Avaliação do atributo “Orientação Comunitária” na óptica do usuário adulto da atenção primária

RESUMO

Objetivo:

Avaliar a presença e extensão do atributo “Orientação Comunitária” da Atenção Primária à Saúde, na perspectiva dos usuários adultos dos serviços de saúde do Município de Juazeiro do Norte-CE.

Método:

Estudo quantitativo, transversal e avaliativo, realizado em 14 Unidades Básicas de Saúde, no período de outubro de 2016 a junho de 2017, utilizando-se, para as entrevistas, o Primary Care Assessment Tool.

Resultados:

A avaliação do atributo foi negativa, alcançando expressivas respostas negativas nos sete distritos, com escore médio de 3,8 (±3,8). O Escore Essencial (EE) alcançou média de 6,6 e ao Escore Geral (EG) foi atribuída pontuação de 6,4, abaixo do ponto de corte ≥ 6,60.

Conclusão:

O baixo valor do EG representa que as unidades não são provedoras de APS, sugerindo fragilidade na integração dos serviços com a comunidade e necessidade de promover maior discussão entre os agentes, ao traçar medidas de intervenção e melhoria dos escores.

Descritores:
Pesquisa sobre Serviços de Saúde; Atenção Primária à Saúde; Adulto; Participação da Comunidade; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To assess the presence and extension of the attribute “Community Orientation” of Primary Health Care from the perspective of health services adult users from the Municipality of Juazeiro do Norte-CE.

Methods:

Quantitative, cross-sectional and evaluative study, carried out in 14 Basic Health Units, from October 2016 to June 2017, using the Primary Care Assessment Tool.

Results:

The attribute assessment was negative, reaching expressive negative responses in the seven districts, with a mean score of 3.8 (±3.8). The Raw Score (RS) reached a mean of 6.6 and the Derived Score (DS) was assigned a score of 6.4, below the cut-off point ≥ 6.60.

Conclusion:

The low value of the DS represents that units are not providers of PHC, suggesting fragility in the integration of services with the community and the need to promote greater discussion among agents, when designing measures of intervention and improvement of scores.

Descriptors:
Research on Health Services; Primary Health Care; Adult; Community Participation; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Evaluar la presencia y extensión del atributo “Orientación Comunitaria” de la Atención Primaria de Salud, bajo la perspectiva de los usuarios adultos de servicios de salud del Municipio brasileño de Juazeiro do Norte-CE.

Método:

Estudio cuantitativo, transversal y evaluativo, realizado en 14 unidades básicas de salud, en el período de octubre 2016 hasta junio 2017, utilizándose para las entrevistas el Primary Care Assessment Tool.

Resultados:

La evaluación del atributo fue negativa, alcanzando expresivas respuestas negativas en las siete regiones, con una puntuación media de 3,8 (±3,8). La Puntuación Esencial (Escore Essencial) alcanzó un promedio de 6,6 y a la Puntuación General (Escore Geral) se asignó una puntuación de 6,4, por debajo del punto de corte ≥ 6,60.

Conclusión:

El bajo valor del EG representa que las unidades no son proveedores de APS, sugiriendo una fragilidad a la integración de los servicios con la comunidad y la necesidad de promocionar más discusiones entre los agentes, al trazar medidas de intervención y mejoría de las puntuaciones.

Descriptores:
Investigación sobre los Servicios de Salud; Atención Primaria de Salud; Adulto; Participación de la Comunidad; Enfermería

INTRODUÇÃO

A Atenção Primária à Saúde (APS), como prioridade para o cuidado integral das necessidades dos usuários dos serviços públicos, tem sua origem na I Conferência Internacional de Cuidados Primários em Saúde, ocorrida em Alma-Ata (1978), no Cazaquistão. A recomendação desta Conferência proporcionou conquistas relevantes para os sistemas de saúde de vários países, ao declarar que a saúde é um direito humano fundamental, tendo como objetivo a saúde preventiva das pessoas, famílias e comunidades assistidas e o distanciamento da prática clínica, individualista, curativa e excludente⁽¹⁾.

O Brasil buscou aproximação da proposta mundial da APS com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), tendo na Estratégia Saúde da Família (ESF) o instrumento essencial para a sua expansão e concretização, buscando superar o modelo curativista, por meio de um processo de trabalho focado nos princípios, diretrizes e fundamentos, ao fortalecer a qualidade do cuidado, com maior resolutividade sobre a saúde das pessoas, família e comunidade, além de reduzir o custo-efetividade⁽²⁾.

Dentro dos desafios das ESF, e para o próprio sistema, elenca-se a escuta dos usuários que procuram as Unidades Básicas de Saúde (UBS), a qual pode ser uma forma de expressar suas reais necessidades e as mudanças das práticas profissionais, no sentido de contemplar a participação da comunidade nas decisões de saúde⁽³⁾.

Na concepção de Starfield⁽⁴⁾, a APS representa o primeiro nível de atenção de um sistema de saúde, distinguindo-se pela ocorrência de quatro atributos essenciais: acesso de primeiro contato, longitudinalidade, integralidade e coordenação e três derivados: orientação familiar, orientação comunitária e competência cultural, princípios que devem dar sustentação teórica e metodológica no atendimento da dimensão total da atenção primária.

Para a avaliação do atributo “Orientação Comunitária”, os profissionais de saúde necessitam de habilidades epidemiológicas e clínicas que permitam acompanhar as ações desenvolvidas nos programas, com o objetivo de regular os programas e atender às reais necessidades de saúde da população⁽⁵⁾. Nessa perspectiva, a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) do SUS estabelece que as ações das ESF sejam desenvolvidas, também, no âmbito da comunidade, priorizando cuidados e gestão democráticos e participativos das pessoas, de modo a favorecer o seu empoderamento e autonomia⁽⁶⁾. Uma das particularidades da APS é a condição de saúde de uma comunidade, produzida pelos aspectos ambientais, comportamentais e o seu nível de conexão social. A melhoria da qualidade da APS deve focalizar o ambiente físico e social no qual convivem e trabalham as pessoas⁽⁷⁾.

A presença e a extensão destes atributos são preceitos avaliativos da APS. Evidências científicas têm apontado os benefícios da APS^(8-9). Entretanto, constata-se uma grande heterogeneidade na assistência, refletindo nos resultados em saúde. Por consequência, as pesquisas que avaliam a qualidade da APS têm sido consideradas essenciais para identificar como os cuidados têm sido oferecidos pelos provedores de saúde^(10-11). Assim, faz-se importante a inclusão da prática dos atributos, em especial o de “Orientação Comunitária”, no processo de trabalho das equipes multiprofissionais. Pesquisas que mediram a presença e a extensão da orientação comunitária na APS confirmaram escores negativos, caracterizando uma contradição aos postulados da APS e da PNAB^(12-13).

A literatura especializada evidencia escassez de estudos dirigidos para avaliação de serviços de APS^(14-15). Essa carência pode ser esclarecida pela insuficiência de instrumentos apropriados⁽¹⁶⁾. Visando a redução dessa lacuna, foi realizado estudo metodológico específico de avaliação da APS, por meio de ferramentas validadas em vários países, inclusive no Brasil^(14-15).

Do mesmo modo, quando atinente à Região Nordeste, salienta-se o fato de que há predominância das avaliações direcionadas para a implantação da ESF, tratamento das doenças e agravos, bem como avaliação do impacto da estratégia sobre a qualidade da assistência prestada⁽⁷⁾. Outrossim, torna-se relevante destacar que no Ceará, mesmo sendo pioneiro no âmbito da atenção primária, ainda há uma certa escassez na produção científica acerca da temática.

A avaliação do atributo “Orientação Comunitária” torna-se relevante, haja vista que favorece a escuta das preocupações e opiniões dos usuários para que, juntos, possam encontrar a melhor solução^(4,16). Portanto, percebe-se que a elaboração dessa estratégia relacional possa melhorar o conhecimento dos profissionais de saúde das UBS estudadas sobre o cotidiano vivenciado pelos usuários, família e comunidade.

OBJETIVO

Avaliar a presença e extensão do atributo “Orientação Comunitária” da Atenção Primária à Saúde, na perspectiva dos usuários adultos dos serviços de saúde do Município de Juazeiro do Norte-CE.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Foram garantidas em todas as fases deste estudo as recomendações éticas constantes na Resolução 466/2012, recebendo aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Regional do Cariri (URCA).

Desenho, local do estudo e período

Estudo quantitativo, descritivo, transversal e avaliativo, realizado em 14 Unidades Básicas de Saúde (UBS), localizadas na zona urbana e rural do município de Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil, no período de 2015 a 2018.

Amostra, critérios de inclusão e exclusão

Os usuários das UBS foram selecionados por conveniência, à medida que foram sendo atendidos ou no aguardo de consultas pelos profissionais de saúde das ESF. Deste modo, foram considerados como critério de inclusão os usuários pertencentes à faixa etária entre 20 e 59 anos de idade e cadastrados nas ESF da UBS pesquisada, há pelo menos um ano, por entender que assim possuíam melhores condições de avaliar a atenção recebida.

Como critério de exclusão, determinou-se: apresentar alguma limitação de comunicação e não estar em condições clínicas e/ou emocionais para participar da pesquisa.

Para o cálculo do tamanho da amostra, fixou-se P em 50%, haja vista que esse valor implica tamanho máximo de amostra. Determinou-se o nível de significância de 5% (^α = 0,05) e demarcou-se um erro amostral relativo de 8% (erro amostral absoluto = 4%). Esses valores aplicados na fórmula para populações infinitas (N=115.613) proporcionaram uma amostra de tamanho “n” igual a 600 usuários. Foram acrescidos 10% para prevenir perdas e/ou desistências, alcançando-se, assim, a amostra de 660 participantes. Porém, ao realizar uma divisão simples por 14 UBS, foram obtidos 47,14 usuários a serem entrevistados, optando-se pelo arredondamento para 48 usuários por UBS, totalizando 672 participantes.

Na segunda fase, realizou-se estratificação da amostra, sendo escolhidas duas UBS nos sete Distritos de Saúde para ser aplicado o instrumento de avaliação, que teve como critérios: o pertencimento às zonas urbana e rural, localizadas geograficamente em pontos extremos uma da outra, objetivando captar as diferenças de avaliação dos atributos da APS entre as UBS estudadas, sendo 11 da zona urbana e três da zona rural.

Por fim, a amostra foi composta por 672 usuários adultos, de 20 a 59 anos de idade, de ambos os sexos, atendidos nas 14 UBS selecionadas e implantadas há, pelo menos, cinco anos, levando em consideração o maior tempo de contato com esta e, assim, maior conhecimento sobre a fonte onde o usuário é assistido quando apresenta problemas antigos ou novos.

Torna-se relevante delinear que a escolha deste município da Região do Cariri ocorreu pelo fato de este representar a terceira população do estado do Ceará, depois da capital Fortaleza e Caucaia, com uma população estimada para 2015 em 266.022 mil habitantes, com uma concentração populacional na zona urbana de 96,07%⁽¹⁷⁾.

Igualmente, ressalta-se a opção pelo estudo voltado para os usuários adultos de 20 a 59 anos de idade, decorrente das evidências indicadas pela literatura da tendência do avanço progressivo da população ativa economicamente no Brasil até 2030^(12,18) e da carga das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) e seu reflexo sobre a qualidade de saúde da população adulta, em especial, o que institui um dos grandes desafios para o desenvolvimento no século XXI.

Protocolo do estudo

O roteiro de entrevista foi constituído pela aplicação de dois instrumentos, sendo o primeiro referente ao roteiro de entrevistas contendo oito variáveis sociodemográficas dos usuários adultos, a saber: sexo, faixa etária, estado civil, escolaridade, ocupação, renda, religião e zona de residência. O segundo trata-se do instrumento denominado PCATool BRASIL, versão adultos⁽¹⁹⁾. Para este estudo, foram utilizadas seis questões referentes ao atributo “Orientação Comunitária”, composto por seis itens (J1 a J6), assim descritos: J1. Alguém no “nome do serviço de saúde/ou nome do médico/enfermeiro” faz visitas domiciliares?; J2. O seu “nome do serviço de saúde/ou nome do médico/enfermeiro” conhece os problemas de saúde importantes na sua vizinhança?; J3. O seu “nome do serviço de saúde/ou nome do médico/enfermeiro” ouve opiniões e ideias da comunidade de como melhorar os serviços de saúde?; J4. Faz pesquisas com os pacientes para ver se os serviços estão satisfazendo (atendendo) as necessidades das pessoas?; J5. Faz pesquisas na comunidade para identificar problemas de saúde que ele deveria conhecer?; J6. Convida você e sua família para participar do Conselho Local de Saúde (Conselho Gestor/Conselho de Usuários)? Essas questões foram embasadas no conceito descrito por Starfield⁽⁴⁾, o qual assinala que as ações na comunidade são, “[...] o reconhecimento, pelos profissionais da saúde, durante seu processo de trabalho, das necessidades em saúde da comunidade, com base no perfil epidemiológico, participação popular e demais dados”.

As respostas aos seis quesitos foram estruturadas, seguindo as orientações da Escala Likert, onde foram atribuídos os escores no intervalo de 1 a 4 para cada atributo, a saber: “com certeza, sim” (valor = 4); “provavelmente, sim” (valor = 3); “provavelmente, não” (valor = 2); “com certeza, não” (valor = 1); e “não sei ou não me lembro” (valor = 9)⁽²⁰⁾.

Os valores obtidos para cada um dos escores na Escala Likert foram convertidos para a escala de zero a dez, em que as medidas com valores ≥ 6,60 indicam a extensão de cada atributo à APS^(19-20). Nessa transformação, foram aplicadas as orientações do manual, empregando-se a seguinte fórmula: (Escore obtido - 1) X 10/3⁽²¹⁾.

Quando o escore for maior ou igual a 6,60, indica a extensão apropriada a cada atributo e sendo avaliado como forte orientação para a APS. Caso o valor do escore for menor do que 6,60, indicar-se-á baixa orientação para APS. Esse valor corresponde, na escala de um a quatro, ao escore três (“provavelmente, sim”); logo, valores iguais ou acima de 6,60 representam respostas positivas⁽²¹⁾.

Por fim, calculou-se o escore do atributo mediante o somatório dos valores das seis perguntas, dividindo-se pelo seu total (J1+J2+J3+J4+J5+J6=J6/6), sendo considerado como ponto de corte ≥ 6,60. É valido destacar que a coleta de dados aconteceu no período de outubro de 2016 a outubro de 2017, nas dependências das UBS selecionadas, mediante entrevistas individuais.

Análise dos resultados e estatística

As respostas foram submetidas a um processo de dupla digitação, seguido do armazenamento através do programa Microsoft^® Excel e processado pelo programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (IBM SPSS), versão 23.0, visando correções de discordância entre os dados, realizando-se análise descritiva, como o cálculo da normalidade estatística dos Escores Essencial e Geral do PCATool, avaliados por intermédio do teste de Shapiro-Wilk, com a finalidade de definir os testes adequados para comparar os escores em relação às demais variáveis. Não sendo encontrada a normalidade (p<0,001) em todas as medidas dos atributos, foram usados os testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis para verificar associação entre as variáveis sociodemográficas, e teste da correlação de Spearman para comparações com variáveis quantitativas. Os resultados foram expressos em tabelas. Para todos os procedimentos inferenciais, foi adotado um nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Dos 672 participantes, a média de idade foi de 35,7 anos (±11,2), predominância do sexo feminino com 508 (75,6%), com ensino fundamental completo, 281 usuários (41,8%) e apenas 42 são detentores de ensino superior (6,3%); 418 (62,5%) são casados/união estável e a maioria possui renda de até um salário mínimo, com 483 usuários (71,9%). Quanto à ocupação, 287 usuários trabalham (43,2%), havendo um elevado índice de desempregados, com 354 (53,3%), ao passo que 528 (78,6%) moram na zona urbana.

Na Tabela 1, ficou demonstrado após o somatório de cada valor das seis questões, conforme fórmula: Escore = J1+J2+J3+J4+J5+J6/6, que o atributo “Orientação Comunitária” foi avaliado negativamente, com o escore médio de 3,8, DP (±2,3), (p=0,303), abaixo do ponto de corte (≥6,60), pelos usuários nos sete Distritos de Saúde, evidenciando baixa orientação para APS, ou seja, os usuários avaliaram negativamente o atributo.

Tabela 1
Distribuição dos valores mínimos, máximos, média, Desvio Padrão e grau de orientação do atributo "Orientação Comunitária" da APS na perspectiva de usuários adultos, Juazeiro do Norte-CE, 2017

Valores dos Escores	Atributo "Orientação Comunitária"
Mínimo	0,0
Máximo	10,0
Média	3,8
Desvio Padrão	±2,3
Grau de orientação para APS	Baixo

Na Tabela 2, das seis questões, apenas a pergunta (J1) atinente à realização de visita domiciliar recebeu avaliação positiva por parte de 325 (71,3%) participantes. As respostas às demais (J2 a J6) foram negativas, sendo afirmado que o profissional não conhece os problemas de saúde importantes da vizinhança, não escuta as opiniões e ideias da comunidade sobre como melhorar os serviços de saúde, que não são realizadas pesquisas sobre satisfação dos usuários quanto ao atendimento e que não são convidados para participar do Conselho Local de Saúde/Conselho de Usuários.

Tabela 2
Distribuição de frequências das respostas dos usuários adultos da UBS aos itens que compõem o atributo "Orientação Comunitária". Juazeiro do Norte - CE, 2017

Orientação Comunitária (J)	Com certeza, não	Provavelmente, não	Provavelmente, sim	Com certeza, sim	Escore do atributo
	n (%)
J1- Alguém do "nome/serviço de saúde/ou nome de médico/enfermeira" faz visitas domiciliares?	32 (7,0)	44 (9,6)	55 (12,1)	325 (71,3)	3,8
J2- O seu "nome do serviço de saúde/ou nome do médico/enfermeira" conhece os problemas de saúde importantes na sua vizinhança?	194 (42,5)	91 (20,0)	108 (23,7)	63 (13,8)
J3 - O seu "nome do serviço/ou nome do médico/enfermeira" ouve opiniões e ideias da comunidade de como melhorar os serviços de saúde?	182 (39,8)	76 (16,7)	143 (31,4)	55 (12,1)
J4 - Faz pesquisas com os pacientes sobre se os serviços estão satisfazendo as necessidades das pessoas?	247 (54,2)	42 (9,2)	132 (28,9)	35 (7,7)
J5- Faz pesquisas na comunidade para identificar problemas de saúde que ele deveria conhecer?	262 (57,5)	85 (18,6)	88 (19,3)	21 (4,6)
J6- Convida você e sua família para participar do Conselho Local de Saúde?	308 (67,5)	56 (12,3)	79 (17,3)	13 (2,9)

Na Tabela 3, constata-se que, na maioria dos Distritos de Saúde, houve associação significante (0,001). Ou seja, exibindo diferença, com exceção do distrito IV, que não alcançou significância (p=0,303).

Tabela 3
Análise bivariada entre o Distrito de Saúde de atendimento do atributo "Orientação Comunitária" da APS, na visão dos usuários adultos da UBS, Juazeiro do Norte-CE, 2017

Distrito de Saúde (DS)	Atributo "Orientação Comunitária"
	Média	DP	Valor-p	Escore
Distrito I	3,3	± 1,6	< 0,303	3,8
Distrito II	4,4	± 3,0
Distrito III	3,5	± 2,0
Distrito IV	3,7	± 2,1
Distrito v	4,2	± 2,8
Distrito VI	3,4	± 2,3
Distrito VII	4,4	± 2,5

• Teste de Mann-Whitney.

DISCUSSÃO

A avaliação dos atributos da APS, na óptica dos adultos, é baixa no Brasil, comparada às de profissionais e crianças^(22-23). Destaca-se que este estudo do atributo “Orientação Comunitária”, na visão de adultos atendidos pelos serviços públicos de saúde, é pioneiro no município desta pesquisa, existindo apenas um dedicado à versão criança⁽²⁴⁾.

Quanto à análise do atributo “Orientação Comunitária” pelos usuários, observou-se avaliação negativa em todas as 14 UBS dos sete Distritos de Saúde, sugerindo, assim, mais um indicador de fragilidade à integração dos serviços com a comunidade, no Município. Resultados parecidos foram localizados em outros estudos nacional e internacionais^(25-27).

Por um lado, o menor protagonismo dos usuários no processo de avaliação da APS pode ser decorrente de restrições por parte de pesquisadores sobre a capacidade destes em proceder a uma avaliação de saúde⁽¹¹⁾; por outro, pelo fato de o próprio sistema de saúde historicamente dar prioridade à mulher e à criança, não priorizando esses usuários adultos⁽²⁸⁾.

Outrossim, sobressai-se que a literatura vem assinalando que avaliação da APS no Brasil ocorre mais frequentemente nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul^(22,29). No Nordeste, as pesquisas ainda são escassas, evidenciando uma lacuna no conhecimento sobre a temática^(30,31). Nesse sentido, na região Nordeste, encontram-se estudos avaliativos da APS em Fortaleza^(31-32).

No que se refere ao perfil sociodemográfico dos usuários, destaca-se que, no Brasil, há maior frequência de mulheres em serviços públicos de saúde e que admitem que abandonem outra atividade rotineira por motivo de doença⁽³⁰⁾, e de adultos e idosos neste estudo são idênticos a outras pesquisas no âmbito nacional e internacional^(21,33-34).

Ressalta-se que a maioria dos participantes tinha em média 35 anos, são casados, com ensino fundamental completo. Concebe-se que as pessoas com escolaridade mais elevada (acima 13 anos) possuem uma maior percepção de saúde em comparação àqueles de menor escolaridade (1 a 8 anos). Ao passo que a população com menor grau de escolaridade é menos crítica ao realizar avaliação dos serviços recebidos, expressando assim melhor satisfação^(12,33). No mesmo diapasão, seguem estudos internacionais.

A renda de até um salário mínimo foi corroborada pelos estudos prévios⁽³⁵⁾. A demanda ao sistema de saúde aumenta nos extremos das idades, ou seja, de 0-14 em 12% e 23% acima de 60 anos. E, também, aumenta com a elevação da renda familiar por pessoa⁽³⁶⁾. Quanto à situação empregatícia, constatou-se que 53,3% estão desempregados (n=354) e apenas 43,2% trabalham (n=287).

Ante os achados explanados, foi permitido observar que o atributo “Orientação Comunitária”, obteve avaliação negativa com escore de 3,8 (±2,3) em todas as 14 UBS e em todos os sete distritos sanitários (Tabela 3). Este resultado assemelha-se aos localizados em estudos recentes⁽²⁾. Fato este que compromete o empoderamento da autonomia e a cidade, estabelecida na Lei nº. 8142/90⁽³⁷⁾.

Esses achados podem concorrer para a discussão da necessidade do desenvolvimento de políticas públicas no município estudado e quiçá a nível nacional, que incitem a participação da comunidade, a promoção da saúde e auxiliem os gestores na reflexão sobre suas decisões, favorecedoras do empoderamento da comunidade, ampliação do direito à cidadania e melhora da qualidade de vida.

O atributo “Orientação Comunitária” permite aos profissionais de saúde da ESF conhecerem o espaço físico, social, cultural, epidemiológico e comportamental das pessoas que convivem na comunidade, os quais ressoam sobre a situação de saúde dos usuários. Uma das formas de aproximação e conhecimento da realidade vivenciada pelas famílias que constituem o foco do processo de trabalho das ESF é a visita domiciliar (VD)⁽²⁾. Ao serem indagados se algum profissional realizou VD, 48,4% afirmaram “com certeza, sim”. Compete a estas utilizar este momento para estabelecer vínculos com as famílias, desenvolver ações de promoção de saúde e prevenção de doenças⁽³⁸⁾. Uma pesquisa realizada em Mato Grosso evidenciou que não é uma característica exclusiva do profissional enfermeiro, ao constatar que os médicos também não a realizam, repetindo-se o foco no modelo “biologicista” dirigido à pessoa.

O escore baixo, com média de 3,8 (±2,3), pode sinalizar que houve influência das avaliações negativas do atributo “Integralidade”, em ambos os componentes, e “Acesso Primeiro Contato - Acessibilidade”. Esta avaliação negativa é um indicativo de que pode estar acontecendo deficiência das UBS ao desconsiderarem em seu planejamento o ambiente físico, social, econômico, cultural e familiar⁽⁴⁾.

Igualmente, o fato de 57,5% (n=262) dos usuários terem afirmado que desconheciam a realização de pesquisa sobre o nível de satisfação das necessidades das pessoas (J5), encontra-se similaridade com os achados de estudos prévios; 42,5% (194) dos entrevistados asseguraram (J2) que “com certeza”, os profissionais desconhecem os problemas de saúde da comunidade. Infere-se que o distanciamento dos usuários quanto à realização de pesquisa decorre da deficiência de sua elaboração ou por serem realizadas durante as visitas domiciliares, sem a devida explicação do objetivo do estudo⁽²⁶⁾. Nesse sentido, estudo realizado em São Luiz⁽⁹⁾, tendo por objeto esta temática, revela um grande número de respostas “não sei” e avaliação negativa, comprovando o desconhecimento da comunidade sobre as ações desenvolvidas pelas ESF ou sua elementar participação nos fóruns democráticos, como o Conselho Municipal de Saúde.

Os usuários, ao serem perguntados se os profissionais escutavam suas opiniões e ideias durante as consultas (J3), 41,6% (n=271) afiançaram “com certeza, não” e “provavelmente, não” e 49,5% (n=322) afirmaram que “com certeza, sim”.

Outro escore inferior ao ponto de corte (≥6,60) ressalta o fato de apenas 2,9% (n=13) dos usuários (J6) admitirem que foram convidados para participar das reuniões do Conselho Municipal de Saúde. A participação popular recepcionada pelo SUS, estabelecida para ser implementada pela ESF, fundamenta-se na integralidade da atenção à saúde e participação da comunidade nas soluções de problemas⁽²⁶⁾. Esse empoderamento promove um contínuo acesso à informação pelos usuários e comunidade às oportunidades de aprendizado para temáticas de saúde, assim como maior envolvimento e corresponsabilidade destes na luta por maiores investimentos financeiros para APS, além do compromisso ético profissional de saúde em efetivar este atributo como uma maneira de contribuir para a promoção de cidadania à população.

Nesse contexto, os resultados negativos do estudo demonstram o imperativo de uma mudança do processo de trabalho das Equipes de Saúde da Família, visando promover a participação da população na formulação de propostas e intervenções que possam enfrentar os condicionantes sociais, culturais e econômicos, seja na atenção primária ou nas deliberações do Conselho de Saúde. E, assim, para que a atuação do Executivo se harmonize com os conhecimentos, interesses e necessidades da população.

Nessas circunstâncias, ressalta-se a PNPS, Portaria nº 2.446/2014, que adota o conceito ampliado de saúde, visando alcançar a promoção da saúde, qualidade de vida, equidade, redução da vulnerabilidade e risco à saúde. A PNPS busca alargar a autonomia e a corresponsabilidade da população no cuidado integral à saúde e, consequentemente, conseguir a diminuição das desigualdades históricas injustas e evitáveis, por meio da prática do diálogo entre os saberes técnicos, científicos e populares⁽³⁹⁾.

Assim sendo, o atributo “Orientação Comunitária” requer a participação da comunidade no processo de trabalho das ESF, por meio da ampliação de espaços de debates entre os profissionais de saúde e a comunidade, de forma a permitir o melhor acesso às necessidades de saúde dos entes da comunidade, e favorecer o vínculo longitudinal e o controle social.

De tal maneira, os profissionais, em parceria com gestores e comunidade, devem criar mecanismos e condições para reconhecer e analisar a situação local e recomendar mudanças no processo de trabalho das ESF, quando diagnosticados problemas.

Limitações do estudo

Entre os limites do estudo, destacam-se os cortes transversais, que somente examinam a relação exposição-doença, apontando as características das variáveis em dado momento. Também, o fato de a pesquisa avaliativa da APS ter sido realizada somente sob a visão dos usuários, podendo ocorrer aceitação natural da baixa qualidade da atenção recebida do provedor, interpretando como se fosse um favor, em vez de um direito, deixando explícita a representação social corrente na sociedade de que tudo que é público e gratuito é de fraca qualidade.

Contribuições para a área da Enfermagem e Saúde Pública

O estudo assinala enormes contribuições dos profissionais da Enfermagem, ao exercer ações dirigidas a diversos grupos populacionais que compõem políticas públicas e programas que favorecem a promoção da saúde e o cuidado preventivo. Portanto, os resultados desta pesquisa apontam a importância do profissional enfermeiro na avaliação do atributo “Orientação Comunitária”, permitindo, assim, maior reconhecimento e visibilidade pela comunidade do seu trabalho preventivo e de promoção da saúde. Outrossim, fornece contribuições para o planejamento municipal e para a execução do cuidado.

CONCLUSÃO

O atributo “Orientação Comunitária” foi avaliado na óptica dos usuários das UBS pesquisadas muito aquém do recomendado pelo instrumento PCATool (≥6,60), observando-se baixa presença e extensão desse atributo, dificultando a garantia de um cuidado integral e universal, e de qualidade à população das comunidades adstritas a cada UBS. Desse modo, ainda restam desafios a serem enfrentados pela gestão e profissionais de saúde, como a reorganização da APS, de forma a avalizar uma assistência integral e universal aos usuários adultos.

Recomenda-se a realização de mais estudos avaliativos em que sejam incluídos outros agentes, como os profissionais, gestores e agentes comunitários, objetivando facilitar um processo de comparação dos modos de pensar e agir sobre o atendimento à saúde dos adultos e, por conseguinte, identificando as principais necessidades dessa população e sugerir propostas de intervenções conjuntas mais adequadas à realidade vivenciada pelo usuário.

Enfim, os achados nesta pesquisa diligenciam a precisão de maior discussão nas universidades, eventos científicos e junto à comunidade, sobre a qualidade da saúde da população adulta e de forma que o profissional esteja habilitado a oferecer um cuidado integral aos adultos em todos os níveis de saúde.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  27 Jun 2019
• Data do Fascículo
  May-Jun 2019

Histórico

• Recebido
  24 Jul 2018
• Aceito
  02 Mar 2019