Acessibilidade / Reportar erro

Descortinando as relações familiares a partir do contexto de violênciadoméstica: uma Teoria Fundamentada nos Dados* * Extraído da tese de doutorado: “Significados atribuídos às relações familiares por mulheres em situação de violência doméstica”, Universidade Estadual de Maringá, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, 2022.

RESUMO

Objetivo:

Compreender os significados atribuídos às relações familiares, por mulheres que vivenciaram violência doméstica.

Método:

Estudo explicativo que utilizou como referenciais o Interacionismo Simbólico e a Teoria Fundamentada nos Dados. Os dados foram coletados no período de março a novembro de 2021, por meio de entrevistas on-line com 23 mulheres localizadas na rede social Facebook®.

Resultados:

A análise dos dados permitiu a construção de um modelo teórico, constituído por três processos: “A gente aprendeu que era normal ser maltratada”: experienciando um contexto de violência na família de origem; “Eu só queria uma família”: vivenciando violência pelo companheiro e Ressignificando as relações familiares no contexto de violência.

Conclusão:

Os significados atribuídos às relações familiares são elaborados e modificados conforme a interpretação, trajetória no enfrentamento e interações das mulheres com outros indivíduos e objetos no tecido social, ao longo do tempo. Ao vivenciar a violência doméstica as mulheres ressignificam seus sentimentos e passam a atribuir novos valores, emoções e empatia às relações familiares, ampliando a compreensão de suas fragilidades e potencialidades.

DESCRITORES
Violência doméstica; Teoria Fundamentada; Relações Familiares; Cuidado de Enfermagem; Saúde da Mulher

ABSTRACT

Objective:

To understand the meanings attributed to family relationships by women who have experienced domestic violence.

Method:

Explanatory study using Symbolic Interactionism and Grounded Theory as references. Data were collected from March to November 2021, through online interviews with 23 women found on the social media application Facebook®.

Results:

Data analysis allowed the construction of a theoretical model consisting of three processes: “We learned that it was normal to be mistreated”: experiencing a context of violence in the family of origin; “I just wanted a family”: experiencing partner violence and redefining family relationships in the context of violence.

Conclusion:

The meanings attributed to family relationships are elaborated and modified according to the interpretation, trajectory of confrontation, and interactions of women with other individuals and objects in the social web, over time. When experiencing domestic violence, women give new meaning to their feelings and begin to attribute new values, emotions, and empathy to family relationships, expanding their understanding of their weaknesses and potential.

DESCRIPTORS
Domestic Violence; Grounded Theory; Family Relations; Nursing Care; Women′s Health

RESUMEN

Objetivo:

Comprender los significados atribuidos a las relaciones familiares por mujeres que han vivido violencia doméstica.

Método:

Estudio explicativo que utilizó como referentes el Interaccionismo Simbólico y la Teoría Fundamentada. Los datos fueron recolectados de marzo a noviembre de 2021, a través de entrevistas online a 23 mujeres encontradas en la red social Facebook®.

Resultados:

El análisis de los datos permitió la construcción de un modelo teórico, compuesto por tres procesos: “Aprendimos que era normal que nos maltrataran”: experiencia en un contexto de violencia en la familia de origen; “Solo quería una familia”: experiencia de la violencia en la pareja y redefinición de las relaciones familiares en el contexto de la violencia.

Conclusión:

Los significados atribuidos a las relaciones familiares se elaboran y modifican según la interpretación, trayectoria de confrontación e interacciones de las mujeres con otros individuos y objetos del tejido social, a lo largo del tiempo. Al vivir violencia doméstica, las mujeres dan un nuevo significado a sus sentimientos y comienzan a atribuir nuevos valores, emociones y empatía a las relaciones familiares, ampliando su comprensión de sus debilidades y potencialidades.

DESCRIPTORES
Violencia Doméstica; Teoría Fundamentada; Relaciones Familiares; Atención de Enfermería; Salud de la Mujer

INTRODUÇÃO

A violência doméstica (VD) continua sendo o evento mais comum de violência contra as mulheres e representa grande ameaça à saúde pública. As consequências prejudiciais envolvem não apenas as mulheres, mas também coloca em risco todo o sistema familiar e sua organização, que é indispensável para seu desenvolvimento e funcionalidade adequados(11. Agüero JM, Herrera-Almanza C, Villa K. Do human capital investments mediate the intergenerational transmission of domestic violence? SSM Popul Health. 2021;17:100985. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ssmph.2021.100985. PubMed PMID: 35024419.
https://doi.org/10.1016/j.ssmph.2021.100...
).

Globalmente, uma a cada três mulheres já sofreu violência física e/ou sexual pelo parceiro ou violência sexual por qualquer perpetrador em sua vida(22. World Health Organization. Covid-19 and violence against women what the health sector/system can do [Internet]. Genebra; 2020 [cited 2022 Feb 15]. Available from: https://www.who.int/reproductivehealth/publications/vaw-covid-19/en/
https://www.who.int/reproductivehealth/p...
). No que tange ao feminicídio em decorrência de VD, em 2019, no Brasil, cerca de 3.737 mulheres foram mortas. Esses dados indicam o Brasil como um dos países com os mais violentos índices deste tipo de violência no mundo(33. Chakian S. Lei Maria da Penha: um basta à tolerância e banalização da violência contra a mulher. In: Instituto Patrícia Galvão, editor. Violência doméstica e familiar contra a mulher: um problema de toda a sociedade. São Paulo: Paulinas; 2019.,44. Cerqueira D, Ferreira H, Bueno S, coordenadores. Atlas da violência 2021. São Paulo: FBSP; 2021. doi: http://dx.doi.org/10.38116/riatlasdaviolencia2021
https://doi.org/10.38116/riatlasdaviolen...
).

Estatisticamente, a VD concretiza-se sobretudo no ambiente do lar, local considerado por muitos como refúgio e proteção, mas que, nesses casos, facilita a prática e ocultação da violência(55. Cortes LF, Arboit J, Gehlen RGS, Tassinari TT, Vieira LB, Padoin SMM, et al. Protection of women in situations of violence in the context of the Covid-19 pandemic. Cienc Cuid Saude. 2020;19:e27984. doi: http://dx.doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v19i0.54847.
https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v...
). Ademais, a VD é influenciada por diferentes aspectos – socioculturais, psicológicos, comportamentais e econômicos; provoca instabilidade familiar; impacta na morbimortalidade dos envolvidos; viola direitos humanos; e frequentemente é acompanhada pelo silêncio e submissão das mulheres em situação de violência(66. Marcolino EC, Santos RC, Clementino FS, Leal CQAM, Soares MCS, Miranda FAN, et al. Social distancing in times of Covid-19: an analysis of its effects on domestic violence. Interface. 2021;25(Supl. 1):e200363. doi: http://dx.doi.org/10.1590/interface.200363.
https://doi.org/10.1590/interface.200363...
).

Genérica e historicamente, a submissão da mulher está atrelada aos papéis sociais atribuídos a homens e mulheres, os quais são resultados de um processo de naturalização social das diferenças biológicas, de gênero e da transformação cultural que se convertem em dominação masculina e dão resultado à violência de modo sutil e incorporado à vida comum. É possível, dessa forma, compreender que a VD pode ter sido banalizada, à medida que o domínio do homem sobre a mulher foi naturalizado nas relações socioafetivas, de trabalho e de poder, assim como no modo como as pessoas constroem e percebem a vida e o mundo que as rodeia(77. Bourdieu P. A dominação masculina. São Paulo: Best Bolso; 2016.).

Atinente a isso, autores que buscam compreender as complexidades que permeiam o fenômeno da VD têm evidenciado um caráter intergeracional que envolve tanto a mulher como o agressor, caracterizado pela reprodução histórica da violência, que se inicia na infância e/ou adolescência e se perpetua na vida adulta. Tal reprodução reiterada ocorre com base em comportamentos e valores aprendidos, os quais são naturalizados entre os diferentes grupos sociais, principalmente a família(11. Agüero JM, Herrera-Almanza C, Villa K. Do human capital investments mediate the intergenerational transmission of domestic violence? SSM Popul Health. 2021;17:100985. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ssmph.2021.100985. PubMed PMID: 35024419.
https://doi.org/10.1016/j.ssmph.2021.100...
).

As relações familiares e o contexto violento, quando atrelados, podem gerar consequências negativas que vão além das relações afetivas, estendendo-se para os âmbitos socias, pessoais e psicológicos, porque legitimam a violência como estratégia de resolução de conflitos nas mais diversas situações(88. Li S, Zhao F, Yu G. Childhood maltreatment and intimate partner violence victimization: a meta-analysis. Child Abuse Negl. 2019;88:212–24. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.chiabu.2018.11.012. PubMed PMID: 30537622.
https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2018.11...
). Assim, o caminho a ser percorrido na busca por interromper o ciclo de VD é multifacetado e requer maior compreensão sobre a complexidade que envolve a inserção e a manutenção da mulher nessa conjuntura.

Observando a carência de investigações que abordem o contexto específico da VD, na perspectiva da mulher, atrelado às relações familiares, identifica-se a necessidade de estudos explicativos que possibilitem ampliar a compreensão acerca deste fenômeno, permitindo o aprofundamento do conhecimento social sobre a problemática da VD para orientação das práticas de cuidado em diferentes níveis e formas. Partindo desse pressuposto, o objetivo do presente estudo foi compreender os significados atribuídos às relações familiares, por mulheres que vivenciaram VD.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Estudo explicativo, que utilizou como referencial teórico o Interacionismo Simbólico (IS) e como metodológico a Teoria Fundamentada nos Dados (TFD). O IS é uma perspectiva teórica centrada na interação humana, segundo a qual os seres humanos agem conforme os significados que atribuem às coisas(99. Blumer H. A natureza do Interacionismo Simbólico. In: Mortensen CD, editor. Teoria da comunicação: textos básicos. São Paulo: Mosaico; 1980.). A TFD, que possui bases conceituais no IS, tem como propósito permitir a construção de um modelo teórico que facilite o entendimento dos fenômenos sociais, a partir da perspectiva dos sujeitos investigados(1010. Santos JLG, Cunha KS, Adamy EK, Backes MTS, Leite JL, Sousa FGM. Data analysis: comparison between the different methodological perspectives of the Grounded Theory. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03303. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2017021803303. PubMed PMID: 29668789.
https://doi.org/10.1590/s1980-220x201702...
). Nesse estudo, seguiram-se os passos preconizados pela vertente Construtivista da TFD(1111. Charmaz KA. Construção da teoria fundamentada: guia prático para análise quantitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.). Para a redação do relatório do estudo foram utilizados critérios estabelecidos no Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ)(1212. Souza VR, Marziale MH, Silva GT, Nascimento PL. Translation and validation into Brazilian Portuguese and assessment of the COREQ checklist. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE02631. doi: http://dx.doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631.
https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO...
) como ferramenta de apoio.

Local, População e Critérios de Seleção

As informantes foram mulheres de diferentes regiões do Brasil que integravam grupos de apoio a pessoas em situação de violência, hospedados na rede social Facebook®. Trata-se de grupos privados, ou seja, a inclusão/admissão de novos participantes é avaliada por seus administradores. Deste modo, a pesquisadora solicitou a participação em seis grupos, selecionados aleatoriamente, entre aqueles cujo título explicitava a questão da violência doméstica. No início de sua participação nos grupos a pesquisadora procurou estabelecer alguma forma de vínculo com as demais, manifestando apoio pessoal e/ou profissional aos relatos que revelavam angústias, medos e busca por ajuda. Após um mês de participação nos grupos, a pesquisadora solicitou autorização às administradoras para inserir um breve convite de participação no estudo. Houve cerca de oito comentários à postagem convite em cada grupo, os quais foram respondidos e estabelecido contato privado para que a pesquisadora pudesse esclarecer melhor sobre o objetivo do estudo e tipo de participação desejada.

Às mulheres que consentiram em participar do estudo, foi fornecido contato telefônico para realização da entrevista em dia e horário de sua preferência, ocasião em que eram informadas quanto ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e avaliadas as condições de inclusão e exclusão. Para isso, foram elencados como critérios de inclusão: ser do gênero feminino, ter 18 anos ou mais, ter vivenciado VD pelo ex-companheiro e ter acesso à internet. Adotou-se como critério de exclusão o cancelamento do agendamento ou não comparecimento para entrevista no ambiente online após três tentativas.

Coleta de Dados

Os dados foram coletados no período de março a novembro de 2021, mediante entrevistas abertas realizadas em ambiente virtual. Considerando os pressupostos da TFD, a coleta de dados ocorreu de forma concomitante à transcrição e análise das entrevistas com 23 participantes distribuídas em quatro grupos amostrais. O primeiro grupo foi constituído intencionalmente por sete mulheres que vivenciaram diferentes formas de violência. Nesse momento, o propósito era explorar de maneira abrangente as relações estabelecidas no contexto violento do domicílio.

No decorrer do processo de coleta e análise das entrevistas, foi evidenciado que as repercussões da VD eram influenciadas por diferentes fatores, entre os quais a presença ou não de filhos, sendo que todas as participantes do primeiro grupo amostral tinham em comum o fato de não terem filhos com o autor da violência. Esse contexto desencadeou os seguintes questionamentos: Será que o agressor teria um comportamento diferente se tivesse filho(s) com a mulher ou mesmo se o(s) filho(s) que elas já tinham fosse(m) seu(s)? Estes, por sua vez, levaram à formulação da seguinte hipótese: A intencionalidade da mulher em romper com o ciclo de violência é modulada pelo comportamento do agressor e, por conseguinte, diferente quando ela tem filhos com ele.

Desse modo, o segundo grupo amostral foi constituído por seis mulheres que tinham filhos com o autor da violência, selecionadas de modo intencional, visto que se selecionaram aquelas que responderam a um convite postado nos seis grupos de apoio, no qual era especificado o desejo de contactar mulheres que tivessem filhos com o agressor. Os dados obtidos neste grupo apontaram que os filhos tinham papel essencial na forma como a experiência de violência era vivenciada pelas mulheres, inclusive atuavam como força propulsora para a busca pela mudança da realidade vivida. A partir desta compreensão, pareceu oportuno conhecer a perspectiva dos próprios filhos das mulheres que vivenciaram a VD, levando ao terceiro grupo amostral, composto por três filhas, das quais duas eram filhas das participantes do segundo grupo amostral e uma, filha de uma vítima de feminicídio, a qual foi conhecida por ocasião da composição do primeiro grupo amostral. Mediante os dados obtidos no terceiro grupo amostral, observou-se que, por permanecerem cotidianamente expostas às situações de VD, as filhas carregavam cicatrizes tão intensas dessa experiência quanto suas mães, as quais as influenciavam na vida adulta e nos relacionamentos afetivos, sendo necessário investigar a vivência de mulheres com histórico de violência na família de origem. Assim, o quarto e último grupo amostral foi composto por sete mulheres que, além de vivenciar a VD na fase adulta, possuíam histórico de VD na infância. Para tanto, mais uma vez foi postado convite específico nos seis grupos e incluídas no estudo as mulheres que responderam a este convite e que demonstraram interesse em falar livremente sobre o tema.

O início das entrevistas ocorria a partir da pergunta norteadora Como você significa suas relações familiares no contexto de violência vivenciada? e seguia um roteiro pré-estabelecido com perguntas abertas, sendo possível incorporar novas questões a partir do delineamento das respostas. As entrevistas tiveram duração média de 60 minutos e foram realizadas unicamente por meio de videochamadas, tanto na rede social Facebook®, como no WhatsApp®, conforme preferência da participante. Todas as entrevistas foram audiogravadas, realizadas em local privativo no domicílio da mulher e desenvolvidas pela pesquisadora principal desse estudo, que é mulher, branca, sem histórico pessoal de VD, enfermeira, doutora em enfermagem, experiente em coleta de dados qualitativos e que não tinha qualquer vínculo pregresso com as participantes.

Análise e Tratamento dos Dados

A análise seguiu as etapas de codificação propostas pela vertente Construtivista da TFD, a saber: codificação inicial e focalizada. Na codificação inicial, os dados foram fragmentados e analisados com o objetivo de conceitualizar ideias e/ou significados expressos pelas participantes, transformando-os em códigos. Na segunda etapa, codificação focalizada, foram utilizados os códigos mais significativos e que possibilitavam melhor compreensão analítica para os dados. À medida que determinados conceitos emergiam com maior frequência e destaque, foram construídas as subcategorias e categorias, que posteriormente foram interconectadas de modo explicativo, a fim de permitir a identificação do fenômeno central da pesquisa(1010. Santos JLG, Cunha KS, Adamy EK, Backes MTS, Leite JL, Sousa FGM. Data analysis: comparison between the different methodological perspectives of the Grounded Theory. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03303. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2017021803303. PubMed PMID: 29668789.
https://doi.org/10.1590/s1980-220x201702...
,1111. Charmaz KA. Construção da teoria fundamentada: guia prático para análise quantitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.). Destaca-se que memorandos e diagramas foram empregados ao longo do processo de investigação(1111. Charmaz KA. Construção da teoria fundamentada: guia prático para análise quantitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.). Os dados foram interpretados à luz do Interacionismo Simbólico.

Aspectos Éticos

Estudo desenvolvido em consonância com as diretrizes da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e de acordo com as orientações para procedimentos de pesquisa em ambiente virtual da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). Projeto aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da instituição signatária (Parecer nº 4.426.287/2020). A obtenção da anuência das participantes deu-se por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido via Google Forms. Para preservar o anonimato das participantes, foram utilizados nomes fictícios de mulheres significantes para a pesquisadora principal, seguidos da idade e grupo amostral a qual pertenciam (ex: Wanderleia, 39 anos, GA2).

RESULTADOS

Participaram do estudo 23 mulheres com idade entre 21 e 61 anos, sendo 13 católicas, nove evangélicas e uma espírita. A média da renda variou entre um e três salários mínimos e, com relação à escolaridade, seis tinham ensino fundamental, seis ensino superior (sendo que duas ainda estavam cursando), nove estudaram até o ensino médio e duas delas sabiam ler e escrever. No que se refere ao estado civil, nenhuma delas estava em convívio com o autor da VD, sendo que três estavam em um novo relacionamento.

A análise dos dados permitiu a construção de um modelo teórico, cujo fenômeno central foi intitulado: “Significando as relações familiares no contexto de violência doméstica”, constituído por três processos interligados: Processo 1- “A gente aprendeu que era normal ser maltratada”: Experienciando um contexto de VD na família de origem”, no qual a mulher experiencia, de forma precoce, a VD durante a infância, juntamente com os demais membros da família. Nesse contexto, a violência é frequentemente realizada pela figura paterna, e a criança passa, paulatinamente, a introjetar significados de tolerância às relações abusivas e a naturalização de relações violentas. Processo 2 - “Eu só queria uma família”: vivenciando violência pelo companheiro, no qual a mulher se percebe reproduzindo a violência experienciada em sua família de origem. Isso, por vezes, reflete-se em vivenciar de forma subjugada relacionamentos conjugais. Ao perceber-se em um novo contexto de violência praticado pelo companheiro contra ela e seus filhos, as mulheres buscam apoio em diferentes relações sociais, de forma paradoxal, principalmente junto ao sistema familiar, sendo que nem todas conseguem o apoio esperado, vivenciando um novo processo de abandono. Por fim, o Processo 3 - Ressignificando as relações familiares no contexto da VD, o qual ilustra que, ao deixar o contexto violento, a mulher pode ressignificar os papeis familiares, a comunicação e o sentido de apoio, sendo acolhida dentro do sistema familiar e entendendo as relações familiares e a violência vivenciada na infância.

O fenômeno identificado nesse estudo apresenta uma sequência não linear de eventos, visto que as mulheres parecem viver num eterno looping de acontecimentos violentos, pois iniciam a vida com a VD e posteriormente se encontram em relações conjugais também violentas, que muitas vezes também acometem seus filhos. Para além, mesmo que consigam sair do contexto violento, as memórias vivenciadas cotidianamente retornam e seguem em looping presentes nessas mulheres. Assim, cada mulher em situação de VD representa um universo e as situações de violência fazem parte de um padrão que se repete da infância à vida adulta e permanece nas memórias (Figura 1).

Figura 1
Diagrama representativo do Fenômeno central: “Significando as relações familiares a partir do contexto de violência doméstica.” (autora, 2023).

A descrição do processo “A gente aprendeu que era normal ser maltratada”: Experienciando um contexto de violência na família de origem” exprime reflexões sobre o passado, suscitando lembranças nostálgicas e tristes, recobrando memórias de uma infância marcada por cicatrizes decorrentes de presenciar, cotidianamente, a violência do pai contra a mãe, irmãos e a si mesmas. De acordo com as entrevistas, o pai exercia o controle sobre a família principalmente por meio da força física e abuso psicológico, cerceando a liberdade e direitos, como demonstram as falas a seguir:

Em relação a amor, carinho, afeto, nunca tive isso dele (pai). Minhas irmãs casaram cedo para ir embora. Cresci o vendo bater muito na minha mãe, lembro que ela vivia com o olho machucado, porque ele batia muito nela e na gente. Ele sempre falou que eu era incapaz de tudo e que sempre ia depender dele. (Aline, 23 anos, GA4)

Sempre convivi com violência dentro de casa. Meu pai batia muito na gente, e fomos crescendo nesse ambiente. Eu não podia abrir a geladeira, não podia usar o banheiro de dentro de casa, porque o meu pai tinha nojo da gente e a gente tinha muito medo. (Maria, 36 anos, GA4)

Percebe-se que as mães mantinham o silêncio e a aceitação às violências como forma de minimizar a exposição dos filhos e devido ao medo de não conseguirem, sozinhas, proporcionar a subsistência necessária à família.

Minha mãe era uma pessoa extremamente submissa e dependente do meu pai. Lembro que quando ele batia muito nela, de tirar sangue mesmo, ela falava: “Ruim com ele, pior sem ele”. Escutei essa frase a minha infância inteira. (...) Sempre que ele chegava em casa embriagado também nos espancava, além disso tinha que ver minha mãe apanhando e ficar quieta, porque se eu chorasse, ele batia na gente também. Ele gritava que quem mandava na nossa vida era ele, e que por isso tratava do jeito que queria. (Patrícia, 44 anos, GA4)

Minha mãe sofria violência doméstica, e eu presenciava tudo. Meu pai era muito agressivo. A gente tinha medo dele, então eu também tive uma infância vivenciando tudo isso. Minha mãe sofreu calada a vida inteira por mais de 30 anos, ela se calou tanto que ficou depressiva... Minha mãe foi muito infeliz. (Wanderleia, 39 anos, GA2)

Os dados apontam a bebida alcoólica e outras drogas como elementos predominantes no contexto familiar violento. Relembrar episódios nos quais o uso abusivo destas substâncias esteve associado à violência no seio familiar desencadeou sentimentos de tristeza nas mulheres.

Meu pai era alcoólatra né? Minha mãe trabalhava de doméstica, sustentava a casa sozinha, porque ele gastava o dinheiro com bebida e mulherada. (Maria, 36 anos, GA4)

Meu pai bebia muito, e quando chegava em casa quebrava tudo, jogava a comida fora, batia muito na minha mãe. (Gabrielle, 32 anos, GA1)

O contexto hostil experienciado desde muito cedo pelas mulheres foi responsável pela construção de significados, sobretudo relacionados à insegurança, medo e ao sentimento de vulnerabilidade constante. Essa situação resulta do ambiente violento em que foram submetidas e das diversas situações de abusos ignorados, sobretudo por quem deveria protegê-las.

Meu pai tinha um amigo e só hoje eu entendo que ele tinha outras intenções, vivia pegando no meu cabelo. Falei várias vezes para o meu pai e ele nunca ligou. (Aline, 23 anos, GA4)

Eu passei por um abuso sexual por um tio e não tive apoio da minha avó. A sensação que tive é que quiseram abafar como se fosse normal, algo que mulher tem que aceitar. Tenho “flashes” dele colocando (a genitália) na minha boca e eu vomitando, eu era muito pequenininha (...). Como ninguém viu? (choro e pausa). Tenho revolta dessa história e de como minha família lidou com isso, acho que criança tem que ser protegida. (Mariana, 42 anos, GA4)

Diante de vivências complexas, inundadas por sentimentos de desproteção, medo, rejeição, abandono e indiferença, parece haver um desequilíbrio e por vezes ausência de sentimentos entre as relações estabelecidas com a figura materna por quem as mulheres esperam sobretudo, retribuição de afeto.

Sempre tive muita raiva da minha mãe, pois a via como responsável pelas coisas ruins que aconteceram comigo, sempre tive complexo de ter sido abandonada. Ela falava coisas do tipo, “você veio para cá para destruir minha vida” (...) Antes de me casar, lembro que ela estava sentada no sofá e eu passei a mão na cabeça dela, ela tirou minha mão e falou: “você está me agoniando!”. Minutos depois, minha irmã chegou e colocou a cabeça no colo dela (pausa longa e choro) e minha mãe começou a acariciá-la. Aquilo me feria muito. Eu sentia que não pertencia a nada ali. (Mariana, 42 anos, GA4)

Minha mãe nunca quis ter uma filha, nunca gostou e deixava isso bem claro. Me maltratava muito, não me deu amor ou carinho. Eu fui saber o que era abraçar uma mulher depois de adulta. (Elenice, 54 anos, GA1)

As diferentes formas e expressões de violência sofrida desde a infância pelas mulheres reverberam na naturalização das relações abusivas em outros contextos, de tal forma que parece haver uma simbiose entre distintos e antagonistas sentimentos em uma mesma relação. Isto é, o sofrimento passa a ser um importante balizador do amor recebido em seus relacionamentos, de tal forma que as mulheres são levadas a crer que somente podem ter acesso ao amor quando acompanhado de dor e sofrimento.

Na minha casa, a gente aprendeu que era normal ser maltratada, toda essa situação de abuso, a gente tinha que suportar calada. (Maria, 36 anos, GA4)

Minha mente criou que para sentir amor de alguém, tenho que sentir dor, eu não conhecia outra coisa, pois era o que estava acostumada a receber. (Fátima, 32 anos, GA4)

Buscando formas de solucionar os problemas vivenciados na família de origem, algumas mulheres relataram que a saída era arquitetar estratégias para fugir do contexto familiar violento. E, quando esta oportunidade aparecia por meio de novos relacionamentos, era logo abraçada por elas, na tentativa de experimentar o que parecia significar, de certa forma, uma solução para aquilo que vivenciaram na família de origem.

Eu não via a hora de sair daquele ambiente. Fugi de casa, fui morar com ele (agressor) e foi pior do que se eu tivesse ficado na casa do meu pai. Ele percebeu que eu não tinha ninguém por mim, que eu era completamente dependente dele, financeiramente, emocionalmente. (Patrícia, 44 anos, GA4)

Eu não me sentia parte daquela família, daquele lugar. De repente eu conheço um cara, e ele parece ser a solução dos meus problemas. Ele veio todo amigo: “Eu vou te ajudar, vamos sair daqui, casar, você não precisa passar por isso”. Eu vi nele a minha salvação. (Mariana, 42 anos, GA4)

O modo com que as mulheres interpretam a dinâmica familiar em que estiveram inseridas na infância, na qual atribuía-se à figura paterna o poder, foi determinante na formação das lentes por meio das quais observam e interpretam o mundo. Diante disso, os significados elaborados sobre suas relações familiares no contexto de VD foram, pouco a pouco, sendo construídos a partir das diferentes experiências vivenciadas.

“Eu só Queria uma Família”: Vivenciando Violência Pelo Companheiro

Embora busquem formar uma família com características distintas e opostas daquelas que foram aprendidas ao longo da infância, as mulheres encontravam-se em um novo contexto de violência que significa, por vezes, uma condição mais deletéria do que aquela experienciada na família de origem. Isso porque, para muitas, esta família foi sonhada e idealizada juntamente com os companheiros, que ao praticarem a VD, geraram, além de todo o sofrimento, o sentimento de decepção e frustração por encontrar-se novamente em um contexto de violência.

Me decepcionei profundamente. Nem sei definir em palavras. Sempre me perguntei por que tive que viver isso se o que eu queria era tão simples, só queria uma família. (Mariana, 42 anos, GA4)

Realmente não era nada daquilo que eu pensava. Aquela fantasia que eu criei de construir uma família, ser feliz, era tudo ilusão. (Gabrielle, 32 anos, GA1)

A gente quer construir uma família, mas a que custo? Podia ter custado a minha vida. (Maria, 36 anos, GA4)

Ao perceberem-se em um novo contexto de violência, ocupando agora o papel que antes testemunhavam, muitas destas mulheres passam a enfrentar um novo processo de abandono. Na maior parte dos casos, a primeira escolha quando elas buscaram por ajuda foi a família, porém, mais uma vez, elas se defrontam com um caminho longo e difícil que será trilhado de modo solitário.

Uma vez eu liguei para minha mãe e pedi socorro. Ela falou: “filha, não posso fazer nada, o pai não gosta de você.” Eu me senti assim, desprezível. Na hora, desliguei o telefone, não tinha lágrima para chorar (suspiro). Fiquei parada, assimilando o que ela tinha me falado. (Patrícia, 44 anos, GA4)

Quando eu disse que iria separar, meu pai me disse: “Ruim com ele, pior sem ele. Pelo menos com ele não vai te faltar comida.” (Wanderleia, 39 anos, GA2)

A partir dessas experiências, algumas mulheres precisaram compreender a complexidade do fenômeno tal como ele se apresentou, buscando novos caminhos e alternativas para o enfrentá-lo e, por muitas vezes, de modo solitário.

Até eu entender que a decisão de sair daquela situação era minha e não de outros, que precisaria partir de mim, demorou muito tempo. (Maria, 36 anos, GA4)

A gente não consegue apoio da família dentro da relação. Ou você vai contra ele e aceita o apoio da família ou fica contra a família e segurando a onda de não conseguir sair. Não tem como, é uma prisão emocional e a família não consegue ajudar. (Vanuza, 47 anos, GA1)

O caminho percorrido pelas mulheres, desde que se perceberam inseridas no contexto de VD até finalmente conseguirem sair dele, foi longo e fadado a um sofrimento contínuo e solitário. Ao experenciarem os sentimentos apreendidos neste caminho, novos significados foram construídos e atribuídos aos objetos que se apresentaram às suas realidades, entre estes, as relações familiares.

Ressignificando as Relações Familiares no Contexto Da Vd

A inserção em um novo contexto de violência suscita sentimentos já conhecidos pelas mulheres, trazendo novos significados sobre experiências previamente conhecidas. Em contrapartida, outras estratégias para lidar com este processo passam a ser elaboradas por elas. Assim, após abandonar o ciclo violento, tendem a ressignificar as relações familiares: a posição ocupada pela figura materna, por exemplo, tem um novo significado, compreendendo que, na verdade, suas mães foram vítimas não só da violência, presente em diversas fases de sua vida, mas das circunstâncias que se estabeleceram em suas existências, relacionadas e interdependentes à cultura, contexto e condição social, econômica e familiar, entre vários outros contextos determinantes para o enfrentamento à VD.

Só podemos dar aquilo que temos, se minha mãe não tinha para dar, é porque também não tinha recebido. Comecei entender que a infância dela foi muito mais difícil (...). Ela não mudou, quem mudou fui eu, meu olhar sobre ela, comecei a olhá-la como um ser humano que passou por muitas coisas ruins na vida e que não teve a chance de entender, de olhar para si. Hoje eu entendo os motivos dela. (Fátima, 32 anos, GA4)

Eu entendi o que aconteceu com minha mãe, nunca teve amor de ninguém, então não podia me dar o que não tinha. Não tenho mágoa, pelo contrário, acho que foi uma grande mulher dentro das possibilidades dela, foi uma vencedora. (Patrícia, 44 anos, GA4)

Ressignificar as relações familiares implica em estabelecer vínculos não existentes anteriormente. Algumas mulheres, ao perceberem o sofrimento das filhas, buscam reconstruir relações por meio de um diálogo mais aproximado, externalizando sentimentos de arrependimento, tristeza ou impotência diante da impossibilidade de defender a família.

Eu nunca conversava com ele sobre nada. Antes de ter acontecido isso, a gente nunca (pausa), era oi. Não era aquela conversa profunda, de família. Aí a gente começou ter mais intimidade. (Veronice, 43 anos, GA2)

Quando ele (pai) me via toda roxa, ele se sentiu muito mal com tudo que ele fez com a filha dos outros. A ficha dele caiu sobre o que fez durante a vida toda. (Gabrielle, 32 anos, GA1)

Meu pai ainda carrega essa dor de não conseguir me defender (da violência). Ele se viu impotente sobre isso. (Elenice, 54 anos, GA1)

Diante de tantas experiências dolorosas, o apoio da família foi reconhecido após a saída do ciclo de violência, representando rede de apoio que se fez necessária desde a infância. Todavia, para elas, mesmo que de modo inconsciente, a família influenciou na inserção nesse contexto de violência, devido ao processo de subjugar, naturalizar e de ser complacente com as relações abusivas que lhes causaram, entre tantos malefícios, a perda da autonomia, segurança, autoestima e independência nas relações.

Não tive minha família e, para muita surpresa, hoje é ela quem me cuida. Minha mãe está sempre me apoiando! Isso (a violência) acabou unindo a minha família. (Fátima, 32 anos, GA4)

Esta experiencia negativa que vivi foi influência da minha família, tenho certeza. E acho que também teve influência na saída dessa condição. Parece que é um ciclo, eu não sei o significado disso, não consigo achar uma resposta. (Mariana, 42 anos, GA4)

Acho que inconscientemente, pelo fato de ter presenciado aquela situação, a gente acaba sendo atraída para esse tipo de relação. (Ilair, 33 anos, GA1)

Após o abandono da VD, novos significados foram atribuídos às relações familiares, a partir da compreensão de que os membros da família reproduzem um ciclo que foi vivenciado ao longo do tempo, elaborando significados e condutas nas diferentes situações que se apresentam.

DISCUSSÃO

No contexto da VD, cada situação tem um significado e uma consequência, de acordo com as vivências e com a interação que a mulher constrói e determina para si própria e suas relações. Esses significados são atribuídos de forma individual e mesmo que a vivência de muitas mulheres seja semelhante, o modo com que cada uma elabora este contexto é único. Assim, ao longo de uma trajetória percorrida em diferentes contextos de violência, elas significam e ressignificam suas relações familiares, a partir de suas experiências.

Para um indivíduo, o significado de um dado elemento geralmente se dá a partir da maneira como outras pessoas agem em relação a si com relação a este elemento. Dentro deste contexto, o IS considera os significados como produtos sociais, criações elaboradas em e por meio das atividades humanas determinantes em seu processo interativo(99. Blumer H. A natureza do Interacionismo Simbólico. In: Mortensen CD, editor. Teoria da comunicação: textos básicos. São Paulo: Mosaico; 1980.). O processo, neste estudo, retroalimenta-se: as mulheres nasceram, cresceram e desenvolveram-se em um contexto de VD, construído por relações pré-estabelecidas, as quais foram aprendidas, absorvidas e reproduzidas por gerações anteriores. Este contexto, ao mesmo tempo em que é construído, propicia a elaboração de novas relações e atribuições de significados a depender das relações estabelecidas num determinado momento.

No processo de, involuntariamente, retransmitir a violência, as mulheres reescrevem, não apenas sua história individual e familiar, mas a história coletiva daquelas que também já se encontraram em situação de violência(1313. Costa RDB, Costa CB, Mosmann CP, Falcke D. Experiences in the family of origin that impact the family atmosphere the descendants. Estud Pesqui Psicol. 2018;18(2):408–25. doi: http://dx.doi.org/10.12957/epp.2018.38804.
https://doi.org/10.12957/epp.2018.38804...
). Neste estudo, este achado é demonstrado no momento em que as mulheres se referem à situação de violência vivenciada por suas mães e que estas, consideradas submissas, não amorosas e/ou não protetivas, não souberam lidar com a violência que acabou se replicando em suas vidas, e habituam-se, assim, a conviver com ela. A partir daí, perpetuaram esses padrões como se fossem naturais e as filhas tornaram-se vítimas em seus relacionamentos, dando continuidade novamente ao cenário familiar característico de violência(1313. Costa RDB, Costa CB, Mosmann CP, Falcke D. Experiences in the family of origin that impact the family atmosphere the descendants. Estud Pesqui Psicol. 2018;18(2):408–25. doi: http://dx.doi.org/10.12957/epp.2018.38804.
https://doi.org/10.12957/epp.2018.38804...
,1414. Sant’Anna TC, Penso MA. Intergenerational transmission of violence in marital relations. Psic Teor Pesq. 2017;33:1–11.).

O contexto vivenciado revelou a violência de gênero(1515. Saffioti HIB. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Expressão Popular; 2015.), comumente praticada pela figura masculina – o pai, tio, padrasto ou companheiro – o que remete a uma sociedade alicerçada no patriarcado e no machismo presente nas relações(1515. Saffioti HIB. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Expressão Popular; 2015.). Não obstante, as participantes também referiram a existência de relações conflitantes com suas mães. De forma semelhante, estudo descreve que homens e mulheres perpetraram a violência e/ou foram vitimizados sob influência de diferentes experiências familiares, ratificando a noção de que esses comportamentos, mesmo quando ressignificados, podem se repetir por gerações, corroborando a perspectiva transgeracional da violência(1616. Razera J, Bedin LM, Oliveira EL, Mosmann CP, Falcke D. Experiences within the family of origin and intimate partner violence: a dyadic model analysis. Paidéia. 2021;31:e3122. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1982-4327e3122.
https://doi.org/10.1590/1982-4327e3122...
).

A partir desse contexto, percebe-se uma certa dificuldade em identificar a VD, podendo estar relacionada à concepção de senso comum como fruto da construção social e cultural do homem como superior em detrimento à mulher, a qual é compreendida ainda como sua submissa(1717. Honnef F, Costa MC, Arboit J, Silva EB, Marques KA. Social representations of domestic violence against women and men in the rural settings. Acta Paul Enferm. 2017;30(4):368–74. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201700054.
https://doi.org/10.1590/1982-01942017000...
). Atinente a isso, um estudo realizado com homens em processo jurídico revelou que, no contexto familiar, eles acreditam que a mulher e os filhos devem submeter-se à autoridade masculina e que este detém o direito de controlá-los. Estas experiências, segundo eles, são absorvidas na infância, momento em que apreendem os significados e consequentemente, reproduzem comportamentos semelhantes quando adultos(1818. Magalhães JR, Gomes NP, Estrela FM, Silva AF, Carvalho MR, Pereira A, et al. Meanings of family dynamics by men who reproduced domestic violence. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE00803. doi: http://dx.doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO00803.
https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO...
).

Considerando que o interacionismo simbólico compreende os significados como produtos sociais, criações elaboradas em e através das atividades humanas determinantes em seu processo interativo(99. Blumer H. A natureza do Interacionismo Simbólico. In: Mortensen CD, editor. Teoria da comunicação: textos básicos. São Paulo: Mosaico; 1980.), observa-se que tanto a figura masculina quanto a feminina reforçam e reproduzem papéis sociais e culturalmente construídos, aceitos e naturalizados ao longo de suas vidas. Assim, vivenciar, como vítima ou testemunha, episódios de violência familiar na infância oferece ao sujeito um modelo que poderá ser perpetuado, replicando a situação após adulto(1818. Magalhães JR, Gomes NP, Estrela FM, Silva AF, Carvalho MR, Pereira A, et al. Meanings of family dynamics by men who reproduced domestic violence. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE00803. doi: http://dx.doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO00803.
https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO...
).

Um novo tipo de ação jamais se origina separadamente de experiências passadas(99. Blumer H. A natureza do Interacionismo Simbólico. In: Mortensen CD, editor. Teoria da comunicação: textos básicos. São Paulo: Mosaico; 1980.). O processo de enfrentamento e abandono do ciclo da VD das mulheres deste estudo evidenciou um caminho solitário. Elas compreenderam que necessitariam, em primeira instância, de seus esforços individuais, seus recursos emocionais, sociais e materiais disponíveis. Após o abandono do cenário da VD, a família passa a ocupar o espaço de apoio, apesar de que, para muitas mulheres, a família foi a principal responsável pela inserção no contexto, sobretudo pela fragilidade nas relações estabelecidas com os modelos familiares. Participantes envolvidos na formação do novo comportamento conjunto trazem a ele o universo de objetos, os conjuntos de significados e as sistematizações de interpretação que já possuem. Assim, a nova forma de ação conjunta, neste caso, a tentativa das mulheres de abandonar o ciclo de VD, sempre surge de um contexto de comportamentos coletivos anteriores, e a ele se associa(99. Blumer H. A natureza do Interacionismo Simbólico. In: Mortensen CD, editor. Teoria da comunicação: textos básicos. São Paulo: Mosaico; 1980.).

A família, como o primeiro laboratório de relações interpessoais, desempenha funções como educação, experiência de socialização, desenvolvimento de confiança, além de cuidado e proteção(1919. Netto LA, Moura MAV, Araujo CLF, Souza MHN, Silva GF. Social support networks for women in situations of violence by an intimate partner. Texto Contexto Enferm. 2017;26(2):e07120015. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017007120015.
https://doi.org/10.1590/0104-07072017007...
). Anteriormente, investigação que buscou analisar representações sociais de enfermeiras acerca da VD contra a mulher demonstrou que “família”, para as profissionais, tem sentido tanto negativo como positivo: o negativo porque a violência atinge todos os membros, ocasionando adversidades no núcleo familiar ou contribuindo para a violência intergeracional; e positivo, pois é na família que se pode encontrar o amparo para romper o ciclo da VD(2020. Acosta DF, Gomes VLO, Oliveira DC, Marques SC, Fonseca AD. Social representations of nurses concerning domestic violence against women: study with a structural approach. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e61308. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2018.61308. PubMed PMID: 30043947.
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.6...
).

Compreende-se então que uma das estratégias para intervir em relações familiares pautadas na violência é modificar a interpretação dos símbolos e favorecer a construção de novos significados. Nesse contexto, cabe destacar a importância da Atenção Primária, que pode buscar, por meio de ações de educação em saúde, viabilizar a construção de símbolos familiares pautados na afetividade, respeito e simetria entre os gêneros(1919. Netto LA, Moura MAV, Araujo CLF, Souza MHN, Silva GF. Social support networks for women in situations of violence by an intimate partner. Texto Contexto Enferm. 2017;26(2):e07120015. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017007120015.
https://doi.org/10.1590/0104-07072017007...
). Ainda, no que se refere à atuação junto a crianças e adolescentes, a inserção da temática da violência no Programa Saúde na Escola (PSE), aderido pelos municípios, apresenta-se como instrumento importante nesse processo, uma vez que pode abranger diferentes realidades, níveis socioeconômicos, microculturas e faixas etárias(2121. Carneiro JB, Gomes NP, Estrela FM, Santana JD, Mota RS, Erdmann AL. Domestic violence: repercussions for women and children. Esc Anna Nery. 2017;21(4):e20160346. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0346.
https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-20...
).

Diante do conjunto de narrativas desse estudo, infere-se que a transformação da realidade da violência estende-se para além da área da saúde, isto é, tem raízes profundas e perpassa o tempo, as gerações, culturas, relações, entre outros paradigmas. Ainda, requer o envolvimento de diferentes áreas de atuação, tais como saúde, educação, assistência social, em ações que busquem, principalmente, a mudança dos processos nos quais os objetos e relações são criados, confirmados e transformados(99. Blumer H. A natureza do Interacionismo Simbólico. In: Mortensen CD, editor. Teoria da comunicação: textos básicos. São Paulo: Mosaico; 1980.), a fim de favorecer a identificação de crianças em situação de abusos familiares, promover relações de respeito e igualdade entre os gêneros, incentivar a independência, tanto financeira como emocional das mulheres vítimas e não vítimas de violência. Destacam-se ainda os serviços de atendimento remoto e os grupos de apoio on-line, os quais possibilitaram a realização desse estudo e configuram-se não apenas como apoio, mas como importante ferramenta de comunicação, pois propiciam, por meio da geração de identificação e empatia, o fortalecimento das mulheres para enfrentar a violência, além de prevenir uma possível reinserção no ciclo(55. Cortes LF, Arboit J, Gehlen RGS, Tassinari TT, Vieira LB, Padoin SMM, et al. Protection of women in situations of violence in the context of the Covid-19 pandemic. Cienc Cuid Saude. 2020;19:e27984. doi: http://dx.doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v19i0.54847.
https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v...
).

Limitações do Estudo

As limitações do estudo em tela relacionam-se à dificuldade de acesso a este público, especialmente no período da coleta de dados em que havia a pandemia de COVID-19, e também devido à dificuldade de abordar um tema sensível. O estudo foi realizado com um recorte populacional com acesso às redes sociais, não sendo possível afirmar que resultados semelhantes possam ocorrer em grupos em diferentes níveis de acessibilidade à internet e redes sociais.

Contribuições Para a Área da Enfermagem/Saúde

Em contrapartida, os resultados apresentam a potencialidade de dar visibilidade ao conjunto de significados das narrativas e às particularidades da VD, a partir das lentes das mulheres, numa perspectiva para além do foco na violência propriamente dita, mas nos demais atores sociais envolvidos no contexto da VD. Atinente à isto, a literatura ressalta a necessidade da realização de mais estudos qualitativos que utilizem estratégias tecnológicas, considerando a importância da continuidade às pesquisas durante a pandemia(2222. Schmidt B, Palazzi A, Piccinini CA. Online interviews: potential and challenges for data collection in the context of the COVID-19 pandemic. Rev Fam Ciclos Vida Saúde Contexto Soc. 2020 [cited 2022 Sep 28];8(4):960–6. Available from: http://seer.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/refacs
http://seer.uftm.edu.br/revistaeletronic...
,2323. Gray LM, Wong-Wylie G, Rempel GR, Cook K. Expanding qualitative research interviewing strategies: zoom video communications. Qual Rep. 2020;25(5):1292–301. doi: http://dx.doi.org/10.46743/2160-3715/2020.4212.
https://doi.org/10.46743/2160-3715/2020....
).

CONCLUSÃO

Os dados analisados demonstraram o estereótipo marcante que perpassa gerações: atribuição de força, domínio e controle à figura masculina, enquanto a figura feminina deve obediência, submissão e aceitação. A violência sofrida pelas mães atingiu também seus filhos, seja como expectadores ou vítimas. A partir de suas escolhas conjugais, as mulheres reviveram aquelas situações de violência presenciadas em suas famílias, mesmo com o desejo de construírem relações baseadas em premissas diferentes.

Os significados atribuídos às relações familiares foram construídos e modificados conforme a interpretação, as trajetórias no enfrentamento de cada ciclo, assim como as interações das mulheres com outros indivíduos e objetos ao longo do tempo. Elas compreenderam que a família exerceu influência na inserção do contexto de VD, devido às relações de abandono, desproteção, submissão e dependência, vivenciadas por elas desde muito cedo. Ao conseguir afastar-se do contexto de VD, os significados foram reconstruídos e, apesar da dor, as mulheres passaram a enxergar com empatia as relações familiares, compreendendo as vivências intergeracionais estabelecidas em diferentes contextos, os quais se traduziram, em muitos momentos, na reprodução da violência.

REFERENCES

  • 1.
    Agüero JM, Herrera-Almanza C, Villa K. Do human capital investments mediate the intergenerational transmission of domestic violence? SSM Popul Health. 2021;17:100985. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ssmph.2021.100985. PubMed PMID: 35024419.
    » https://doi.org/10.1016/j.ssmph.2021.100985
  • 2.
    World Health Organization. Covid-19 and violence against women what the health sector/system can do [Internet]. Genebra; 2020 [cited 2022 Feb 15]. Available from: https://www.who.int/reproductivehealth/publications/vaw-covid-19/en/
    » https://www.who.int/reproductivehealth/publications/vaw-covid-19/en/
  • 3.
    Chakian S. Lei Maria da Penha: um basta à tolerância e banalização da violência contra a mulher. In: Instituto Patrícia Galvão, editor. Violência doméstica e familiar contra a mulher: um problema de toda a sociedade. São Paulo: Paulinas; 2019.
  • 4.
    Cerqueira D, Ferreira H, Bueno S, coordenadores. Atlas da violência 2021. São Paulo: FBSP; 2021. doi: http://dx.doi.org/10.38116/riatlasdaviolencia2021
    » https://doi.org/10.38116/riatlasdaviolencia2021
  • 5.
    Cortes LF, Arboit J, Gehlen RGS, Tassinari TT, Vieira LB, Padoin SMM, et al. Protection of women in situations of violence in the context of the Covid-19 pandemic. Cienc Cuid Saude. 2020;19:e27984. doi: http://dx.doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v19i0.54847.
    » https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v19i0.54847
  • 6.
    Marcolino EC, Santos RC, Clementino FS, Leal CQAM, Soares MCS, Miranda FAN, et al. Social distancing in times of Covid-19: an analysis of its effects on domestic violence. Interface. 2021;25(Supl. 1):e200363. doi: http://dx.doi.org/10.1590/interface.200363.
    » https://doi.org/10.1590/interface.200363
  • 7.
    Bourdieu P. A dominação masculina. São Paulo: Best Bolso; 2016.
  • 8.
    Li S, Zhao F, Yu G. Childhood maltreatment and intimate partner violence victimization: a meta-analysis. Child Abuse Negl. 2019;88:212–24. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.chiabu.2018.11.012. PubMed PMID: 30537622.
    » https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2018.11.012
  • 9.
    Blumer H. A natureza do Interacionismo Simbólico. In: Mortensen CD, editor. Teoria da comunicação: textos básicos. São Paulo: Mosaico; 1980.
  • 10.
    Santos JLG, Cunha KS, Adamy EK, Backes MTS, Leite JL, Sousa FGM. Data analysis: comparison between the different methodological perspectives of the Grounded Theory. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03303. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2017021803303. PubMed PMID: 29668789.
    » https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017021803303
  • 11.
    Charmaz KA. Construção da teoria fundamentada: guia prático para análise quantitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.
  • 12.
    Souza VR, Marziale MH, Silva GT, Nascimento PL. Translation and validation into Brazilian Portuguese and assessment of the COREQ checklist. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE02631. doi: http://dx.doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631.
    » https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631
  • 13.
    Costa RDB, Costa CB, Mosmann CP, Falcke D. Experiences in the family of origin that impact the family atmosphere the descendants. Estud Pesqui Psicol. 2018;18(2):408–25. doi: http://dx.doi.org/10.12957/epp.2018.38804.
    » https://doi.org/10.12957/epp.2018.38804
  • 14.
    Sant’Anna TC, Penso MA. Intergenerational transmission of violence in marital relations. Psic Teor Pesq. 2017;33:1–11.
  • 15.
    Saffioti HIB. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Expressão Popular; 2015.
  • 16.
    Razera J, Bedin LM, Oliveira EL, Mosmann CP, Falcke D. Experiences within the family of origin and intimate partner violence: a dyadic model analysis. Paidéia. 2021;31:e3122. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1982-4327e3122.
    » https://doi.org/10.1590/1982-4327e3122
  • 17.
    Honnef F, Costa MC, Arboit J, Silva EB, Marques KA. Social representations of domestic violence against women and men in the rural settings. Acta Paul Enferm. 2017;30(4):368–74. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201700054.
    » https://doi.org/10.1590/1982-0194201700054
  • 18.
    Magalhães JR, Gomes NP, Estrela FM, Silva AF, Carvalho MR, Pereira A, et al. Meanings of family dynamics by men who reproduced domestic violence. Acta Paul Enferm. 2021;34:eAPE00803. doi: http://dx.doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO00803.
    » https://doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO00803
  • 19.
    Netto LA, Moura MAV, Araujo CLF, Souza MHN, Silva GF. Social support networks for women in situations of violence by an intimate partner. Texto Contexto Enferm. 2017;26(2):e07120015. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017007120015.
    » https://doi.org/10.1590/0104-07072017007120015
  • 20.
    Acosta DF, Gomes VLO, Oliveira DC, Marques SC, Fonseca AD. Social representations of nurses concerning domestic violence against women: study with a structural approach. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e61308. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2018.61308. PubMed PMID: 30043947.
    » https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.61308
  • 21.
    Carneiro JB, Gomes NP, Estrela FM, Santana JD, Mota RS, Erdmann AL. Domestic violence: repercussions for women and children. Esc Anna Nery. 2017;21(4):e20160346. doi: http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0346.
    » https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0346
  • 22.
    Schmidt B, Palazzi A, Piccinini CA. Online interviews: potential and challenges for data collection in the context of the COVID-19 pandemic. Rev Fam Ciclos Vida Saúde Contexto Soc. 2020 [cited 2022 Sep 28];8(4):960–6. Available from: http://seer.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/refacs
    » http://seer.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/refacs
  • 23.
    Gray LM, Wong-Wylie G, Rempel GR, Cook K. Expanding qualitative research interviewing strategies: zoom video communications. Qual Rep. 2020;25(5):1292–301. doi: http://dx.doi.org/10.46743/2160-3715/2020.4212.
    » https://doi.org/10.46743/2160-3715/2020.4212

Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Rebeca Nunes Guedes de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Jan 2023
  • Aceito
    18 Out 2023
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: reeusp@usp.br