento do fármaco no sangue ou urina), com as vantagens e desvantagens inerentes a cada método(1616 Vanelli I, Chendo I, Gois C, Santos J, Levy P. Medication adherence rating scale. Acta Med Port [Internet]. 2011[cited 2018 Mar 08];24:17-20. Available from: http://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/view/348/118
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).

Constatamos, no estudo, que o relato da pessoa com doença mental nem sempre é fidedigno, apesar de ser considerado o método em que a relação custo/eficiência e custo/tempo é mais favorável, contudo, poderá sobrestimar a adesão à medicação em 30%(1616 Vanelli I, Chendo I, Gois C, Santos J, Levy P. Medication adherence rating scale. Acta Med Port [Internet]. 2011[cited 2018 Mar 08];24:17-20. Available from: http://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/view/348/118
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). A própria contabilização dos fármacos não é fiável, porque os doentes e suas famílias podem removê-los dos “blisteres” não sendo sinônimo da sua ingestão(1616 Vanelli I, Chendo I, Gois C, Santos J, Levy P. Medication adherence rating scale. Acta Med Port [Internet]. 2011[cited 2018 Mar 08];24:17-20. Available from: http://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/view/348/118
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).

A opção dos participantes recaiu sobre a escala de MARS, com a determinação dos tempos de avaliação no hospital e na comunidade, de forma a manter uma avaliação e comparação do comportamento de adesão.

O projeto terapêutico a iniciar no hospital e a continuar na comunidade apostou na psicoeducação do doente e sua família. Dentre as intervenções com impacto na adesão ao regime terapêutico, os autores salientam a psicoeducação, a terapia cognitivo-comportamental e a entrevista motivacional(1616 Vanelli I, Chendo I, Gois C, Santos J, Levy P. Medication adherence rating scale. Acta Med Port [Internet]. 2011[cited 2018 Mar 08];24:17-20. Available from: http://www.actamedicaportuguesa.com/revista/index.php/amp/article/view/348/118
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), com potencialidade para incrementar a adesão(1010 Kane JM, Kishimoto T, Correll CU. Non-adherence to medication in patients with psychotic disorders: epidemiology, contributing factors and management strategies. World Psychiatry[Internet]. 2013[cited 2018 Feb 28];12(3):216-26. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24096780
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,1818 Ehret MJ, Matthew W. How to increase medication adherence: What works? MHC[Internet]. 2013[cited 2018 Mar 09];2(8):230-2. Available from: http://mhc.cpnp.org/doi/full/10.9740/mhc.n132973?code=cpnp-site
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).

A psicoeducação visa ensinar um melhor entendimento da doença, dos medicamentos e dos potenciais efeitos colaterais. Pode socorrer-se de técnicas de aconselhamento, sessões e/ou uso de escrita/material audiovisual(1010 Kane JM, Kishimoto T, Correll CU. Non-adherence to medication in patients with psychotic disorders: epidemiology, contributing factors and management strategies. World Psychiatry[Internet]. 2013[cited 2018 Feb 28];12(3):216-26. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24096780
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). Apesar de ser o pilar principal de estratégias para melhorar a adesão ao longo dos anos, os resultados da investigação não são consistentes com a sua utilização, já que a consideram pouco eficaz(1010 Kane JM, Kishimoto T, Correll CU. Non-adherence to medication in patients with psychotic disorders: epidemiology, contributing factors and management strategies. World Psychiatry[Internet]. 2013[cited 2018 Feb 28];12(3):216-26. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24096780
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).

Estas abordagens comportamentais incluem condicionamento, recompensas, dicas, lembretes e treino de habilidades(1818 Ehret MJ, Matthew W. How to increase medication adherence: What works? MHC[Internet]. 2013[cited 2018 Mar 09];2(8):230-2. Available from: http://mhc.cpnp.org/doi/full/10.9740/mhc.n132973?code=cpnp-site
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). Importa que os aspectos psicossociais, farmacológicos e até as abordagens tecnológicas se complementem para resolver esta questão(1010 Kane JM, Kishimoto T, Correll CU. Non-adherence to medication in patients with psychotic disorders: epidemiology, contributing factors and management strategies. World Psychiatry[Internet]. 2013[cited 2018 Feb 28];12(3):216-26. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24096780
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).

Muitas das dificuldades prendem-se à falta de informações sobre o que esperar do tratamento em termos de risco e de efeitos colaterais específicos, tempo de resposta da medicação ou grau de impacto que um tratamento pode ter em domínios específicos. A natureza e a extensão da psicoeducação combinadas com a aliança terapêutica com o indivíduo podem ser um importante preditor de adesão comportamental(1010 Kane JM, Kishimoto T, Correll CU. Non-adherence to medication in patients with psychotic disorders: epidemiology, contributing factors and management strategies. World Psychiatry[Internet]. 2013[cited 2018 Feb 28];12(3):216-26. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24096780
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).

Alguns estudos têm-se focado na importância e eficácia da teleconsulta, do telemonitoramento, telecare ou telenursing, que consideram como uma crescente modalidade de comunicação no segmento dos cuidados de enfermagem(11 Pereira SK, Santana RF, Morais VSC, Soares TS, Silva DM. Discharge planning in post-operative of elderly: multiple cases study. Rev Pesqui: Cuid Fundam[Internet]. 2016[cited 2018 Mar 02];8(4):4949-55. Available from: http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2016.v8i4.4949-4955
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). Para garantir e melhorar o acesso aos cuidados de saúde, a troca de informação é dado fundamental que proporciona vínculo e segurança psicossocial e afetiva na comunicação profissional-cliente(11 Pereira SK, Santana RF, Morais VSC, Soares TS, Silva DM. Discharge planning in post-operative of elderly: multiple cases study. Rev Pesqui: Cuid Fundam[Internet]. 2016[cited 2018 Mar 02];8(4):4949-55. Available from: http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2016.v8i4.4949-4955
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). Nas consultas de teleenfermagem, observou-se a aderência ao regime terapêutico por meio do aumento significativo de 83,4% do acompanhamento médico ambulatorial, utilização das medicações prescritas e seguimento das orientações realizadas(11 Pereira SK, Santana RF, Morais VSC, Soares TS, Silva DM. Discharge planning in post-operative of elderly: multiple cases study. Rev Pesqui: Cuid Fundam[Internet]. 2016[cited 2018 Mar 02];8(4):4949-55. Available from: http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2016.v8i4.4949-4955
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).

O acompanhamento pelo enfermeiro de referência do centro de saúde inclui a possibilidade de haver telemonitoramento para as pessoas com menor risco de não adesão, mas sempre complementado com consultas regulares pela equipe multiprofissional.

Este acompanhamento regular vai de encontro ao defendido pelos resultados de outras investigações que evidenciam que os doentes sintomáticos podem ter compromissos graves no autocuidado e na manutenção do tratamento medicamentoso, podendo, inclusive, utilizar os medicamentos para cometer suicídio(22 Ibanez G, Mercedes BPC, Vedana KGG, Miasso AI. Adherence and difficulties related to drug treatment in patients with depression. Rev Bras Enferm[Internet]. 2014[cited 2018 Mar 07];67(4):556-62. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2014670409
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). A própria não adesão ao regime terapêutico, e muito concretamente ao medicamentoso, tem um impacto negativo no curso da doença, resultando em internações de repetição, aumento do tempo para a remissão dos sintomas, com surtos psicóticos e tentativas de suicídio(99 Higashi K, Medic G, Littlewood KJ, Diez T, Granström O, De Hert M. Medication adherence in schizophrenia: factors influencing adherence and consequences of nonadherence, a systematic literature review. Ther Adv Psychopharmacol[Internet]. 2013[cited 2018 Mar 17];3(4):200-218. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3805432/pdf/10.1177_2045125312474019.pdf
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).

O contato regular ajuda no desenvolvimento de uma relação de confiança e dá segurança. A aliança terapêutica conduz a uma melhor adesão, para isso os profissionais devem auxiliar o indivíduo e sua família a estabelecer metas (1818 Ehret MJ, Matthew W. How to increase medication adherence: What works? MHC[Internet]. 2013[cited 2018 Mar 09];2(8):230-2. Available from: http://mhc.cpnp.org/doi/full/10.9740/mhc.n132973?code=cpnp-site
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). É necessária uma disposição empática, mas também uma estrutura colaborativa e de parceria em que os doentes se vêm ativos, participantes e respeitados na relação(1818 Ehret MJ, Matthew W. How to increase medication adherence: What works? MHC[Internet]. 2013[cited 2018 Mar 09];2(8):230-2. Available from: http://mhc.cpnp.org/doi/full/10.9740/mhc.n132973?code=cpnp-site
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).

O suporte familiar é preditor da adesão(77 El-Mallakh P, Findlay J. Strategies to improve medication adherence in patients with schizophrenia: the role of support services. Neuropsychiatric Dis Treat[Internet]. 2015[cited 2018 Mar 05];11:1077-90. Available from: https://doi.org/10.2147/NDT.S56107
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). Num estudo que avaliou o treino da família, os investigadores observaram que a supervisão efetuada por ela aumenta a adesão à terapêutica(1919 Farooq S, Nazar Z, Irfan M, Akhter J, Gul E, Irfan U, et al. Schizophrenia medication adherence in a resource-poor setting: randomised controlled trial of supervised treatment in out-patients for schizophrenia-STOPS. Br J Psychiatry[Internet]. 2011[cited 2018 Mar 19];199(6):467-72. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22130748
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2213...
).

As características do sistema de cuidados também devem ser consideradas(1010 Kane JM, Kishimoto T, Correll CU. Non-adherence to medication in patients with psychotic disorders: epidemiology, contributing factors and management strategies. World Psychiatry[Internet]. 2013[cited 2018 Feb 28];12(3):216-26. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24096780
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). Os autores referem que este sistema inclui o tempo dedicado a avaliar fatores que podem influenciar a adesão, fornecendo psicoterapia (à pessoa doente e família, se apropriado) e possibilitando a continuidade do cuidado(1010 Kane JM, Kishimoto T, Correll CU. Non-adherence to medication in patients with psychotic disorders: epidemiology, contributing factors and management strategies. World Psychiatry[Internet]. 2013[cited 2018 Feb 28];12(3):216-26. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24096780
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2409...
). As características do cuidador familiar têm de ser ponderadas para avaliar a sua capacidade para a gestão da terapêutica e dos sintomas. Os conhecimentos, crenças e atitudes, bem como a natureza do seu relacionamento influenciam o seu papel como potencial facilitador da adesão ao regime terapêutico(1010 Kane JM, Kishimoto T, Correll CU. Non-adherence to medication in patients with psychotic disorders: epidemiology, contributing factors and management strategies. World Psychiatry[Internet]. 2013[cited 2018 Feb 28];12(3):216-26. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24096780
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2409...
).

Outro aspecto a ter em consideração prende-se às perspectivas sociais, cognitivas e comportamentais. A não conformidade/não adesão representa muitas vezes uma decisão racional em parte dos doentes, determinada por fatores como as suas opiniões/crenças sobre a tomada de medicamentos, as suas circunstâncias de vida e os recursos disponíveis, as prioridades concorrentes, a necessidade de afirmar a sua independência e de realizar as suas vidas, mesmo quando estão em tratamento de longo prazo(88 Chakrabarti S. What’s in a name? compliance, adherence and concordance in chronic psychiatric disorders. World J Psychiatr[Internet]. 2014[cited 2018 Feb 28];4(2):30-6. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4087153/pdf/WJP-4-30.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
).

Emerge a necessidade de se desenvolverem intervenções para dar resposta aos desafios da não adesão à terapêutica, com melhoria dos ambientes de formação da pessoa em situação de doença e sua família, partilha da tomada de decisão e responsabilização pela gestão da doença(1010 Kane JM, Kishimoto T, Correll CU. Non-adherence to medication in patients with psychotic disorders: epidemiology, contributing factors and management strategies. World Psychiatry[Internet]. 2013[cited 2018 Feb 28];12(3):216-26. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24096780
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2409...
).

Não apresentamos nos resultados, mas convém referir que foram definidos indicadores para a avaliação do projeto. Reforçamos a ideia de que as organizações na avaliação da qualidade dos cuidados prestados nos serviços de saúde devem utilizar indicadores sobre a preparação do regresso a casa, a educação em saúde desses doentes e familiares, o apoio fornecido na continuidade dos cuidados no domicílio e acompanhamento realizado após a alta(1212 Weber LAF, Lima MADS, Acosta AM, Marques GQ. Care transition from hospital to home: integrative review. Cogitare Enferm[Internet]. 2017[cited 2018 Mar 07];22(3):e47615. Available from: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v22i3.47615
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).

O estímulo e o incremento do trabalho em rede entre os profissionais dos cuidados das instituições hospitalares e da comunidade, e o recurso a gestores de casos e/ou conselheiros de pares também podem ser valiosos para facilitar o processo(1010 Kane JM, Kishimoto T, Correll CU. Non-adherence to medication in patients with psychotic disorders: epidemiology, contributing factors and management strategies. World Psychiatry[Internet]. 2013[cited 2018 Feb 28];12(3):216-26. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24096780
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2409...
).

As revisões integrativas realizadas relativamente à transição do hospital para a comunidade revelaram que as orientações disponibilizadas pelos enfermeiros são essenciais para que essa transição seja efetiva na medida em que promovem a adesão à medicação, a gestão do autocuidado, aumentam a adesão ao tratamento e reduzem a taxa de reinternação, de comorbilidades e de mortalidade(1212 Weber LAF, Lima MADS, Acosta AM, Marques GQ. Care transition from hospital to home: integrative review. Cogitare Enferm[Internet]. 2017[cited 2018 Mar 07];22(3):e47615. Available from: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v22i3.47615
http://dx.doi.org/10.5380/ce.v22i3.47615...
).

Limitações do estudo

As limitações do estudo prendem-se à intencionalidade da escolha dos contextos e dos participantes, do método e da análise efetuada os quais não permitem generalizações para a população.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política de saúde

Apesar das limitações, o estudo contribui para a discussão em torno da continuidade de cuidados, da segurança na adesão ao regime terapêutico e suscita questões sobre o papel dos enfermeiros como gestores de casos clínicos e líderes na gestão das transições que as pessoas vivenciam ao longo do ciclo de vida e em diferentes contextos. Consideramos ainda que alguns dos resultados podem ser utilizados na formação pré e pós-graduada dos profissionais de saúde, para discutir a importância do papel do enfermeiro como gestor de caso clínico de pessoas que necessitam de continuidade de cuidados, diligenciando soluções mais efetivas para se adotar uma tomada de decisão baseada em evidência na prática clínica e na formulação de políticas de saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo desvela contributos importantes para a continuidade de cuidados entre níveis de assistência. Na análise de conteúdo do discurso e dos registros dos enfermeiros, emergem duas grandes categorias relacionadas com os critérios para a continuidade de cuidados da pessoa com doença mental: os associados ao cliente e os determinados pelo conhecimento e competência do familiar cuidador.

Destaca-se ainda a importância de melhorar redes de comunicação, empoderar a pessoa e sua família com conhecimentos e estratégias adaptativas face à adversidade e alteração sintomática.

O algoritmo desenhado ao longo do processo de investigação-ação visa garantir a transição segura hospital-comunidade, que só é possível com a definição de critérios para a continuidade de cuidados, associados à condição clínica; capacitação e motivação da pessoa, bem como associados ao familiar cuidador.

A garantia de uma transição segura com adesão ao regime terapêutico implica o planejamento precoce do regresso a casa, a participação das pessoas e famílias, a determinação do risco de não adesão, a partilha de informação e a responsabilização de todos os intervenientes. A comunicação entre níveis de cuidados tem de ser simples, objetiva, contínua e com feedback.

Para se obter melhoria na continuidade de cuidados entre hospital e comunidade, há ainda que definir o conteúdo e o circuito da informação.

Importa agora avaliar a efetividade da mudança na adesão ao regime terapêutico.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    06 Abr 2018
  • Aceito
    19 Maio 2018
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