Acessibilidade / Reportar erro

Desenvolvimento de ferramenta computacional para auxílio ao projeto de gemas lapidadas

Resumos

Esse trabalho apresenta um estudo sobre ferramenta computacional para auxílio ao projeto de lapidação de gemas. O material escolhido para o estudo é o quartzo hialino. São apresentados aspectos de desenvolvimento histórico do processamento de gemas e também os diagramas de lapidação e seus principais parâmetros. Para a determinação do grau de eficiência de um modelo de lapidação, são propostos dois critérios: a brilhância e o aproveitamento em peso. A ferramenta computacional, a ser utilizada na estimação desses resultados de um determinado projeto, baseia-se nas redes neurais artificiais. A validação da ferramenta proposta utiliza testes sobre dados de 62 diferentes projetos de lapidação.

gemas lapidadas; design de lapidação; redes neurais artificiais


This paper presents a study on a Computer-aided-design (CAD) tool for lapidary design. The material chosen is rock crystal quartz. Aspects of historical development of gemstone lapidary, faceting diagrams and faceting parameters are presented. Two criteria are proposed to assess the efficiency of a given lapidary design: brilliance and yield. To estimate these two results, the tool developed is based on artificial neural networks. Tests with 62 different lapidary designs were used to validate the proposed CAD tool.

faceted gems; lapidary design; artificial neural networks


METALURGIA & MATERIAIS

Desenvolvimento de ferramenta computacional para auxílio ao projeto de gemas lapidadas

Luiz S. Martins-FilhoI; Adriano A. MolII; Ronilson RochaIII

IDepart. de Computação - Universidade Federal de Ouro Preto - DECOM/ICEB/UFOP. E-mail: luizm@iceb.ufop.br

IICentro de Estudos em Design de Gemas e Jóias - Universidade do Estado de Minas Gerais - CEDJ/UEMG. E-mail: adriano.mol@uemg.br

IIIDepart. de Controle e Automação - Universidade Federal de Ouro Preto - DECAT/EM/UFOP. E-ail:rocha@em.ufop.br

RESUMO

Esse trabalho apresenta um estudo sobre ferramenta computacional para auxílio ao projeto de lapidação de gemas. O material escolhido para o estudo é o quartzo hialino. São apresentados aspectos de desenvolvimento histórico do processamento de gemas e também os diagramas de lapidação e seus principais parâmetros. Para a determinação do grau de eficiência de um modelo de lapidação, são propostos dois critérios: a brilhância e o aproveitamento em peso. A ferramenta computacional, a ser utilizada na estimação desses resultados de um determinado projeto, baseia-se nas redes neurais artificiais. A validação da ferramenta proposta utiliza testes sobre dados de 62 diferentes projetos de lapidação.

Palavras-chave: gemas lapidadas, design de lapidação, redes neurais artificiais.

ABSTRACT

This paper presents a study on a Computer-aided-design (CAD) tool for lapidary design. The material chosen is rock crystal quartz. Aspects of historical development of gemstone lapidary, faceting diagrams and faceting parameters are presented. Two criteria are proposed to assess the efficiency of a given lapidary design: brilliance and yield. To estimate these two results, the tool developed is based on artificial neural networks. Tests with 62 different lapidary designs were used to validate the proposed CAD tool.

Keywords: faceted gems, lapidary design, artificial neural networks

1. Introdução

Os minerais denominados gemas possuem características especiais, como cor, brilho, transparência, dureza e raridade. Pela beleza ligada a essas características, as gemas vêm sendo utilizadas nas mais variadas formas, associadas a objetos de adorno e, pela sua raridade, lhes foi atribuído alto valor de troca. Desde os primórdios da civilização, encontram-se exemplos das tentativas de aprimoramento das características ópticas, visando ao aumento da beleza e do valor. Uma das formas mais importantes de agregar valor às gemas é a lapidação, denominação geral do processo de corte e polimento de diversos materiais. As técnicas de lapidação de gemas evoluíram, no sentido de obter modelos cada vez mais sofisticados, buscando alcançar controle de saturação da cor, maximizar o retorno da luz incidente à perspectiva do observador, o que se denomina brilhância, obter distorção da luz no interior da gema, melhorar o aproveitamento em peso do material bruto e permitir a fixação da gema em metais na construção de jóias (Webster, 2002).

O objetivo desse trabalho é estudar uma ferramenta computacional de auxílio ao projeto de lapidação de gemas, visando a estimar o valor do resultado obtido, segundo duas características importantes: a brilhância e o aproveitamento do material bruto. Para o desenvolvimento dessa ferramenta, propõe-se a utilização de redes neurais artificiais. Trata-se de uma solução inspirada nos neurônios do sistema nervoso, que tem sido aplicada em diversos problemas. Esse sistema computacional é capaz de extrair conhecimento de sistemas fortemente não lineares e complexos e este é o caso da relação entre forma geométrica tridimensional de uma gema lapidada e suas características de brilhância e aproveitamento.

2. Lapidação

A lapidação para processamento de minerais para fins de adorno tem origem, segundo historiadores, na região do Iraque, no século 5 AC. Os primeiros modelos são obtidos pelo polimento das faces naturais de cristais ou de seixos rolados encontrados em depósitos de aluvião. Posteriormente, surge o modelo cabochão, que resulta em gemas de superfície em forma de domo arredondado. Por volta do século 13 DC, resultados ópticos melhores são obtidos com os modelos de lapidação facetados, com pequenos cortes por abrasão, utilizando-se pó de diamante ou coríndon e disco plano. As formas tornam-se prismáticas, visando a realçar efeitos ópticos importantes como brilho e dispersão da luz. A partir do século XX, esses modelos de lapidação passaram a ser descritos por parâmetros bem definidos, cuja influência na aparência tornou-se objeto de estudos para aprimoramento das técnicas de processamento. A nomenclatura básica de um modelo facetado é mostrada na Figura 1 e seus parâmetros dizem respeito às proporções entre essas partes.


Analisando a interação da luz com uma gema transparente, pode-se destacar os principais fenômenos físicos em termos da óptica geométrica. Quando um feixe de luz incide sobre a superfície da gema, uma parte dele é refletida enquanto outra é transmitida (refratada) através da interface ar-gema. A parte do feixe que percorre o interior da gema repete esse comportamento quando encontra outras superfícies de interface. A Figura 2 ilustra esse fenômeno óptico, onde se observa que a partir de um certo ângulo, denominado ângulo crítico, o feixe é exclusivamente refletido. A relação entre ângulo incidente e de refração é dada pela lei de Snell, onde c é a velocidade da luz no ar, v é a velocidade da luz no interior da gema, n é o índice de refração da gema, sen i é o seno do ângulo de incidência e sen r é o seno do ângulo de refração:


A Figura 3 mostra como os feixes de luz viajam pelo interior de uma gema. Os ângulos formados pela coroa e pelo pavilhão da gema, em relação ao plano do horizonte (rondiz), são definidores de sua geometria e determinam os valores de brilhância, a partir do índice de refração da gema. A brilhância, propriedade fundamental para a valoração de uma gema, pode ser considerada como a porção da luz incidente que é devolvida pela gema após sucessivas reflexões internas para um observador colocado frontalmente sobre a coroa desta.


Outra característica importante de um modelo de lapidação é a relação de aproveitamento entre o peso do material em estado bruto e quando facetado. Como o material bruto se apresenta em formas extremamente irregulares e as mais diversas, para efeitos de comparação, esse critério pode ser convencionado como o percentual de volume da gema lapidada inserida dentro de um cubo, de menor dimensão possível, que contenha essa gema.

Um modelo de lapidação pode ser definido através de um diagrama onde são descritos todos os parâmetros geométricos, relações entre dimensões e ângulos necessários para o corte de cada faceta, assim como sua quantidade. Um diagrama para o modelo brilhante redondo padrão, gerado no software GemCAD, é mostrado na Figura 4. Esse software fornece, a partir dos parâmetros geométricos e índice de refração, os resultados de brilhância e aproveitamento dos modelos de lapidação utilizados nesse estudo.


Nesse trabalho, considera-se que o valor de uma gema facetada, para um dado material-padrão, é determinado por duas características principais: brilhância e aproveitamento. Considera-se, também, que essas características dependem dos seguintes parâmetros: quantidade total de facetas (F), quantidade de facetas no rondiz (G), relação entre as dimensões da mesa e da largura (T/W), relação entre mesa e comprimento (T/L), relação entre pavilhão e largura (P/W), relação entre coroa e largura (C/W), relação entre altura e largura (H/W), relação entre pavilhão e altura (P/H) e relação entre coroa e altura (C/H) (Hemphill et al., 1998; Sasián et al., 2003). A Tabela 1 apresenta os parâmetros dos modelos considerados no trabalho e seus respectivos valores e a Figura 5 mostra, em detalhes, três desses modelos.


3. Ferramenta computacional

A proposta de ferramenta computacional para auxílio ao projeto de lapidação baseia-se nas redes neurais artificiais (RNAs), sistemas computacionais de processamento paralelo e distribuído de dados inspirados no funcionamento do cérebro humano, associando dados de entradas e saída de maneira similar aos neurônios. Os neurônios artificiais calculam funções matemáticas, estão organizados em camadas, e são interligados por um número elevado de conexões associadas a pesos. A forma mais geral de uma RNA é apresentada na Figura 6.


Uma modelagem matemática do funcionamento de um neurônio artificial foi proposta, em 1943, pelo neurofisiologista McCulloch e pelo matemático Pitts (Jain et al., 1996). Nesse modelo, a saída do neurônio é ativada por uma função do somatório de suas entradas ponderadas (Figura 7).


As primeiras RNAs propostas, denominadas perceptrons, consistem de uma camada de neurônios de entrada, uma camada interna e uma camada de saída. Os pesos são determinados através de algoritmos especializados que ajustam seus valores a partir de dados de entradas e saídas conhecidos. Esse processo é chamado treinamento da rede e busca extrair dos dados o conhecimento sobre a relação entrada-saída. Ao final desse processo, com a escolha adequada do conjunto de dados de treinamento, a rede é capaz de estimar variáveis de saída para dados de entrada desconhecidos. Essas redes simples são capazes de tratar apenas os problemas linearmente separáveis. Para problemas mais complexos, foi proposto um modelo com mais camadas internas, que se mostrou capaz de estimar relações entrada-saída não lineares. Para o treinamento das perceptron multicamadas, Rumelhart e colaboradores propuseram, em 1986, uma estratégia de correção na direção inversa à de propagação dos dados na rede, denominada backpropagation.

3.1 Projeto da rede neural artificial

O primeiro passo, no desenvolvimento de uma ferramenta computacional, baseado em RNAs, para uma aplicação específica, é definir o tipo de rede, o número de camadas, os parâmetros de entrada e saída e a função de ativação dos neurônios. Além disso, é necessário reunir os dados relevantes sobre o problema, nesse caso, os dados de lapidação para o quartzo hialino descritos na Tabela 1. A etapa seguinte consiste na programação de um sistema computacional baseado em RNAs, a ser utilizado na estimação dos valores de brilhância e aproveitamento. Foi projetada, então, a arquitetura de redes neurais artificiais, considerando um conjunto de dados com 62 modelos de lapidação, cujos parâmetros são mostrados na Tabela 1.

Para sua utilização, no treinamento da rede neural artificial, os dados foram divididos em dois grupos: o de treinamento (59 modelos) e o de teste de validação (3 modelos). Foram escolhidos, arbitrariamente, três modelos para compor o grupo de teste (números 4, 13 e 58), não utilizados no processo de treinamento. Os dados de saída foram normalizados, i.e., divididos pelo maior valor, para estabelecer uma escala de valores entre 0 e 1. Finalizando o projeto, definiu-se a estrutura da rede em relação à quantidade de camadas escondidas e de neurônios em cada uma delas.

Definiu-se por uma estrutura com uma camada de entrada com 9 neurônios, uma camada escondida com 18, outra com 6 neurônios e a camada de saída com 2 neurônios. Segundo Haykin (2001), redes neurais com duas camadas escondidas são capazes de extrair uma relação de qualquer conjunto de dados apresentados. Além disso, é necessário escolher a função de ativação a ser usada pelos neurônios, nesse caso uma sigmóide, que apresenta transição suave entre seu valor mínimo (0) e máximo (1), a mais usada normalmente em RNAs (Jain et al., 1996): . As demais definições de projeto são a forma do cálculo do erro da saída da rede (adotou-se a média quadrática dos erros) e o algoritmo de treinamento. Para o treinamento da rede, utilizou-se um algoritmo backpropagation, que corrige os pesos e bias de acordo com descida do gradiente de erros, enquanto seus pesos, entradas e funções de ativação forem deriváveis.

4. Resultados

A validação da proposta do trabalho se deu através dos testes com a ferramenta computacional desenvolvida. Os resultados podem ser considerados positivos, se a rede treinada for capaz de generalizar a relação extraída dos dados desconhecidos. Para que isso ocorra, além do projeto adequado da rede, é necessário reunir um conjunto de modelos de lapidação para o quartzo que apresente diversas formas e padrões de facetamento, fornecendo uma amostragem representativa das variações existentes. O processo de treinamento da rede alcançou um erro da ordem de 10-3 após 5.000 épocas (apresentações do conjunto de dados no treinamento), com variação decrescente. Ao final desse treinamento, os valores dos pesos das conexões da rede ficaram determinados, representando o conhecimento extraído do problema.

Após o treinamento, a rede analisou o conjunto de dados de teste formado pelos dados dos modelos 4 (eigth round), 13 (cross point) e 58 (spiro). Os resultados são mostrados na Tabela 2.

O que se observa é que a rede treinada foi capaz de estimar os resultados do conjunto de testes com um erro médio de 5,17%, com erro máximo de 11,9%, no caso da brilhância para o modelo 13 (cross point). Os erros menores, atribuídos ao aproveitamento, parecem advir da natureza mais simples da relação geométrica entre os parâmetros e este resultado (por exemplo, um modelo de relações H/W=1 e L/W=1 representa um cubo de aproveitamento 1 e brilhância 0).

Considerando-se as variadas possibilidades geométricas das características dos modelos de lapidação, as variações de características físicas, a limitação do conjunto de modelos utilizados no treinamento, mesmo sendo bastante representativo, a grande complexidade da relação entre dados de entrada (F, G, T/W, T/L, P/W, C/W, H/W, P/H e C/H) e os dados de saída (brilhância e aproveitamento), os resultados obtidos podem ser considerados positivos.

5. Conclusão

Nesse trabalho, apresentou-se um estudo geral do problema da lapidação como resultante da complexa combinação de efeitos físicos que influenciam a aparência de uma gema facetada, como a interação da luz com o material, as propriedades desse material, a forma do poliedro, o polimento de sua superfície, o tipo de luz incidente, a geometria da iluminação e as condições de observação. Baseado nessas considerações, construiu-se uma ferramenta computacional de análise dos parâmetros relevantes ao problema da lapidação utilizando RNAs. A rede foi treinada com um conjunto de modelos de lapidação desenvolvidos para quartzo. Depois de treinada, a rede foi capaz de estimar dois parâmetros importantes para gemas lapidadas, a brilhância e o aproveitamento, para três modelos de lapidação cujos resultados desconhecia, com um erro médio de 5,72%.

Os resultados obtidos com a ferramenta computacional desenvolvida mostram que esse tipo de abordagem é válido para o problema de verificação da influência da geometria do modelo nos resultados de interação da luz com a matéria. Mais do que isto, é possível concluir que sistemas baseados em RNAs são indicados para o tratamento de problemas dessa ordem, pois são capazes de extrair uma relação entre um conjunto de dados que definem funções extremamente complexas, uma vez que os mais recentes estudos, realizados com os métodos tradicionais de modelamento matemático e ray-tracing, vêm apontando grande interdependência entre os parâmetros de lapidação e os resultados da combinação. Assim, confirma-se a hipótese de que uma ferramenta baseada em redes neurais artificiais é capaz de estimar parâmetros de grande importância no projeto de lapidação de gemas.

6. Agradecimentos

Os autores agradecem o suporte financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).

7. Referências bibliográficas

Artigo recebido em 21/06/2005 e aprovado em 28/09/2005.

  • HAYKIN, S. Redes Neurais, princípios e práticas Porto Alegre: Bookman, 2001.
  • HEMPHILL, T. et al. Modeling the appearance of the round brilliant cut diamond: an analysis of brilliance. Gems & Gemology, v. 34, n. 3, p. 158-183, 1998.
  • JAIN, A. K, MAO, J., MOHIUDDIN, K.M. Artificial neural networks: a tutorial. IEEE Computer, v. 29, n. 3, p. 56-63, 1996.
  • SASIÁN, J. M., YANTZER, P., TIVOL, T. The optical design of gemstones. Optics and Photonics News, v. 14, n. 4, p. 24, 2003.
  • WEBSTER, R. Gems: their sources, descriptions and identification Londres: Butterworth & Co. Ltd., 2002. v. 2.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2005

Histórico

  • Aceito
    28 Set 2005
  • Recebido
    21 Jun 2005
Escola de Minas Rua Carlos Walter Marinho Campos, 57 - Vila Itacolomy, 35400-000 Ouro Preto MG - Brazil, Tel: (55 31) 3551-4730/3559-7408 - Ouro Preto - MG - Brazil
E-mail: editor@rem.com.br