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Ações dos enfermeiros no exercício da advocacia do paciente internado em um centro de queimados* * Extraído do projeto "Advocacia do paciente e coping na enfermagem: possibilidades de exercício de poder mediante vivências de sofrimento moral", Universidade Federal do Rio Grande, 2012.

Resumos

OBJETIVO

Conhecer as ações dos enfermeiros no exercício da advocacia do paciente internado em um centro de queimados.

MÉTODO

Estudo de caso único e descritivo, realizado com enfermeiros atuantes em um centro de referência de queimados, na região sul do Brasil. A coleta de dados ocorreu por meio da técnica de grupo focal, entre fevereiro e março de 2014, sendo realizados três encontros. Os dados foram estudados conforme análise textual discursiva.

RESULTADOS

Foram identificadas três categorias emergentes, quais sejam: (1) orientar o paciente; (2) proteger o paciente; e (3) garantir a qualidade do cuidado.

CONCLUSÃO

Este estudo possibilitou identificar que os enfermeiros pesquisados exerciam a advocacia de seus pacientes e que o reconhecimento de suas ações constitui um avanço para a profissão, contribuindo para a autonomia do enfermeiro e a efetivação dos direitos dos pacientes e da justiça social.

Defesa do Paciente; Direitos do Paciente; Relações Enfermeiro-Paciente; Queimaduras; Papel do Profissional de Enfermagem


OBJECTIVE

Understanding nursing actions in the practice of inpatient advocacy in a burn unit.

METHOD

A single and descriptive case study, carried out with nurses working in a referral burn center in southern Brazil. Data were collected through focus group technique, between February and March 2014, in three meetings. Data was analysed through discursive textual analysis.

RESULTS

Three emerging categories were identified, namely: (1) instructing the patient; (2) protecting the patient; and (3) ensuring the quality of care.

CONCLUSIONS

This study identified that the nurses investigated exercised patient advocacy and that the recognition of their actions is an advance for the profession, contributing to the autonomy of nurses and the effectiveness of patients' rights and social justice.

Patient Advocacy; Patient Rights; Nurse-Patient Relations; Burns; Nurse's Role


OBJETIVO

Conocer las acciones de los enfermeros en el ejercicio de la defensa del paciente internado en un centro de quemados.

MÉTODO

Estudio de caso único y descriptivo, llevado a cabo con enfermeros actuantes en un centro de referencia de quemados, en la región sur de Brasil. La recogida de datos ocurrió mediante la técnica de grupo focal, entre febrero y marzo de 2014, siendo realizados tres encuentros. Los datos fueron estudiados conforme al análisis textual discursivo.

RESULTADOS

Se identificaron tres categorías emergentes, a saber: (1) orientar al paciente; (2) proteger al paciente; y (3) asegurar la calidad del cuidado.

CONCLUSIÓN

Este estudio posibilitó identificar que los enfermeros investigados ejercitaban la defensa de sus pacientes y que el reconocimiento de sus acciones constituye un avance para la profesión, al contribuir con la autonomía del enfermero y la puesta en marcha de los derechos de los pacientes y la justicia social.

Defensa del Paciente; Derechos del Paciente; Relaciones Enfermero-Paciente; Quemaduras; Rol de la Enfermera


Introdução

Queimaduras são lesões ocasionadas por exposição do corpo à ação direta ou indireta de uma fonte de calor, causando destruição parcial ou total da pele e seus anexos. Os principais agentes causadores dessas injúrias são: chamas, líquidos superaquecidos, temperaturas extremas, eletricidade, atrito e substâncias químicas ou radioativas(1den Hollander D, Albert M, Strand A, Hardcastle TC. Epidemiology and referral patterns of burns admitted to the Burns Centre at Inkosi Albert Luthuli Central Hospital, Durban. Burns. 2014;40(6):1201-8.

Montes SF, Barbosa MH, Sousa Neto AL. Clinical and epidemiological aspects of burned patients hospitalized in a teaching hospital. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [cited 2014 July 22];45(2):369-73. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n2/en_v45n2a09.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n2/en...
-3Stergiou-Kita M, Grigorovich A, Gomez M. Development of an inter-professional clinical practice guideline for vocational evaluation following severe burn.. Burns 2014;40(6):1149-63.). Estima-se que grande parte dos acidentes resultantes em queimaduras ocorra em ambiente domiciliar, acometendo, em sua maioria, crianças com idade inferior a 5 anos que são atingidas por líquidos superaquecidos(3Stergiou-Kita M, Grigorovich A, Gomez M. Development of an inter-professional clinical practice guideline for vocational evaluation following severe burn.. Burns 2014;40(6):1149-63.).

No Brasil, dados epidemiológicos indicam que, anualmente, ocorrem cerca de 1 milhão de acidentes envolvendo queimaduras, resultando em 100 mil hospitalizações e em 2.500 mortes em decorrência das lesões(4Ricci H, Gonçalves N, Gallani MC, Ciol MA, Dantas RA, Rossi LA. Assessment of the health status in Brazilian burn victims five to seven months after hospital discharge.. Burns 2014;40(4):616-23.). Atualmente, a taxa de sobrevida do paciente vítima de queimadura é crescente, devido à descoberta de novas tecnologias utilizáveis nos tratamentos, à implementação de novos centros especializados e, ainda, à ampliação de campanhas preventivas. Juntos, esses fatores possibilitam uma melhora crescente na recuperação e na qualidade de vida dos pacientes acometidos por queimaduras(3Stergiou-Kita M, Grigorovich A, Gomez M. Development of an inter-professional clinical practice guideline for vocational evaluation following severe burn.. Burns 2014;40(6):1149-63.).

As unidades de assistência a queimados necessitam de uma equipe especializada e comprometida, composta por profissionais das mais diversas especialidades e capazes de oferecer um cuidado integral, pois o paciente queimado se vê diante de inúmeras sequelas e limitações físicas e psicológicas que alteram sua qualidade de vida, seja nas atividades diárias simples e, até mesmo, nos relacionamentos sociais(5Stavrou D, Weissman O, Tessone A, Zilinsky I, Holloway S, Boyd J, et al. Health related quality of life in burn patients: a review of the literature.. Burns 2014;40(5):788-96.-6Sen S, Palmieri T, Greenhalgh D. Review of burn research for the year 2013. J Burn Care Res. 2014;35(5):362-8.).

Considerando o tempo de permanência constante com o paciente nos centros de queimados, o enfermeiro é capaz de avaliá-lo em todas as dimensões, percebendo suas necessidades físicas, psicológicas, sociais, auxiliando-o a esclarecer suas dúvidas e informando-o para que exerça sua autonomia na tomada de decisões sobre os cuidados com sua saúde. Tais ações impulsionam e encorajam o enfermeiro a agir como advogado do paciente queimado, contrariando, muitas vezes, os interesses das instituições de saúde, ao enfrentar uma série de condutas moralmente inadequadas, que desrespeitam a autonomia e os direitos do paciente(7Hanks RG. Development and testing of an instrument to measure protective nursing advocacy. Nurs Ethics. 2010;17(2):255-67.).

Conceitualmente, o termo advocacia originou-se a partir de advogado e remete àquele que defende o interesse do outro. Apesar de evidências que indicam a necessidade de praticá-la como uma meta profissional na enfermagem, ainda não existe um conceito definido para a advocacia do paciente. Em 1973, os códigos internacionais de prática em enfermagem incluíram a advocacia do paciente como um papel ético e legal para os enfermeiros e, desde então, diversos estudos vêm apontando ações e características que visam auxiliar e efetivar o exercício da advocacia do paciente na prática dos enfermeiros(7Hanks RG. Development and testing of an instrument to measure protective nursing advocacy. Nurs Ethics. 2010;17(2):255-67.

Vaartio H, Leino-Kilpi H, Suominen T, Puukka P. Nursing advocacy in procedural pain care.. Nurs Ethics 2009;16(3):340-62.

Hanks RG. The medical-surgical nurse perspective of advocate role. Nurs Forum. 2010;45(2):97-107.

10 Ware LJ, Bruckenthal P, Davis GC, O'Conner-Von SK. Factors that influence patient advocacy by pain management nurses: results of the American society for pain management nursing survey. Pain Manag Nurs. 2011;12(1):25-32.

11 Josse-Eklund A, Jossebo M, Sandin-Bojö AK, Wilde-Larsson B, Petzäll K. Swedish nurses' perceptions of influencers on patient advocacy: a phenomenographic study.. Nurs Ethics 2014;21(6):673-83.
-1212 Cole C, Wellard S, Mummery J. Problematising autonomy and advocacy in nursing.. Nurs Ethics 2014;21(5):576-82.).

Assim, diversas investigações evidenciaram que as ações do enfermeiro como advogado do paciente têm como propósito auxiliá-lo a obter cuidados de saúde necessários; defender seus direitos, garantindo a qualidade do cuidado; e servir como um elo entre o paciente e o ambiente de cuidados de saúde(7Hanks RG. Development and testing of an instrument to measure protective nursing advocacy. Nurs Ethics. 2010;17(2):255-67.

Vaartio H, Leino-Kilpi H, Suominen T, Puukka P. Nursing advocacy in procedural pain care.. Nurs Ethics 2009;16(3):340-62.

Hanks RG. The medical-surgical nurse perspective of advocate role. Nurs Forum. 2010;45(2):97-107.

10 Ware LJ, Bruckenthal P, Davis GC, O'Conner-Von SK. Factors that influence patient advocacy by pain management nurses: results of the American society for pain management nursing survey. Pain Manag Nurs. 2011;12(1):25-32.

11 Josse-Eklund A, Jossebo M, Sandin-Bojö AK, Wilde-Larsson B, Petzäll K. Swedish nurses' perceptions of influencers on patient advocacy: a phenomenographic study.. Nurs Ethics 2014;21(6):673-83.

12 Cole C, Wellard S, Mummery J. Problematising autonomy and advocacy in nursing.. Nurs Ethics 2014;21(5):576-82.

13 Negarandeh R, Oskouie F, Ahmadi F, Nikravesh M, Hallberg IR. Patient advocacy: barriers and facilitators. BMC Nurs. 2006;5:3.
-1414 Pavlish C, Ho A, Rounkle A. Health and human rights advocacy: perspectives from a Rwandan refugee camp.. Nurs Ethics 2012;19(4):538-49.). Contudo, destaca-se que, ao definir e descrever as ações dos enfermeiros na advocacia é necessário considerar que tais ações não são estáticas e fixas, mas influenciadas por características particulares de indivíduos, organizações, relações, situações clínicas e ambientes de atuação(1515 Simmonds AH. Autonomy and advocacy in perinatal nursing practice.. Nurs Ethics 2008;15(3):360-70.).

Entre alguns atributos para a efetivação da advocacia, destaca-se a necessidade de estabelecer uma comunicação efetiva, tanto com o paciente como com os familiares e demais integrantes da equipe de cuidados(1111 Josse-Eklund A, Jossebo M, Sandin-Bojö AK, Wilde-Larsson B, Petzäll K. Swedish nurses' perceptions of influencers on patient advocacy: a phenomenographic study.. Nurs Ethics 2014;21(6):673-83.). A relação de confiança estabelecida com o paciente é capaz de promover uma assistência mais humanizada, possibilitando a efetiva defesa de seus direitos por meio da advocacia(1616 Barlem ELD, Lunardi VL, Tomaschewski JG, Lunardi GL, Lunardi Filho WD, Schwonke CRGB. Moral distress: challenges for an autonomous nursing professional practice.. Rev Esc Enferm USP [Internet] 2013 [cited 2014 July 22];47(2):506-10. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n2/33.pdf
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). Esse exercício em prol dos pacientes é considerado, atualmente, um requisito importante no cuidado de enfermagem, mas não um atributo exclusivo, muito embora não venha sendo praticado por profissionais de outras áreas(9Hanks RG. The medical-surgical nurse perspective of advocate role. Nurs Forum. 2010;45(2):97-107.,1616 Barlem ELD, Lunardi VL, Tomaschewski JG, Lunardi GL, Lunardi Filho WD, Schwonke CRGB. Moral distress: challenges for an autonomous nursing professional practice.. Rev Esc Enferm USP [Internet] 2013 [cited 2014 July 22];47(2):506-10. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n2/33.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n2/33...
).

Cabe ressaltar que as diversas disciplinas da área da saúde envolvidas no cuidado de pacientes queimados têm promovido um significativo aumento da pesquisa científica e clínica na área de queimaduras, o que refletiu em aproximadamente 1.000 artigos publicados em periódicos científicos na área de queimaduras no ano de 2013. Tais artigos abordam o contexto dos pacientes vítimas de queimaduras, contemplando as áreas de cuidados intensivos, epidemiologia, infecção, lesão por inalação, nutrição e metabolismo, dor e prurido, psicologia, reconstrução e reabilitação de feridas(6Sen S, Palmieri T, Greenhalgh D. Review of burn research for the year 2013. J Burn Care Res. 2014;35(5):362-8.).

Contudo, na literatura brasileira, ainda são escassos os trabalhos que abordam os cuidados a pacientes com queimaduras(3Stergiou-Kita M, Grigorovich A, Gomez M. Development of an inter-professional clinical practice guideline for vocational evaluation following severe burn.. Burns 2014;40(6):1149-63.) e o exercício da advocacia do paciente por parte da enfermagem(1717 Tomaschewski-Barlem JG. O exercício da advocacia do paciente pelos enfermeiros: uma perspectiva foucaultiana [tese doutorado]. Rio Grande: Programa de Pós- Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande; 2014.), inexistindo trabalhos relativos à advocacia do paciente queimado, fato que justificou a realização deste estudo. Dessa forma, teve-se como objetivo conhecer as ações dos enfermeiros no exercício da advocacia do paciente internado em um centro de queimados.

Identificar as ações desempenhadas pelos enfermeiros que buscam advogar pelo paciente em uma unidade de queimados deve possibilitar conhecer as características que definem o enfermeiro como advogado, favorecendo a ação desses profissionais em defesa do paciente de maneira ética, humana e efetiva, o que demonstra a relevância deste estudo.

Método

Realizou-se uma pesquisa do tipo estudo de caso, que consiste em um método que investiga uma temática contemporânea dentro de um contexto específico, definindo e esclarecendo limites e relações. Foi realizado um estudo de caso único e descritivo(1818 Gil AC. Estudo de caso. São Paulo: Atlas; 2009.), buscando-se proporcionar ampla descrição acerca do fenômeno advocacia do paciente dentro do contexto de um centro de queimados.

O local selecionado foi um Centro de Referência em Assistência a Queimados (CRAQ) de um hospital no extremo sul do Brasil. O CRAQ iniciou suas atividades em agosto de 2010, tendo capacidade de atendimento para dez pacientes simultaneamente, contando com uma equipe de enfermagem composta por um total de sete enfermeiros, um administrativo e seis assistenciais, e dez técnicos de enfermagem. A unidade contava também com um enfermeiro responsável pela educação permanente. Ainda atuavam na unidade: um clínico geral, um cirurgião plástico, um nutricionista e um fisioterapeuta por turno. Caso fosse necessário apoio psicológico, assistência social ou outras especialidades médicas, o profissional solicitado era deslocado do hospital geral que comporta o CRAQ. Profissionais de higienização e copa exerciam permanentemente atividades na unidade.

Os critérios de inclusão adotados para participação no estudo foram: ser enfermeiro do CRAQ; estar atuando há pelo menos 3 anos na unidade, em virtude deste ser considerado o tempo mínimo de capacitação e adaptação na unidade na percepção dos próprios enfermeiros deste estudo; ter disponibilidade e interesse em participar das reuniões previamente marcadas para o desenvolvimento do estudo.

Os participantes do estudo foram cinco enfermeiros que atuavam nos turnos manhã, tarde e noite, sendo: um enfermeiro que desempenhava o papel administrativo na unidade e auxiliava na assistência, três enfermeiros que desenvolviam assistência direta ao paciente; um enfermeiro que comandava o serviço de educação permanente na unidade. A idade dos participantes variou entre 25 e 32 anos, com os tempos mínimo e máximo de atuação na unidade situados entre 3 e 4 anos.

Três enfermeiros do CRAQ não participaram dos grupos focais, em virtude de dois estarem em período de férias ou afastados quando os grupos foram desenvolvidos; um enfermeiro sempre permanecia atuando na unidade, mesmo nos momentos de realização dos grupos focais, evitando a descontinuidade dos cuidados de enfermagem.

Para a coleta de dados, ocorrida no período de fevereiro a março de 2014, foi utilizada a técnica do grupo focal, que é um tipo de entrevista em profundidade realizada em grupo, permitindo a interação dos participantes entre si num processo de discussão, que é observado e registrado pelo moderador. Sua escolha como técnica de coleta de dados baseou-se na possibilidade de obter uma visão sincrética, analítica e sintética dos dados, proporcionando, respectivamente, leituras de reconhecimento, seletivas e interpretativas(1818 Gil AC. Estudo de caso. São Paulo: Atlas; 2009.).

Foram realizadas três sessões de grupo focal, com duração aproximada de 1 hora, visando abordar diferentes aspectos da advocacia do paciente. A equipe organizadora da pesquisa foi dividida em coordenador e moderador dos grupos focais. O coordenador manteve-se responsável por estabelecer os temas de cada encontro e direcionar os diálogos, de forma que os objetivos preestabelecidos fossem alcançados, enquanto o moderador auxiliou a registrar a dinâmica do grupo por meio de gravação, colaborando também no direcionamento das discussões(1818 Gil AC. Estudo de caso. São Paulo: Atlas; 2009.).

No primeiro encontro foi realizada a provocação inicial: Como você tem advogado pelos interesses do paciente internado no Centro Queimados? Desse modo, foi solicitado a cada enfermeiro participante que escrevesse uma situação-problema vivenciada na unidade de trabalho em que houve a necessidade de advogar pelo paciente; após, cada enfermeiro participante realizou a leitura da situação-problema identificada, suscitando a colaboração dos demais enfermeiros participantes para as formas de resolução dos problemas relatados, e assim sucessivamente.

No segundo encontro, foi apresentado aos enfermeiros um diagrama contendo a síntese das ações apresentadas e discutidas no primeiro encontro, sendo solicitado a cada um que elencasse três barreiras e três facilitadores no exercício das ações da advocacia, os quais seriam submetidos à discussão do grupo. No terceiro e último encontro, foi novamente apresentado aos enfermeiros o diagrama contendo as ações de advocacia, assim como outro diagrama, com a síntese das barreiras e dos facilitadores discutidos no segundo encontro. Após, os enfermeiros participantes foram convidados a elaborar uma síntese das ações de advocacia do paciente internado em um centro de queimados.

A análise dos dados obtidos foi realizada por meio da análise textual discursiva, a qual pode ser entendida como um processo de desconstrução e reconstrução do material lido. Constitui-se de um processo integrado de análise e de síntese, baseado em uma leitura rigorosa e aprofundada, descrevendo e interpretando fenômenos e discursos. Foram seguidas três etapas: unitarização dos textos; categorização; captação do novo emergente(1919 Moraes R, Galiazzi MC. Análise textual discursiva. 2ª ed. Ijuí: Unijuí; 2013.).

A unitarização consistiu na imersão do pesquisador nas transcrições das entrevistas realizadas, mediante a desconstrução do texto e sua fragmentação em unidades de significado, de acordo com critérios pragmáticos, de forma que essas unidades foram definidas em função do referencial advocacia do paciente queimado e dos objetivos da pesquisa. Após a realização da unitarização, realizou-se a articulação de significados semelhantes, o que constituiu o processo de categorização. Durante a categorização, foram identificadas relações entre as unidades de significado, comparando-as e realizando o agrupamento de elementos de significação próximos em três categorias finais: orientar o paciente, proteger o paciente e garantir a qualidade do cuidado. A última etapa da análise, ou seja, a captação do novo emergente, englobou a descrição e a interpretação dos sentidos e significados construídos a partir do texto(1919 Moraes R, Galiazzi MC. Análise textual discursiva. 2ª ed. Ijuí: Unijuí; 2013.).

Este projeto fez parte do macroprojeto Advocacia do paciente e coping na enfermagem: possibilidades de exercício de poder mediante vivências de sofrimento moral, Chamada Universal (474761/2012-6), aprovado no Comitê de Ética local sob o parecer número 097/2013. As falas foram codificadas em três dígitos, sendo que cada um correspondeu respectivamente a: número do encontro (de 1 a 3), letra "E" seguida do número de identificação do enfermeiro e numeração da fala do encontro.

Resultados

A análise dos dados dos três encontros permitiu que emergissem três categorias centradas nas formas de advogar pelo paciente queimado: (1) orientar o paciente, (2) proteger o paciente e (3) garantir a qualidade do cuidado. Os pacientes internados no CRAQ pesquisado encontravam-se em variados estágios de internação e evolução do quadro clínico, de modo que as ações de advocacia desenvolvidas pelos enfermeiros eram realizadas de acordo com a necessidade de cuidados de enfermagem específicos de cada paciente. A Figura 1 apresenta o modelo de ações e formas de advogar pelo paciente desenvolvidos pelos enfermeiros em um CRAQ.

Figura 1
Modelo de ações e formas de advogar pelo paciente desenvolvidos pelos enfermeiros em um Centro de Referência em Assistência a Queimados - Rio Grande, RS, 2014.

Orientar o paciente

A orientação foi descrita pelo grupo como umas das principais ações no exercício da advocacia do paciente queimado, uma vez que oportunizava a garantia da autonomia do paciente na tomada de decisões, trazendo benefícios durante a internação e a alta hospitalar. Tais orientações estavam mais direcionadas às informações acerca dos direitos do paciente, especialmente no que se refere à obtenção de medicações e aos procedimentos necessários para garanti-los.

Atuamos como advogado dos pacientes quando orientamos sobre seus direitos de conseguir algumas medicações, principalmente quando recebem alta hospitalar e precisam fazer uso de pomadas e outros medicamentos. Quando o paciente dá alta, às vezes ele precisa fazer uso de colagenase e outras coisas, a gente orienta que junto à procuradoria eles podem conseguir, que é um direito deles receber essa medicação (1.E1).

Acredito que a advocacia do paciente consiste em garantir ou facilitar o acesso dos pacientes à informação relacionada ao seu problema, bem como auxiliar para que os mesmos encontrem maneiras de assegurar seu direito como usuário do sistema de saúde. Eu sempre ressalto quando sair daqui, o que vai fazer, o que não vai fazer e como vai procurar o serviço (Unidade Básica de Saúde), como que vai fazer os curativos (3.E2).

Do mesmo modo, o grupo de enfermeiros percebeu a orientação como forma de lutar e defender a justiça social, pois, quando o indivíduo desconhece as formas de auxílio que pode receber do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Estado, torna-se ainda mais suscetível a dificuldades, demonstrando-se desamparado e vulnerável. Ao orientar o paciente a fim de garantir que ele tenha acesso e receba os recursos necessários para a continuidade de seu tratamento e para que saiba se impor diante das injustiças sociais, os enfermeiros demonstram sua preocupação em advogar pelos pacientes além dos limites da instituição hospitalar, garantindo que a maioria dos pacientes retorne para casa com acesso gratuito a pomadas e medicamentos de alto custo.

Acho que 80% deles (dos pacientes) que saem daqui não conseguem comprar (os medicamentos). E pelo menos tu tendo conhecimento pra saber informar (dos direitos) já é um ato em defesa do paciente (1.E3).

É a questão da renda e a própria questão cultural inclusive. Será que eu (o paciente) realmente posso ir? E será que eu vou conseguir (as medicações)? E aí quando o enfermeiro estimula, dizendo: olha, tu podes, tu tens o direito de ir, aí tem mais alguém dizendo aquilo que é dele (do paciente) por natureza (1.E5).

Advogar é a busca pela efetivação dos direitos do paciente, procurando vencer as barreiras sociais que impedem a resolução de alguns empecilhos, até chegar à melhora do paciente (3.E1).

Proteger o paciente

No que diz respeito às ações de advocacia atreladas à proteção dos pacientes, foi possível evidenciar que a advocacia do paciente era exercida, especialmente, por meio do esclarecimento dos procedimentos e das possibilidades de sequelas, da intervenção na continuidade do tratamento de pacientes menores de idade, do questionamento de condutas médicas e do elo entre o paciente, seus familiares e o ambiente de cuidados de saúde.

Quanto ao esclarecimento acerca dos procedimentos e sequelas, o grupo evidenciou que, embora fosse administrada analgesia antes dos procedimentos, a dor era uma consequência inerente à manipulação das lesões decorrentes de uma queimadura, de modo que a vivência dessa situação gerava no paciente, medo e angústia, com a aproximação do horário de realização dos cuidados. Nesse contexto, o grupo de enfermeiros relatou que buscava esclarecer e estimular o paciente, explicando-lhe que compreendiam sua condição de dor e receio, mas que necessitavam executar os cuidados de forma correta, para que as sequelas, que naquele momento eram imprevisíveis, fossem futuramente as mínimas possíveis.

Os pacientes ficam naquela coisa: ai, por que esse curativo? Essa dor é horrível. Então uma das coisas que eu sempre digo: essa ferida vai cicatrizar, é só cuidar que vai cicatrizar, mas depois que ela fechar vai ter uma sequela que a gente não tem como delimitar agora como vai ser. E a gente tenta frisar isso, que o pior ainda não é agora porque depois tu pode te deparar com uma sequela estética, física, que vai te comprometer a funcionalidade e que vai comprometer a estética. Aí eles (os pacientes) se dão conta (da necessidade do curativo) (2.E3).

Outra situação destacada pelo grupo foi de que os pacientes menores de idade, assim como os idosos, possuíam o direito de permanecer acompanhados por um familiar durante todo o período de internação, de modo que, muitas vezes, os familiares solicitavam a alta hospitalar antecipada daquele que sofreu o trauma, justificando problemas pessoais que impossibilitavam sua permanência no hospital. Desse modo, por serem mais vulneráveis e sujeitos às decisões dos pais ou responsáveis, as crianças necessitavam da intervenção dos enfermeiros para prosseguir com o tratamento e evitar sequelas futuras.

Diante desse conflito e da negativa do familiar em permanecer na unidade, o enfermeiro precisava acionar a assistência social da instituição e o conselho tutelar. Essa ação se tornou necessária para evitar a interrupção do tratamento, bem como o surgimento futuro de prejuízos na vida social e laboral da vítima de queimadura.

Para a mãe que deseja ir embora e recusa-se a deixar a filha submeter-se a procedimento cirúrgico, visto que a enxertia de pele é recomendada no caso para melhor epitelização da ferida e diminuição das sequelas cicatriciais e queloides, é feito registro documentado no prontuário do paciente. Já foi chamado o conselho tutelar e a assistente social pra conversar com ela. Expliquei, dei o exemplo de tal menina que também foi embora e hoje tem uma cicatriz extensa na região da mama, como se fosse uma retração. A gente fala, a gente explica (1.E3).

O questionamento de condutas médicas também foi evidenciado como forma de advogar pelo paciente, garantindo sua proteção. Assim, o grupo de enfermeiros relatou que verificava as prescrições médicas e, quando necessário, realizava contato com o médico responsável buscando adequar as medicações prescritas. Essa relação foi caracterizada como profissional, pois permitiu dialogar com a equipe médica de modo a realizar o cuidado interdisciplinar com foco nos benefícios ao paciente.

Às vezes a gente olha a prescrição e vê que não está de acordo, daí liga para a pediatria, pergunta como eles costumam fazer lá e entra em contato com o médico daqui que prescreveu e sugere, quem sabe não dá pra mudar (3.E4).

O grupo de enfermeiros também destacou que a queimadura era um trauma que ocorria de forma repentina, surpreendendo o indivíduo que sofreu o acidente e sua família, de modo que a internação hospitalar repentina causava ainda mais sofrimento, angústia e medo nas pessoas envolvidas, principalmente em relação ao desconhecimento dos cuidados e da unidade de internação, das regras da instituição e das condutas. Dessa forma, o grupo de enfermeiros evidenciou que exercia a advocacia quando acolhia e esclarecia os pacientes e familiares quanto à especificidade do centro de queimados, estabelecendo um elo entre estes e o ambiente de cuidados de saúde, de forma que o período de internação fosse o menos impactante e traumático possível.

(...) uma mãe veio apavorada com um menino. Quando ela chegou, a gente começou a conversar e explicar como que era a rotina e ela já ficou mais tranquila (2.E1).

Acredito que exercer advocacia do paciente seja trabalhar em prol deste, exercendo a comunicação e diálogo entre equipes, pacientes e familiares, viabilizando o cuidado(3.E3.)

Garantir a qualidade do cuidado

Nessa categoria, as ações dos enfermeiros no exercício da advocacia do paciente queimado estiveram associadas à garantia da qualidade do atendimento, mediante a satisfação das necessidades dos pacientes e da organização de recursos da unidade.

No que se referiu à satisfação das necessidades dos pacientes, o grupo de enfermeiros destacou que os pacientes internados tinham direito a acompanhante quando menores de idade ou idosos, porém, devido à especificidade clínica do paciente queimado, os enfermeiros avaliavam as situações de forma individual, solicitando acompanhamento mesmo dos pacientes que, por lei, não teriam esse direito. Os adultos, em muitos casos, necessitavam de acompanhantes, seja pelo tipo de queimadura (quando acometia as mãos e os tornava mais dependentes), ou pelo quadro depressivo que geralmente acometia o paciente queimado.

Quem pode permanecer com acompanhante são os menores de idade e os idosos, mas às vezes quando a gente vê que um paciente adulto está precisando, a gente conversa com um familiar e pede que alguém permaneça com ele (3.E2).

Muitas vezes, a portaria não deixa entrar. Antes isso era com a gente, ligava pra lá e avisava que estava liberada a entrada de acompanhantes e tudo bem, mas agora não. Precisamos sempre explicar e solicitar (3.E3).

Em relação à garantia da qualidade do cuidado por meio da organização dos recursos, foram evidenciadas ações que tinham por finalidade as mudanças e as melhorias na unidade do CRAQ, como o gerenciamento dos recursos disponíveis para a realização dos banhos e curativos, desde gazes e pomadas até os curativos de alta tecnologia, beneficiando os pacientes internados de maneira geral. Dessa forma, o grupo de enfermeiros destacou a organização e a disponibilidade de recursos tecnológicos na unidade como formas efetivas de garantir o cuidado com qualidade e efetividade.

Para tudo se busca uma resolução. Em relação à unidade, busca-se dispor o material necessário, estar sempre organizado pra que o pessoal consiga trabalhar em condições de fazer o melhor. Fornecer esse material e organizar isso tudo também já é uma forma de estar facilitando que o trabalho seja desenvolvido de forma efetiva (2.E3).

Por fim, o grupo de enfermeiros destacou que discutir e refletir acerca de suas ações no exercício da advocacia aos pacientes queimados permitiu que percebesse o quanto sua conduta poderia influenciar positivamente a vida dos pacientes sob seus cuidados. Do mesmo modo, o grupo destacou que se sentia responsável pelo paciente desde a internação até após a alta hospitalar, preocupando-se com a continuidade do tratamento e a disponibilidade de recursos fora do CRAQ, principalmente nas cidades de origem de quem buscou o serviço, pois sabiam que o paciente queimado ainda era um tipo de paciente desconhecido em muitos locais.

Enquanto está aqui (no CRAQ) tem os profissionais que estão acostumados com o tipo de lesão que eles têm, mas em outras unidades, nem sempre. Dependendo da cidade, muitas vezes não tem recurso, então eu sempre busco esse lado da advocacia (3.E2).

Discussão

Destaca-se que o papel de advogado do paciente é atribuído ao enfermeiro devido à sua relação e ao seu maior tempo de permanência com seus pacientes, porém ainda não existe um conceito definido, o que pode levar esses profissionais a enfrentar dificuldades ao se depararem com o desconhecimento de sua real atribuição(2020 Mahlin M. Individual patient advocacy, collective responsibility and activism within professional nursing associations.. Nurs Ethics 2010;17(2):247-54.). A partir dos resultados deste estudo, foi possível evidenciar diversas ações que os enfermeiros desenvolvem a fim de exercer a advocacia do paciente em um centro de queimados, as quais estão fundamentadas na orientação, proteção e garantia da qualidade do cuidado prestado aos pacientes.

Desse modo, reconhecer as ações dos enfermeiros para o exercício da advocacia ao paciente queimado pode constituir-se em um avanço para a profissão, tendo em vista que o enfermeiro pode se sentir impotente diante de situações que necessitem de seu posicionamento em prol da defesa dos direitos do paciente, o que pode prejudicar a integralidade e a qualidade dos cuidados prestados(2020 Mahlin M. Individual patient advocacy, collective responsibility and activism within professional nursing associations.. Nurs Ethics 2010;17(2):247-54.).

Os participantes do presente estudo relataram a orientação como uma das formas de advogar pelos seus pacientes, pois entendiam que, por meio dela, conseguiam esclarecer o paciente queimado quanto às inúmeras dúvidas que surgiam no período de internação, garantindo que estivessem suficientemente informados para exercerem sua autonomia na tomada de decisões sobre seus cuidados. Do mesmo modo, estudos realizados em diferentes contextos e situações clínicas têm evidenciado que a advocacia do paciente pode ser considerada um compromisso moral do enfermeiro, que visa, especialmente, orientar os pacientes quanto aos seus direitos, auxiliando-os no processo de tomada de decisão e garantindo o exercício de sua autonomia(7Hanks RG. Development and testing of an instrument to measure protective nursing advocacy. Nurs Ethics. 2010;17(2):255-67.

Vaartio H, Leino-Kilpi H, Suominen T, Puukka P. Nursing advocacy in procedural pain care.. Nurs Ethics 2009;16(3):340-62.

Hanks RG. The medical-surgical nurse perspective of advocate role. Nurs Forum. 2010;45(2):97-107.
-1010 Ware LJ, Bruckenthal P, Davis GC, O'Conner-Von SK. Factors that influence patient advocacy by pain management nurses: results of the American society for pain management nursing survey. Pain Manag Nurs. 2011;12(1):25-32.,1414 Pavlish C, Ho A, Rounkle A. Health and human rights advocacy: perspectives from a Rwandan refugee camp.. Nurs Ethics 2012;19(4):538-49.,1717 Tomaschewski-Barlem JG. O exercício da advocacia do paciente pelos enfermeiros: uma perspectiva foucaultiana [tese doutorado]. Rio Grande: Programa de Pós- Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande; 2014.).

Os enfermeiros participantes do presente estudo relataram que, ao orientar seus pacientes acerca dos cuidados no período após a alta hospitalar, estavam exercendo a advocacia, pois, fora do ambiente do centro de queimados, o paciente poderia se deparar com o desconhecimento dos profissionais e a falta de recursos para atender a suas especificidades. Assim, corroborando a literatura sobre o tema, o paciente com situação socioeconômica desfavorável não conseguiria adquirir por conta própria os materiais adequados para prosseguir com seu tratamento, principalmente as pomadas, que possuem um custo elevado, o que requer dos enfermeiros orientações a respeito das dificuldades que podem ser enfrentadas fora do ambiente hospitalar, conforme apontado em estudos com pacientes queimados(1den Hollander D, Albert M, Strand A, Hardcastle TC. Epidemiology and referral patterns of burns admitted to the Burns Centre at Inkosi Albert Luthuli Central Hospital, Durban. Burns. 2014;40(6):1201-8.,6Sen S, Palmieri T, Greenhalgh D. Review of burn research for the year 2013. J Burn Care Res. 2014;35(5):362-8.,2121 Silva RMA, Castilhos APL. A identificação de diagnósticos de enfermagem em paciente considerado grande queimado: um facilitador para implementação das ações de enfermagem. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(2):60-5.).

A busca pelos direitos sociais e, principalmente, a luta pela justiça social também foi descrita pelos enfermeiros participantes da pesquisa como importante forma de advocacia, o que vai ao encontro de um estudo que analisou o conceito de advocacia do paciente e identificou que defender a justiça social e proteger a autonomia dos pacientes são características fundamentais da defesa dos interesses dos pacientes(2222 Bu X, Jezewski MA. Developing a mid-range theory of patient advocacy through concept analysis. J Adv Nurs. 2007;57(1):101-10.). O modelo de advocacia social, descrito em 1989, reafirma a necessidade do exercício da advocacia pelos enfermeiros para pacientes individuais, mas avança para além das instituições de saúde, provocando a participação dos enfermeiros na mudança social, buscando acesso equitativo aos cuidados de saúde para os pacientes e corrigindo injustiças clínicas e sociais que desrespeitem seus direitos e valores(2323 Fowler MD. Social advocacy: ethical issues in critical care. Heart Lung. 1989;18(1):97-9.).

Desse modo, a busca pelos direitos do paciente reforça o papel do enfermeiro como advogado e reafirma a defesa, ações estas que são componentes primordial desta profissão(9Hanks RG. The medical-surgical nurse perspective of advocate role. Nurs Forum. 2010;45(2):97-107.), demonstrando que os enfermeiros preocupam-se com além do período de internação hospitalar, promovendo autonomia do paciente para que ele busque condições de equidade, justiça e cuidado de qualidade também fora do ambiente hospitalar(1414 Pavlish C, Ho A, Rounkle A. Health and human rights advocacy: perspectives from a Rwandan refugee camp.. Nurs Ethics 2012;19(4):538-49.).

Outro aspecto destacado neste estudo diz respeito aos procedimentos e às sequelas resultantes das queimaduras, questões que, segundo os enfermeiros participantes, necessitam de uma abordagem ampliada da equipe responsável pelo cuidado, visto que o medo momentâneo da dor gera reações de negação ao tratamento. Nesse momento, os enfermeiros devem buscar interferir diretamente nas orientações e na motivação para que os pacientes venham a permitir a execução dos cuidados, visto que esses se fazem necessários ao sucesso do tratamento(2424 Shepherd L, Begum R. Helping burn patients to look at their injuries: How confident are burn care staff and how often do they help?. Burns 2014;40(8):1602-8.).

Ainda, é responsabilidade dos profissionais o estabelecimento de medidas que reduzam ou eliminem a dor durante os procedimentos, principalmente por meio de analgesia adequada(2424 Shepherd L, Begum R. Helping burn patients to look at their injuries: How confident are burn care staff and how often do they help?. Burns 2014;40(8):1602-8.,2525 Park E, Oh H, Kim T. The effects of relaxation breathing on procedural pain and anxiety during burn care.. Burns 2013;39(6):1101-6.). Pacientes com dor, muitas vezes, necessitam que os enfermeiros exerçam a advocacia para melhorar o manejo da dor, visto que podem desconhecer as medidas terapêuticas disponíveis e seus direitos. Desse modo, orientar e esclarecer os pacientes para requisitar medicações, ter sua dor tratada e defender suas necessidades não satisfeitas constituem importantes responsabilidades dos enfermeiros no exercício da advocacia do paciente(1010 Ware LJ, Bruckenthal P, Davis GC, O'Conner-Von SK. Factors that influence patient advocacy by pain management nurses: results of the American society for pain management nursing survey. Pain Manag Nurs. 2011;12(1):25-32.).

Ainda, foi possível evidenciar que os receios que surgem durante o período de internação afetam, além do paciente, seus familiares. Nesse sentido, as situações relacionadas aos pacientes menores de idade devem ser observadas com especial atenção, uma vez que essas relações são, muitas vezes, repletas de conflitos entre o enfermeiro e o responsável pelo menor de idade. O enfermeiro, ao se deparar com a necessidade de um procedimento que futuramente pode melhorar a qualidade de vida ou autoestima do paciente, muitas vezes, busca agir como advogado do paciente ao questionar a decisão familiar de não execução de determinados procedimentos por medo ou insegurança(1414 Pavlish C, Ho A, Rounkle A. Health and human rights advocacy: perspectives from a Rwandan refugee camp.. Nurs Ethics 2012;19(4):538-49.,2626 Smith AL, Murray DA, McBride CJ, McBride-Henry K. A comparison of nurses' and parents' or caregivers' perceptions during pediatric burn dressing changes: an exploratory study.. J Burn Care Res 2011;32(2):185-99.), lutando até mesmo contra o desejo de alta hospitalar antecipada solicitada pela família.

As situações de recusa de atendimento ao paciente menor por parte dos familiares responsáveis requerem que o conflito seja exposto a outros profissionais, para que o auxílio multiprofissional, pautado no atendimento da assistência social, psicologia, conselho tutelar e outros, possa contribuir na resolução do caso(2121 Silva RMA, Castilhos APL. A identificação de diagnósticos de enfermagem em paciente considerado grande queimado: um facilitador para implementação das ações de enfermagem. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(2):60-5.). Os enfermeiros deste estudo relataram que buscavam orientar o familiar em relação a todos os cuidados necessários, tentando estabelecer um nível de comunicação efetiva, sem se limitar à assistência puramente tecnicista, de forma que as necessidades psicológicas do núcleo familiar pudessem ser atendidas pela equipe, minimizando as respostas negativas que uma situação de queimadura pode gerar.

Outra importante ação ressaltada nas falas dos entrevistados foi a necessidade de questionamento quanto à prescrição médica, principalmente em situações em que as doses medicamentosas demonstravam-se inadequadas aos pacientes. Os enfermeiros destacaram esse ponto como uma forma positiva de advocacia, pois suas atuações permitiam o estabelecimento de uma relação de comunicação efetiva, fortalecendo as relações entre profissionais médicos e enfermeiros, trazendo benefícios ao cuidado dos pacientes(2424 Shepherd L, Begum R. Helping burn patients to look at their injuries: How confident are burn care staff and how often do they help?. Burns 2014;40(8):1602-8.).

Nesse sentido, destaca-se que a natureza da relação do enfermeiro com os outros membros da equipe de saúde pode ser considerada uma forte influência sobre o papel dos enfermeiros como advogados, especialmente quando os valores e metas para os cuidados são compartilhados, o que potencializa o cuidado centrado no paciente e evidencia a importância das equipes multidisciplinares e da comunicação efetiva(2727 Thacker KS. Nurses' advocacy behaviors in end-of-life nursing care.. Nurs Ethics 2008;15(2):174-85.).

No que se refere às ações relacionadas à garantia da qualidade do cuidado, cabe destacar que os pacientes menores de idade e os idosos possuem o direito de permanecerem acompanhados durante todo período de internação. Contudo, pacientes adultos, que não possuem esse direito, precisam ser avaliados diariamente, pois o isolamento de seus familiares, associado ao medo, à dependência e à negatividade diante da sua atual situação, pode provocar um quadro depressivo difícil de ser revertido(2424 Shepherd L, Begum R. Helping burn patients to look at their injuries: How confident are burn care staff and how often do they help?. Burns 2014;40(8):1602-8.). Nesse contexto, os enfermeiros acreditam agir em defesa de seus pacientes quando buscam avaliar seus casos individualmente, de forma a atender às necessidades dos indivíduos e a abrir exceções quando necessário, liberando a presença de um familiar constantemente na unidade(2222 Bu X, Jezewski MA. Developing a mid-range theory of patient advocacy through concept analysis. J Adv Nurs. 2007;57(1):101-10.).

Em relação à garantia da qualidade do cuidado, mediada pela organização de recursos da unidade, de modo semelhante aos resultados deste estudo, já foi verificado que a advocacia organizacional envolve ações que visam às mudanças e às melhorias em um nível institucional, beneficiando pacientes em geral(2828 O'Connor T, Kelly B. Bridging the gap: a study of general nurses' perceptions of patient advocacy in Ireland.. Nurs Ethics 2005;12(5):453-67.). Assim, quando os enfermeiros exigem melhores condições de trabalho, estão advogando indiretamente pelos pacientes, numa tentativa de modificar e qualificar os ambientes em que atuam, por meio da busca pela garantia da qualidade do cuidado prestado(1717 Tomaschewski-Barlem JG. O exercício da advocacia do paciente pelos enfermeiros: uma perspectiva foucaultiana [tese doutorado]. Rio Grande: Programa de Pós- Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande; 2014.).

A limitação deste estudo relacionou-se à sua natureza e à realização em um único contexto, em um centro de queimados localizado no sul do Brasil, fato que não permite a generalização dos resultados. Do mesmo modo, a natureza dos estudos de caso não permite sua replicação a outras situações.

Conclusão

Os resultados encontrados evidenciaram que as principais ações dos enfermeiros no exercício da advocacia do paciente, no contexto do centro de queimados pesquisado, podem ser traduzidas nas atitudes de orientar o paciente, protegê-lo e garantir a qualidade do cuidado. Tais ações podem influenciar positivamente a vida de um indivíduo queimado, seja no período de internação ou, principalmente, no período pós-alta hospitalar, fator tão preocupante para os profissionais entrevistados.

Desse modo, as ações em prol da criação de condições de autonomia e justiça social podem ser destacadas como principais resultados do presente estudo, tendo em vista que permitem evidenciar a preocupação e o engajamento dos enfermeiros para melhorar o nível de saúde nos âmbitos individual e o coletivo, ultrapassando os limites das instituições hospitalares.

Por fim, parece relevante questionar: os resultados deste estudo seriam semelhantes em outros centros de queimados? Nesse contexto, faz-se necessária a realização de outros estudos que corroborem a disseminação do conhecimento e a construção de estratégias que fortaleçam as ações do enfermeiro como advogado do paciente, contribuindo com a autonomia do enfermeiro, e a efetivação dos direitos dos pacientes e da justiça social.

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    Extraído do projeto "Advocacia do paciente e coping na enfermagem: possibilidades de exercício de poder mediante vivências de sofrimento moral", Universidade Federal do Rio Grande, 2012.
  • Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Processo 474761/2012-6

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2014
  • Aceito
    26 Mar 2015
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