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ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO NO BRASIL: COMPARANDO AUTORITARISMO (1974-1979) E DEMOCRACIA (2011-2016)1 1 Este artigo resulta de pesquisa de estágio de pós-doutorado realizada entre janeiro de 2017 e fevereiro de 2019, no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED), com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O referido estágio foi supervisionado pelo Prof. Dr. Renato Raul Boschi, que coordena o INCT/PPED, juntamente com a Profa. Dra. Ana Celia Castro. Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no 10º Congreso Latinoamericano de Ciencia Política (ALACIP): Nueva Configuración del Poder y Desafíos Actuales de la Democracia en América Latina (Monterrey, México, 31/07/2019, 01, 02 e 03/08/2019). Manifesto os meus sinceros agradecimentos aos pareceristas anônimos, aos membros do corpo editorial da Revista de Economia Contemporânea (REC) e à Gerente Editorial, Carolina Dias, pelas valiosas críticas, comentários e sugestões propositivas que muito contribuíram para lapidar os argumentos desenvolvidos neste artigo. Eventuais falhas, lacunas ou omissões são de minha inteira responsabilidade.

DEVELOPMENT STRATEGIES IN BRAZIL: COMPARING AUTHORITARIANISM (1974-1979) AND DEMOCRACY (2011-2016)

RESUMO

A partir de uma análise comparada e da mobilização da literatura de Ciência Política, Economia e Economia Política do Desenvolvimento, este artigo analisa as relações entre o Estado brasileiro, a burocracia econômica, o empresariado industrial e o capitalismo financeiro em duas estratégias de desenvolvimento similares, contudo, processadas em regimes políticos antípodas: o Nacional-Desenvolvimentismo Autoritário (1974-1979) e o Novo Desenvolvimentismo Democrático (2011-2016). Os resultados da pesquisa mostram que, no primeiro caso, o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) constituiu uma ação deliberada do Estado para transformar estruturalmente o capitalismo industrial e aprofundar a industrialização substitutiva de importações (ISI) a partir de um modelo de desenvolvimento pautado na mudança estrutural com endividamento. Tal paradigma refuta a ideologia do livre-mercado, mas enfrenta os poderosos interesses da grande imprensa e do capitalismo financeiro materializados na “campanha contra a estatização da economia”. No segundo caso, que assinala a primazia do capital financeiro rentista e improdutivo - fruto das profundas transformações da economia internacional na década de 1970 -, o governo Dilma Rousseff tentou inverter a tradicional “equação distributiva” no Brasil, fundamentada na “privatização dos ganhos” e na “socialização dos prejuízos”, que remetem aos governos de Getúlio Vargas e João Goulart. Ademais, buscou reforçar o modelo de desenvolvimento produtivo/industrializante, todavia, sucumbiu diante do poder do capital financeiro articulado politicamente a uma poderosa coalizão liberal-conservadora signatária de uma agenda socialmente regressiva e de destruição dos fundamentos da Constituição Federal de 1988. Ambos os experimentos evidenciam os obstáculos estruturais impostos pelo sistema financeiro a uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo direcionada ao setor produtivo.

PALAVRAS-CHAVE:
estratégias de desenvolvimento; nacional-desenvolvimentismo autoritário; novo-desenvolvimentismo democrático; conflito distributivo; Brasil

ABSTRACT

Based on a comparative analysis and mobilization of the literature on political science, economics, and political economy of development, this article analyzes the relations between the Brazilian state, economic bureaucracy, industrial entrepreneurship, and financial capitalism in two similar development strategies, but processed in antipodal political regimes: the authoritarian national developmentalism (1974-1979) and the new democratic developmentalism (2011-2016). Results show that, in the first case, the II National Development Plan (II PND) consisted of a deliberate state action to structurally transform industrial capitalism and deepen import-substituting industrialization (ISI) from a development model based on structural change with debt. Such paradigm refutes the free-market ideology, but confronts the powerful interests of mainstream press and financial capitalism materialized in the “campaign against the nationalization of the economy.” In the second case, which marks the primacy of rent-seeking and unproductive financial capital - fruit of the profound changes in the international economy in the 1970s -, President Rousseff’s government tried to invert the traditional “distributive equation” in Brazil, based on the “privatization of gains” and “socialization of losses,” which dates back to presidents Vargas and Goulart. It also sought to reinforce the productive/industrializing development model but succumbed to the power of financial capital politically articulated a powerful liberal-conservative coalition that represented a socially regressive agenda seeking to destroy the foundations of the 1988 Federal Constitution. Both experiments show the structural obstacles imposed by the financial system to a long-term development strategy directed to the productive sector.

KEYWORDS:
development strategies; authoritarian national developmentalism; new democratic developmentalism; distributive conflict; Brazil

INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é estabelecer um estudo de viés comparativo no sentido de escrutinar a conformação das coalizões político-econômicas subjacentes às relações entre o Estado brasileiro, a burocracia econômica, o empresariado industrial e o capitalismo financeiro em duas estratégias de desenvolvimento e regimes políticos antípodas, isto é, o Nacional-Desenvolvimentismo Autoritário (1974-1979) e o Novo Desenvolvimentismo Democrático (2011-2016). O primeiro caso analisa o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) (e a “campanha contra a estatização da economia”) enquanto ação deliberada do Estado no sentido de transformar estruturalmente o capitalismo industrial e aprofundar a industrialização substitutiva de importações (ISI) a partir de um modelo de desenvolvimento pautado na mudança estrutural com endividamento, que refuta a ideologia do livre-mercado e enfrenta os interesses enraizados do capital financeiro, relegando-os a um plano secundário. No segundo caso, a pesquisa enfatiza os conflitos com o empresariado industrial e o capitalismo financeiro, no âmago da multifacetada coalizão do governo Dilma Rousseff, na atual etapa de financeirização global.

Embora destituída de capacidades políticas para gerir, coordenar e operacionalizar a coalizão governativa, a presidente tenta inverter a tradicional “equação distributiva” no Brasil, fundamentada na “privatização dos ganhos” e na “socialização dos prejuízos”, reforçar o modelo de desenvolvimento produtivo/industrializante e minimizar o poder do capital rentista e improdutivo, mas não resiste ao receituário liberal-ortodoxo. No contexto em que o empresariado “produtivo” está amalgamado à dinâmica da financeirização, configura-se a reprimarização da pauta exportadora, a perda de sofisticação tecnológica e complexidade econômica, a indústria manufatureira perde expressivo espaço no PIB e o capitalismo financeiro encontra-se cada vez mais articulado e politicamente estruturado (BOSCHI; PINHO, 2019aBOSCHI, R.; PINHO, C. E. S. Crise fiscal, pensamento empresarial e financeirização no Brasil: a desconstrução da ordem corporativa no século XXI. In: GIACALONE, R. (Ed.). El pensamiento empresarial latinoamericano en el Siglo XXI. Bogotá: Ediciones Universidad Cooperativa de Colombia, 2019a. (Colección Pensamiento Global). ; 2019bBOSCHI, R.; PINHO, C. E. S. Crisis and austerity: the recent trajectory of capitalist development in Brazil. Contemporary Politics, v. 25, n. 3 p. 292-312, 2019b. DOI: 10.1080/13569775.2018.1555783.
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; GALA, 2017GALA, P. Complexidade econômica: Uma nova perspectiva para entender a antiga questão da riqueza das nações. Rio de Janeiro: Contraponto ; Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, 2017.; PINHO, 2019PINHO, C. E. S. Planejamento estratégico governamental no Brasil: Autoritarismo e democracia (1930-2016). Curitiba: Editora Appris , 2019.; PINHO; FREITAS, 2020PINHO, C. E. S.; FREITAS, S. Introdução. In: FREITAS, S.; PINHO, C. E. S. (Orgs.). Empresariado e poder político no Brasil: Uma perspectiva multidimensional. São Paulo: Editora Alameda, 2020.).

De forma similar ao Nacional-Desenvolvimentismo Autoritário (1964-1985), ainda que em regime político antípoda, o Novo Desenvolvimentismo Democrático (2011-2016) e sua modalidade capitalista de intervencionismo estatal também sofreu forte resistência das elites político-econômicas. O ativismo estatal ensejado pela presidente Dilma Rousseff no sentido de impulsionar a retomada da industrialização; o incremento do investimento em infraestrutura (reduzindo as margens de lucro do grande capital); disciplinar o capitalismo financeiro e aprofundar as conquistas sociais dos trabalhadores via regulação do mercado de trabalho; e a valorização do salário mínimo e crescimento das transferências governamentais (aposentadorias, pensões, Benefício de Prestação Continuada, políticas de transferência de renda focalizadas) desencadeou a repulsa do grande capital amalgamado às finanças globais (BASTOS, 2017BASTOS, P. P. Z. Ascensão e crise do governo Dilma Rousseff e o golpe de 2016: poder estrutural, contradição e ideologia. Revista de Economia Contemporânea, v. 21, n. 1, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198055272129. Acesso em: 29 jul. 2020.
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; BOSCHI; PINHO, 2019aBOSCHI, R.; PINHO, C. E. S. Crise fiscal, pensamento empresarial e financeirização no Brasil: a desconstrução da ordem corporativa no século XXI. In: GIACALONE, R. (Ed.). El pensamiento empresarial latinoamericano en el Siglo XXI. Bogotá: Ediciones Universidad Cooperativa de Colombia, 2019a. (Colección Pensamiento Global). ; 2019bBOSCHI, R.; PINHO, C. E. S. Crisis and austerity: the recent trajectory of capitalist development in Brazil. Contemporary Politics, v. 25, n. 3 p. 292-312, 2019b. DOI: 10.1080/13569775.2018.1555783.
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; PINHO, 2019PINHO, C. E. S. Planejamento estratégico governamental no Brasil: Autoritarismo e democracia (1930-2016). Curitiba: Editora Appris , 2019., 2020PINHO, C. E. S. The responses of the authoritarian national developmentalism to the structural economic crisis (1973-1985). Brazilian Journal of Political Economy, v. 40, n. 2, p. 411-431, São Paulo, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31572020000200411&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 16 jun. 2020.
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, 2021PINHO, C. E. S. Welfare state and epistemic communities of fiscal austerity in Brazil: from Lula da Silva to Jair Bolsonaro (2003-2020). Sociedade & Estado, v. 36, n. 1, p. 195-216, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/se/a/GqvHyvFSkFSNyJf7K7V9jkx/ . Acesso em: 6 set. 2021.
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; PINHO; FREITAS, 2020PINHO, C. E. S.; FREITAS, S. Introdução. In: FREITAS, S.; PINHO, C. E. S. (Orgs.). Empresariado e poder político no Brasil: Uma perspectiva multidimensional. São Paulo: Editora Alameda, 2020.; SINGER, 2018SINGER, A. O lulismo em crise: Um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016). São Paulo: Companhia das Letras , 2018.).

As questões que esta pesquisa se propõe a responder são as seguintes: como se consubstanciou o processo de expansão do Estado no pós-1964? Quais as relações entre o Estado, o empresariado industrial, a burocracia econômica e o capitalismo financeiro durante o Nacional-Desenvolvimentismo Autoritário (1974-1979) e o Novo-Desenvolvimentismo Democrático (2011-2016)? Por que razões ambas as estratégias de desenvolvimento - ancoradas no ativo intervencionismo estatal para o aprofundamento da industrialização, porém, distintas do ponto de vista do regime político - malograram no propósito de subordinar o capitalismo financeiro rentista a um projeto de desenvolvimento de longo prazo e fortalecedor do setor produtivo?

A hipótese do artigo é que tanto o Nacional-Desenvolvimentismo Autoritário como o Novo-Desenvolvimentismo Democrático, a partir da ação deliberada do Estado, da mobilização de instâncias decisórias da burocracia estatal e do reforço do papel estratégico dos bancos públicos, procuraram alavancar a industrialização e imprimir um viés produtivo ao capitalismo. Ademais, buscaram alterar a correlação de forças ao subordinar o sistema financeiro à lógica de intervenção do Estado na economia de cunho desenvolvimentista. Todavia, ambas as estratégias malograram no aprofundamento da industrialização em virtude da emergência de crises (exógenas e endógenas) que reafirmaram a primazia de políticas macroeconômicas neoliberais, a supremacia do rentismo e o poder incontrastável do capital financeiro improdutivo vinculado a ganhos de curto prazo. O artigo busca avançar na literatura, na produção de conhecimento acerca da Economia Política do Desenvolvimento em perspectiva comparada e fornecer uma contribuição ao analisar as convergências e dissonâncias de dois períodos críticos da história brasileira.

No processo de construção do argumento desta reflexão, cabe-nos matizar e diferenciar os conceitos de “desenvolvimentismo” e “novo-desenvolvimentismo” à luz da literatura clássica e da mais recentemente produzida. O primeiro diz respeito à estratégia nacional de desenvolvimento industrial que irrompeu na década de 1930, quando do governo de Getúlio Vargas, com fito de edificar as bases do moderno Estado nacional, e que durou até o fim do Nacional-Desenvolvimentismo Autoritário (1964-1985) (PINHO, 2019PINHO, C. E. S. Planejamento estratégico governamental no Brasil: Autoritarismo e democracia (1930-2016). Curitiba: Editora Appris , 2019.). A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) por meio do método histórico estruturalista, teve um papel fundamental para pensar as especificidades do subdesenvolvimento latino-americano e do Brasil em particular. Nesse sentido, a intervenção do Estado seria um imperativo para planejar a economia, alavancar a industrialização, diversificar a estrutura produtiva, fortalecer o mercado interno, redistribuir a renda e reduzir o quadro de pauperização social (BIELSCHOWSKY, 2000aBIELSCHOWSKY, R. (Org.). Cinqüenta anos de pensamento na CEPAL. Rio de Janeiro: Record; Cepal; Cofecon, 2000a.; 2000bBIELSCHOWSKY, R. Pensamento econômico brasileiro: O ciclo ideológico do desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000b.; BRESSER-PEREIRA, 2005BRESSER-PEREIRA, L. C. Proposta de desenvolvimento para o Brasil. In: SICSÚ, J.; DE PAULA, L. F.; MICHEL, R. (Orgs.) Novo-desenvolvimentismo: Um projeto nacional de crescimento com equidade social. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2005., 2007BRESSER-PEREIRA, L. C. Novo desenvolvimentismo e ortodoxia convencional. In: DINIZ, E. (Org.). Globalização, estado e desenvolvimento. Rio de Janeiro: FGV Editora , 2007., 2009BRESSER-PEREIRA, L. C. Globalização e competição: Por que alguns países emergentes têm sucesso e outros não. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.; SUNKEL; PAZ, 1974SUNKEL, O.; PAZ, P. Os conceitos de desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Forum; Hachette, 1974.).

O legado institucional de Getúlio Vargas se expressou na recusa à lógica do mercado autorregulável para alcançar o desenvolvimento econômico, a redução da desigualdade e a coesão social. Assim, para corrigir as falhas de mercado e efetuar a “regulação pública do individualismo econômico” (BASTOS; FONSECA, 2012BASTOS, P. P. Z.; FONSECA, P. C. D. Desenvolvimentismo, economia e sociedade na Era Vargas. In: BASTOS, P. P. Z.; FONSECA, P. C. D. (Orgs.). A era Vargas: Desenvolvimentismo, economia e sociedade. São Paulo: Editora Unesp, 2012., p. 12), Vargas criou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT/1943) e os benefícios à classe trabalhadora (férias remuneradas, salário-mínimo, jornada de trabalho e aposentadoria), a estrutura normativa de regulação das relações capital/trabalho e a Justiça do Trabalho. Do ponto de vista do desenvolvimento industrial, destacam-se o financiamento do BNDE para o investimento em infraestrutura, a criação da Petrobrás, da Eletrobras, da Companhia Vale do Rio Doce e da Companhia Siderúrgica Nacional (BASTOS; FONSECA, 2012BASTOS, P. P. Z.; FONSECA, P. C. D. Desenvolvimentismo, economia e sociedade na Era Vargas. In: BASTOS, P. P. Z.; FONSECA, P. C. D. (Orgs.). A era Vargas: Desenvolvimentismo, economia e sociedade. São Paulo: Editora Unesp, 2012.).

Nos termos de Pedro Cesar Dutra Fonseca, o desenvolvimentismo possui um “núcleo duro” que o singulariza, isto é: i) a defesa da industrialização; ii) do nacionalismo; e iii) do intervencionismo para o crescimento econômico2 2 Contudo, tais elementos do “núcleo duro” nem sempre estiveram associados historicamente, uma vez que muito tempo foi necessário para assegurar a sua união em torno de um ideário comum, dotado de certa coerência. Isto implica afirmar que nem sempre o intervencionismo estatal foi signatário da industrialização, ou que teve como meta basilar o crescimento e o desenvolvimento econômicos (FONSECA, 2012, p. 22). . Ainda que essas ideias remontem ao período colonial e ao Império, demoraram para unirem-se a um propósito singular. Além da integração entre essas três esferas, o sentido da ideologia desenvolvimentista se concretiza a partir do momento em que um conjunto complexo de ideias passa a justificar-se a si mesma. Trata-se da defesa enfática de que a principal incumbência do governo “consiste na busca do desenvolvimento econômico, que este é seu maior dever, seu objetivo central, no limite, sua razão de ser” (FONSECA, 2012FONSECA, P. C. D. Gênese de precursores do desenvolvimentismo no Brasil. In: BASTOS, P. P. Z.; FONSECA, P. C. D. (Orgs.). A era Vargas: Desenvolvimentismo, economia e sociedade . São Paulo: Editora Unesp , 2012., p. 23).

De acordo com Luiz Carlos Bresser-Pereira, o “novo-desenvolvimentismo” emerge como uma estratégia nacional de desenvolvimento que, embora reconheça a importância do mercado, se diferencia das reformas estruturais impostas pelo Consenso de Washington, na década de 1990. Tais políticas liberalizantes atrofiaram o papel do Estado, hipertrofiaram o mercado, financiaram o crescimento com poupança externa e delegaram às instituições a função de somente resguardar os direitos de propriedade e os contratos. O “novo-desenvolvimentismo”, contudo, devota um papel de centralidade ao Estado para a consecução de uma estratégia nacional de crescimento com inserção internacional soberana. No ambiente de globalização financeira, emerge como alternativa ao “desenvolvimentismo” e ao neoliberalismo, defendendo a política industrial, o investimento público e o financiamento do crescimento com poupança interna. Tal como no desenvolvimentismo, sobretudo nos governos de Getúlio Vargas, o “novo-desenvolvimentismo” requer a construção de uma coalizão de classes para a modernização capitalista. Tal coalizão, por seu turno, é constituída pelos empresários industriais, os trabalhadores e a burocracia pública/profissional. Ela se contrapõe à coalizão neoliberal representada pelos capitalistas rentistas e financistas. Em suma, a política de retração das desigualdades concebida pelo “novo-desenvolvimentismo” está alicerçada em quatro pilares: salário-mínimo, construção do Estado social, tributação progressiva e a definição de uma taxa de juros que viabilize a política monetária pelo Banco Central (BRESSER-PEREIRA, 2005BRESSER-PEREIRA, L. C. Proposta de desenvolvimento para o Brasil. In: SICSÚ, J.; DE PAULA, L. F.; MICHEL, R. (Orgs.) Novo-desenvolvimentismo: Um projeto nacional de crescimento com equidade social. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2005., 2007BRESSER-PEREIRA, L. C. Novo desenvolvimentismo e ortodoxia convencional. In: DINIZ, E. (Org.). Globalização, estado e desenvolvimento. Rio de Janeiro: FGV Editora , 2007., 2009BRESSER-PEREIRA, L. C. Globalização e competição: Por que alguns países emergentes têm sucesso e outros não. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009., 2016BRESSER-PEREIRA, L. C. Reflexões sobre o Novo Desenvolvimentismo e o Desenvolvimentismo Clássico. Revista de Economia Política, v. 36, n. 2, 2016. DOI: 10.1590/0101-31572015v36n02a01.
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, 2018BRESSER-PEREIRA, L. C. Em busca do desenvolvimento perdido: Um projeto novo-desenvolvimentista para o Brasil. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018. ).

Argumentamos que as distinções entre o “desenvolvimentismo” e o “novo-desenvolvimentismo” residem nas diferenças no tocante ao regime político (autoritarismo/democracia) e nas políticas econômicas implementadas, que, por sua vez, são distintas e com princípios diversos. Reconhecemos que há um espaço de tempo de três décadas entre os períodos e estratégias de desenvolvimento examinados, respectivamente, no autoritarismo (1974-1979) e na democracia (2011-2016). Porém, com relação à metodologia de análise comparativa de processos político-econômicos, históricos e sociais levados a efeito neste estudo, a justificativa reside no fato de que, diferentemente do “desenvolvimentismo”, que enfatizou a dimensão produtiva do capitalismo como alavanca da industrialização e da diversificação da economia, o contexto do “novo desenvolvimentismo” é marcado pela primazia do capital financeiro global. Tal hegemonia é fruto das transformações no arranjo monetário internacional que remontam à década de 1970, como os choques do petróleo (1973 e 1979), a elevação da taxa de juros pelo Banco Central dos EUA, em 1979, a forte restrição do crédito externo, o fim da liquidez internacional e o advento de uma política recessiva no plano doméstico. O fato é que a economia internacional afetou a política macroeconômica do Nacional-Desenvolvimentismo Autoritário, com impactos sobre a coalizão político-econômica de sustentação do regime, seguido do esgotamento do II PND e do modelo de mudança estrutural com endividamento. Esta reflexão mostra que, embora o “novo desenvolvimentismo democrático” de Dilma Rousseff tenha enfrentado o sistema financeiro, a fim de retomar o paradigma industrial, produtivo e distributivo, a poderosa coalizão liberal-conservadora, amalgamada ao capital rentista e improdutivo, impôs profundas limitações ao Estado brasileiro. Tamanho obstáculo se verificou, dentre diversos aspectos, na coordenação da política macroeconômica para a consecução de uma estratégia nacional de desenvolvimento sustentável, soberana e redutora das desigualdades estruturais.

É importante explorar as diferenças bem como as filiações teórico-conceituais e epistemológicas dos autores e obras examinados neste artigo. Primeiramente, destacam-se economistas de vertente desenvolvimentista, cuja abordagem é influenciada pelo estruturalismo da CEPAL, como Bielschowsky (2000aBIELSCHOWSKY, R. (Org.). Cinqüenta anos de pensamento na CEPAL. Rio de Janeiro: Record; Cepal; Cofecon, 2000a.; 2000bBIELSCHOWSKY, R. Pensamento econômico brasileiro: O ciclo ideológico do desenvolvimentismo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000b.), Castro (1994CASTRO, A. B. Renegate development: rise and demise of State-led development in Brazil. In: SMITH, W. C.; ACUÑA, C. H.; GAMARRA, E. A. (Eds.). Democracy, markets, and structural reform in Latin America: Argentina, Bolivia, Brazil, Chile, and Mexico. Miami: University of Miami; North-South Center Press, 1994.), Castro e Souza (1985CASTRO, A. B.; SOUZA, F. E. P. A economia brasileira em marcha forçada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.), Furtado (1982FURTADO, C. A nova dependência: Dívida externa e monetarismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1982.), Lessa (1979LESSA, C. A estratégia de desenvolvimento, 1974-1976: Sonho e fracasso. Rio de Janeiro: Reproarte, 1979.), Sunkel e Paz (1974SUNKEL, O.; PAZ, P. Os conceitos de desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Forum; Hachette, 1974.), Tavares e Assis (1985TAVARES, M. C.; ASSIS, J. C. O grande salto para o caos: A economia política e a política econômica do regime autoritário. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1985.). Em segundo lugar, os pesquisadores do campo da Ciência Política, da Economia e da Economia Política do Desenvolvimento, cujos arcabouços teóricos comportam as dimensões do institucionalismo, do pensamento econômico heterodoxo e a herança estruturalista do desenvolvimentismo cepalino - ressignificada em face das limitações estruturais determinadas pela globalização financeira. Tais estudos dedicam-se à formulação teórica de um modelo de desenvolvimento alternativo ao fracasso da ortodoxia neoliberal e das reformas pró-mercado dos anos 1990, caracterizadas por políticas de liberalização dos mercados, desregulamentação financeira, privatização e redução do papel do Estado na promoção de políticas públicas. Nesse sentido, são elucidativos os trabalhos de Bresser-Pereira (2005BRESSER-PEREIRA, L. C. Proposta de desenvolvimento para o Brasil. In: SICSÚ, J.; DE PAULA, L. F.; MICHEL, R. (Orgs.) Novo-desenvolvimentismo: Um projeto nacional de crescimento com equidade social. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2005., 2007BRESSER-PEREIRA, L. C. Novo desenvolvimentismo e ortodoxia convencional. In: DINIZ, E. (Org.). Globalização, estado e desenvolvimento. Rio de Janeiro: FGV Editora , 2007., 2009BRESSER-PEREIRA, L. C. Globalização e competição: Por que alguns países emergentes têm sucesso e outros não. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009., 2016BRESSER-PEREIRA, L. C. Reflexões sobre o Novo Desenvolvimentismo e o Desenvolvimentismo Clássico. Revista de Economia Política, v. 36, n. 2, 2016. DOI: 10.1590/0101-31572015v36n02a01.
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, 2018BRESSER-PEREIRA, L. C. Em busca do desenvolvimento perdido: Um projeto novo-desenvolvimentista para o Brasil. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018. ), Diniz e Boschi (2004DINIZ, E.; BOSCHI, R. R. Empresários, interesses e mercado: Dilemas do desenvolvimento brasileiro. Belo Horizonte: Editora UFMG , 2004., 2007DINIZ, E.; BOSCHI, R. R. A difícil rota do desenvolvimento: Empresários e a agenda pós-neoliberal. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007., 2013DINIZ, E.; BOSCHI, R. R. Uma nova estratégia de desenvolvimento? In: BRESSER-PEREIRA, L. C. (Org.). O que esperar do Brasil? Rio de Janeiro: Editora FGV , 2013., 2014DINIZ, E.; BOSCHI, R. R. Reforma administrativa no Brasil dos anos 90: Projeto e processo. In: SOARES, G. A. D.; LAVAREDA, A. (Orgs.). A Relevância da Ciência Política: Comentários à contribuição de Olavo Brasil de Lima Júnior. Rio de Janeiro: Revan, 2014.). Em terceiro lugar ficam os pesquisadores da Ciência Política e da História cujos trabalhos debruçaram-se sobre o estudo do Estado, do corporativismo estatal, da burocracia governamental e do empresariado no Brasil: Abranches (1978ABRANCHES, S. The divided leviathan: State and economic policy formation in authoritarian Brazil. 1978. Thesis (Ph.D Philosophy) - Cornell University, Ithaca, New York, August, 1978.), Abrucio, Pedroti e Pó (2010ABRUCIO, F. L.; PEDROTI, P.; PÓ, M. V. A formação da burocracia brasileira: A trajetória e o significado das reformas administrativas. In: LOUREIRO, M. R.; ABRUCIO, F.; PACHECO, R. (Orgs.). Burocracia e política no Brasil: Desafios para a Ordem Democrática no século XXI. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.), Amorim Neto (2007)AMORIM NETO, O. O Poder Executivo, centro de gravidade do sistema político brasileiro. In: AVELAR, L.; CINTRA, O. (Orgs.). Sistema político brasileiro: Uma introdução. São Paulo: Fundação Unesp Editora, 2007. , Araújo Filho (2016)ARAÚJO FILHO, V. F. Presidentes fortes e presidência fraca: A expansão do poder executivo e a organização da presidência da República no Brasil (1930-1989). Curitiba: Editora Appris, 2016., Campos (2014CAMPOS, P. H. P. Estranhas catedrais: As empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988. Niterói: Editora da UFF, 2014.), Carvalho (2011CARVALHO, E. D. P. O Aparelho Administrativo Brasileiro: sua Gestão e seus Servidores - de 1930 aos dias atuais. In: CARDOSO JR., J. C. (Org.). Burocracia e Ocupação no Setor Público Brasileiro. Rio de Janeiro: IPEA, 2011. Disponível em: Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livro_dialogosdesenvol05.pdf . Acesso em: 7 set. 2021.
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). Por fim, pesquisas mais recentes nos âmbitos da Economia e da Ciência Política que analisam temas como, coalizões político-institucionais e societais, economia política, poder político do empresariado, hegemonia do capital financeiro improdutivo, crise dos governos desenvolvimentistas e esfacelamento do Estado de Bem-Estar Social: Bastos (2017BASTOS, P. P. Z. Ascensão e crise do governo Dilma Rousseff e o golpe de 2016: poder estrutural, contradição e ideologia. Revista de Economia Contemporânea, v. 21, n. 1, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198055272129. Acesso em: 29 jul. 2020.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
), Boito Jr. (2018)BOITO JR., A. Reforma e crise política no Brasil: Os conflitos de classe nos governos do PT. Campinas: Editora Unicamp/Editora Unesp, 2018., Boschi e Pinho (2019aBOSCHI, R.; PINHO, C. E. S. Crise fiscal, pensamento empresarial e financeirização no Brasil: a desconstrução da ordem corporativa no século XXI. In: GIACALONE, R. (Ed.). El pensamiento empresarial latinoamericano en el Siglo XXI. Bogotá: Ediciones Universidad Cooperativa de Colombia, 2019a. (Colección Pensamiento Global). ; 2019bBOSCHI, R.; PINHO, C. E. S. Crisis and austerity: the recent trajectory of capitalist development in Brazil. Contemporary Politics, v. 25, n. 3 p. 292-312, 2019b. DOI: 10.1080/13569775.2018.1555783.
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), Carvalho (2018CARVALHO, L. Valsa Brasileira: Do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018.), Dowbor (2017DOWBOR, L. A era do capital improdutivo. A nova arquitetura do poder: dominação financeira, sequestro da democracia e destruição do planeta. São Paulo: Autonomia Literária, 2017.), Fleury e Pinho (2018FLEURY, S.; PINHO, C. E. S. Authoritarian governments and the corrosion of the social protection network in Brazil. Revista Katálysis, v. 21, n. 1, p. 29-42, 2018. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rk/v21n1/1414-4980-rk-21-01-00029.pdf . Acesso em: 17 jun. 2019.
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, 2019FLEURY, S.; PINHO, C. E. S. La deconstrucción de la democracia social y de la ciudadanía urbana en Brasil. Medio Ambiente y Urbanización, v. 90, n. 1, p. 271-304, 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.ingentaconnect.com/contentone/iieal/meda/2019/00000090/00000001/art00014 . Acesso em: 21 jan. 2020.
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), Ianoni (2018IANONI, M. Estado e coalizões no Brasil: Social-desenvolvimentismo e neoliberalismo. Rio de Janeiro: Contraponto , 2018. ), Pinho (2017PINHO, C. E. S. Ascensão e ocaso do Governo Dilma Rousseff à luz das capacidades do estado brasileiro: usurpação democrática e corrosão do estado do bem-estar social (2011-2016). In: CARDOSO JR., J. C. P. (Org.). Administração política, planejamento governamental e finanças públicas no Brasil contemporâneo: Perspectivas críticas ao financiamento do desenvolvimento no século XXI. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2017. vol. 2. Disponível em: Disponível em: https://fpabramo.org.br/publicacoes/wp-content/uploads/sites/5/2018/04/Planejamento-governamental-WEB.pdf . Acesso em: 29 jun. 2019.
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, 2019PINHO, C. E. S. Planejamento estratégico governamental no Brasil: Autoritarismo e democracia (1930-2016). Curitiba: Editora Appris , 2019., 2021PINHO, C. E. S. Welfare state and epistemic communities of fiscal austerity in Brazil: from Lula da Silva to Jair Bolsonaro (2003-2020). Sociedade & Estado, v. 36, n. 1, p. 195-216, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/se/a/GqvHyvFSkFSNyJf7K7V9jkx/ . Acesso em: 6 set. 2021.
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), Pinho e Freitas (2020)PINHO, C. E. S.; FREITAS, S. Introdução. In: FREITAS, S.; PINHO, C. E. S. (Orgs.). Empresariado e poder político no Brasil: Uma perspectiva multidimensional. São Paulo: Editora Alameda, 2020., Singer (2018SINGER, A. O lulismo em crise: Um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016). São Paulo: Companhia das Letras , 2018.), Streeck (2018STREECK, W. Tempo Comprado: A crise adiada do Capitalismo Democrático. São Paulo: Boitempo, 2018.).

O artigo está dividido em quatro seções, além desta introdução. A primeira investiga a expansão do Estado na ditadura militar e o crescimento da atuação empresarial do setor produtivo estatal. A segunda seção analisa a estratégia industrializante do II PND, a “campanha contra a estatização da economia”, bem como as crises e eventos internacionais que convergiram para o esgotamento do modelo de mudança estrutural com endividamento. A terceira seção explora as coalizões político-econômicas em torno do governo Dilma Rousseff e de seu experimento heterodoxo de política macroeconômica voltado para retomada da industrialização e a redução do ímpeto rentista da economia política brasileira. Finalmente, a quarta seção realiza as considerações finais.

1. EXPANSÃO DO ESTADO E DO SETOR PRODUTIVO ESTATAL NO NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO AUTORITÁRIO (1964-1985)

A ditadura militar instaurada em 1964 assinalou um processo de expansão do Estado no tocante à ampliação de sua capacidade extrativa e à extensão de suas atividades empresariais. O Estado ampliou consideravelmente sua base material, capacitando-se para fortalecer seu papel de agente financeiro. Segundo trabalho clássico de Luciano Martins (1985MARTINS, L. Estado capitalista e burocracia no Brasil pós-64. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1985.), que analisa as relações entre o Estado capitalista e a burocracia no pós-1964, a receita do governo cresceu expressivamente, correspondendo a 10,5% do PIB. Cabe destacar a centralização, pela União, da tarefa da arrecadação tributária no plano nacional. Da receita tributária total do país, a União elevou sua participação de 49,5% (1960) para 59,7% (1976), ao mesmo tempo em que declinou a parte apropriada diretamente pelos Estados (passou de 44,5% a 37,1%) e pelos Municípios (de 6% a 3,2%). A segunda dimensão escrutinada para abordar a expansão do Estado é a da ampliação de sua ação empresarial, que diz respeito à exploração da atividade econômica realizada por empresas governamentais. Na década de 1966-1976 foram criadas mais empresas governamentais (60%) do que no curso dos anos anteriores. Tamanha proporção ainda é mais elevada para as empresas da União. Entre 1966 e 1975, o número de empresas estatais passou de 40 a 271, ou seja, um aumento de 231 (MARTINS, 1985MARTINS, L. Estado capitalista e burocracia no Brasil pós-64. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1985.).

Para Olavo Brasil de Lima Jr., o regime militar acentuou significativamente a expansão do Estado, tanto no que tange ao número de agências criadas, como no que se refere ao número de empresas estatais estabelecidas. Foram criadas 68 agências, de um total de 120, abarcando o período 1945-1975. Com relação às empresas públicas, de um total de 440, abrangendo o período 1939-1983, foram criadas 267 entre 1964 e 1983 (LIMA JR., 2014LIMA JR., O. B. As reformas administrativas no Brasil: modelos, sucessos e fracassos. In: SOARES, G. A. D.; LAVAREDA, A. (Orgs.). A Relevância da Ciência Política: Comentários à contribuição de Olavo Brasil de Lima Júnior . Rio de Janeiro: Revan , 2014.). A partir de 1977, todavia, diminuiu o ritmo de criação de novas empresas, pois surgiram 23 empresas federais e estaduais entre 1977 e 1980, todas elas subsidiárias ou coligadas de grupos empresariais já existentes (REZENDE, 1987REZENDE, F. O crescimento (descontrolado) da intervenção governamental na economia brasileira. In: LIMA JR., O. B. de; ABRANCHES, S. (Coords.). As origens da crise: Estado autoritário e planejamento no Brasil. São Paulo: Vértice; Editora Revista dos Tribunais , 1987.).

Se a proliferação dos fundos estatais de financiamento e de investimento, por um lado, contribuiu para ampliar o raio de ação do Estado, enquanto ator econômico, por outro, fragmentou a sua organização interna e introduziu um conjunto de práticas administrativas quase empresariais no comportamento da burocracia pública. A constituição de fundos de investimento e de financiamento, como forma de assegurar a continuidade de programas julgados prioritários, mais do que triplicou no período 1964-1974. Entre 1971 e 1975, seu crescimento foi de 321% em termos reais. De forma intensa, a expansão e a diversificação de atividades das empresas governamentais se iniciaram e se consolidaram posteriormente a 1964. A especulação da Bolsa de Valores, desde o início da década de 1970, atividade incentivada pelo próprio regime, foi majoritariamente sustentada pelos papéis de empresas governamentais. No período 1972 a 1975, papéis de empresas governamentais responderam por cerca de 75%, em média, do conjunto das transações realizadas. O crescimento da empresa governamental foi fruto de um desenvolvimento “natural”, subjacente à sua qualidade também de grande empresa capitalista, prescindindo de qualquer ideologia de cunho estatizante (MARTINS, 1985MARTINS, L. Estado capitalista e burocracia no Brasil pós-64. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1985., p. 71-72). Tendo em vista a precariedade do setor privado nacional, é o Estado que passa a se constituir no único interlocutor à altura do capital estrangeiro e, dessa forma, no mediador da integração do país ao capitalismo mundial, sobretudo como sócio ao nível da produção (MARTINS, 1985MARTINS, L. Estado capitalista e burocracia no Brasil pós-64. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1985., p. 70).

É crucial salientar a relevância do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, que contribuiu para a expansão do aparato estatal durante o Nacional Desenvolvimentismo Autoritário (1964-1985) (PINHO, 2019PINHO, C. E. S. Planejamento estratégico governamental no Brasil: Autoritarismo e democracia (1930-2016). Curitiba: Editora Appris , 2019., 2020PINHO, C. E. S. The responses of the authoritarian national developmentalism to the structural economic crisis (1973-1985). Brazilian Journal of Political Economy, v. 40, n. 2, p. 411-431, São Paulo, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31572020000200411&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 16 jun. 2020.
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), sobretudo a partir do insulamento burocrático (NUNES, 2003NUNES, E. A gramática política no Brasil: Clientelismo e insulamento burocrático. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.), blindando o núcleo técnico e decisório do Estado contra as pressões da sociedade civil e de organizações intermediárias. O supracitado decreto discorre sobre a organização da administração federal, dividindo o setor público em quatro grandes conjuntos de instituições, com características diversas do ponto de vista da autonomia de decisão, fonte de recursos e personalidade jurídica: i) administração direta; ii) autarquias; iii) empresas públicas; e iv) sociedades de economia mista. Um dos objetivos explícitos dessa reforma era aumentar a eficiência na produção pública pela descentralização na execução das atividades governamentais bem como instituir formas flexíveis de contratação, recrutamento e remuneração via CLT também na administração direta e autarquias. O resultado foi a duplicidade do regime jurídico de pessoal e, na prática, a dispensa do uso do concurso como mecanismo de entrada no serviço público. Entretanto, tal descentralização incentivada pela Reforma Administrativa de 1967 não constitui um fenômeno novo. O monumental crescimento do setor público brasileiro desde o início dos anos 1950 foi marcado por uma demasiada descentralização na produção pública. No âmbito do projeto modernizador da ditadura militar, a Reforma Administrativa de 1967 buscava adequar a máquina pública a esse empenho desenvolvimentista, consolidando a administração indireta de modo a atribuir às estatais “relativa autonomia e modus operandi de pessoa jurídica de direito privado” (CARVALHO, 2011CARVALHO, E. D. P. O Aparelho Administrativo Brasileiro: sua Gestão e seus Servidores - de 1930 aos dias atuais. In: CARDOSO JR., J. C. (Org.). Burocracia e Ocupação no Setor Público Brasileiro. Rio de Janeiro: IPEA, 2011. Disponível em: Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livro_dialogosdesenvol05.pdf . Acesso em: 7 set. 2021.
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, p. 57). Tais medidas possibilitaram simplificação e agilidade de procedimentos na gestão de recursos humanos e materiais, o que era impossível no âmbito da pessoa jurídica de direito público. A despeito da distância entre as metas estabelecidas e os objetivos cumpridos, o Decreto-Lei nº 200 contribuiu para a consolidação do modelo de administração para o desenvolvimento no Brasil (ABRANCHES, 1978ABRANCHES, S. The divided leviathan: State and economic policy formation in authoritarian Brazil. 1978. Thesis (Ph.D Philosophy) - Cornell University, Ithaca, New York, August, 1978.; ABRUCIO, PEDROTI; PÓ, 2010ABRUCIO, F. L.; PEDROTI, P.; PÓ, M. V. A formação da burocracia brasileira: A trajetória e o significado das reformas administrativas. In: LOUREIRO, M. R.; ABRUCIO, F.; PACHECO, R. (Orgs.). Burocracia e política no Brasil: Desafios para a Ordem Democrática no século XXI. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.; AMORIM NETO, 2007AMORIM NETO, O. O Poder Executivo, centro de gravidade do sistema político brasileiro. In: AVELAR, L.; CINTRA, O. (Orgs.). Sistema político brasileiro: Uma introdução. São Paulo: Fundação Unesp Editora, 2007. ; ARAÚJO FILHO, 2016ARAÚJO FILHO, V. F. Presidentes fortes e presidência fraca: A expansão do poder executivo e a organização da presidência da República no Brasil (1930-1989). Curitiba: Editora Appris, 2016.; CARVALHO, 2011CARVALHO, E. D. P. O Aparelho Administrativo Brasileiro: sua Gestão e seus Servidores - de 1930 aos dias atuais. In: CARDOSO JR., J. C. (Org.). Burocracia e Ocupação no Setor Público Brasileiro. Rio de Janeiro: IPEA, 2011. Disponível em: Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livro_dialogosdesenvol05.pdf . Acesso em: 7 set. 2021.
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; COSTA, 2008COSTA, F. L. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de administração pública; 200 anos de reformas. Revista de Administração Pública, v. 42, n. 5, p. 829-874, 2008. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rap/v42n5/a03v42n5.pdf . Acesso em: 30 jun. 2019.
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; FIGUEIREDO, 2010FIGUEIREDO, A. C. Executivo e burocracia. In: Horizontes das Ciências Sociais no Brasil: Ciência Política. São Paulo: ANPOCS, 2010.; IANNI, 1991IANNI, O. Estado e planejamento econômico no Brasil. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 1991.; LAFER, 2002LAFER, C. JK e o Programa de Metas (1956-1961): Processo de planejamento e sistema político no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 2002.; REZENDE, 1987REZENDE, F. O crescimento (descontrolado) da intervenção governamental na economia brasileira. In: LIMA JR., O. B. de; ABRANCHES, S. (Coords.). As origens da crise: Estado autoritário e planejamento no Brasil. São Paulo: Vértice; Editora Revista dos Tribunais , 1987.).

As empresas estatais contavam com um considerável reforço representado pela capacidade de obtenção de empréstimos (sobretudo externos) e pela transferência de recursos governamentais oriundos da vinculação de receitas de tributação (via impostos). Nestas condições, a Petrobrás e a Vale do Rio Doce representavam exemplos relevantes dessa tendência de formação de conglomerados na área industrial. Essas empresas apenas seriam responsáveis por mais de 60% das novas empresas públicas criadas entre 1966 e 1975, excluindo-se aquelas vinculadas à produção de serviços de utilidade pública, transporte e armazenagem. Deste modo, na fase de expansão (1968-1973), mais conhecida como “milagre econômico”, as condições fortemente favoráveis de crescimento aliadas à permissividade da política econômica viabilizaram um elevado grau de autonomização empresarial e financeira das empresas estatais. Tal autonomia decisória manifestou-se no que diz respeito às prioridades de investimento bem como a ampla liberdade quanto à capacidade de influenciar, ou mesmo definir, as políticas setoriais respectivas. Entretanto, na fase de crise, houve uma erosão nos diversos níveis de autonomia do setor empresarial estatal para a fixação das grandes políticas setoriais (REZENDE, 1987REZENDE, F. O crescimento (descontrolado) da intervenção governamental na economia brasileira. In: LIMA JR., O. B. de; ABRANCHES, S. (Coords.). As origens da crise: Estado autoritário e planejamento no Brasil. São Paulo: Vértice; Editora Revista dos Tribunais , 1987.).

As vantagens apreciadas pelas empresas estatais vis-à-vis às empresas privadas no período de 1950 a 1980 foram de uma natureza diversa, incluindo acesso preferencial ao Estado, maior influência na formulação de políticas econômicas em sua área e apoio público para seus projetos de investimento. Avidamente explorando estas vantagens, algumas empresas estatais tornaram-se genuínas “máquinas de acumulação”. Enquanto o PIB doméstico cresceu a uma taxa anual de 7%, os investimentos das maiores empresas estatais escalaram de 3,2% do total de investimentos em 1963 para 16% em 1970 e, finalmente, para 22% em 1979. Ademais, os investimentos das empresas estatais não se aglomeravam, na verdade, estimulavam o investimento privado que também cresceu a taxas superiores ao crescimento do PIB (CASTRO, 1994CASTRO, A. B. Renegate development: rise and demise of State-led development in Brazil. In: SMITH, W. C.; ACUÑA, C. H.; GAMARRA, E. A. (Eds.). Democracy, markets, and structural reform in Latin America: Argentina, Bolivia, Brazil, Chile, and Mexico. Miami: University of Miami; North-South Center Press, 1994., p. 199).

A reforma do Estado encampada pelo autoritarismo, a partir do Decreto Lei nº 200/1967, que convergiu para o crescimento significativo do aparato estatal teve as seguintes reverberações: i) o fechamento do sistema político; ii) a instauração de uma modalidade de presidencialismo dotada de amplas prerrogativas legislativas; iii) o desequilíbrio institucional (Executivo hipertrofiado e Legislativo esvaziado em seus poderes); iv) o isolamento da instância presidencial e seu fechamento ao escrutínio público; v) a intolerância em face da dissidência e do conflito; vi) a inoperância dos mecanismos de controles mútuos; vii) a falta de freios institucionais ao arbítrio do Executivo; viii) o estilo tecnocrático de gestão da economia e a supremacia da abordagem técnica; ix) a cultura política que deslegitima a ação dos partidos e do Congresso (DINIZ; BOSCHI, 2014DINIZ, E.; BOSCHI, R. R. Reforma administrativa no Brasil dos anos 90: Projeto e processo. In: SOARES, G. A. D.; LAVAREDA, A. (Orgs.). A Relevância da Ciência Política: Comentários à contribuição de Olavo Brasil de Lima Júnior. Rio de Janeiro: Revan, 2014.).

2. ESTADO, EMPRESARIADO INDUSTRIAL E CAPITAL FINANCEIRO NO NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO AUTORITÁRIO (1974-1979): O II PND E A “CAMPANHA CONTRA A ESTATIZAÇÃO DA ECONOMIA”

A manutenção de uma elevada taxa de crescimento econômico foi uma das prioridades do governo Geisel (1974-1979). Entre outras razões, porque um padrão econômico elevado vigente durante o “milagre econômico” (1968-1973) desempenhou um papel importante para dar legitimidade ao regime militar. Não obstante a falta de apoio político da população, a intensificação da repressão e o cerceamento dos direitos civis e políticos, o regime foi sustentado no poder desde o golpe de 1964 por meio de realizações econômicas significativas. Geisel era plenamente consciente desse fato, daí sua profunda preocupação com a necessidade de se manter no caminho rumo ao desenvolvimento. Para enfrentar as adversidades e perseguir o desenvolvimento, o Brasil adotou uma política intensiva de empréstimos no exterior, instituindo um modelo de mudança estrutural com endividamento. Além dessa alternativa, o governo Geisel reforçou a estratégia do governo do general Médici (1969-1974), que o antecedeu, de combinar a industrialização substitutiva de importações com uma economia orientada para a exportação, enfatizando particularmente a diversificação dos mercados internacionais (CASTRO; SOUZA, 1985CASTRO, A. B.; SOUZA, F. E. P. A economia brasileira em marcha forçada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.; GOMES; PINHO, 2019GOMES, E. R.; PINHO, C. E. S. After import substitution and before neoliberalism: Brazil’s export-oriented growth and the politics of textile businesspeople. In: BALESTRO, M.; GAITÁN, F. (Orgs.). Untangling industrial policy: Ideas and coordination between state and business. Brasília: Verbena Editora, 2019. vol. 1.; PINHEIRO, 1995PINHEIRO, L. de A. Foreign policy decision-making under the Geisel government: The president, the military and the foreign ministry. Thesis (PhD International Relations) - London School of Economics and Political Science, United Kingdom, 1995. Disponível em: Disponível em: http://etheses.lse.ac.uk/2838/1/U615787.pdf . Acesso em: 12 abr. 2019.
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).

O governo empossado em 1974 anunciou, através do II PND, o objetivo político de sobrepujar as forças do livre mercado e o empenho do Brasil em “cobrir a área de fronteira entre o subdesenvolvimento e o desenvolvimento” (CASTRO; SOUZA, 1985CASTRO, A. B.; SOUZA, F. E. P. A economia brasileira em marcha forçada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985., p. 30). Tal objetivo de grande envergadura abarcaria as seguintes medidas: i) afirmação de uma economia moderna, a partir da implantação de segmentos inovadores, a geração e adaptação de tecnologias; ii) adequação às contingências da economia internacional; iii) esforço de integração do território nacional; iv) formatação de uma estratégia socialmente desenvolvimentista no sentido de assegurar a todas as classes e, sobretudo, às classes média e trabalhadora, aumentos de renda expressivos, assim como suprimir, no curto prazo, a pobreza absoluta3 3 O II PND apresentou, no âmbito retórico, alguma sensibilidade à dimensão social do desenvolvimento ao asseverar que: “o governo não aceita a colocação de esperar que o crescimento econômico, por si, resolva o problema da distribuição de renda (CASTRO; SOUZA, 1985, p. 31)”. . A sabedoria econômica convencional considera duas alternativas: financiamento ou ajustamento. As medidas de austeridade, alicerçadas na tortuosa profissão de fé na “mágica” do mercado, adotadas pelo governo autoritário, não propiciaram a retomada do crescimento. A alternativa ao endividamento era, portanto, a recessão. E esta, por sua vez, não implicava apenas parar, mas perder o bonde da história. Nesse sentido, Castro e Souza (1985CASTRO, A. B.; SOUZA, F. E. P. A economia brasileira em marcha forçada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.) concebiam três opções: recessão, crescimento com endividamento e mudança estrutural com endividamento, sendo esta última a preferida pelo II PND e para ambos os autores.

A estratégia encabeçada pelo II PND primou pela manutenção de altas taxas de crescimento econômico através de investimentos estatais na economia, com destaque para a expansão da produção de bens de capital, cuja capacidade instalada deveria substituir a importação de insumos industriais. Bem assim, o II PND previa obras como plantas siderúrgicas, plataformas de petróleo, oleodutos, polos petroquímicos, obras de telecomunicações, mais usinas hidrelétricas e termonucleares e projetos de mineração. Tais obras não contemplavam a área de atuação de pequenas e médias empreiteiras, e a realização de projetos fora do país tampouco constituía uma franca possibilidade para pequenas companhias. Em vista disso, a política geral do governo Geisel se voltava para as atividades das grandes empreiteiras de obras públicas, que em função de sua vasta envergadura em matéria de disponibilidade de capital, capacidades técnicas e recursos políticos, ganharam a possibilidade de tocar os projetos do II PND, em detrimento das pequenas e médias empresas. Assim, a política do II PND respondia adequadamente às aspirações e à nova capacidade de uma estreita porção de empreiteiros, que concentravam os principais serviços do plano, causando reação adversa entre pequenas e médias construtoras (CAMPOS, 2014CAMPOS, P. H. P. Estranhas catedrais: As empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988. Niterói: Editora da UFF, 2014.).

Diversamente de Carlos Lessa, para o qual a estratégia de 1974 coloca “o Estado como sujeito e a sociedade como objeto” (LESSA, 1979LESSA, C. A estratégia de desenvolvimento, 1974-1976: Sonho e fracasso. Rio de Janeiro: Reproarte, 1979.apudCASTRO; SOUZA, 1985CASTRO, A. B.; SOUZA, F. E. P. A economia brasileira em marcha forçada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985., p. 45-46), Antônio Barros de Castro e Francisco Eduardo Pires de Souza assinalam que o Estado surge na estratégia de 1974 como sujeito. Entretanto, o objeto é a economia, ou seja, o mercado. Contudo, no plano político (autoritarismo), o Estado era o sujeito e o objeto era a sociedade. Convém frisar que o parque manufatureiro existente no Brasil não mais cabe dentro do perímetro do subdesenvolvimento. Ele é uma negação ao vivo de muitas teses e, especificamente, do receituário neoliberal. Além de apresentar sinais ostensivos de competitividade internacional, o parque industrial brasileiro teve as suas deficiências estruturais superadas. Tais resultados não foram certamente obtidos mediante “liberalização”. De fato, o que malogrou foi a chamada “estratégia social”, de acordo com a qual seria necessário “realizar políticas redistributivas enquanto o bolo cresce” (CASTRO; SOUZA, 1985CASTRO, A. B.; SOUZA, F. E. P. A economia brasileira em marcha forçada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985., p. 47).

Em perspectiva divergente a de Castro e Souza (1985CASTRO, A. B.; SOUZA, F. E. P. A economia brasileira em marcha forçada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.), no trabalho clássico intitulado A estratégia de desenvolvimento, 1974/1976 - Sonho e fracasso, o economista Carlos Lessa explora os elementos negativos do II PND, afirmando que o fascínio com o “milagre econômico” suscitou na tecnocracia militar um sentimento de onipotência para instrumentalizar o Estado à sua maneira e intervir em diversas instâncias da vida social. As empresas estatais foram colocadas no centro de gravidade da política industrializante, ainda que retoricamente buscasse fortalecer a articulação entre as empresas estatais e a indústria nacional de bens de capital. O II PND foi planejado para uma economia fictícia e seus formuladores sucumbiram à lógica de que o Estado autoritário era incontrastável. Ele não concentrou poder suficientemente para materializar os seus propósitos, imperando a falta de articulação, coesão e liderança, o que resultou no malogro em alterar o padrão de industrialização e alçar o Brasil à condição de “grande potência”. Tanto a política comercial como a de substituição de importações não superaram a dependência de importação de energia e o aumento das compras externas (matérias-primas e bens de capital). Em síntese, o II PND não superou o quadro de vulnerabilidade externa, que foi agravada com o segundo choque externo (LESSA, 1979LESSA, C. A estratégia de desenvolvimento, 1974-1976: Sonho e fracasso. Rio de Janeiro: Reproarte, 1979.).

Por outro lado, segundo José Macarini, o II PND apresenta similaridade com o Plano de Metas enquanto estratégia industrializante, de transformação estrutural do capitalismo brasileiro. Nem sempre essa visão predominou na política econômica do Brasil contemporâneo, comparando as experiências antagônicas dos governos Eurico Gaspar Dutra e a segunda gestão de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Castello Branco e, até mesmo, Médici e Geisel. Neste último caso, ambas as administrações foram marcadas por alimentarem o “sonho” de “grandeza” atrelado ao crescimento acelerado. Entretanto, enquanto a primeira o fez galvanizando um pretenso novo modelo de desenvolvimento (“agrícola-exportador”), a segunda lançou o ambicioso II PND para reativar e aprofundar o modelo de substituição de importações (MACARINI, 2008aMACARINI, J. P. Governo Geisel: transição político-econômica? Um ensaio de revisão. Texto para Discussão, IE-Unicamp, n. 142, p. 1-29, 2008a., p. 24).

Para o economista Pedro Paulo Zahluth Bastos, o II PND optou por uma estratégia de desenvolvimento de viés industrializante. Nesse sentido, uma vez que a legitimação política do autoritarismo se erigiu não somente com o “milagre econômico”, mas sobretudo por meio da condescendência no que tange à usurpação privada dos aportes financeiros do setor público, o II PND contrariava o padrão peculiar ao estipular prioridades em termos de investimento público. Ao privilegiar um determinado foco de intervenção, orientado e setorialmente delimitado, o II PND descartava interesses não atrelados à sua estratégia de intervenção industrial. A carapaça desenvolvimentista do Estado buscou incorporar a sua faceta de cunho privatizante, liberalmente aberta à articulação política flexível. Os planejadores econômicos desejavam um Estado autonomizado, quando o Estado já estava imerso na lógica dos interesses privados e burocráticos que o II PND buscava governar de fora (BASTOS, 1993BASTOS, P. P. Z. A privatização da política econômica: Vetos neo-liberais, crise do estado desenvolvimentista e conflitos político/empresariais no Brasil - 1974/1976. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Econômicas) - Instituto de Economia, Unicamp, Campinas, 1993., p. 69-70).

A postura de Mario Henrique Simonsen - ministro da Fazenda do general Ernesto Geisel, sucedendo em 1974 a Delfim Netto - era antípoda à do II PND, na medida em que propugnava uma intervenção bastante residual do Estado, priorizando as diretrizes estipuladas pelo mercado, articulando o Estado às demandas do setor privado. Já o II PND previa uma diretriz elaborada e articulada aos interesses voltados aos segmentos priorizados pela estratégia desenvolvimentista. Ao passo que o II PND agiu assertivamente diante da crise do petróleo de 1973, adotando medidas de transformação estrutural do capitalismo brasileiro, o ministro Simonsen propunha a austeridade e a intervenção estatal subsumida às demandas do “mercado”. Quanto à política macroeconômica, a estratégia de Mario Henrique Simonsen fracassou, pois desencadeou a desaceleração das taxas de crescimento econômico domésticas, e também debilitou as condições de inserção internacional, mediante a estatização acelerada da dívida externa. Simonsen enquadrou a política econômica à privatização do Estado brasileiro, suprimindo as aspirações de autonomia do II PND (BASTOS, 1993BASTOS, P. P. Z. A privatização da política econômica: Vetos neo-liberais, crise do estado desenvolvimentista e conflitos político/empresariais no Brasil - 1974/1976. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Econômicas) - Instituto de Economia, Unicamp, Campinas, 1993., p. 70-81). Portanto, o malogro do II PND consistiu no fracasso em materializar o objetivo maior de mudança no “padrão de industrialização”, passagem fundamental para o trânsito ao status almejado de Nação Potência (MACARINI, 2008aMACARINI, J. P. Governo Geisel: transição político-econômica? Um ensaio de revisão. Texto para Discussão, IE-Unicamp, n. 142, p. 1-29, 2008a., p. 20).

Subjacente às opções do II PND estava ainda o objetivo de modificar profundamente as relações de força que até então prevaleciam entre as distintas frações do capital privado, em duas direções: na interação entre capital financeiro e capital produtivo, de um lado; na posição relativa dos diversos segmentos do capital industrial, de outro. Ao estipular um programa que previa uma reconversão profunda da economia brasileira e ao devotar um papel secundário ao sistema financeiro privado - ou buscar integrá-lo de modo subalterno - o Estado não se dispôs a alterar somente o equilíbrio de forças entre instituições públicas e privadas no sistema de crédito, mas as relações predominantes entre a fração bancária e industrial do empresariado local. Isto é, o II PND previa a constituição de conglomerados industriais; não havia nada similar elaborado para o capitalismo financeiro. Nessas condições, o mercado financeiro reagia em pânico às decisões governamentais de cobrar ágio elevado às atividades especulativas, pois o II PND primou por uma alteração no equilíbrio de forças vigente nos marcos do capital privado nacional em benefício do capital industrial e em detrimento do setor financeiro. Contudo, a política proposta não se dirigia igualmente a todos os ramos da indústria, nem a todos os grupos que em cada um desses ramos desenvolviam atividades (CRUZ, 1988CRUZ, S. C. V. Empresários, economistas e perspectivas da democratização no Brasil. In: REIS, F. W.; O’DONNELL, G. (Orgs.). A democracia no Brasil: Dilemas e perspectivas. São Paulo: Vértice; Editora Revista dos Tribunais, 1988., 1995CRUZ, S. C. V. Empresariado e Estado na transição brasileira: Um estudo sobre a Economia Política do Autoritarismo (1974-1977). Campinas: Editora da UNICAMP; São Paulo: FAPESP, 1995. , 1997CRUZ, S. C. V. O presente como história: Economia e política no Brasil pós-1964. Campinas: UNICAMP; IFCH, 1997.).

Ao proferir discurso no dia 12 de dezembro de 1974, o velho patrono do liberalismo econômico no Brasil, Eugênio Gudin, atacou a intervenção demasiada do Estado no âmbito econômico, atentando para o processo de socialização da economia nacional (CRUZ, 1995CRUZ, S. C. V. Empresariado e Estado na transição brasileira: Um estudo sobre a Economia Política do Autoritarismo (1974-1977). Campinas: Editora da UNICAMP; São Paulo: FAPESP, 1995. , p. 33-34). O discurso contra a estatização emergiu em um contexto de forte pressão inflacionária, após a primeira crise do petróleo de 1973. O elemento propulsor da campanha foi a série de reportagens publicada no jornal O Estado de São Paulo entre fevereiro e março de 1975, intitulada “Os caminhos da estatização”. Constituída de 11 artigos, a série é aberta por uma ampla matéria que introduz o problema num plano bastante geral, apelando para o depoimento de empresários (não identificados) e de seletos economistas (Eugênio Gudin, Octávio Gouveia de Bulhões, Celso Pastore, Carlos Geraldo Langoni) para dramatizá-lo. Os números subsequentes são devotados à análise circunstanciada da participação estatal em vários setores de atividade (bancos, mineração, siderurgia, comunicações, transportes e fertilizantes), dos diversos instrumentos de controle de preço e organismos decisórios da política econômica, dos mecanismos sutis que levariam à contínua expansão das estatais e dos efeitos prejudiciais - para a empresa privada nacional e para o conjunto da economia - acarretados por esse processo (CRUZ, 1995CRUZ, S. C. V. Empresariado e Estado na transição brasileira: Um estudo sobre a Economia Política do Autoritarismo (1974-1977). Campinas: Editora da UNICAMP; São Paulo: FAPESP, 1995. , 1997CRUZ, S. C. V. O presente como história: Economia e política no Brasil pós-1964. Campinas: UNICAMP; IFCH, 1997.).

Das novas manifestações antiestatizantes a mais relevante é a da FIESP, que se materializou no documento “O Processo de estatização da economia brasileira: o problema do acesso aos recursos para investimentos”, divulgado em 04 de setembro de 1975, no qual apontava a intervenção das empresas estatais em novos setores da economia, evidenciando o caráter estatizante da economia como característica do estágio de desenvolvimento brasileiro (CRUZ, 1995CRUZ, S. C. V. Empresariado e Estado na transição brasileira: Um estudo sobre a Economia Política do Autoritarismo (1974-1977). Campinas: Editora da UNICAMP; São Paulo: FAPESP, 1995. , p. 59-60). A principal crítica da “campanha contra a estatização” residia no argumento de que o poder das empresas privadas estava submetido a uma constrangedora dependência do Estado, sobretudo pelo fortalecimento do BNDE, principal instituição devotada à promoção do financiamento de longo prazo dos projetos de crescimento do setor privado, após a absorção dos recursos do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio dos Servidores Públicos (PASEP). A razão central que norteou a “campanha contra a estatização” reside no progressivo fortalecimento da intervenção estatal na regulação da economia. Nesse sentido, há uma percepção de que a burguesia começa a perder o controle de seu Estado, pois, além de não governar, ela se vê impotente para fazer governar (PESSANHA, 1981PESSANHA, C. F. Estado e economia no Brasil: A campanha contra a estatização 1974-1976. 1981. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1981.).

Sebastião Velasco e Cruz identifica no empresariado três formas de atuação diante da crítica antiestatizante: i) de apoio, mais ou menos enfático: setor financeiro, comércio e setores da indústria não identificados; ii) de indiferença: agropecuária, construção pesada; iii) de oposição: indústria de bens de capital; parte dos grupos nacionais que operam nos demais setores definidos como prioritários na estratégia governamental; além de grupos regionais. A campanha contra a estatização da economia brasileira foi apoiada por setores da indústria, contou com a adesão do comércio e teve no setor financeiro o seu suporte mais firme e veemente. A crítica à estatização do crédito foi explorada como uma dimensão central no processo mais amplo de asfixia da iniciativa privada (CRUZ, 1995CRUZ, S. C. V. Empresariado e Estado na transição brasileira: Um estudo sobre a Economia Política do Autoritarismo (1974-1977). Campinas: Editora da UNICAMP; São Paulo: FAPESP, 1995. ). É importante reiterar que nem todos os segmentos do empresariado apoiaram ou se reconheceram nos temas e slogans da campanha contra a estatização da economia brasileira. A indústria de bens de capital, liderada pela Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Indústria de Base (ABDIB) não partilhava do discurso contrário à estatização e o tema da estatização nunca constou de sua agenda, uma vez que defendia uma política industrial integrada ao país. O II PND priorizou o desenvolvimento da indústria de bens de capital e, por conta disso, a ABDIB conquistou no período Geisel um grau elevado de visibilidade, situando-se no cerne do debate sobre a política econômica (CRUZ, 1995CRUZ, S. C. V. Empresariado e Estado na transição brasileira: Um estudo sobre a Economia Política do Autoritarismo (1974-1977). Campinas: Editora da UNICAMP; São Paulo: FAPESP, 1995. , p. 87).

A partir da primeira ofensiva de peso contra a estatização, logo o ministro Severo Gomes saía em defesa das empresas públicas, apresentando-as como fator básico de independência da economia nacional. Ele classificou o aumento da campanha defensora da desestatização de refratária aos interesses nacionais, já que a desestatização implicaria desnacionalização, pois os capitais privados brasileiros são desprovidos de condições de participação no processo4 4 Segundo Severo Gomes, “o movimento pela desestatização é exatamente uma campanha de desnacionalização” (PESSANHA, 1981, p. 135). . Já o Ministro-Chefe da Secretaria de Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso, no limiar do governo Geisel, defendeu o fortalecimento da empresa privada, citando o BNDE e a Petroquisa, como órgãos de suporte à satisfação das necessidades de capital fixo das corporações nacionais. O fato é que o governo não agiu de forma uníssona com relação à questão da intervenção do Estado na economia, tendo em vista que os ministros da Indústria e Comércio, Severo Gomes, da Secretaria de Planejamento, Reis Velloso, e o da Fazenda, Mario Henrique Simonsen, chegaram a manifestar publicamente divergências no tocante à temática (PESSANHA, 1981PESSANHA, C. F. Estado e economia no Brasil: A campanha contra a estatização 1974-1976. 1981. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1981.). Como resposta, o Jornal do Brasil, na edição de 28 de dezembro de 1975, publicava o editorial intitulado “Polêmica extemporânea”, criticando Severo Gomes pelas restrições que fizera à atuação das multinacionais (CRUZ, 1995CRUZ, S. C. V. Empresariado e Estado na transição brasileira: Um estudo sobre a Economia Política do Autoritarismo (1974-1977). Campinas: Editora da UNICAMP; São Paulo: FAPESP, 1995. ). Em 1977, ele demitia-se do ministério Geisel e passava a trabalhar com a oposição (SCHWARTZ, 1997SCHWARTZ, G. Simonsen foi a razão contra o ufanismo. Folha de S. Paulo , São Paulo, 11 fev. 1997. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc110211.htm . Acesso em: 21 jun. 2019.
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil...
). O discurso em defesa do protagonismo estatal na economia não era hegemônico, configurando a existência de cisões na coalizão autoritária.

As imposições neoliberais não possibilitaram margem de manobra política para que fosse dado prosseguimento ao II PND e que ele fosse efetivado sem retrocessos. A “campanha contra estatização” buscou vetar as iniciativas do planejamento central para nortear os rumos da economia nacional, na medida em que impôs entraves às aspirações do governo federal no sentido de orientar os destinos financeiros de poder subjacentes ao próprio Estado. Do ponto de vista político, parecia não surgir uma alternativa à política econômica a não ser guiar-se pelas premissas do “livre mercado” e de subsidiar a retórica da privatização do Estado, e privatizar-se a si própria aderindo ao princípio da não-decisão (BASTOS, 1993BASTOS, P. P. Z. A privatização da política econômica: Vetos neo-liberais, crise do estado desenvolvimentista e conflitos político/empresariais no Brasil - 1974/1976. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Econômicas) - Instituto de Economia, Unicamp, Campinas, 1993.). Cabe esclarecer, contudo, que se trata da “privatização” de recursos financeiros controlados pelo Estado e não propriamente das empresas estatais que; desprovidas relativamente de recursos, foram empurradas para o endividamento externo, mas não privatizadas no período.

Quando o governo buscava estabelecer setores prioritários para o investimento estatal, os pactos efetuados em torno dos conglomerados econômicos da construção civil definiam outros, induzindo a liberalização exacerbada. Por outro lado, se o governo definia os segmentos priorizados pelo aporte de recursos públicos, o “mercado” (ou seja, os comerciantes, banqueiros, especuladores urbanos e rurais, grandes proprietários rurais, etc.), definia outros, no sentido de suprimir o direcionamento de verbas públicas para um setor pequeno, tendo em vista o vasto espectro do empresariado brasileiro. A única saída aventada à política econômica era ser privatizada, liberalizada e ceder seus poderes e atribuições ao setor privado. A partir de uma perspectiva liberal e monetarista, Simonsen procurou viabilizar esses interesses, já que a política econômica não poderia resistir ao paradigma de privatização do Estado característica do modo peculiar de expansão do Estado pós-1964 (BASTOS, 1993BASTOS, P. P. Z. A privatização da política econômica: Vetos neo-liberais, crise do estado desenvolvimentista e conflitos político/empresariais no Brasil - 1974/1976. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Econômicas) - Instituto de Economia, Unicamp, Campinas, 1993.).

Com Mário Henrique Simonsen no comando do Ministério da Fazenda, o país manteve os juros internos acima das cotações estrangeiras (privilegiando o endividamento externo), proibiu o setor público de pegar empréstimos nos bancos nacionais e promulgou a Resolução 432, que permitiu a estatização da dívida externa do setor privado. Simonsen segurou as tarifas e bloqueou o acesso das empresas públicas ao mercado financeiro interno e a dívida pública começou a funcionar como uma correia de transmissão entre endividamento externo e acumulação de haveres líquidos pelas empresas públicas. Com isso, a dívida externa que em 1964 era de US$ 3,2 bilhões, saltaria para US$ 43,5 bilhões, em 1979. Em 1984, esse total estaria em US$ 100 bilhões, o que sinaliza um crescimento equivalente a 3.125% (CASTRO, 2016CASTRO, L. C. Dívida do Brasil: da estatização ao calote. Época Negócios, 29 set. 2016. Disponível em: Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2016/09/divida-do-brasil-da-estatizacao-ao-calote.html . Acesso em: 30 jun. 2019.
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https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/9...
a; ESTATIZAÇÃO E DÍVIDA…, 1996ESTATIZAÇÃO E DÍVIDA externa marcaram era. Folha de S. Paulo , 13 de set. de 1996. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/9/13/brasil/17.html . Acesso em: 30 jun. 2019.
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/9...
; BRASIL POTÊNCIA…, 1996“BRASIL POTÊNCIA” orientou ação. Folha de S. Paulo, 13 set. 1996. Disponível em: Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/9/13/brasil/19.html . Acesso em: 30 jun. 2019.
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/9...
; TAVARES; ASSIS, 1985TAVARES, M. C.; ASSIS, J. C. O grande salto para o caos: A economia política e a política econômica do regime autoritário. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1985.).

Em 1979, com o segundo choque do petróleo e a rápida intensificação das pressões inflacionárias, Simonsen tentou persuadir o governo Figueiredo e o público em geral da necessidade de impor um severo programa de ajuste e austeridade. Figueiredo achou esse conselho politicamente intragável, e Simonsen se demitiu. Subsequentemente, Antônio Delfim Netto, em um retorno triunfante ao poder como czar econômico do governo, rejeitou o diagnóstico sombrio de seu predecessor. No dia de sua nomeação, Delfim Netto proclamou: “Vamos crescer em um ritmo rápido e, ao mesmo tempo, equilibrar o nosso balanço de pagamentos e baixar a taxa de inflação” (CASTRO, 1994CASTRO, A. B. Renegate development: rise and demise of State-led development in Brazil. In: SMITH, W. C.; ACUÑA, C. H.; GAMARRA, E. A. (Eds.). Democracy, markets, and structural reform in Latin America: Argentina, Bolivia, Brazil, Chile, and Mexico. Miami: University of Miami; North-South Center Press, 1994., p. 202, tradução nossa).

As razões por que Delfim Netto professou tal confidência nunca foram compreendidas. Em todo caso, o público repudiou Simonsen e entusiasticamente aplaudiu a visão otimista de Delfim de retomar o modelo de crescimento com endividamento, mas a euforia que se seguiu teve vida curta (CASTRO, 1994CASTRO, A. B. Renegate development: rise and demise of State-led development in Brazil. In: SMITH, W. C.; ACUÑA, C. H.; GAMARRA, E. A. (Eds.). Democracy, markets, and structural reform in Latin America: Argentina, Bolivia, Brazil, Chile, and Mexico. Miami: University of Miami; North-South Center Press, 1994.). A posição de liquidez do país deteriorou-se rapidamente no segundo semestre de 1980 e as reservas internacionais líquidas caíram de US$ 7,9 bilhões, em dezembro de 1979, para US$ 3,2 bilhões em setembro de 1980 (CASTRO; SOUZA, 1985CASTRO, A. B.; SOUZA, F. E. P. A economia brasileira em marcha forçada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985., p. 129). A elevação dos juros feita por Paul Volcker, presidente do Federal Reserve (FED), em 1979, tornou o modelo de crescimento inviável, pois os juros subiram da média de 6% para 21% ao ano, representando um profundo choque que praticamente inviabilizou o crescimento brasileiro. A segunda crise do petróleo, a elevação dos juros nos Estados Unidos, ambos em 1979, e a moratória do México de 1982 mudaram o sistema de empréstimos internacionais. Os financiamentos que antes eram abundantes tornaram-se escassos no mercado mundial. Rapidamente, o Brasil queimou suas reservas internacionais acumuladas com financiamentos anteriores. A grave situação econômica do Brasil nos anos 1980 levou o país ao quadro de estagflação, ou seja, a combinação poderosa de recessão econômica e crise inflacionária. O Brasil passou de importador de capitais para exportador de divisas. A elevação dos juros nos EUA promoveu um aumento dos pagamentos líquidos de juros brasileiros da ordem de US$ 2,7 bilhões, em 1978, para US$ 11 bilhões, em 1982 (CASTRO, 2016CASTRO, L. C. Dívida do Brasil: da estatização ao calote. Época Negócios, 29 set. 2016. Disponível em: Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2016/09/divida-do-brasil-da-estatizacao-ao-calote.html . Acesso em: 30 jun. 2019.
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; FURTADO, 1982FURTADO, C. A nova dependência: Dívida externa e monetarismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1982.; IPEA, 2016IPEA - INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. A maior e mais ousada iniciativa do nacionaldesenvolvimentismo. Revista Desafios do Desenvolvimento, ano 13, ed. 88, 2016. Disponível em: Disponível em: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=3297&catid=28&Itemid=39 . Acesso em: 17 jun. 2019.
http://www.ipea.gov.br/desafios/index.ph...
; MACARINI, 2008bMACARINI, J. P. Crise e política econômica: o Governo Figueiredo (1979-1984), Texto para Discussão , n. 144, p. 1-54, 2008b.). Finalmente, em 17 anos a dívida externa brasileira expandiu-se aceleradamente, saltando de 10% do PIB em 1967, para quase 50% do PIB em 1984 (CASTRO; SOUZA, 1985CASTRO, A. B.; SOUZA, F. E. P. A economia brasileira em marcha forçada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985., p. 116).

3. ESTADO, EMPRESARIADO INDUSTRIAL E CAPITAL FINANCEIRO NO NOVO-DESENVOLVIMENTISMO DEMOCRÁTICO (2011-2016): CRISE POLÍTICO-ECONÔMICA, CONFLITO DISTRIBUTIVO E PARALISIA DECISÓRIA

Do ponto de vista macroeconômico, o governo Dilma Rousseff - caracterizado pela literatura como “frente política neodesenvolvimentista” (BOITO JR., 2018BOITO JR., A. Reforma e crise política no Brasil: Os conflitos de classe nos governos do PT. Campinas: Editora Unicamp/Editora Unesp, 2018.), “social-desenvolvimentista” (IANONI, 2018IANONI, M. Estado e coalizões no Brasil: Social-desenvolvimentismo e neoliberalismo. Rio de Janeiro: Contraponto , 2018. ), “novo-desenvolvimentista democrático” (PINHO, 2017PINHO, C. E. S. Ascensão e ocaso do Governo Dilma Rousseff à luz das capacidades do estado brasileiro: usurpação democrática e corrosão do estado do bem-estar social (2011-2016). In: CARDOSO JR., J. C. P. (Org.). Administração política, planejamento governamental e finanças públicas no Brasil contemporâneo: Perspectivas críticas ao financiamento do desenvolvimento no século XXI. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2017. vol. 2. Disponível em: Disponível em: https://fpabramo.org.br/publicacoes/wp-content/uploads/sites/5/2018/04/Planejamento-governamental-WEB.pdf . Acesso em: 29 jun. 2019.
https://fpabramo.org.br/publicacoes/wp-c...
, 2019PINHO, C. E. S. Planejamento estratégico governamental no Brasil: Autoritarismo e democracia (1930-2016). Curitiba: Editora Appris , 2019.), “ensaio desenvolvimentista” (SINGER, 2018SINGER, A. O lulismo em crise: Um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016). São Paulo: Companhia das Letras , 2018.) ou “social-desenvolvimentista com forte viés populista em matéria de política fiscal e cambial” (BRESSER-PEREIRA, 2016BRESSER-PEREIRA, L. C. Reflexões sobre o Novo Desenvolvimentismo e o Desenvolvimentismo Clássico. Revista de Economia Política, v. 36, n. 2, 2016. DOI: 10.1590/0101-31572015v36n02a01.
https://doi.org/10.1590/0101-31572015v36...
, 2018BRESSER-PEREIRA, L. C. Em busca do desenvolvimento perdido: Um projeto novo-desenvolvimentista para o Brasil. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018. ) - começou com uma política de austeridade que supostamente contribuiria para a queda dos juros, mas que estagnou o PIB entre o segundo semestre de 2011 e o primeiro de 2012. Posteriormente, a execução da Nova Matriz Macroeconômica minimizou, sem superar, a desaceleração cíclica da economia somente a partir do segundo semestre de 2012, mas começou a ser abandonada no segundo trimestre de 2013 (BASTOS, 2017BASTOS, P. P. Z. Ascensão e crise do governo Dilma Rousseff e o golpe de 2016: poder estrutural, contradição e ideologia. Revista de Economia Contemporânea, v. 21, n. 1, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198055272129. Acesso em: 29 jul. 2020.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
, p. 19-20).

Nas palavras do economista Pedro Paulo Zahluth Bastos, o objetivo do experimento desenvolvimentista de Dilma Rousseff residia no fomento ao protagonismo do investimento privado, deslocando capitais para o investimento em infraestrutura e promovendo a diversificação da indústria. Para reduzir a vulnerabilidade externa, aumentar a arrecadação tributária e gerar empregos, tal estratégia implicaria alterar três dimensões centrais da política macroeconômica, quais sejam, “taxa de juros básica, taxa de câmbio e taxa de lucro do investimento privado na infraestrutura e na indústria de transformação" (BASTOS, 2017BASTOS, P. P. Z. Ascensão e crise do governo Dilma Rousseff e o golpe de 2016: poder estrutural, contradição e ideologia. Revista de Economia Contemporânea, v. 21, n. 1, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198055272129. Acesso em: 29 jul. 2020.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
, p. 18). Ainda que o investimento industrial tenha estagnado, entre 2010 e 2014, a taxa de investimento em relação ao PIB ficou praticamente estável em 20% do PIB. A razão para este dado é que o investimento privado autônomo em infraestrutura e construção civil aumentou mais do que o PIB, reduzindo os efeitos da queda do investimento industrial bem como a diminuição do investimento público em aeroportos e transportes. O investimento público em transportes teve uma queda de R$ 18,5 bilhões (2010) para R$ 13,2 bilhões (2013). Contudo, no mesmo período, o investimento privado saltou de R$ 9,5 bilhões para R$ 16,2 bilhões, preservando o total de R$ 29 bilhões. Até 2014, a soma do investimento público e estatal (Infraero) caiu levemente; no entanto, de um patamar de zero em 2010, o investimento privado triplicou, superando o investimento público em 2013 (BASTOS, 2017BASTOS, P. P. Z. Ascensão e crise do governo Dilma Rousseff e o golpe de 2016: poder estrutural, contradição e ideologia. Revista de Economia Contemporânea, v. 21, n. 1, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198055272129. Acesso em: 29 jul. 2020.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
, p. 24).

Para Armando Boito Jr., no contexto da “frente neodesenvolvimentista”, a política de financiamento do BNDES resistiu às reformas pró-austeridade, conducentes à privatização do patrimônio público nos anos 1990 e priorizou um grupo seleto de grandes corporações nacionais como receptores dos programas de empréstimos a juros favorecidos ou subsidiados. A política de compras do Estado brasileiro e das grandes empresas estatais privilegiou as corporações nacionais ou implantadas no Brasil. Corporações de capital predominantemente nacional têm presença forte nas áreas de construção civil pesada, mineração, processamento de produtos agropecuários, indústria de transformação, estaleiros navais, indústria armamentista. Tais empresas pressionam o Estado para a consecução de uma política neodesenvolvimentista que aumente os investimentos e gastos públicos em infraestrutura, que reduza a taxa de juros, deprecie o real para aumentar a renda dos exportadores e proteger o mercado interno. Por outro lado, o grande capital internacional e o setor da burguesia a ele integrado pressionam, por seu turno, na direção de uma política monetarista que reduza os investimentos do Estado, mantenha um elevado superávit primário, uma alta taxa de juros, o real apreciado e que amplie a abertura comercial5 5 Cabe apontar que, nos termos de Boito Jr. (2018), a contradição fundamental não é entre produção e rentismo, mas entre capital estrangeiro e burguesia interna, o que não abarca necessariamente a dimensão da política monetária. . Visam assegurar que o Estado irá remunerar os títulos da dívida pública, desejam a manutenção dos ganhos financeiros, querem adquirir a baixo custo os dólares enviados para o exterior e pleiteiam o livre acesso ao mercado interno brasileiro (BOITO JR., 2018BOITO JR., A. Reforma e crise política no Brasil: Os conflitos de classe nos governos do PT. Campinas: Editora Unicamp/Editora Unesp, 2018., p. 108-180).

A partir de maio de 2012, quando Dilma Rousseff criticou enfaticamente o setor financeiro em rede nacional, os interesses da coalizão neoliberal entraram em rota de colisão com o governo e se fortaleceram do ponto de vista político. Como mostraram Singer (2018SINGER, A. O lulismo em crise: Um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016). São Paulo: Companhia das Letras , 2018.) e Carvalho (2018CARVALHO, L. Valsa Brasileira: Do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018.), ao analisarem a efêmera segunda experiência desenvolvimentista de Dilma, o estreitamento dos laços do agronegócio e do empresariado industrial com o capital financeiro remonta a 2013. Diante da tentativa de reativar a política industrial através do Plano Brasil Maior, houve a demanda do empresariado pela redução dos juros, de tributos e do custo da energia. Contudo, com o agravamento da crise política, o ajuste fiscal de 2015 e o desembarque do PMDB do governo, o empresariado se unifica em torno de uma plataforma de aprofundamento da austeridade: reforma trabalhista, previdenciária e corte de gastos (saúde, educação e investimentos).

É importante mencionar que a oposição de cunho neoliberal adquiriu força propulsora desde as eleições majoritárias de 2014, na qual Dilma venceu no segundo turno, com uma margem pequena de votos com relação ao candidato derrotado Aécio Neves, que contestou o resultado das urnas. A mandatária não contou com o expressivo suporte político-ideológico do empresariado, que apoiou os candidatos de oposição, sobretudo em razão das críticas direcionadas ao perfil centralizador, insulado, intervencionista e pouco negociador da Presidência da República. O segundo governo Dilma foi marcado pela instabilidade política, assinalando a vitória da coalizão neoliberal, ao passo que o primeiro governo da mandatária, após o breve ciclo de austeridade em 2011, deu continuidade à flexibilização do tripé de política macroeconômica levada a cabo no governo Lula. Tal flexibilização foi produto de influências sobre o Estado de interesses assimétricos da coalizão neoliberal e da coalizão social-desenvolvimentista (CSD), entre capital produtivo e trabalho (IANONI, 2018IANONI, M. Estado e coalizões no Brasil: Social-desenvolvimentismo e neoliberalismo. Rio de Janeiro: Contraponto , 2018. ).

A mudança do cenário econômico após a crise financeira sistêmica de 2008 embargou a conciliação dos interesses de distintas frações da burguesia e as adversidades da política econômica do primeiro governo Dilma Rousseff contribuíram para reforçar tanto a desaceleração cíclica quanto a insatisfação do empresariado (BASTOS, 2017BASTOS, P. P. Z. Ascensão e crise do governo Dilma Rousseff e o golpe de 2016: poder estrutural, contradição e ideologia. Revista de Economia Contemporânea, v. 21, n. 1, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198055272129. Acesso em: 29 jul. 2020.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
). Contraditoriamente, a política econômica do primeiro mandato de Dilma Rousseff correspondeu a várias reivindicações da “agenda FIESP” (CARVALHO, 2018CARVALHO, L. Valsa Brasileira: Do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018.), notabilizando a Nova Matriz Macroeconômica, cujas principais características são as seguintes: i) redução de taxas de juros e tarifas de energia elétrica; ii) desonerações tributárias e crédito subsidiado; iii) desvalorização cambial e protecionismo industrial seletivo; iv) concessões de serviços públicos para a iniciativa privada. Todavia, no limiar do segundo governo, a presidente reeleita capitaneou um duro ajuste fiscal (corte de gastos) e monetário (aumento da taxa de juros) que surpreendeu a muitos dos que, em sua base eleitoral, atendendo ao capital financeiro e ao empresariado refratário à Nova Matriz Macroeconômica, apoiaram integralmente o seu controverso processo de impeachment (BASTOS, 2017BASTOS, P. P. Z. Ascensão e crise do governo Dilma Rousseff e o golpe de 2016: poder estrutural, contradição e ideologia. Revista de Economia Contemporânea, v. 21, n. 1, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198055272129. Acesso em: 29 jul. 2020.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
; BOSCHI; PINHO, 2019aBOSCHI, R.; PINHO, C. E. S. Crise fiscal, pensamento empresarial e financeirização no Brasil: a desconstrução da ordem corporativa no século XXI. In: GIACALONE, R. (Ed.). El pensamiento empresarial latinoamericano en el Siglo XXI. Bogotá: Ediciones Universidad Cooperativa de Colombia, 2019a. (Colección Pensamiento Global). ; 2019bBOSCHI, R.; PINHO, C. E. S. Crisis and austerity: the recent trajectory of capitalist development in Brazil. Contemporary Politics, v. 25, n. 3 p. 292-312, 2019b. DOI: 10.1080/13569775.2018.1555783.
https://doi.org/10.1080/13569775.2018.15...
; PINHO, 2019PINHO, C. E. S. Planejamento estratégico governamental no Brasil: Autoritarismo e democracia (1930-2016). Curitiba: Editora Appris , 2019., 2021PINHO, C. E. S. Welfare state and epistemic communities of fiscal austerity in Brazil: from Lula da Silva to Jair Bolsonaro (2003-2020). Sociedade & Estado, v. 36, n. 1, p. 195-216, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/se/a/GqvHyvFSkFSNyJf7K7V9jkx/ . Acesso em: 6 set. 2021.
https://www.scielo.br/j/se/a/GqvHyvFSkFS...
; SINGER, 2018SINGER, A. O lulismo em crise: Um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016). São Paulo: Companhia das Letras , 2018.).

A meta central do governo Dilma Rousseff foi reduzir o poder do rentismo com a dívida pública como meio sistemático de acumulação de capital, o que implicaria questionar o poder estrutural do capital financeiro na fixação das taxas de juros e câmbio, suprimindo o pacto conservador erigido por Lula da Silva em 2003. Ao promover a redução da taxa Selic e, assim, o custo fiscal da dívida pública, o governo tinha três propósitos i) obter graus de liberdade fiscal para a execução da política social, de investimento público e subsídios aos investimentos privados; ii) uma vez limitando a rentabilidade das aplicações financeiras do setor privado com risco mínimo, induzir a ampliação do investimento produtivo e em infraestrutura, por meio de subsídios fiscais e creditícios; iii) reduzir o diferencial internacional de juros e, portanto, instituir condições para a depreciação cambial, concebida como necessária para assegurar competitividade internacional aos investimentos produtivos. Tratava-se de alterar os preços relativos com relação às decisões de investidores privados, devotando-os o papel de artífices da estratégia de desenvolvimento e mudando o predomínio de décadas de rentismo de curto-prazo, canalizando os capitais para investimento em infraestrutura e dinamização do regime produtivo industrial. Tais medidas impactariam no aumento do emprego, no crescimento da arrecadação tributária e na retração da vulnerabilidade internacional (BASTOS, 2017BASTOS, P. P. Z. Ascensão e crise do governo Dilma Rousseff e o golpe de 2016: poder estrutural, contradição e ideologia. Revista de Economia Contemporânea, v. 21, n. 1, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198055272129. Acesso em: 29 jul. 2020.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
).

A coalizão social-desenvolvimentista perdeu ossatura em 2013 e foi dissolvida no breve segundo governo de Dilma, quando rendeu-se à ortodoxia neoliberal, implementando uma política fiscal pró-cíclica, o que incrementou a taxa de desemprego e a perda de base social de suporte. Após a deposição da mandatária, a coalizão neoliberal passou a ditar as decisões do Estado brasileiro. Com a consumação do impeachment de 2016, os conservadores contaram com o consentimento do empresariado industrial para as mudanças estruturais levadas a efeito, particularmente, nas políticas fiscal e monetária, na legislação trabalhista e na criação de condições institucionais para a penetração de investidores estrangeiros na exploração do pré-sal e demais investimentos em segmentos de infraestrutura energética, logística e transporte. A chegada de Joaquim Levy ao comando do Ministério da Fazenda resultou em limitações políticas para a mandatária, já que, ao sucumbir às pressões do setor financeiro, Dilma Rousseff insatisfez o campo social-desenvolvimentista, o PT, os intelectuais, a esquerda, as lideranças do capital produtivo e as classes trabalhadoras (IANONI, 2018IANONI, M. Estado e coalizões no Brasil: Social-desenvolvimentismo e neoliberalismo. Rio de Janeiro: Contraponto , 2018. ). Tal constrição foi concebida como instrumento fundamental de combate à inflação, devido aos aumentos, após as eleições e no limiar de Dilma II, dos preços administrados na energia elétrica e nos derivados de petróleo, que foram uma das principais causas da inflação de aproximadamente 10,67% em 2015, superando a de 2002 (IANONI, 2018IANONI, M. Estado e coalizões no Brasil: Social-desenvolvimentismo e neoliberalismo. Rio de Janeiro: Contraponto , 2018. , p. 153).

O segundo mandato de Dilma Rousseff foi muito custoso do ponto de vista político, já que a presidente implementou a agenda empresarial, rentista e conservadora a que fizera oposição durante toda a campanha eleitoral de 2014, resultando em estelionato eleitoral, perda de sua base eleitoral tradicional de suporte e sem receber em troca o vasto apoio empresarial típico do primeiro mandato. A adoção do receituário ortodoxo que se deu com a chegada de Joaquim Levy ao Ministério da Fazenda e a demissão de Guido Mantega, economista de perfil heterodoxo, suscitou o efeito contrário, na medida em que impulsionou a insatisfação do empresariado e a forte perda de popularidade. Simultaneamente, as tensões sociais se agudizaram de forma que o governo não conseguiu gerir a coalizão, impossibilitando a conciliação de interesses das diversas classes (BASTOS, 2017BASTOS, P. P. Z. Ascensão e crise do governo Dilma Rousseff e o golpe de 2016: poder estrutural, contradição e ideologia. Revista de Economia Contemporânea, v. 21, n. 1, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198055272129. Acesso em: 29 jul. 2020.
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; PINHO, 2019PINHO, C. E. S. Planejamento estratégico governamental no Brasil: Autoritarismo e democracia (1930-2016). Curitiba: Editora Appris , 2019., 2021PINHO, C. E. S. Welfare state and epistemic communities of fiscal austerity in Brazil: from Lula da Silva to Jair Bolsonaro (2003-2020). Sociedade & Estado, v. 36, n. 1, p. 195-216, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/se/a/GqvHyvFSkFSNyJf7K7V9jkx/ . Acesso em: 6 set. 2021.
https://www.scielo.br/j/se/a/GqvHyvFSkFS...
). Para além das políticas fiscal e monetária, a crise política, os efeitos da Operação Lava Jato sobre os setores de construção civil, petróleo, a forte desvalorização do real e a queda dos preços dos produtos exportados convergiram para o péssimo desempenho do PIB em 2015. Portanto, os três itens que explicam o quadro de deterioração fiscal são a falta de crescimento econômico, a queda de arrecadação tributária6 6 Enquanto a arrecadação federal cresceu 6,1% nos dois mandatos de Lula da Silva, o percentual de crescimento no primeiro governo Dilma foi de somente 2,9%. Entre 2006 e 2010, o investimento do governo central cresceu em média 27,6% ao ano, já descontada a inflação, ao passo que no período 2011-2014, em média, houve retração anual de 1% (CARVALHO, 2018, p. 27-28). e o pagamento de juros (CARVALHO, 2018CARVALHO, L. Valsa Brasileira: Do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018., p. 89-120).

Especificamente no tocante à Operação Lava-Jato, os efeitos para a economia foram deletérios, com a desarticulação da cadeia produtiva de petróleo e gás, da indústria naval, o colapso das políticas de infraestrutura, obras públicas e a generalização do desemprego no setor de construção civil, intensivo em mão de obra. O fato é que a Operação Lava-Jato esfacelou os acordos políticos tradicionais que sustentaram a governabilidade dos governos Lula e Dilma, além de impulsionar a impopularidade do governo e neutralizar, pelo medo ou pela prisão, a casta empresarial próxima ao governo. Embora apoiando a Lava-Jato, o governo Dilma Rousseff foi enfraquecido, já que políticos e empresários envolvidos em acordos promíscuos desejavam substituir o governo por outro com o fito de barrar ou obstaculizar as apurações e assegurar anistia dos crimes cometidos. Por causa de seus múltiplos desdobramentos econômicos e sociais adversos, o escândalo de corrupção da Petrobras abalou a capacidade de intervenção do Estado brasileiro para a consecução de políticas públicas. A interrupção dos projetos de infraestrutura foi desastrosa, pois são vitais para aumentar a competitividade, a produtividade da economia e assegurar a transição de um modelo de desenvolvimento centrado no mercado de consumo de massas, para outro baseado no investimento (BASTOS, 2017BASTOS, P. P. Z. Ascensão e crise do governo Dilma Rousseff e o golpe de 2016: poder estrutural, contradição e ideologia. Revista de Economia Contemporânea, v. 21, n. 1, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198055272129. Acesso em: 29 jul. 2020.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
; BOSCHI; PINHO, 2019aBOSCHI, R.; PINHO, C. E. S. Crise fiscal, pensamento empresarial e financeirização no Brasil: a desconstrução da ordem corporativa no século XXI. In: GIACALONE, R. (Ed.). El pensamiento empresarial latinoamericano en el Siglo XXI. Bogotá: Ediciones Universidad Cooperativa de Colombia, 2019a. (Colección Pensamiento Global). ; 2019bBOSCHI, R.; PINHO, C. E. S. Crisis and austerity: the recent trajectory of capitalist development in Brazil. Contemporary Politics, v. 25, n. 3 p. 292-312, 2019b. DOI: 10.1080/13569775.2018.1555783.
https://doi.org/10.1080/13569775.2018.15...
; PINHO, 2019PINHO, C. E. S. Planejamento estratégico governamental no Brasil: Autoritarismo e democracia (1930-2016). Curitiba: Editora Appris , 2019.; PINHO; MOURA, 2016PINHO, C. E. S.; MOURA, R. O Brasil nos contextos internacional e doméstico: crises e resiliência do neoliberalismo (2003-2015). Revista Brasileira de Administração Política, v. 9, n. 2, p. 89-134, 2016. Disponível em: Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/rebap/article/view/24551/15043 . Acesso em: 24 jun. 2019.
https://portalseer.ufba.br/index.php/reb...
).

A perseguição da governabilidade pela moderação do conflito em detrimento da popularidade, a inflexão em direção ao centro político e uma política econômica de direita em prejuízo do nível de emprego, não tiveram volta. Ao invés de moderar a resistência da direita ao programa de domesticação gradual do capitalismo selvagem brasileiro, a virada e a crise tendiam a unificar o empresariado em torno da agenda de cortes fiscais (seletivos), salariais e de direitos, transferindo a conta dos subsídios, desonerações fiscais e da baixíssima carga tributária dos ricos para trabalhadores e beneficiários de serviços públicos, contra a CLT e o capítulo social da Constituição Federal de 1988 (BASTOS, 2017BASTOS, P. P. Z. Ascensão e crise do governo Dilma Rousseff e o golpe de 2016: poder estrutural, contradição e ideologia. Revista de Economia Contemporânea, v. 21, n. 1, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198055272129. Acesso em: 29 jul. 2020.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
, p. 49-53).

O empresariado industrial, mesmo sendo beneficiado pelas políticas públicas dos governos trabalhistas e recebendo uma miríade de incentivos, como proteção tarifária, empréstimos a baixas taxas de juros pelo BNDES7 7 É importante não confundir a ampliação de incentivos fiscais durante o governo da presidente Dilma Rousseff com o crédito concedido pelo BNDES, ou seja, subsídios sem contrapartidas e sem avaliação de desempenho da entidade apoiada com crédito subsidiado para grandes empreendimentos de longo período de maturação e amortização. O artigo de Puga (2015) fornece maiores evidências a este respeito. , dentre outros supracitados, arregimentou articulações no Congresso e no seio das classes média e alta (sobretudo através da campanha “Não Vou Pagar o Pato” liderada pela FIESP) para levar a cabo o golpe de Estado contra a presidente reeleita democraticamente. O quadro institucional e político-econômico durante o governo Dilma Rousseff foi marcado pelo avanço da força parlamentar, em seus diversos matizes, da agenda empresarial liberal/conservadora. Tal cenário é agravado pelos seguintes fatores: i) perda de competitividade internacional, ii) grave quadro de desindustrialização, iii) reprimarização da pauta exportadora e iv) falta de complexidade econômica, sofisticação tecnológica e produtiva (BOSCHI; PINHO, 2019aBOSCHI, R.; PINHO, C. E. S. Crise fiscal, pensamento empresarial e financeirização no Brasil: a desconstrução da ordem corporativa no século XXI. In: GIACALONE, R. (Ed.). El pensamiento empresarial latinoamericano en el Siglo XXI. Bogotá: Ediciones Universidad Cooperativa de Colombia, 2019a. (Colección Pensamiento Global). ; 2019bBOSCHI, R.; PINHO, C. E. S. Crisis and austerity: the recent trajectory of capitalist development in Brazil. Contemporary Politics, v. 25, n. 3 p. 292-312, 2019b. DOI: 10.1080/13569775.2018.1555783.
https://doi.org/10.1080/13569775.2018.15...
; GALA, 2017GALA, P. Complexidade econômica: Uma nova perspectiva para entender a antiga questão da riqueza das nações. Rio de Janeiro: Contraponto ; Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, 2017.; PINHO, 2021PINHO, C. E. S. Welfare state and epistemic communities of fiscal austerity in Brazil: from Lula da Silva to Jair Bolsonaro (2003-2020). Sociedade & Estado, v. 36, n. 1, p. 195-216, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/se/a/GqvHyvFSkFSNyJf7K7V9jkx/ . Acesso em: 6 set. 2021.
https://www.scielo.br/j/se/a/GqvHyvFSkFS...
; SANTOS, 2017SANTOS, W. G. A democracia impedida: O Brasil no século XXI. Rio de Janeiro: FGV Editora , 2017.).

A unificação da burguesia em torno de um programa de austeridade regressivo finalmente aconteceria caso uma alternativa política viável ao governo emergisse, o que ocorreu quando, de dentro da coalizão governativa, Michel Temer anunciou o programa Uma Ponte para o Futuro (FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES; PMDB, 2015FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES; PMDB. Uma ponte para o futuro. Brasília: Fundação Ulysses Guimarães; PMDB, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.fundacaoulysses.org.br/wp-content/uploads/2016/11/UMA-PONTE-PARA-O-FUTURO.pdf . Acesso em: 7 set. 2021.
https://www.fundacaoulysses.org.br/wp-co...
). O documento ignora a estrutura tributária regressiva, inviabiliza a política fiscal anticíclica no enfrentamento de crises econômicas, realiza o ajuste fiscal sobre os mais pobres dependentes de transferências monetárias e serviços públicos (mas que pagam proporcionalmente mais impostos que os ricos) e cria condições para a apropriação privada do patrimônio público. O receituário de austeridade inspirou a PEC 241/55, atual Emenda Constitucional nº 95/2016, que impôs cortes profundos em saúde, educação e investimentos em infraestrutura por um prazo de 20 anos. Ademais, defendia a terceirização, as reformas trabalhista e previdenciária para a “modernização” das relações de trabalho, a retomada do crescimento e a contenção do déficit público. Se o viés golpista da oposição era previsível em 2014, a traição e a conspiração advindas do Palácio do Jaburu eram muito menos (BASTOS, 2017BASTOS, P. P. Z. Ascensão e crise do governo Dilma Rousseff e o golpe de 2016: poder estrutural, contradição e ideologia. Revista de Economia Contemporânea, v. 21, n. 1, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198055272129. Acesso em: 29 jul. 2020.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
; PINHO, 2021PINHO, C. E. S. Welfare state and epistemic communities of fiscal austerity in Brazil: from Lula da Silva to Jair Bolsonaro (2003-2020). Sociedade & Estado, v. 36, n. 1, p. 195-216, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/se/a/GqvHyvFSkFSNyJf7K7V9jkx/ . Acesso em: 6 set. 2021.
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).

O controverso impeachment de Dilma contribuiu para a dissolução da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT/1943), a corrosão do legado institucional da “cidadania regulada” (SANTOS, 1979SANTOS, W. G. dos. Cidadania e justiça: A política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1979.), do corporativismo estatal na intermediação das relações capital/trabalho e a subsequente precarização laboral. Convergiu para acentuar a antinomia entre o mercado financeiro hipertrofiado, por um lado; e a democracia atrofiada, por outro lado; sobretudo no que tange à decomposição do arcabouço normativo responsável pela provisão do “colchão de proteção social” criado pela Constituição Federal de 1988 (BASTOS, 2017BASTOS, P. P. Z. Ascensão e crise do governo Dilma Rousseff e o golpe de 2016: poder estrutural, contradição e ideologia. Revista de Economia Contemporânea, v. 21, n. 1, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198055272129. Acesso em: 29 jul. 2020.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
; BOSCHI; PINHO, 2019aBOSCHI, R.; PINHO, C. E. S. Crise fiscal, pensamento empresarial e financeirização no Brasil: a desconstrução da ordem corporativa no século XXI. In: GIACALONE, R. (Ed.). El pensamiento empresarial latinoamericano en el Siglo XXI. Bogotá: Ediciones Universidad Cooperativa de Colombia, 2019a. (Colección Pensamiento Global). ; 2019bBOSCHI, R.; PINHO, C. E. S. Crisis and austerity: the recent trajectory of capitalist development in Brazil. Contemporary Politics, v. 25, n. 3 p. 292-312, 2019b. DOI: 10.1080/13569775.2018.1555783.
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, DINIZ, 1978DINIZ, E. Empresariado, estado e capitalismo no Brasil: 1930/1945. Rio de Janeiro: Paz e Terra , 1978.; DINIZ; BOSCHI, 1991DINIZ, E.; BOSCHI, R. R. O Corporativismo na construção do espaço público. In: BOSCHI, R. R. (Org.) Corporativismo e desigualdade: A construção do espaço público no Brasil. Rio de Janeiro: Rio Fundo Ed.; IUPERJ, 1991., 2004DINIZ, E.; BOSCHI, R. R. Empresários, interesses e mercado: Dilemas do desenvolvimento brasileiro. Belo Horizonte: Editora UFMG , 2004., 2007DINIZ, E.; BOSCHI, R. R. A difícil rota do desenvolvimento: Empresários e a agenda pós-neoliberal. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007., 2013DINIZ, E.; BOSCHI, R. R. Uma nova estratégia de desenvolvimento? In: BRESSER-PEREIRA, L. C. (Org.). O que esperar do Brasil? Rio de Janeiro: Editora FGV , 2013.; FLEURY; PINHO, 2018FLEURY, S.; PINHO, C. E. S. Authoritarian governments and the corrosion of the social protection network in Brazil. Revista Katálysis, v. 21, n. 1, p. 29-42, 2018. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rk/v21n1/1414-4980-rk-21-01-00029.pdf . Acesso em: 17 jun. 2019.
http://www.scielo.br/pdf/rk/v21n1/1414-4...
, 2019FLEURY, S.; PINHO, C. E. S. La deconstrucción de la democracia social y de la ciudadanía urbana en Brasil. Medio Ambiente y Urbanización, v. 90, n. 1, p. 271-304, 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.ingentaconnect.com/contentone/iieal/meda/2019/00000090/00000001/art00014 . Acesso em: 21 jan. 2020.
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; PINHO, 2019PINHO, C. E. S. Planejamento estratégico governamental no Brasil: Autoritarismo e democracia (1930-2016). Curitiba: Editora Appris , 2019., 2021PINHO, C. E. S. Welfare state and epistemic communities of fiscal austerity in Brazil: from Lula da Silva to Jair Bolsonaro (2003-2020). Sociedade & Estado, v. 36, n. 1, p. 195-216, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/j/se/a/GqvHyvFSkFSNyJf7K7V9jkx/ . Acesso em: 6 set. 2021.
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; STREECK, 2018STREECK, W. Tempo Comprado: A crise adiada do Capitalismo Democrático. São Paulo: Boitempo, 2018.).

O segundo governo de Dilma contrariou a direita eleitoral, o centro desenvolvimentista e a esquerda. Em 2015, a partir da guinada ortodoxa na política macroeconômica, o Executivo tentou revigorar o apoio da coalizão neoliberal, entretanto, ao fazê-lo, renunciou não somente à esquerda, mas também à centro-esquerda e ao enfraquecido desenvolvimentismo (trabalhista e empresarial), restando-lhe o isolamento em todos os âmbitos do espectro político-ideológico. Ainda que as reivindicações do empresariado tenham sido atendidas entre 2011 e 2014, não houve a implementação de um desenvolvimento encorpado, tanto do ponto de vista técnico quanto no que diz respeito à sustentação política, uma vez que os governos Dilma Rousseff, desde o primeiro mandato, foram e continuam sendo criticados pelos economistas das mais diversas tendências: social-desenvolvimentistas, neokaleckianos e novo-desenvolvimentistas. Em consonância com a análise de André Singer, signatário da tese de uma “frente única burguesa antidesenvolvimentista” (SINGER, 2018SINGER, A. O lulismo em crise: Um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016). São Paulo: Companhia das Letras , 2018.), Marcus Ianoni assevera que a burguesia interna capitaneou uma “frente deposicionista” (IANONI, 2018IANONI, M. Estado e coalizões no Brasil: Social-desenvolvimentismo e neoliberalismo. Rio de Janeiro: Contraponto , 2018. , p. 165), pela depreciação interna (mesclando retração salarial, recessão, terceirização, reforma trabalhista e adoção da austeridade) e contrária ao custo Brasil (carga tributária elevada, precariedade da infraestrutura e demasiada burocracia).

Da mesma forma que o governo neodesenvolvimentista de Dilma Rousseff abandonou, ao longo de 2015, suas crenças e promessas de campanha e passou a aplicar um programa neoliberal de ajuste fiscal, a oposição burguesa neoliberal traiu o receituário de mercado que sempre defendeu e votou no Parlamento contra as medidas de austeridade fiscal propostas pelo governo (BOITO JR., 2018BOITO JR., A. Reforma e crise política no Brasil: Os conflitos de classe nos governos do PT. Campinas: Editora Unicamp/Editora Unesp, 2018., p. 271). Tal como Getúlio Vargas e João Goulart, o governo Dilma desmoronou devido a sua intenção de inverter a tradicional equação distributiva no Brasil, caracterizada pela “privatização de ganhos” e “socialização de perdas” (PINHO, 2019PINHO, C. E. S. Planejamento estratégico governamental no Brasil: Autoritarismo e democracia (1930-2016). Curitiba: Editora Appris , 2019.). Getúlio Vargas resistiu até a morte aos trustes e cartéis que exploravam a economia nacional e remetiam lucro exorbitantes ao exterior. Sofreu forte oposição das oligarquias, das classes médias e dos militares resistentes à ampliação da legislação social e trabalhista. João Goulart, por seu turno, em virtude de sua aproximação ao movimento sindical, sofreu feroz resistência do Sindicato dos Bancos, da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), da Sociedade Rural Brasileira (SRB), da Federação do Comércio e da FIESP, signatários da restauração da ordem. Ao decretar a regulamentação da lei de remessa de lucros, João Goulart contrariou os poderosos interesses do capital estrangeiro (BASTOS; FONSECA, 2012BASTOS, P. P. Z.; FONSECA, P. C. D. Desenvolvimentismo, economia e sociedade na Era Vargas. In: BASTOS, P. P. Z.; FONSECA, P. C. D. (Orgs.). A era Vargas: Desenvolvimentismo, economia e sociedade. São Paulo: Editora Unesp, 2012.; LOUREIRO, 2017LOUREIRO, F. P. Empresários, trabalhadores e grupos de interesse: A política econômica nos governos Jânio Quadros e João Goulart, 1961-1964. São Paulo: Unesp, 2017.).

Finalmente, a tentativa desesperada do governo Dilma Rousseff de se aproximar da coalizão financeira e não-produtiva, quando do arrocho na política fiscal e monetária levaram a paralisia da economia, à retração do investimento empresarial, à perda da capacidade de investimento público em infraestrutura e políticas sociais, aumento do desemprego e agravamento da recessão (BOSCHI; PINHO, 2019aBOSCHI, R.; PINHO, C. E. S. Crise fiscal, pensamento empresarial e financeirização no Brasil: a desconstrução da ordem corporativa no século XXI. In: GIACALONE, R. (Ed.). El pensamiento empresarial latinoamericano en el Siglo XXI. Bogotá: Ediciones Universidad Cooperativa de Colombia, 2019a. (Colección Pensamiento Global). ; 2019bBOSCHI, R.; PINHO, C. E. S. Crisis and austerity: the recent trajectory of capitalist development in Brazil. Contemporary Politics, v. 25, n. 3 p. 292-312, 2019b. DOI: 10.1080/13569775.2018.1555783.
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; DOWBOR, 2017DOWBOR, L. A era do capital improdutivo. A nova arquitetura do poder: dominação financeira, sequestro da democracia e destruição do planeta. São Paulo: Autonomia Literária, 2017.; PINHO, 2019PINHO, C. E. S. Planejamento estratégico governamental no Brasil: Autoritarismo e democracia (1930-2016). Curitiba: Editora Appris , 2019.; PINHO; FREITAS, 2020PINHO, C. E. S.; FREITAS, S. Introdução. In: FREITAS, S.; PINHO, C. E. S. (Orgs.). Empresariado e poder político no Brasil: Uma perspectiva multidimensional. São Paulo: Editora Alameda, 2020.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de uma perspectiva histórico-institucional e comparada, o objetivo desta reflexão foi investigar as estratégias de desenvolvimento no Brasil, explorando as relações entre o Estado, a burocracia econômica, o empresariado industrial e o capital financeiro em contextos específicos, isto é, o Nacional-Desenvolvimentismo Autoritário (1974-1979) e o Novo-Desenvolvimentismo Democrático (2011-2016). As variáveis regime político, intervencionismo estatal e políticas econômicas foram dimensões centrais nesse processo.

Retomando nossa hipótese de investigação, no autoritarismo, houve um processo de modernização e expansão empresarial do aparato estatal que foi determinante para alavancar o capitalismo brasileiro, diversificar a estrutura produtiva e propiciar elevadas taxas de crescimento do PIB, sobretudo durante o “milagre econômico” (1968-1973). No entanto, diante da contingência exógena imposta pela emergência da crise do petróleo de 1973, seguida da expressiva aceleração dos preços do barril e, consequentemente, das limitações endógenas advindas da desaceleração das taxas de crescimento, o governo Geisel privilegia a mudança estrutural com endividamento, no bojo do II PND. Segundo Ricardo Carneiro, “o endividamento externo do país esteve fortemente condicionado pela atrofia do sistema financeiro doméstico” (CARNEIRO, 2002CARNEIRO, R. Desenvolvimento em crise: A economia brasileira no último quarto do século XX. São Paulo: Ed. Unesp; Ed. Unicamp, 2002., p. 87). Nesse sentido, o elevado grau de estatização da dívida externa convergiu para o rompimento do padrão de financiamento externo e o excessivo endividamento (CARNEIRO, 2002CARNEIRO, R. Desenvolvimento em crise: A economia brasileira no último quarto do século XX. São Paulo: Ed. Unesp; Ed. Unicamp, 2002., p. 134).

Tendo suas raízes fincadas no legado institucional do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek (1956-1961), trata-se de uma estratégia de aprofundamento da industrialização substitutiva de importações, visando alterar estruturalmente o capitalismo industrial, superar a dependência de fontes externas de energia e alçar o Brasil à condição de grande potência global. Em virtude do fato de alavancar as empresas públicas e priorizar segmentos específicos da indústria mediante a criação de grandes grupos empresariais privados com o suporte financeiro do BNDE, o II PND foi defenestrado pelos economistas liberais, pela grande imprensa conservadora, em constantes editoriais, e repudiado pelo capitalismo financeiro, o qual foi relegado a um patamar secundário nessa estratégia. O II PND também motivou cisões no âmbito da burocracia econômica e da coalizão autoritária governamental, tendo em vista os embates entre os ministros da Indústria e Comércio, Severo Gomes, da Secretaria de Planejamento, Reis Velloso, e o da Fazenda, Mario Henrique Simonsen.

A despeito da iniciativa industrializante de ampla envergadura e em franca contradição com os interesses rentistas do sistema financeiro, as crises exógenas impuseram fortes limitações à sustentabilidade do II PND e ao modelo de mudança estrutural com endividamento do Nacional-Desenvolvimentismo Autoritário (1964-1985). Em 1979, a irrupção do segundo choque do petróleo e a elevação da taxa de juros por Paul Volcker, presidente do Banco Central americano, com o objetivo de afirmar o dólar no mercado financeiro internacional, acarretaram o fim do estado de liquidez no sistema financeiro de crédito mundial, a explosão da dívida externa e a aceleração do processo hiperinflacionário que vinha se formando desde a exaustão do “milagre econômico” (1968-1973). Eis a afirmação do capitalismo financeiro, que se refletiu na incapacidade de o Estado brasileiro preservar a autonomia e a soberania nacional na formulação da política macroeconômica diante do vasto poder dos fluxos do sistema financeiro global (PINHO, 2020PINHO, C. E. S. The responses of the authoritarian national developmentalism to the structural economic crisis (1973-1985). Brazilian Journal of Political Economy, v. 40, n. 2, p. 411-431, São Paulo, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31572020000200411&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 16 jun. 2020.
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).

No Novo-Desenvolvimentismo-Democrático (2011-2016), circunscrito a atual etapa de hegemonia do capital financeiro improdutivo, o intervencionismo estatal de Dilma Rousseff buscou modificar estruturalmente o caráter rentista da economia política brasileira, voltada para ganhos especulativos de curto prazo e que tem na dívida pública o principal mecanismo de acumulação patrimonial privada e de asfixia do Estado do Bem-estar Social. Ao tentar revigorar a industrialização, baixar as taxas de juros e spreads dos bancos privados e instituições financeiras, que sofreram com a concorrência de instituições públicas (Banco do Brasil, BNDES e Caixa Econômica Federal), a mandatária concedeu vultosos subsídios para atrair o investimento privado rumo a um novo modelo de desenvolvimento ancorado no investimento em infraestrutura. Essas transformações destoaram do governo Lula da Silva (2003-2010), que deu ênfase ao investimento público e ao incremento do mercado doméstico de consumo de massas. Tudo isto ocorreu sem tensões distributivas e a partir da conciliação de interesses com os diversos segmentos do capitalismo brasileiro e elites políticas arcaicas, estamentais e conservadoras.

Entretanto, o Novo Desenvolvimentismo Democrático de Dilma Rousseff, inapto do ponto de vista do gerenciamento da coalizão governista e da coordenação política no peculiar “presidencialismo de coalizão” (ABRANCHES, 2018ABRANCHES, S. Presidencialismo de coalizão: Raízes e evolução do modelo político brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.), sofreu forte resistência do Congresso Nacional. Em 2015, Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, destravou “pautas bomba” de interesse da coalizão neoliberal, como a terceirização irrestrita da mão de obra, dificultou o ajuste fiscal e facilitou o processo de impeachment da presidente. O quadro de esgarçamento das capacidades estatais de coordenação política transformou-se em paralisia decisória e ensejou uma crise político-institucional de grandes proporções que deixou marcas profundas no tecido social da debilitada institucionalidade democrática brasileira. A desaceleração do crescimento do PIB por ocasião da restrição da demanda chinesa por commodities, a adoção do receituário da austeridade fiscal numa tentativa agonizante de se aproximar da coalizão neoliberal, a renúncia fiscal para favorecer o empresariado imerso nos circuitos financeiros de ganhos em curto prazo, o desencadeamento da Operação Lava Jato e suas externalidades negativas sobre o arranjo produtivo minaram o experimento desenvolvimentista em contexto democrático. Conspirando contra o governo do qual foi vice-presidente, Michel Temer cortejou as distintas frações do empresariado, que romperam com Dilma Rousseff e impulsionaram o processo de impeachment.

Cabe mencionar a perda da base social de apoio, sobretudo das classes trabalhadoras, afetadas pelo estelionato eleitoral que agravou a recessão, a deterioração do emprego e a queda da renda. A derrocada do Novo Desenvolvimentismo Democrático assinala a resiliência de políticas macroeconômicas neoliberais e a afirmação do poder incontrastável do capital financeiro. A ruptura com a democracia revestida de legalidade constitucionalizou a austeridade fiscal inscrita no documento Uma Ponte para o Futuro (FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES; PMDB, 2015FUNDAÇÃO ULYSSES GUIMARÃES; PMDB. Uma ponte para o futuro. Brasília: Fundação Ulysses Guimarães; PMDB, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.fundacaoulysses.org.br/wp-content/uploads/2016/11/UMA-PONTE-PARA-O-FUTURO.pdf . Acesso em: 7 set. 2021.
https://www.fundacaoulysses.org.br/wp-co...
). O golpe de misericórdia desferido no experimento desenvolvimentista com inclusão social foi a eleição, em 2018, de um líder populista de extrema direita que dá continuidade ao projeto radical de austeridade; mas, acima de tudo, tem notório repúdio às instituições democráticas. O Congresso Nacional, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Supremo Tribunal Federal (STF) e a imprensa sofrem ataques sistemáticos do presidente Jair Bolsonaro. Além do desmonte sem precedentes de políticas públicas e dos alicerces da Constituição Federal de 1988, são marcas deste governo a crise hídrica, energética, ambiental, a elevação dos preços dos alimentos, dos combustíveis, o desemprego em massa, o aumento da miséria e da fome, com cenas cotidianas de pessoas revirando caçambas de lixo em busca de comida. Como evidenciaram as manifestações antidemocráticas, sobretudo a realizada em 7 de setembro de 2021, a personalidade autocrática do presidente está em sinergia com a defesa de um golpe de Estado com apoio de ex-militares saudosos da ditadura, oficiais da reserva que ocupam cargos públicos civis, policiais, caminhoneiros, ruralistas, evangélicos e monarquistas.

Finalmente, em ambos os contextos (autoritário/democrático) analisados nesta reflexão, há uma continuidade estrutural, qual seja, os limites políticos à centralização de recursos financeiros por parte do Estado e, dado o endividamento externo em parte resultante destes limites, a dependência às condições de liquidez internacionais.

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    » https://www.fundacaoulysses.org.br/wp-content/uploads/2016/11/UMA-PONTE-PARA-O-FUTURO.pdf
  • 1
    Este artigo resulta de pesquisa de estágio de pós-doutorado realizada entre janeiro de 2017 e fevereiro de 2019, no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED), com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O referido estágio foi supervisionado pelo Prof. Dr. Renato Raul Boschi, que coordena o INCT/PPED, juntamente com a Profa. Dra. Ana Celia Castro. Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no 10º Congreso Latinoamericano de Ciencia Política (ALACIP): Nueva Configuración del Poder y Desafíos Actuales de la Democracia en América Latina (Monterrey, México, 31/07/2019, 01, 02 e 03/08/2019). Manifesto os meus sinceros agradecimentos aos pareceristas anônimos, aos membros do corpo editorial da Revista de Economia Contemporânea (REC) e à Gerente Editorial, Carolina Dias, pelas valiosas críticas, comentários e sugestões propositivas que muito contribuíram para lapidar os argumentos desenvolvidos neste artigo. Eventuais falhas, lacunas ou omissões são de minha inteira responsabilidade.
  • 2
    Contudo, tais elementos do “núcleo duro” nem sempre estiveram associados historicamente, uma vez que muito tempo foi necessário para assegurar a sua união em torno de um ideário comum, dotado de certa coerência. Isto implica afirmar que nem sempre o intervencionismo estatal foi signatário da industrialização, ou que teve como meta basilar o crescimento e o desenvolvimento econômicos (FONSECA, 2012FONSECA, P. C. D. Gênese de precursores do desenvolvimentismo no Brasil. In: BASTOS, P. P. Z.; FONSECA, P. C. D. (Orgs.). A era Vargas: Desenvolvimentismo, economia e sociedade . São Paulo: Editora Unesp , 2012., p. 22).
  • 3
    O II PND apresentou, no âmbito retórico, alguma sensibilidade à dimensão social do desenvolvimento ao asseverar que: “o governo não aceita a colocação de esperar que o crescimento econômico, por si, resolva o problema da distribuição de renda (CASTRO; SOUZA, 1985CASTRO, A. B.; SOUZA, F. E. P. A economia brasileira em marcha forçada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985., p. 31)”.
  • 4
    Segundo Severo Gomes, “o movimento pela desestatização é exatamente uma campanha de desnacionalização” (PESSANHA, 1981PESSANHA, C. F. Estado e economia no Brasil: A campanha contra a estatização 1974-1976. 1981. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) - Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1981., p. 135).
  • 5
    Cabe apontar que, nos termos de Boito Jr. (2018)BOITO JR., A. Reforma e crise política no Brasil: Os conflitos de classe nos governos do PT. Campinas: Editora Unicamp/Editora Unesp, 2018., a contradição fundamental não é entre produção e rentismo, mas entre capital estrangeiro e burguesia interna, o que não abarca necessariamente a dimensão da política monetária.
  • 6
    Enquanto a arrecadação federal cresceu 6,1% nos dois mandatos de Lula da Silva, o percentual de crescimento no primeiro governo Dilma foi de somente 2,9%. Entre 2006 e 2010, o investimento do governo central cresceu em média 27,6% ao ano, já descontada a inflação, ao passo que no período 2011-2014, em média, houve retração anual de 1% (CARVALHO, 2018CARVALHO, L. Valsa Brasileira: Do boom ao caos econômico. São Paulo: Todavia, 2018., p. 27-28).
  • 7
    É importante não confundir a ampliação de incentivos fiscais durante o governo da presidente Dilma Rousseff com o crédito concedido pelo BNDES, ou seja, subsídios sem contrapartidas e sem avaliação de desempenho da entidade apoiada com crédito subsidiado para grandes empreendimentos de longo período de maturação e amortização. O artigo de Puga (2015)PUGA, F. Afinal, qual é o papel do BNDES no investimento? Valor Econômico, 8 dez. 2015. Disponível em: Disponível em: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/afinal-qual-e-o-papel-do-bndes-no-investimento.ghtml . Acesso em: 16 mar. 2022.
    https://valor.globo.com/opiniao/coluna/a...
    fornece maiores evidências a este respeito.
  • 8
    CLASSIFICAÇÃO JEL: N1; N2; O1; O2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2020
  • Aceito
    20 Out 2021
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