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Biolixiviação de cobre de sucata eletrônica

Bioleaching of copper from electronic scrap

Resumos

O presente trabalho investigou a influência da suplementação de ferro e da adaptação bacteriana sobre a biolixiviação de cobre de placas de circuito impresso usando a bactéria Acidithiobacillusferrooxidans-LR. Placas de circuito impresso de computadores obsoletos foram mecanicamente processadas através de cominuição seguida de separação magnética. A bactéria Acidithiobacillusferrooxidans-LR foi crescida e adaptada à presença de amostras de placas de circuito impresso cominuídas. Um estudo de frascos agitados foi realizado usando um shaker a 30ºC e 185 rpm. Os parâmetros analisados foram pH, concentração de íon ferroso e concentração de metais (ICP-OES). Os resultados demonstram que o processo de adaptação bacteriana aumentou a taxa de extração de cobre. A biolixiviação com Acidithiobacillusferrooxidans-LR adaptada lixiviou 56% do cobre das placas de circuito impresso (fração não-magnética) no meio suplementado pelo íon ferroso após 30 dias.

Biolixiviação; placas de circuito impresso; reciclagem; Acidithiobacillus ferrooxidans; frascos agitados


The present work investigated the influence of ferrous iron supplementation on bioleaching to recover copper from printed circuit boards using Acidithiobacillus ferrooxidans-LR bacteria. Printed wiring boards from obsolete computers were mechanically processed through cominution followed by magnetic separation. The Acidithiobacillus ferrooxidans-LR bacteria were grown and adapted in the presence of printed wiring board samples. A shake flask study was carried out on the printed circuit board samples using a rotary shaker at 30ºC and 185 rpm. The analyzed parameters were: the pH of the medium, the initial ferrous iron concentration and the metal concentrations (ICP-OES). The results showed that the bacterial adaptation process enhanced the copper extraction rate. The bioleaching with adapted Acidithiobacillus ferrooxidans-LR leached out 56% of the copper from printed circuit boards (non-magnetic fraction) with the medium being supplemented by ferrous iron after 30 days.

Bioleaching; printed wiring boards; recycling; Acidithiobacillus ferrooxidans; shake flasks


METALURGIA E MATERIAIS

Biolixiviação de cobre de sucata eletrônica

Bioleaching of copper from electronic scrap

Luciana Harue YamaneI; Denise Crocce Romano EspinosaII; Jorge Alberto Soares TenórioIII

IMSc., Doutoranda em Engenharia Metalúrgica e de Materiais. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. lucianayamane@gmail.com

IIDra., Professora Associada do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.

espinosa@usp.br

IIIDr., Professor Titular do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais. Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. jtenorio@usp.br

RESUMO

O presente trabalho investigou a influência da suplementação de ferro e da adaptação bacteriana sobre a biolixiviação de cobre de placas de circuito impresso usando a bactéria Acidithiobacillusferrooxidans-LR. Placas de circuito impresso de computadores obsoletos foram mecanicamente processadas através de cominuição seguida de separação magnética. A bactéria Acidithiobacillusferrooxidans-LR foi crescida e adaptada à presença de amostras de placas de circuito impresso cominuídas. Um estudo de frascos agitados foi realizado usando um shaker a 30ºC e 185 rpm. Os parâmetros analisados foram pH, concentração de íon ferroso e concentração de metais (ICP-OES). Os resultados demonstram que o processo de adaptação bacteriana aumentou a taxa de extração de cobre. A biolixiviação com Acidithiobacillusferrooxidans-LR adaptada lixiviou 56% do cobre das placas de circuito impresso (fração não-magnética) no meio suplementado pelo íon ferroso após 30 dias.

Palavras-chave: Biolixiviação, placas de circuito impresso, reciclagem, Acidithiobacillus ferrooxidans, frascos agitados.

ABSTRACT

The present work investigated the influence of ferrous iron supplementation on bioleaching to recover copper from printed circuit boards using Acidithiobacillus ferrooxidans-LR bacteria. Printed wiring boards from obsolete computers were mechanically processed through cominution followed by magnetic separation. The Acidithiobacillus ferrooxidans-LR bacteria were grown and adapted in the presence of printed wiring board samples. A shake flask study was carried out on the printed circuit board samples using a rotary shaker at 30ºC and 185 rpm. The analyzed parameters were: the pH of the medium, the initial ferrous iron concentration and the metal concentrations (ICP-OES). The results showed that the bacterial adaptation process enhanced the copper extraction rate. The bioleaching with adapted Acidithiobacillus ferrooxidans-LR leached out 56% of the copper from printed circuit boards (non-magnetic fraction) with the medium being supplemented by ferrous iron after 30 days.

Keywords: Bioleaching, printed wiring boards, recycling, Acidithiobacillus ferrooxidans, shake flasks.

1. Introdução

O resíduo de equipamentos eletroeletrônicos é gerado pelo descarte de equipamentos obsoletos como celulares, computadores, eletrodomésticos, entre outros. Estimulado pelas inovações tecnológicas, esse descarte tem crescido a cada ano. A quantidade de materiais que tem sido acumulada está criando um problema ambiental proeminente. No entanto tais materiais podem ser considerados uma fonte alternativa na extração de materiais valiosos, como metais-base e metais preciosos (Guo et al., 2009; Veit et al., 2006).

As placas de circuito impresso podem ser encontradas em praticamente todos os equipamentos eletroeletrônicos, sendo compostas, geralmente, por polímeros, cerâmicos e metais. Os metais preciosos são utilizados como finos filmes na proteção contra oxidação e os metais-base podem ser utilizados devido às suas propriedades condutoras (Tenório et al., 1997).

Os métodos convencionais de reciclagem envolvem rotas hidrometalúrgicas e pirometalúrgias, no entanto a biolixiviação pode ser um método alternativo na extração de metais-base (Choi et al., 2004; Ilyas et al. 2007; Yang et al., 2009) e de extração de metais preciosos da sucata eletrônica (Brandl & Faramarzi, 2006).

A adaptação bacteriana é o primeiro passo no processo de biolixiviação. Através desse processo, a bactéria entra em contato com o resíduo ou minério através de repicagens seqüenciais. O processo de adaptação pode ser realizado através da gradual diminuição de Fe+2 e gradual aumento da concentração de substrato, porém não existe um protocolo ou condições predefinidas para período de adaptação, densidade de polpa ou efeito inibitório promovido pelas concentrações de íons metálicos (Bevilaqua et al., 2002; Haghshenas et al., 2009).

Estudos (Brandl et al., 2001; Choi et al., 2004; Ilyas et al., 2007; Wang et al., 2009; Yang et al., 2009) usando bactérias termofílicas e mesofílicas têm demonstrado que metais podem ser recuperados de placas de circuito impresso através da lixiviação bacteriana. (Choi et al., 2004),

O objetivo desse trabalho foi o de investigar a influência da adaptação bacteriana e da suplementação de Fe+2 na biolixiviação de cobre da fração não-magnética de placas de circuito impresso de computadores obsoletos usando a bactéria Acidithiobacillusferrooxidans-LR, visando à definição de uma rota alternativa de reciclagem.

2. Materiais e métodos

Placas de circuito impresso

Foram utilizadas placas de circuito impresso provenientes de computadores obsoletos dos mais variados tipos e idades. Antes da moagem, as placas sofreram um pré-tratamento. Através desse processo, peças como baterias e capacitores, foram retiradas manualmente e uma guilhotina manual foi utilizada para redução de tamanho, adequando o tamanho das placas à abertura do moinho.

As placas de circuito impresso foram cominuídas em moinho de martelos modelo MDM 18/18 da marca Astecma. Inicialmente, para tal cominuição, foi utilizanda uma grelha de 6mm. Em seguida, utilizou-se uma grelha de 2mm. Ambas as grelhas foram acopladas diretamente ao moinho. O material cominuído foi passado num separador magnético de correias cruzadas, obtendo-se as frações magnética e não-magnética e, em seguida, uma amostra da fração não-magnética foi passada num separador eletrostático, obtendo-se 3 frações: condutora, mista e não-condutora. De todas as frações obtidas, uma alíquota foi retirada para análises da concentração de metais.

Amostras da fração não-magnética (antes da separação eletrostática), que representou 82% (p/p) do total das placas de circuito cominuídas, foram utilizadas nos experimentos de biolixiviação como substrato.

Microorganismos e condições de cultivo

A bactéria Acidithiobacillus ferrooxidans, linhagem LR, foi isolada do licor de lixiviação ácida de minério de urânio (Garcia Jr, 1991) e gentilmente cedida pelos professores Oswaldo Garcia Jr e Denise Bevilaqua, da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP, SP. O meio de cultura T&K (Tuovinen & Kelly, 1973) foi adotado para o crescimento do inóculo bacteriano e sua composição é apresentada na Tabela 1.

Processo de adaptação bacteriana

O processo de adaptação bacteriana foi conduzido através de repicagens seqüenciais, onde bactérias foram cultivadas na presença de placas de circuito impresso (amostras da fração não-magnética), inicialmente na concentração 2,5g L-1, adquirindo resistência aos produtos da lixiviação química e biológica. Sucessivos cultivos, com acréscimo de 0,5g L-1 na concentração de placas de circuito impresso a cada repique, foram realizados utilizando, como inóculo, uma alíquota de 10mL do cultivo anterior contendo bactérias adaptadas, aumentando-se, desta forma, gradualmente, a tolerância bacteriana a crescentes concentrações de placas de circuito impresso até 15g L-1.

Após a adaptação à concentração de 15g L-1 de placas de circuito impresso, iniciou-se a diminuição da concentração de Fe+2, também realizada através de repicagens seqüenciais, onde gradualmente, a concentração utilizada da Solução B, que compõe o meio de cultivo T&K, a cada repique, foi reduzida em 5mL.

O processo de adaptação foi realizado durante 3 meses. Nele, as bactérias foram adaptadas até a concentração final de 8,325g L-1, o que representou 10mL de solução B.

Experimentos de biolixiviação

Experimentos de frascos agitados foram realizados em frascos erlenmeyer (esterilizados em autoclave) contendo 200mL de meio de cultura T&K. Também 15g L-1 de amostras de placas de circuito impressos foram adicionadas em cada frasco sobre condições assépticas. Os frascos foram inoculados com 5% (v/v) da solução oxidada de cultivo de A.ferrooxidans-LR, pesados e incubados a 185 rpm e 30ºC ± 2ºC numa incubadora com plataforma de agitação orbital (shaker) da marca Tecnopon com controle de temperatura através de ventilação forçada.

Com o objetivo de comparar a extração alcançada na biolixiviação com a lixiviação química, 15g L-1 de amostras de placas de circuito impressos foram adicionadas a uma solução de ácido sulfúrico pH 1,8 sob as mesmas condições de temperatura e agitação.

O pH de todos os frascos foram diariamente ajustados para a faixa 1,8-2,0 com adição de solução de ácido sulfúrico (5M).

Influência da adaptação bacteriana

O objetivo desse estudo foi o de avaliar a influência da adaptação bacteriana sobre a biolixiviação de cobre da fração não-magnética das placas de circuito impresso. Foram utilizadas, como inóculo, bactérias adaptadas e não-adaptadas. Também foi feito um controle abiótico (sem inóculo bacteriano).

Influência da concentração inicial de Fe+2

O objetivo desse estudo foi o de avaliar a influência da suplementação de íon ferroso sobre a biolixiviação de cobre da fração não-magnética das placas de circuito impresso. Foram utilizadas, como solução de cultivo, apenas a Solução A do meio T&K como condição sem suplementação de Fe+2. Já o meio T&K (composto pela Solução A e B) foi utilizado como condição suplementada com Fe+2.

Métodos analíticos

As alíquotas da lixívia foram centrifugadas durante 20min a 5000rpm e o sobrenadante retirado, sendo que 10ml da alíquota foram utilizados na titulometria do ferro e, nos 5ml restantes foram adicionadas 2 gotas de HNO3, estando este oncentrado e preservado em frasco âmbar a 4ºC até a realização da análise de metais. A concentração de Fe+2 foi determinada através de titulação com dicromato de potássio.

Para a determinação da concentração dos metais, uma amostra de cada uma das frações obtidas no processamento mecânico foi lixiviada com água-régia na proporção 1:20.

A determinação da concentração dos metais (Ag, Al, Au, Cu, Fetotal, Ni, PB, Sn e Zn) foi realizada através da técnica de espectrometria de emissão atômica por plasma acoplado indutivamente (ICP-OES).

Os resultados da análise do Fetotal foram utilizados para determinar a concentração de Fe+3 calculada a partir da diferença entre a concentração de Fe total e Fe+2.

Os resultados da análise do Cu foram utilizados para determinar o percentual de extração do cobre através da diferença entre a concentração inicial de cobre na fração não-magnética da PCI e a concentração na lixívia.

3. Resultados e discussão

Caracterização das placas de circuito impresso

Estudos realizados por Park e Fray (2009), Tenório et al. (1997) e Veit et al. (2006) demonstram que a composição das placas de circuito impresso varia, provavelmente, devido às diferentes metodologias aplicadas nos trabalhos ou devido à mudanças da composição com o tempo. Ilyas et al. (2007) também sugerem que os métodos analíticos e a origem do material também podem ser atribuídos a essa diferença.

Os resultados obtidos na análise de metais (ICP-OES) de cada fração resultante do processamento mecânico são apresentados na Tabela 2.

O ferro é um metal fortemente magnético e ficou concentrado na fração magnética como mostra a Tabela 2, demonstrando que a separação magnética foi eficiente, sendo viável sua aplicação para extração do ferro. A caracterização das frações obtidas na separação eletrostática demonstra não ser vantajosa a utilização de uma destas frações para extração do cobre, metal de maior concentração na placa de circuito impresso (20,2% p/p da placa de circuito impresso), já que o cobre ficou concentrado tanto na fração condutora quanto na não-condutora. Isso pode ter acontecido devido ao metal não ter sido totalmente liberado durante o processo de moagem.

O cobre é o metal de maior percentagem, pois as placas de circuito impresso de computadores são do tipo FR2, formadas por uma camada de fibra de vidro ou celulose e resina fenólica. A superfície contém uma camada de cobre para conectar os contatos elétricos. Pequenas quantidades (0.2% em peso) de metais preciosos também estão presentes. Para os experimentos de biolixiviação, foram utilizadas amostras da fração não-magnética (sem a separação eletrostática), visando a biolixiviar o cobre. A fração não-magnética foi escolhida pois concentrou 18,3 %p/p do cobre contido na placa de circuito impresso.

Experimentos de biolixiviação

Os resultados obtidos na extração de cobre são apresentados na Figura 1.


Os resultados obtidos na extração de cobre (Figura1) com bactérias adaptadas mostraram que, após 30 dias, a taxa de biolixiviação de cobre foi 13% maior do que com as bactérias não-adaptadas.

Estudos de biolixiviação (Haghshenas et al., 2009; Horta et al., 2009; Ilyas et al., 2007; Li & Ke, 2001; Xia et al., 2008), usando adaptação dos microorganismos, são reportados e os resultados mostram que as taxas de extração de metais pelas bactérias adaptadas são superiores quando comparadas com as taxas de extração alcançadas com bactérias não-adaptadas. Xia et al. (2008) sugerem que existem diferenças significantes no ataque bacteriano e na tolerância ao estresse de ruptura de células bacterianas adaptadas e não-adaptadas, devido a mudanças nos componentes e na estrutura da parede celular.

O meio inoculado com bactérias não-adaptadas e a condição-controle obtiveram discreta diferença na taxa de extração, mostrando que, nessas condições, a atividade bacteriana foi inibida e a extração de cobre foi, provavelmente, somente química.

De acordo com Nemati et al.(1998), populações naturais de A. ferrooxidans são resistentes a íons cobre na faixa de concentração de 1 a 2g L-1, sendo que a atividade bacteriana pode ser inibida por concentrações superiores a 4,45 g L-1, porém linhagens adaptadas podem chegar a tolerar concentrações maiores que 29,8g L-1 de íons cobre.

Ilyas et al. (2007) e Yang et al. (2009) estudaram a extração de cobre de placas de circuito impresso em frascos agitados, obtendo taxas de extração de cobre maiores que 70%. A adaptação bacteriana diminuiu a sensibilidade de A. ferrooxidans-LR aos íons cobre gerados, o que aumentou a taxa de biolixiviação de cobre.

Os resultados obtidos com bactérias adaptadas em meio suplementado com íon ferroso (56% de extração), vide Figura 1, foram inferiores aos reportados na literatura, provavelmente devido a concentração de íons cobre no meio ter inibido parte da atividade bacteriana. A continuação do processo de adaptação pode ser uma alternativa no sentido de aumentar a tolerância bacteriana aos íons metálicos gerados durante o processo de biolixiviação. Tal processo também pode diminuir a toxicidade que outros componentes da placa de circuito impresso podem exercer sobre os íons metálicos.

Os resultados (Figura 1) também mostram que a extração de cobre com meio T&K inoculado suplementado com ferro foi maior, quando comparada com o meio inoculado sem Fe+2, o que se deve ao fato de que o mecanismo direto bacteriano de solubilização de metais é baseado na oxidação do Fe+2 a Fe+3 (Sand et al., 2001). Resultados similares foram obtidos em estudos sem adição de Fe+2 no processo de biolixiviação usando frascos agitados (Rohwerder et al., 2003; Xia et al., 2008, Bevilaqua et al., 2002).

A condição-controle (não inoculada) do meio sem suplementação de ferro apresentou 27% de extração de cobre, resultado similar obtido na lixiviação química com solução de ácido sulfúrico (pH 1,8). O cobre é insolúvel em solução de ácido sulfúrico, porém a agitação do meio (185rpm) introduziu oxigênio ao meio favorecendo uma pequena solubilização (Mendhan et al., 1989). Uma diminuição na agitação do meio pode ser aplicada no sentido de suprimir o efeito da lixiviação química. Estudos de biolixiviação (Brandl et al., 2001; Choi et al., 2004; Ilyas et al., 2007; Wang et al., 2009; Yang et al., 2009) reportam taxas de extração acima de 70% com condições de agitação variando entre 150rpm a 250rpm.

Os outros metais presentes na placa de circuito impresso obtiveram extração inferior a do cobre através da biolixiviação e não são apresentados nesse artigo. Devido à complexidade da composição das placas de circuito impresso, a extração dos materiais deve ser realizada em diferentes etapas e o objetivo desse trabalho foi o de estudar a biolixiviação do cobre, a fim de definir uma rota alternativa na reciclagem das placas de circuito impresso.

A Figura 2 mostra as variações no pH antes do ajuste para a faixa de 1,8 a 2,0. A estabilidade do pH foi necessária, pois o CO2 é um fator limitante no crescimento bacteriano e o pH ácido é fundamental na solubilidade do CO2 (Nemati et al., 1998).


No meio T&K inoculado sem Fe+2 (indicado pelo símbolo " " da Figura 2), o pH aumentou (acima de 3,5) a partir do 15º dia, sugerindo o consumo de ácido durante a oxidação dos metais da placa de circuito impresso, como Zn, Sn, Al, Pb e Cu.

Valores de pH menores que 1.3 ou maiores que 3.5 inibem, fortemente, o crescimento bacteriano (Nemati et al.,1998), o que, provavelmente, inibiu a atividade bacteriana após o 20º dia de experimento, corroborando com o fato de que a taxa de extração de cobre obtida no meio inoculado sem Fe+2 teve discreta influência da atividade bacteriana na biolixiviação do cobre.

Na condição-controle sem Fe+2 (símbolo "○" da Figura 2), a taxa de extração máxima obtida foi de 27%, tendo o pH aumentado até o 15º dia devido ao consumo de ácido na lixiviação química dos metais da placa de circuito impresso, mesmo com o ajuste diário, e devido o consumo de H+ não ter sido reposto ao meio através do ciclo Fe+2/Fe+3.

O pH do meio T&K inoculado com bactérias adaptadas, ou seja, com suplementação de ferro (símbolo "■" da Figura 2) e do meio T&K inoculado com bactérias não-adaptadas (símbolo "▲"), permaneceu entre 1,8 e 2,0, após o 8º dia, possivelmente devido às combinações das reações que consomem ácido, como a oxidação química e microbiológica do Fe+2, e das reações que produzem ácido, como a hidrólise do íon férrico (Ilyas et al., 2007; Yang et al., 2009).

O pH do controle abiótico do meio suplementado com ferro (símbolo "□") apresentou valores maiores do que o inoculado devido o consumo de H+ e O2 (promovido pela agitação) na oxidação do Fe+2 produzindo Fe+3.

Na Figura 2 também pode ser observado que o pH do meio inoculado com bactérias adaptadas apresenta uma elevação acentuada a partir do 2º dia, ao passo que, no meio inoculado com bactérias não-adaptadas, essa elevação do pH ocorre até o 6º dia, indicando que a fase exponencial do crescimento bacteriano das bactérias adaptadas ocorre mais rapidamente.

Na fase exponencial do crescimento bacteriano, o aumento exponencial do número de células acarreta um aumento da atividade metabólica bacteriana envolvendo a oxidação do íon ferroso a íon férrico e na conseqüente solubilização do cobre.

A Figura 3 apresenta as variações da concentração de Fe+2. As concentrações de íon ferroso obtidas nas condições avaliadas com meio sem suplementação de Fe+2 (controle e inoculada) foram desprezíveis e não são apresentados na Figura 3.


Como pode ser observado na Figura 3, na condição inoculada, o consumo total de Fe+2 ocorre até o 2º dia de experimento, indicando a fase exponencial de crescimento bacteriano, fato que está em consonância com a elevação de pH discutida anteriormente. Comportamento similar foi observado por Bevilaqua et al. (2002) na biolixiviação da calcopirita.

Na condição-controle, a concentração de Fe+2 começa a declinar após o 20º dia de experimento (Figura 3), fato também observado por Francisco Jr. et al. (2007) na lixiviação bacteriana de uma amostra mineral contendo pirita, pirrotita e molibdenita, o que sugere que esse fato ocorre pela oxidação natural do Fe+2.

Nemati et al. (1998) concluíram que a concentração de íon ferroso tem forte influência no crescimento bacteriano, conseqüentemente, este parâmetro é freqüentemente utilizado como forma de monitorar a taxa de crescimento, observando um declínio no número de células quando da diminuição da concentração de íon ferroso no meio. Usualmente são utilizadas concentrações variando de 2 até 6g.L-1. Altas concentrações (acima de 6g.L-1) também podem ter efeito inibitório, o que pode ser moderado com o processo de adaptação bacteriana.

As amostras da fração não-magnética das placas de circuito impresso estudadas apresentaram 0,36% p/p de Fetotal, portanto o ferro presente na lixívia (sob a forma de íon ferroso) foi quase totalmente proveniente da adição de solução de sulfato ferroso (solução B) durante preparação do meio.

Em estudo de extração de cobre de placas de circuito impresso usando A. ferrooxidans, Choi et al. (2004) concluíram que a adição de íon ferroso ao processo de biolixiviação ajuda a promover a dissolução de cobre.

4. Conclusões

Os resultados obtidos na biolixiviação do cobre alcançaram 56% de extração e demonstram serem promissoras futuras investigações, a fim de se incluir a biolixiviação na rota de reciclagem das placas de circuito impresso, como uma alternativa aos processos convencionais. Como uma das vantagensde sua utilização, destaca-se a economia de insumos (ácidos e agentes oxidantes). Tal utilização também evitaria a emissão de poluentes gasosos, fato que ocorre com os processos hidrometalúrgicos e pirometalúrgicos. Tudo iria ao encontro da tendência mundial pela busca de processos "ambientalmente amigáveis".

Através do processo de separação magnética, obtiveram-se duas frações e, através da determinação da composição metálica dessas frações, pode-se concluir que, na fração magnética, é possível concentrar o ferro e, na fração não-magnética, é possível concentrar o cobre para posterior recuperação.

Os resultados mostraram que a adaptação bacteriana aumentou o percentual de extração de cobre pelo A. ferrooxidans-LR devido o processo de adaptação ter aumentado a tolerância bacteriana aos íons gerados durante a oxidação dos metais contidos nas placas de circuito impresso através das repicagens em série.

A adição de Fe2+ no meio de lixiviação inoculado com a bactéria adaptada aumentou o percentual de extração de cobre no processo de biolixiviação da fração não-magnética das placas de circuito impresso, reforçando a relevância do mecanismo de oxidação promovido pelo Fe3+.

As variações nas concentrações de Fe2+ do meio T&K inoculado sugerem que a fase exponencial da Acidithiobacillus ferrooxidans-LR adaptada na presença de placas de circuito impresso ocorreu até o 2º dia.

As taxas de extração de cobre da condição-controle sem adição de Fe+2 sugerem que a lixiviação química do cobre pelo ácido sulfúrico ocorreu devido à aeração do meio promovida pela agitação, o que permitiu a solubilização parcial do cobre.

5. Agradecimentos

Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pela concessão da bolsa de doutorado (Processo nº 08/53254-1) e pelo financiamento da pesquisa (Processo nº 10/51009-0).

6. Referências bibliográficas

Artigo recebido em 21 de janeiro de 2011.

Aprovado em 11 de abril de 2011.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Out 2011
  • Data do Fascículo
    Set 2011

Histórico

  • Aceito
    11 Abr 2011
  • Recebido
    21 Jan 2011
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