Resumo
Objetivo: investigar os fatores direcionadores (drivers) dos relacionamentos de tipo bidirecional (isto é, “pesquisa científica com considerações de uso imediato dos resultados” e “pesquisa científica sem considerações de uso imediato dos resultados”) estabelecidos entre grupos de pesquisa (GPs) e pequenas e médias empresas (PMEs) brasileiras.
Metodologia/abordagem: estimação de quatro modelos de regressão logística para investigar os fatores direcionadores dos relacionamentos de tipo bidirecional, estabelecidos entre GPs do Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil (DGP) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e 1819 empresas com até 499 empregados.
Principais resultados: o setor de atividade e o acesso ao financiamento público são capazes de influenciar o estabelecimento de relacionamentos bidirecionais entre GPs e PMEs. Ademais, são identificadas especificidades dos drivers dos relacionamentos bidirecionais nas diferentes faixas de porte de PMEs.
Contribuições teóricas/ metodológicas: exploração de uma base de dados abrangente sobre a colaboração entre GPs e PMEs, a partir da junção de informações do DGP e da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), e abordagem de uma temática ainda pouco explorada na literatura.
Relevância/originalidade: avaliação de como diferentes categorias de fatores direcionadores conformam o estabelecimento de relacionamentos bidirecionais entre GPs e PMEs e caracterização dos drivers desses relacionamentos nas diferentes faixas de porte das empresas.
Contribuições sociais/para a gestão: a política de inovação deve contemplar os fatores direcionadores da cooperação entre as organizações públicas de pesquisa e PMEs relacionada ao conhecimento.
Palavras-chave: Pequenas e médias empresas; Relacionamentos bidirecionais; Modos ou canais de interação; Interação universidade-empresa.
Abstract
Objective: investigating the factors driving bidirectional relationships (i.e., “scientific research with considerations towards the immediate use of results” and “scientific research without considerations towards the immediate use of results”) established between research groups (RGs) and Brazilian small and medium-sized enterprises (SMEs).
Methodology/approach: estimating four logistic regression models to investigate the factors driving bidirectional relationships between RGs from the Brazilian Directory of Research Groups (DRG) of the National Council for Scientific and Technological Development and 1,819 companies with up to 499 employees.
Main results: the economic sector and the access to public funding can influence the establishment of bidirectional relationships between RGs and SMEs. Some specificities of factors driving bidirectional relationships are identified in SMEs’ different size ranges.
Theoretical/methodological contributions: adopting a comprehensive database on collaborations between RGs and SMEs, based on information deriving from the Directory of Research Groups and from the Annual Report of Social Information, and approaching to a topic that remains poorly investigated in the literature.
Relevance/originality: assessing how different driver categories influence the establishment of bidirectional relationships between RGs and SMEs and featuring the factors driving these relationships in interactive companies’ different size ranges.
Social/Management Contributions: Innovation policy should address the factors driving knowledge-related cooperation between public research organizations and SMEs. JEL classification: O30, 039
Keywords: Small and medium-sized enterprises; Bidirectional relationships; Modes or channels of interaction; University-industry interaction.
INTRODUÇÃO
As pesquisas sobre transferência de conhecimento e tecnologia entre organizações públicas de pesquisa e empresas abordaram um amplo espectro de “canais” e “modos” de interação; “relacionamentos” e “vínculos”; “métodos” e “mecanismos” de transferência, que funcionam como caminhos informacionais ou sociais, que através do conhecimento, tecnologias e outros recursos, são trocados ou coproduzidos na academia e na indústria (Fabiano et al., 2020).
A literatura associou o uso de diferentes atividades de transferências de conhecimento e tecnologia nas interações público-privadas à obtenção de resultados e benefícios. Os contratos de pesquisa conduzidos pelas organizações públicas de pesquisa e, particularmente, os projetos conjuntos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) facilitam a troca de informação não codificada (Arundel & Geuna, 2004). Os canais relacionados à P&D conjunta e ao contrato de P&D, aos direitos de propriedade e aos recursos humanos produzem os maiores impactos sobre os benefícios de longo prazo para as empresas (De Fuentes & Dutrenit, 2012). As interações através da pesquisa e dos esforços tecnológicos conjuntos podem capacitá-las a acessarem o conhecimento científico e contribuir para a sua performance inovativa (Arza et al., 2015), associando-se positivamente com o nível de spillovers potenciais dos gastos em P&D dos participantes (Branstetter & Sakakibara, 2002).
Os canais de interação bidirecionais constituem modos intrínsecos de se transferir conhecimento tácito e usualmente envolvem interação pessoal de longo prazo, com o conhecimento fluindo em ambas as direções (Arza, 2010; Arza et al., 2015; Franco & Haase, 2015; Suzigan et al., 2009). Eles abrangem os contratos de pesquisa e os projetos conjuntos de P&D, a participação em redes, parques científicos e tecnológicos e atividades similares. No fluxo de conhecimento bidirecional, os outputs de conhecimento devem ser criados com base nas contribuições de todos os atores e o potencial para que o aprendizado conjunto seja elevado, podendo ser os modos mais efetivos para se transmitir novidade e para se permitir o upgrading tecnológico. Os canais bidirecionais são motivados por metas de longo prazo de criação de conhecimento por universidades e inovação por empresas (Fabiano et al., 2020) e geram benefícios inovativos e produtivos de longo prazo para as empresas e para os intelectuais e pesquisadores (Dutrenit, 2010; Arza & Vazquez, 2010; Garcia et al, 2019). Esses canais produzem benefícios de inovação para todas as empresas, que podem interagir com as organizações públicas para substituirem ou complementarem suas atividades inovativas (Arza & Vazquez, 2010).
Este trabalho investiga os fatores direcionadores (drivers) dos relacionamentos de tipo bidirecional (isto é, “pesquisa científica com considerações de uso imediato dos resultados” e “pesquisa científica sem considerações de uso imediato dos resultados”) estabelecidos entre grupos de pesquisa (GPs) do DGP do CNPq, das áreas de Engenharia e Ciências Agrárias, e pequenas e médias empresas (PMEs) brasileiras.
Os relacionamentos bidirecionais entre organizações públicas de pesquisa e PMEs apresentam particular interesse de investigação, pois essas empresas se deparam, em seus processos inovativos, com vários problemas e obstáculos relacionados aos seus escassos recursos internos (Molina-Ycaza & Sánchez-Riofrío, 2016; Zevallos, 2003). O estabelecimento de projetos cooperativos aparece como uma forma importante para superar esses obstáculos à inovação (Arza & Lopes, 2021; Chiarini et al., 2020).
Para explorar a influência de diferentes fatores direcionadores ao estabelecimento de relacionamentos de tipo bidirecional entre GPs e PMEs, este trabalho utiliza uma base de dados elaborada a partir de informações do DGP, que são complementadas com dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e com informações de organismos de fomento à inovação no Brasil. São enfocadas algumas características estruturais e comportamentais das empresas interativas e da política de C&T&I. A análise empírica sustenta-se em quatro modelos econométricos estimados a partir de informações de 1.819 PMEs que tiveram interação com GPs de universidades e institutos públicos de pesquisa (IPPs) no Censo de 2010.
O texto está organizado em seis seções, além desta introdução. A segunda seção apresenta uma revisão da literatura sobre os fatores direcionadores das atividades de transferência de conhecimento e tecnologia universidade-empresa U(-E). A metodologia, apresentada na terceira seção, explica a base de dados adotada e a estimação dos modelos econométricos. A quarta seção apresenta os resultados de pesquisa, seguidos pela discussão dos resultados. A sexta seção apresenta as considerações finais.
OS FATORES DIRECIONADORES DAS ATIVIDADES DE TRANSFERÊNCIA DE CONHECIMENTO E TECNOLOGIA ENTRE ORGANIZAÇÕES PÚBLICAS DE PESQUISA E EMPRESAS
A literatura que investiga os fatores direcionadores (drivers) dos canais ou modos de interação U-E é ainda incipiente. Alguns trabalhos investigaram a influência de fatores estruturais e comportamentais das empresas, da proximidade geográfica entre os agentes e de estímulos advindos das políticas de C&T&I sobre a propensão das empresas a interagirem com organizações públicas de pesquisa através de uma determinada atividade de transferência de conhecimento ou tecnologia ou de um conjunto delas.
Os estudos (Arvanitis et al., 2008; Freitas et al., 2013; Torres et al, 2011) que abordaram as repercussões da disponibilidade de recursos internos nas empresas de pequeno porte, no direcionamento dos canais e modos de interação e atividade de transferência U-E, são escassos e não consensuais acerca da influência exercida pela característica estrutural porte. Arvanitis et al. (2008) identificaram a existência de uma relação positiva entre o tamanho da empresa e a propensão às atividades de transferência relacionadas às informações gerais; atividades educacionais, de pesquisa e relacionadas à infraestrutura técnica; e à consultoria. Empresas maiores, com maior capacidade de absorção consubstanciada em departamentos especializados de P&D, unidades de monitoramento de conhecimento e tecnologia e uso de métodos avançados de gestão do conhecimento, são mais capacitadas a identificarem as melhores possibilidades relacionadas às atividades de transferência. Já Torres et al. (2011) encontraram que as interações com instituições de ensino superior e centros públicos de pesquisa, baseadas nos canais de informação e recursos humanos, possuem uma associação negativa com o porte. Grandes empresas tendem a estabelecer suas próprias instalações de P&D, que lhes proporcionam informação e treinamento de recursos humanos para as atividades rotineiras.
As empresas de pequeno porte frequentemente possuem poucos recursos ociosos para iniciarem e organizarem contratos com universidades (Freitas et al., 2013). O modo contratual pessoal, que envolve acordos vinculativos e formais entre empresas e acadêmicos individuais, sem mediação das estruturas administrativas universitárias, é relativamente mais usado por pequenas empresas envolvidas em tecnologia e estratégias de inovação aberta. Interações institucionais são usadas principalmente por grandes empresas que integram verticalmente as atividades de P&D.
A literatura investigou se os canais e modos de interação e os métodos e mecanismos de transferência entre a academia e a indústria diferem entre os setores de atividade da empresa e/ou com a intensidade tecnológica setorial e o regime tecnológico ou campo técnico. Diferentes trabalhos identificaram que alguns canais são mais usados na transferência público-privada e que a importância a esses atribuída pode variar nos setores de atividade. Cohen et al. (2002) indicaram que os canais de ciência aberta - publicações, encontros públicos e conferências -, as trocas informais de informação e as consultorias são os mais importantes. Indústrias com maior intensidade em P&D (alimentícia, petróleo, farmacêutica, metais, semicondutores, aeroespacial, equipamentos médicos e outros equipamentos) consideram importantes as atividades de consultoria (Cohen et al., 2002). Recém-graduados desempenham um papel relativamente importante nas indústrias de componentes eletrônicos, equipamentos de comunicações e computação. Joint-ventures e empreendimentos cooperativos entre universidades e a indústria são ao menos moderadamente importantes nas indústrias farmacêutica e de vidro, siderurgia, TV/rádio e aeroespacial. Povoa e Rapini (2010) também mostraram que as publicações e os relatórios são o principal canal utilizado pelos setores de atividade econômica brasileiros, à exceção dos de informação e comunicação, que utilizam mais os contatos. Já Bekkers e Freitas (2008) identificaram que as atividades setoriais não explicam significativamente as diferenças na importância atribuída aos vários canais de interação U-E.
Alguns trabalhos relacionaram os canais de interação e os mecanismos de transferência aos campos técnicos ou regimes baseados em ciência (science-based), em que a pesquisa básica é predominante, e aos regimes baseados em desenvolvimento (development-based), nos quais o foco reside na criação e transferência de conhecimento aplicado. Nos campos baseados em ciência - química, tecnologia da informação e biotecnologia -, o principal interesse da indústria é a observação da ciência e as interações são descritas pelo modo bidirecional (Meyer-Krahmer & Schmoch, 1998). A relevância da pesquisa colaborativa e dos contatos informais é importante nos setores de microeletrônica, software e biotecnologia. Nos campos menos baseados em ciência, a solução de problemas técnicos constitui a principal preocupação. Já na tecnologia de produção (máquinas-ferramenta e processamento de materiais) destacam-se a pesquisa contratual e a pesquisa colaborativa. A troca de conhecimento nas comunidades técnico-científicas é um elemento crucial da interação em todos os campos.
Em um regime baseado em ciência a transferência de tecnologia ocorre através de publicações científicas, patentes, spin-offs acadêmicas e consultorias (Gilsing et al., 2011). Os programas conjuntos de P&D, a participação em conferências e em redes profissionais e/ou regionais e o ingresso de doutores são os meios de transferência mais importantes em regimes baseados em desenvolvimento. Ambos os regimes exibem uso e atribuição de importância similares a contatos pessoais e informais, fluxos de estudantes, intercâmbio mútuo de staff, compartilhamento de instalações e pesquisa contratual.
Quanto à intensidade tecnológica, Arundel e Geuna (2004) e Torres et al. (2011) identificaram que setores de alta tecnologia preferem métodos e canais que permitam a transferência de conhecimento tácito, tais como contatos pessoais informais e contratação de cientistas e engenheiros treinados. Os de baixa tecnologia preferem a pesquisa contratual ou os projetos conjuntos de pesquisa e as fontes codificadas de conferências/encontros e publicações. Conforme Schartinger et al. (2002), as ciências técnicas e as indústrias manufatureiras intensivas em P&D tendem a usar a cooperação direta em pesquisa mais intensivamente e os serviços e as ciências sociais e econômicas baseiam-se mais na mobilidade de pessoal e em interações relacionadas a treinamento.
Pinho (2011) identificou que a pesquisa conjunta com instituições acadêmicas brasileiras se destaca na agropecuária, em indústrias de média-baixa tecnologia, na extração mineral, em serviços de utilidade pública e as publicações em engenharia e P&D, serviços de utilidade pública e indústrias de baixa e de média-alta tecnologia. Já os serviços de informação e comunicação privilegiam a contratação de pessoal e a troca informal de informações. Britto e Oliveira (2011) encontraram que as indústrias extrativas e de eletricidade atribuíram maior importância à pesquisa encomendada à universidade e que as indústrias de plásticos e eletricidade atribuíram maior importância à pesquisa de institutos, centros e laboratórios de pesquisa. A pesquisa realizada em conjunto apresenta maior importância para as indústrias extrativas, farmacêutica e de biotecnologia em saúde, no caso de universidades, e de eletricidade e indústrias extrativas, no caso de institutos, centros e laboratórios de pesquisa.
A literatura indicou também que o tipo de tecnologia transferida (Povoa & Rapini, 2010), a origem disciplinar ou afiliação disciplinar dos pesquisadores (Fabiano et al., 2020; Franco & Hasse, 2015) e as características do conhecimento (Bekkers & Freitas, 2008; Fabiano et al., 2020; Franco & Hasse, 2015) desempenham um importante papel no direcionamento dos canais de interação.
Quanto aos fatores comportamentais das empresas, alguns autores mostraram que a ênfase em um canal (ou grupo de canais) pode ser determinada pela motivação da empresa para interagir com organizações públicas de pesquisa. A motivação para interagir responde à necessidade das empresas quanto: i) ao aprimoramento das capacitações de produção, no qual seu papel na criação de conhecimento é mais passivo, ou ii) à realização do upgrading das capacitações inovativas, na qual seu papel é bastante ativo (Arza et al., 2015). Nas interações voltadas à resolução de questões concretas e de curto prazo, as empresas usualmente acessam produtos do conhecimento codificados e prontos para serem utilizados, tais como teste e monitoramento. Empresas motivadas pela estratégia proativa provavelmente escolherão cooperar através da P&D conjunta (Arza, 2010; Arza et al., 2015).
Bekkers e Freitas (2008) observaram dois padrões de interação em empresas que pretendem ser inovadoras ou adotantes iniciais em seu mercado: i) foco na pesquisa colaborativa e contratada para dar suporte à adoção de conhecimento interdependente, particularmente nas ciências biomédicas e ciências da computação; e ii) maior dependência de patentes, licenciamento e atividades organizadas para apoiar o acesso e a adoção do conhecimento sistêmico, vigorando especialmente nas ciências dos materiais e engenharia química. Em ambos os casos, as empresas contam com publicações científicas, contatos informais com pesquisadores e estudantes para fazer face à necessidade de engajamento na aplicação do conhecimento científico às necessidades específicas de seus produtos e dos mercados. Hall e Ziedonis (2001), por sua vez, apresentam evidências de pesquisas que sugerem que as empresas de semicondutores não dependem fortemente de patentes para obterem retornos apropriados de P&D.
Diferentes estudos argumentaram que os esforços inovativos e tecnológicos estão relacionados a diferentes canais de interação. A elevada intensidade de capital humano e as atividades internas de P&D parecem ser importantes pré-requisitos para o desdobramento de atividades de transferência, como informações gerais; atividades educacionais, de pesquisa e relacionadas à infraestrutura técnica; e consultoria (Gilsing et al., 2011). Torres et al. (2011) também salientaram que à medida que as empresas desenvolvem P&D e atividades inovativas, o treinamento e o intercâmbio de pessoal tornam-se modos importantes de interação com IPPs. A intensidade da P&D possui uma relação positiva com interações com institutos de educação superior relacionadas aos produtos de pesquisa e serviços. Já o perfil inovativo das empresas possui um efeito negativo sobre o canal estabelecimento de empresas. Arundel e Geuna (2004) identificaram que o recrutamento de graduados, os contatos informais e a pesquisa contratual são os principais métodos para que grandes empresas que realizam P&D acessem a ciência pública. Laursen e Salter (2004) sugeriram que muitas empresas que desempenham P&D não fazem uso comercial do conhecimento de universidades em suas atividades inovativas, embora possam fazê-lo indiretamente, através do emprego de cientistas e engenheiros treinados.
A literatura identificou que diferentes formas de interação estão atreladas à capacidade de absorção da empresa. Segundo Freitas et al. (2013), empresas que se engajam em interações institucionais, mediadas pela estrutura universitária, são mais prováveis de investirem em P&D interna e design. Já aquelas que se engajam somente em interações governadas por um contrato com um pesquisador individual realizam menos P&D internamente. Empresas que dependem mais de aquisição tecnológica de organizações externas, através de colaborações e licenciamento de propriedade intelectual, provavelmente desenvolveram capacidades de busca e “rastreamento” para identificarem provedores de conhecimento e capacidades de codificações tecnológicas para definirem e especificarem o conteúdo de contratos de fornecimento de conhecimento/tecnologia.
Veugelers e Cassiman (2005) notaram que a transferência efetiva do conhecimento disseminado através de publicações, conferências e patentes requer uma capacitação em pesquisa básica pela parte receptora. Da mesma forma, Arza e Vazquez (2010) mostraram que somente as empresas que investem fortemente em atividades de inovação e produção in-house são capazes de absorver o tipo de conhecimento altamente codificado que não requer interação pessoal, inerente ao canal tradicional (publicações, treinamento de graduados e participações em conferências).
No Brasil, Povoa e Rapini (2010) também indicaram que a capacidade de absorção do parceiro aumenta a probabilidade de uso de patentes no processo de transferência de tecnologia. Rosa et al. (2018) identificaram que as empresas que interagem com universidades, via canal de consultoria, possuem maiores capacidades de assimilação. As empresas que interagem via pesquisa conjunta possuem maior capacidade de aquisição e exploração. Já aquelas que interagem via canais ligados à universidade empreendedora não possuem capacidades de absorção distintas das demais.
A influência da origem do financiamento na definição de padrões de relacionamento U-E também foi abordada pela literatura. Segundo Freitas et al. (2013), projetos de pesquisa básica são provavelmente financiados, ao menos parcialmente, por fundos públicos, cuja cessão geralmente requer formas institucionalizadas de colaboração. Jensen et al. (2010) encontraram que o financiamento público da pesquisa universitária relaciona-se positivamente com a consultoria. O financiamento público e privado são complementos estratégicos no financiamento da pesquisa. Muscio et al. (2013) também identificaram que o financiamento público para departamentos universitários envolvidos em pesquisa complementa o financiamento de contratos de pesquisa e consultoria, contribuindo para o aumento da colaboração das universidades com a indústria e ativação de processos de transferência de conhecimento. Já Rapini et al. (2014) apontaram que a natureza do financiamento parece não interferir nos modos de interação de empresas brasileiras, mas nos seus objetivos ou na sua motivação.
A seguir (Tabela 1), encontra-se uma síntese dos artigos empíricos sobre os fatores direcionadores das atividades de transferência de conhecimento e tecnologia entre organizações públicas de pesquisa e empresas.
Síntese de artigos empíricos sobre os fatores direcionadores (drivers) das atividades de transferência de conhecimento e tecnologia entre organizações públicas de pesquisa e empresas
METODOLOGIA
Dados
A análise empírica envolve a utilização conjunta das bases de dados do DGP, da RAIS e de informações das agências de fomento à inovação no Brasil. Os dados primários das interações entre os GPs de universidades e IPPs e empresas são referentes ao Censo de 2010. A base do DGP tem sido bastante utilizada em estudos que tratam da avaliação das interações U-E no Brasil, uma vez que constitui o inventário dos GPs em atividade, abrangendo informações sobre a estrutura e as atividades dos grupos que colaboram com empresas (Caliari & Rapini, 2017).
Da base do Censo de 2010 do DGP, foi feito um recorte das PMEs que interagiram com GPs das áreas de Engenharias e Ciências Agrárias, uma vez que são áreas que apresentam o maior número de relacionamentos com o setor produtivo (Suzigan et al., 2009; Righi & Rapini, 2011). A base de dados da RAIS identificada foi utilizada para a caracterização das empresas interativas com os grupos. Para tanto, foi realizado um cruzamento dos Cadastros Nacionais de Pessoas Jurídicas (CNPJs) das empresas parceiras dos GPs e da RAIS. A essa base foram agregadas informações de empresas beneficiadas com recursos públicos para a inovação, oriundos das instituições Financiadora de Estudos e Projetos, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, CNPq, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, no período de 2005 a 2010.
As empresas parceiras dos GPs foram caracterizadas segundo as variáveis: número de empregados; número de empregados com nível superior ou mais; setor de atividade econômica; tipos de relação com grupos; e acesso ao financiamento público.
A classificação das PMEs foi realizada por meio do critério de pessoal ocupado, também usado por instituições, como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e o IBGE: microempresa, até 19 pessoas; pequena empresa, entre 20 e 99; média empresa, entre 100 e 499; grande empresa, acima de 500. A composição da amostra de PMEs interativas contou com todas as empresas da base de dados do DGP com até 499 empregados. A tabulação indicou um conjunto de 2.049 empresas que interagiram com 1.330 GPs (o equivalente a 66,90% das empresas parceiras dos grupos no Censo de 2010).
Adicionalmente, foi aplicado um filtro à base de dados com o objetivo de refinar o critério do porte do estabelecimento em função do número de pessoas ocupadas. Ele se refere ao uso do “CNPJ Raiz” (que é composto pelos oito primeiros dígitos do registro da empresa), com o intuito de eliminar a presença de filiais de grandes empresas. Também foram retiradas da base as empresas nas quais foram encontradas inconsistência de informações. Dessa forma, os dados analisados referem-se às 1.819 empresas que tiveram algum tipo de relacionamento com grupos (isto é, 59,3% das empresas parceiras dos grupos no Censo de 2010).
Estratégia econométrica
Este trabalho extraiu do DGP as informações referentes aos “tipos de relação”. Essas informações foram reclassificadas em dois tipos: (1) relacionamento bidirecional, que ocorre em pesquisa científica com considerações de uso imediato dos resultados e pesquisa científica sem considerações de uso imediato dos resultados; e (2) relacionamento unidirecional, referente à transferência de tecnologia, desenvolvimento de software, engenharia não rotineira, consultoria e treinamento. Essa classificação, que contempla a direção dos fluxos de conhecimento e a intensidade dos relacionamentos, foi realizada com base na compatibilização dos canais de transferência de conhecimento sugerida em Arza (2010) e Arza e Vasquez (2010) com os tipos de relacionamento especificados na base do DGP, realizada por Caliari e Rapini (2014) e Rapini et al. (2016). Essa classificação se justifica pela diferenciação dos relacionamentos que envolvem trocas bidirecionais de informação e conhecimento entre os agentes daqueles que apresentam apenas uma direção unívoca de prestação de serviços ou de desenvolvimento de tecnologias e produtos (Rapini et al., 2016).
Os modelos estimados têm como variável dependente o relacionamento de tipo bidirecional, conforme relatado pelos líderes de 2.317 GPs do CNPq. Segundo o Censo 2010 do DGP, os modos de interação mais frequentes (67,69%) são os bidirecionais. Os relacionamentos “sem classificação” foram eliminados da base de dados .
As variáveis explicativas incluem os principais fatores identificados na literatura como direcionadores dos tipos de relacionamentos U-E. As variáveis explicativas adotadas podem ser classificadas em duas categorias relacionadas: i) às características estruturais e comportamentais das empresas (porte; setor de atividade econômica; e capacidade de absorção) e; ii) à política de C&T&I (acesso ao financiamento público).
A hipótese central associada aos modelos estimados é a de que características internas das empresas interativas, bem como fatores relacionados à política de C&T&I constituem fatores direcionadores (drivers) dos relacionamentos de tipo bidirecional de GPs e PMEs. Além disso, considerando-se a heterogeneidade que caracteriza o segmento das empresas de pequeno porte (Arroio & Scerri, 2014; Nogueira, 2017), supõe-se que os drivers dos relacionamentos U-E de tipo bidirecional de PMEs apresentem especificidades segundo as faixas de porte das empresas investigadas.
No caso do porte, foi utilizado o critério do SEBRAE e do IBGE para PMEs da indústria de transformação, isto é, as empresas foram categorizadas segundo faixas assim distribuídas: a) até 19 funcionários; b) entre 20 e 99 funcionários; e c) entre 100 e 499 funcionários. De acordo com estudos prévios, espera-se que o tamanho tenha um efeito positivo sobre a chance de estabelecimento de relacionamentos U-E de tipo bidirecional.
Para controle das oportunidades tecnológicas entre os setores de atividade econômica, foram inseridos no modelo sete dummies para representar diferenças interindústria nos padrões de interação. São elas: 1) setores industriais baseados em ciência e intensivos em P&D; 2) agricultura, pecuária, silvicultura e exploração florestal, pesca, aquicultura e serviços relacionados; 3) comércio e outros serviços; 4) setores industriais dominados por fornecedores; 5) setores industriais fornecedores especializados; 6) Knowledge intensive business sectors (KIBS); e 7) outros . A categoria tratada como categoria de referência é a de setores industriais baseados em ciência e intensivos em P&D. Espera-se que a intensidade tecnológica setorial tenha um efeito positivo sobre a chance de ocorrência de relacionamentos de tipo bidirecional.
Outra variável que foi inserida no modelo empírico é a capacidade de absorção da empresa, que é mensurada pelo número de empregados com ensino superior ou mais em relação ao total de empregados. Espera-se que a disponibilidade de pessoal com nível superior ou mais influencie o estabelecimento de relacionamentos bidirecionais entre GPs e PMEs. Por fim, foi adicionada uma dummy que considera se a empresa teve ou não acesso ao financiamento público. Espera-se que as empresas que usufruíram de algum mecanismo de financiamento público para as atividades de inovação se engajem mais em relacionamentos de tipo bidirecional com GPs. A definição das variáveis está apresentada na Tabela 2.
A escolha de um modelo de regressão logística recai sobre a possibilidade de se realizar análise sobre a chance de ocorrência do relacionamento U-E do tipo bidirecional. Dado que a variável dependente tipo de relacionamento é uma variável dicotômica, definiu-se como sucesso a ocorrência do relacionamento U-E de tipo bidirecional.
O modelo de regressão logística foi estimado pela maximização de uma função de log verossimilhança com o objetivo de se obter os parâmetros estimados de modo que eles sejam os mais plausíveis de ter gerado a amostra observada de valores de RelBirired_i. probabilidade de se observar os valores de “y” seja a mais alta possível.
Para estimar a chance de ocorrer o relacionamento U-E do tipo bidirecional foi estimado um modelo de regressão logística com as variáveis descritas abaixo, que pode ser formalizado da seguinte maneira:
Os modelos de regressão logística foram estimados utilizando-se a ferramenta R. Quatro modelos de regressão logística foram estimados para se investigar os fatores direcionadores dos relacionamentos bidirecionais entre GPs e PMEs. Primeiramente, foi estimado um modelo que considera todas as empresas interativas do DGP com até 499 empregados. Em segundo lugar, foram ajustados três modelos nos quais essas mesmas empresas foram categorizadas por faixas de porte segundo o pessoal ocupado, conforme critério já descrito.
RESULTADOS
Resultados da estimação econométrica - modelo geral
Os resultados do modelo referente às empresas com até 499 empregados mostram que os fatores (1) setor de atividade e (2) acesso ao financiamento público são capazes de influenciar o estabelecimento de relacionamentos de tipo bidirecional de GPs e PMEs brasileiras (Tabela 1). As variáveis SAT referentes aos setores comércio e outros serviços; industriais dominados por fornecedores; industriais fornecedores especializados; KIBs; e outros apresentam coeficientes negativos e estatisticamente significantes, implicando uma redução da chance de ocorrência de relacionamentos U-E bidirecionais em empresas pertencentes a cada um desses setores em relação à categoria de referência (setores industriais baseados em ciência e intensivos em P&D).
Já o sinal positivo do coeficiente da variável financiamento público implica um aumento da chance de ocorrência de relacionamentos bidirecionais com PMEs que acessaram o financiamento público em relação àquelas empresas que não o acessaram. Confirmam-se, portanto, as hipóteses subjacentes à relação entre o setor de atividade e a disponibilidade de recursos financeiros e o estabelecimento de relações U-E bidirecionais de PMEs.
Supondo-se fixas as demais variáveis, estima-se que a chance de um GP ter relacionamentos de tipo bidirecional com empresas pertencentes aos setores de comércio e outros serviços é 44,78% da chance daquelas que pertencem aos setores industriais baseados em ciência e intensivos em P&D. Já a chance de um GP estabelecer relacionamentos bidirecionais com empresas pertencentes aos setores industriais dominados por fornecedores é 58,00% da chance daquelas da referida categoria de referência. Estima-se também que a chance de ocorrência de relacionamentos bidirecionais com empresas dos KIBs é 58,36% da chance de empresas dos setores industriais baseados em ciência e intensivos em P&D.
Por sua vez, tem-se que a chance de um grupo possuir relacionamentos de tipo bidirecional com empresas que receberam financiamento público é 27,21% maior do que a chance daquelas que não o acessaram.
Adicionalmente, não foram encontradas evidências que permitam identificar o papel da característica estrutural “porte” da empresa e da característica comportamental “capacidade de absorção” no direcionamento dos relacionamentos bidirecionais de PMEs (Tabela 3).
Resultados da estimação econométrica - modelos por porte das empresas
Os resultados dos modelos por faixas de pessoal ocupado para se controlar o efeito da variável porte da empresa mostram que pertencer aos setores de agricultura, pecuária, silvicultura e exploração florestal; pesca, aquicultura e serviços relacionados; comércio e outros serviços; e acessar o financiamento público influencia a chance de estabelecimento de relacionamentos U-E de tipo bidirecional na faixa com até 19 empregados (Tabela 2).
Na faixa de porte intermediária (entre 20 e 99 empregados), pertencer aos setores de comércio e outros serviços; industriais dominados por fornecedores; e industriais fornecedores especializados influencia o envolvimento em relacionamentos bidirecionais com GPs. Já na faixa de 100 a 499 empregados, estima-se que nenhuma das variáveis investigadas é capaz de influenciar o estabelecimento de relacionamentos U-E bidirecionais. Ademais, não se pode concluir que o número de empregados e a capacidade de absorção influenciem a chance de ocorrência de relacionamentos U-E de tipo bidirecional nessas três faixas de porte.
Este trabalho traz também evidências da influência exercida pelos setores de comércio e outros serviços nas faixas de porte com até 19 empregados e intermediária, implicando uma redução da chance de ocorrência de relacionamentos bidirecionais em relação aos setores industriais baseados em ciência e intensivos em P&D. Na faixa de menor porte investigada, pertencer também aos setores de agricultura, pecuária, silvicultura e exploração florestal; pesca, aquicultura e serviços relacionados; e outros, implica uma redução da chance de estabelecimento de relacionamentos bidirecionais em relação à categoria de referência. Na faixa de 20 a 99 empregados pertencer adicionalmente aos setores industriais dominados por fornecedores e fornecedores especializados acarreta uma redução da chance de ocorrência de relacionamentos U-E bidirecionais.
O financiamento público constitui um driver do relacionamento de tipo bidirecional somente nas empresas com até 19 empregados. A chance de um GP ter relacionamentos bidirecionais com as empresas dessa faixa que receberam financiamento público é 58,15% maior do que a chance daquelas que não o acessaram (Tabela 4).
Estimações dos coeficientes - modelos de regressão logística por faixas de porte das PMEs interativas
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Os resultados do modelo geral colocam em evidência o setor de atividade e o financiamento público, que se encontram associados aos relacionamentos de tipo bidirecional com GPs. Os modelos por porte das empresas apontam especificidades dos drivers dos relacionamentos bidirecionais nas diferentes faixas de PMEs, um indicador da elevada heterogeneidade estrutural relacionada ao tamanho das empresas brasileiras.
Os resultados referentes ao setor de atividade são convergentes com trabalhos prévios que relacionaram os canais de interação bidirecionais aos campos ou regimes baseados em ciência e à intensidade tecnológica setorial (Meyer-Krahmer & Schmoch 1998; Schartinger et al., 2002; Britto & Oliveira, 2011). No modelo geral, as chances de um GP ter relacionamento bidirecional com PMEs dos setores de comércio e outros serviços; industriais dominados por fornecedores; industriais fornecedores especializados; KIBs; e outros, reduzem-se em relação à chance das empresas pertencentes aos setores industriais baseados em ciência e intensivos em P&D. A exceção cabe aos setores de agricultura, pecuária, silvicultura e exploração florestal; pesca, aquicultura e serviços relacionados, que se mostraram capazes de influenciar o estabelecimento de relacionamentos de tipo bidirecional apenas na faixa até 19 empregados . A concentração dessas interações em um número restrito de empresas e em setores de menor conteúdo tecnológico já foi apontada por Britto e Oliveira (2011) e Pinho (2011). Nos modelos por porte das empresas há diferenças entre as faixas quanto à influência dos setores de atividade na redução da chance do estabelecimento de relacionamentos U-E bidirecionais em relação à categoria de referência.
Embora apenas 16,22% das empresas tenham acessado algum instrumento de financiamento público, essa variável constitui um importante driver de relacionamentos bidirecionais de PMEs e, particularmente, daquelas com até 19 empregados. Essas empresas parecem depender do suporte público para estabelecerem relacionamentos nos quais as empresas e os GPs interajam e troquem informação e conhecimento (Suzigan et al., 2009). É razoável supor que as empresas nas faixas de porte intermediário e superior experimentem uma disponibilidade relativamente maior de recursos internos para financiarem seus projetos de pesquisa conjunta com grupos.
A variável número de empregados não constitui um fator direcionador dos relacionamentos U-E de tipo bidirecional. Quando se controla o efeito de tamanho das PMEs, há evidências de que características intrínsecas a cada faixa de forte (individualmente ou combinadas a outros fatores investigados) exercem influência sobre o estabelecimento desses relacionamentos. É provável que características intrínsecas à faixa de 100 a 499 empregados constituam drivers dos relacionamentos bidirecionais. Essas empresas apresentam uma probabilidade relativamente elevada de estabelecimento desses relacionamentos, contudo, esse comportamento depende tão somente da sua inserção nessa faixa de porte específica.
O resultado dos quatro modelos estimados referente à variável capacidade de absorção é inesperado e contraria trabalhos prévios (Arza & Vazquez, 2010; Freitas et al., 2013; Povoa & Rapini, 2010; Rosa et al., 2018; Veugelers & Cassiman, 2005). Primeiramente, supõe-se que esse resultado esteja relacionado à escassez de recursos humanos com nível superior ou mais em parcela expressiva das PMEs . Esses indivíduos exercem papel central no intercâmbio de informação e conhecimento com organizações públicas de pesquisa, comportando-se, provavelmente, como “gatekeepers” do conhecimento nos relacionamentos cooperativos (Oliveira et al., 2018).
Em segundo lugar, embora as interações de PMEs englobem majoritariamente pesquisas científicas de curto ou longo prazo, é possível que uma parcela significativa das demandas dessas empresas às universidades e IPPs não requisite capacitações mais complexas e nem esteja próxima à fronteira do conhecimento científico. Essa argumentação é corroborada por uma peculiaridade do padrão de relacionamentos cooperativos de PMEs brasileiras e GPs: quase metade dos relacionamentos bidirecionais são estabelecidos com empresas dos setores de comércio e outros serviços, à exceção dos KIBs (26,90%) e industriais dominados por fornecedores (22,40%). Esse resultado é convergente com os de Caliari e Rapini (2017), que identificaram uma dinâmica paradoxal do Brasil: apesar de as interações tratarem em sua maioria de relacionamentos bidirecionais, grande parte delas é realizada com empresas ligadas ao comércio e à prestação de serviços, que não representam o locus principal do ambiente inovativo industrial. O resultado encontrado neste trabalho se relacionaria à especialização da estrutura produtiva nacional e ao caráter predominantemente incremental das inovações geradas (Bastos & Britto, 2017).
CONCLUSÃO
Este trabalho contribui com a temática da transferência de conhecimento e tecnologia entre organizações públicas de pesquisa e PMEs das seguintes formas: (1) pela exploração de uma base de dados abrangente sobre a interação, a partir da junção de informações do DGP e da RAIS; (2) na avaliação de como diferentes categorias de fatores direcionadores conformam a ocorrência de relacionamentos bidirecionais; e (3) na caracterização dos drivers dos relacionamentos nas diferentes faixas de porte das empresas.
Os resultados referentes ao driver setor de atividade devem ser interpretados à luz das características da estrutura produtiva brasileira. Os resultados dos modelos que controlam o efeito do porte sugerem que, à medida que se caminha na direção do aumento da PME, parece haver uma redução dos fatores que influenciam o estabelecimento de relacionamentos bidirecionais com GPs. Na faixa superior notabiliza-se o efeito do porte. Essa é uma questão que necessita ser explorada com maior profundidade em trabalhos futuros.
Os resultados alcançados traduzem-se em recomendações de políticas. Parece importante que as políticas de promoção de interações entre organizações públicas de pesquisa e empresas contemplem os fatores direcionadores das colaborações relacionadas ao conhecimento. A promoção de pesquisas, com (e sem) consideração de uso imediato de resultados que envolvam PMEs, parece muito oportuna, já que os relacionamentos bidirecionais são capazes de gerar benefícios de longo prazo, com repercussões sobre as capacidades inovativas das empresas.
Os resultados deste trabalho ainda reforçam a relevância do financiamento público para o estabelecimento de relacionamentos bidirecionais. O acesso ao crédito e aos mecanismos de financiamento da inovação parece muito oportuno, uma vez que propicia o desenvolvimento da capacidade de absorção de PMEs e favorece o aumento da exploração do conhecimento externo por meio de canais bidirecionais. Parece de particular interesse a indução de parcerias de pesquisa que envolvam maior complexidade, risco e custo e que dificilmente seriam financiadas com recursos próprios (Oliveira et al., 2018). Há também um amplo espaço para uma política de inovação voltada ao fortalecimento de pesquisas cooperativas de curto ou longo prazo, dirigida pelas especificidades das faixas de porte das empresas. O foco no fomento às atividades inovativas daquelas com até 19 empregados, as quais acessam menos o financiamento público e utilizam fontes menos diversificadas de financiamento, parece muito apropriado.
É importante apontar algumas limitações deste trabalho, que estão associadas sobretudo à abordagem metodológica adotada. A primeira refere-se ao viés de amostra, caracterizada pela abrangência de colaborações que envolvem firmas e GPs exclusivamente das Engenharias e das Ciências Agrárias. Pesquisas adicionais são necessárias para incluir interações com as demais áreas do conhecimento. Em segundo lugar, a utilização do indicador “tipo de relação”, oriundo do DGP, única fonte pública disponível no Brasil, acarreta a modelagem de um fenômeno cuja unidade de análise é o nível de relacionamento e cuja categorização da variável dependente foi realizada a partir da perspectiva dos líderes dos grupos. Suzigan et al. (2009) e Righi e Rapini (2011) já apontaram as limitações e problemas inerentes à coleta dos dados do Diretório, decorrentes da autodeclaração e da subjetividade das percepções individuais dos líderes. Seria interessante ter informações sobre as empresas que colaboram com grupos para aprofundar a análise do seu ponto de vista.
Uma agenda futura de pesquisa sinaliza para a importância de incorporar a perspectiva temporal à modelagem dos fenômenos investigados. A abordagem temporal poderia captar os efeitos dos fatores direcionadores (drivers) de relacionamentos de tipo bidirecional entre GPs e PMEs ao longo do tempo, permitindo avaliar de que forma a relação entre universidade e PMEs exerce efeitos sobre a acumulação de novas capacitações nessas empresas, com efeitos positivos sobre o processo de aprendizado interativo e sobre a inovação.
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Classificação JEL:
O30, 039
- Item relacionado (hasTranslation):
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FinanciamentoO presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
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How to cite:
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Editor Chefe1 ou Adjunto2:
1 Dr. Edmundo Inácio Júnior https://orcid.org/0000-0003-0137-0778Univ. Estadual de Campinas, UNICAMP
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Editor Associado Responsável:
Dr. Cássio Garcia Ribeiro https://orcid.org/0000-0001-9290-0660Univ. Federal de Ubertlância, UFU
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Editora Executiva1 ou Assistente2:
2M. Eng. Patrícia Trindade de Araújo2 Camille Guedes Melo
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Revisão Ortográfica e Gramatical:
José Augusto Pereira da Silva
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Jan 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
18 Abr 2023 -
Aceito
07 Nov 2023 -
Aceito
02 Set 2024