RESUMO
A vasta região do Nordeste brasileiro tem uma parcela significativa de seu território sujeita a secas severas. Este trabalho traz uma análise da resposta do governo às grandes secas que a região sofreu desde o período imperial no século XIX.
PALAVRAS-CHAVE:
Intervenção estatal; seca; clima; história econômica do Brasil; nordeste brasileiro
ABSTRACT
The vast region of the Brazilian Northeast has a significant proportion of its territory subject to severe droughts. This paper provides an analysis of the government’s response to the great droughts the region underwent since the imperial period in the nineteenth century.
KEYWORDS:
State intervention; drought; climate; economic history of Brazil; Brazilian northeast
O Nordeste é uma porção do território brasileiro com cerca de um milhão e seiscentos mil quilômetros quadrados, onde vivia em 1980 mais de trinta milhões de habitantes. Ele é conhecido no exterior e nas áreas mais desenvolvidas do Brasil como região superpovoada e a mais pobre do país, aquela onde ocorrem periodicamente grandes secas. Esta impressão, porém, é superficial, o Nordeste é uma área grande produtora de uma série de produtos importantes para a economia nacional como o petróleo, a gipsita, o calcáreo, o ferro, o manganês etc. e de produto. agrícolas de exportação como o cacau, o açúcar de cana e o álcool, o fumo, o arroz etc. Se fosse um país independente, a sua balança comercial não seria deficitária. Ele não é também uma região inteiramente semiárida, de vez que toda a porção oriental é muito úmida, onde chove mais de 1500mm por ano, e na ocidental, limítrofe à Amazônia, o clima é tropical úmido, sendo a área sujeita a grandes inundações. A porção seca, que compreende o Sertão e o Agreste, e se estende desde o litoral setentrional - costa do Ceará e do Rio Grande do Norte - até o norte do Estado de Minas Gerais, com uma largura no sentido Leste-Oeste de algumas centenas de quilômetros, é a que apresenta um clima quente e seco, sendo frequentemente assolada por grandes secas.
Esta porção semiárida e árida compreende cerca de seiscentos mil quilômetros quadrados, apresentando-se ora com grandes pediplanos, drenados pelos principais rios da região - São Francisco, Parnaíba, Piranhas-Açu, Jaguaribe etc. -, ora com serras e chapadas que se alteiam sobre o pediplano e apresentam um clima úmido ou sub-úmido. Estas áreas úmidas, chamadas de brejos, formam verdadeiros oásis onde existe uma grande concentração populacional. Os brejos, quando situados em chapadas sedimentares, resultam de águas caídas nos curtos períodos chuvosos e que se acumulam nas camadas subterrâneas, escoando, de acordo com a inclinação das· mesmas, para as encostas e os piemontes, onde aparecem fontes perenes, como no Cariri cearense. Quando situadas em serras cristalinas, a umidade é provocada pela ação dos ventos de sudeste, prenhes de umidade que passando a algumas centenas de metros sobre o pediplano sofrem a convecção ao se aproximarem das encostas e provocam a condensação - orvalho - e a precipitação orográfica. Estes brejos ora se apresentam como superfícies extensas, de mais de mil quilômetros quadrados, como no chamado Brejo paraibano, no Planalto de Garanhuns e na Chapada Diamantina, ora se apresentam como microrregiões serranas com algumas dezenas de quilômetros quadrados como em Taquaritinga e em Triunfo.
Na área de pediplano as taxas pluviométricas anuais variam muito de um lugar para outro, subindo até os 600 e 700mm nas áreas mais favoráveis e caindo a menos de 400mm naquelas mais secas, consideradas áridas.
O povoamento feito pelos colonizadores iniciou-se na segunda metade do século XVI, de vez que os estabelecimentos açucareiros do litoral - Mata pernambucana e Recôncavo baiano - necessitavam de uma área à retaguarda que lhes fornecesse animais de trabalho e carne para a alimentação. A região semiárida era considerada de boa qualidade para a pecuária ultra extensiva em campo aberto,1 1 Andrade, Manuel Correia de “L’élevage dans le Nord-Est du Brésil”, Les Cahiers d’Outre Mer, Tomo 21, pp. 56-72, Bordeaux, 1968. daí terem os colonizadores guerreado e dizimado as nações indígenas. Aqueles que escapavam ao massacre eram aldeados nas serras e na margem dos rios perenes, a fim de que fossem sedentarizados, se tornassem agricultores e fossem cristianizados pelos missionários. A cristianização era feita em função da preparação de mão-de-obra para os colonizadores a ser utilizada sobretudo nas ocasiões de pique da demanda de trabalhadores.
A grande expansão da pecuária e a dificuldade de se transportar, em lombo de burro, as mercadorias necessárias ao consumo da população, que se fixou nos sertões, provocaram o desenvolvimento de uma pequena agricultura de subsistência nas manchas úmidas. Assim os sertanejos se auto abasteciam aproveitando para fazer suas culturas de mandioca, de milho, de feijão, de fava e de cana-de-açúcar para produção de rapadura e aguardente, nas manchas úmidas e nas áreas que eram cobertas pelas águas dos rios e das lagoas no verão, estação das chuvas. Daí o desmatamento a que foram submetidas as áreas que possuíam florestas mais densas, restando apenas a vegetação de caatinga2 2 Lima, Dardeno de A., “Estudos fitogeográficos de Pernambuco”, Instituto de Pesquisas Agronômicas, Publicação n. 2, Recife, 1952. que passou anualmente a ser queimada a fim de que, com as primeiras chuvas, a pastagem natural brotasse, fornecendo alimento ao rebanho.
No século XVIII, em face da Revolução Industrial e da demanda de matéria-prima pela indústria britânica, grandes áreas sertanejas foram ocupadas pela cultura do algodão. A expansão dos algodoais era feita em associação com as culturas de subsistência de milho e de feijão e provocou também a expansão da cultura da cana-de-açúcar nos brejos, intensificando ainda mais a devastação da vegetação natural e degradando o meio ambiente.
As secas são uma constante na evolução histórica do semiárido nordestino. Já no século XVI elas se fizeram sentir, provocando a migração em larga escala de indígenas para o litoral. De um modo geral a migração só é feita quando à seca atinge grandes proporções. Isto porque há dois tipos de seca no Nordeste, a anual, que dura de sete a oito meses, correspondendo ao longo período de estio entre dois períodos chuvosos de três a quatro meses, e que não se constitui um grande problema, de vez que o sertanejo já está adaptado e ela e dispõe de reservatórios d’água que dão para atravessar este períodos. Ao lado desta existem as secas periódicas, de difícil previsão e que se efetivam quando em um período normalmente chuvoso - dezembro a março - não caem as chuvas esperadas, fazendo com que aquele período seco de sete a oito meses se estenda por dois e às vezes três a quatro anos. Foram famosas as grandes secas que ocorreram no fim do século XVIII - 1788-1790, no século XIX - 1877-1880 - e no século XX - 1915-1919, a de 1932, a de 1952, a de 1958, a de 1970 e a de 1979-1984, que foi considerada por Gileno de Carli como a maior do século.3 3 “A maior seca do século”, 1983.
Quando as secas se prolongam ocorre uma verdadeira catástrofe, de vez que secam os reservatórios de porte médio e pequeno, morrem as plantações, o gado é em grande parte eliminado pela fome e por epizootias e os habitantes se retiram para os brejos de maior porte ou para o litoral. O abandono de suas terras, de seus animais e dos objetos que não podem ser transportados, além da concentração de flagelados em pontos que consideram favoráveis à sua sobrevivência, desorganizam a economia regional, empobrecem as famílias e trazem sérios problemas de segurança e de salubridade para o governo. Daí a permanente intervenção do Estado nestas ocasiões críticas.
A INTERVENÇÃO DO ESTADO
Como o Estado, o poder público, vem encarando o problema das secas? No período colonial o governo da metrópole não desenvolveu qualquer política de combate aos efeitos da seca; deve-se levar em conta que a área era muito pouco povoada, as comunicações muito lentas e o governo metropolitano, distante, não se preocupava com o bem-estar dos seus súditos.
No período imperial (1822-89) a população sertaneja era mais numerosa e as autoridades nacionais mais sensíveis aos seus reclamos. Afinal os sertanejos não eram colonos em um país distante, mas cidadãos do Império. Daí adotarem uma política de assistência às populações flageladas na ocasião de ocorrência das secas, procurando desenvolver uma política de regularização da navegação no rio São Francisco e de construção de açudes. D. Pedro II teve até uma frase bastante demagógica durante a seca de 1877 ao afirmar que “empenharia as joias da coroa, mas não permitiria que os nordestinos passassem fome”. Foi organizada ainda uma comissão para estudar as causas da seca no Nordeste e as medidas que poderiam ser tomadas para diminuir o seu impacto. Sugeriu-se até importar camelos para serem utilizados como animais domésticos, em substituição a bois e cavalos.
Com a Proclamação da República (1889) e a transformação das províncias em estados federais, o poder local passou a ter uma maior influência na esfera federal e os estados do Nordeste passaram a pressionar o poder central no sentido de que se desenvolvesse uma política permanente de combate aos efeitos da seca. Daí a criação, em 1907, de uma Inspetoria Federal de Obras contra as Secas que realizou uma-série de estudos geológicos, hidrológicos, botânicos, geográficos, mineralógicos sobre a região e desenvolveu uma política dominantemente hídrica. Por esta política foram detectados, nas grandes bacias dos rios temporários, locais que fossem favoráveis à construção de barragens e foram ainda construídos açudes de grande capacidade de retenção de água. Mas não se desenvolvia, ao mesmo tempo, uma política de caráter social, visando fazer com que a população da área se beneficiasse da obra pública em que eram investidos milhões de cruzeiros sem que a população recebesse em troca áreas onde cultivasse, com irrigação, produtos alimentícios. Os grandes proprietários eram os verdadeiros beneficiários da ação do governo. Foi necessário que técnicos da própria Inspetoria, hoje Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS), advogassem o desenvolvimento da agricultura irrigada, utilizando-se os sangradouros dos açudes.4 4 Duque, J. Guimarães, “Solo e água no Polígono das Secas”, Serviço Agroindustrial do Departamento Nacional de Obras contra as Secas, Fortaleza, 1951. Começaram então a ser feitas culturas de bananeira, de algodoeiro, de tomateiro e de fruteira a jusante dos mesmos. Mas o governo não tinha poder político suficiente para desapropriar os grandes latifúndios antes da construção dos açudes, ficando impossibilitado de desenvolver uma política social.
A fim de fazer chegar com maior rapidez ao Sertão os auxílios a serem dados na época da seca, o governo, aproveitando a força de trabalho disponível nessa ocasião, tratou de desenvolver e implantar rodovias ligando as principais cidades do litoral, sobretudo as capitais de estado, ao Sertão. A vantagem desta política é que dava trabalho aos sertanejos na própria área seca, evitando que eles se deslocassem para o litoral e congestionassem as grandes cidades, ameaçando-as de saques, de doenças e de dificuldades de abastecimento. As estradas de rodagem também facilitariam a chegada ao Sertão dos auxílios enviados nos períodos de seca. A política do DNOCS, a princípio recebida com grande entusiasmo, logo se desacreditou, pois não procurava solucionar os problemas, mas apenas mitigá-los nas ocasiões de crise, ao mesmo tempo em que provocava a acumulação das verbas de socorro às vítimas da seca em mãos de políticos influentes e de grandes comerciantes e proprietários que se beneficiavam das mesmas e eram conhecidos como os industriais das secas.
Ao iniciar-se a década de cinquenta havia um forte interesse do governo federal de modernizar o Sertão, através da reorganização da agricultura no vale do São Francisco, da construção de grandes barragens para produção de energia hidrelétrica e da exploração de recursos minerais. A Constituição de 1946 previa a destinação de 1% da renda do país na recuperação do vale do São Francisco que em 1967 foi transformada em Superintendência do Vale do São Francisco e em 1975 na Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF), procurando dar um caráter mais capitalista ao empreendimento. Nessa mesma década foram inauguradas as usinas hidrelétricas de Paulo Afonso e de Três Marias, visando abastecer o Nordeste da energia de que era carente e desenvolver as indústrias que tinham na deficiência de energia um fator limitante à sua expansão. A seca de 1952 provocou um forte impacto e o governo, inspirado no exemplo italiano da Cassa per il Mezzogiorno, criou o Banco do Nordeste do Brasil, procurando desenvolver o crédito na área que foi delimitada como o polígono das Secas. Observa-se então que as autoridades constituídas passavam a acreditar que o problema das secas não era apenas hídrico, físico, mas também social. Com o crédito, a agricultura e a indústria poderiam se desenvolver, usar técnica moderna, e o comércio poderia ser dinamizado. A infraestrutura de armazenamento de água e de transporte já estava em parte construída.
Em 1958 o impacto de uma nova seca foi traumatizante e o governo Kubitschek, que prometera desenvolver 50 anos em 5, nomeou um Grupo de Trabalho para estudar a problemática, regional5 5 “GTDN-Uma política para o desenvolvimento do Nordeste”, Presidência da República, Rio de Janeiro, 1959. , dirigido pelo grande economista Celso Furtado. Este grupo, em documento notável, demonstrou que o problema básico do Nordeste não era de ordem física, mas de ordem social, não era climático, mas derivava da estrutura política e social que não adaptava a economia e a sociedade da região a enfrentar o impacto das secas. Dos conselhos do GTDA resultou a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste que procurou desenvolver a infraestrutura de transporte e serviços da região, desenvolver uma política de industrialização, implantar uma política de democratização agrária, desenvolver técnicas de aumento de produção e fazer uma política de redistribuição da população.
O primeiro superintendente, Celso Furtado, encontrou uma forte resistência à execução desta política, apesar de a SUDENE estar diretamente ligada à Presidência da República, mas ativou uma série de opções nas áreas em que encontrou menor resistência. Em 1964, porém, com o golpe de Estado e o estabelecimento do regime militar a SUDENE passou a ser olhada como um órgão que não merecia confiança e foi incorporada ao Ministério do Interior. E desde 1964 até 1985, quando, com a Nova República, lhe foram dados melhor status e melhores condições de trabalho, ela tornou-se um órgão burocrático que dava assistência aos governos estaduais e gerenciava uma política de aplicação de incentivos fiscais a grandes projetos agrícolas e industriais, se descaracterizando completamente.
Alguns dos seus diretores mais comprometidos com a problemática nordestina procuraram, utilizando a teoria de polos de desenvolvimento de François Perroux, concentrar investimentos em algumas áreas e setores, polos ou núcleos de maior resistência, desenvolvendo o chamado POLONORDESTE que implantava programas integrados de desenvolvimento regional. Dizia-se que estes programas iriam desenvolver e fortalecer os pequenos e médios produtores, mas na realidade eles não tiveram nenhuma influência inovadora, transformadora, quer econômica, quer socialmente.
Em 1970 nova seca de grandes proporções atingiu o Nordeste e o governo federal, mais uma vez alarmado com as suas consequências, fez grande propaganda de sua política assistencialista e apresentou um novo programa, o chamado Projeto Sertanejo. Este programa visava sobretudo transformar em empresas as pequenas explorações agrícolas, voltando-as para o mercado. Seu impacto seria grande e negativo, porque desorganizava uma economia que se voltava precipuamente para o abastecimento do pequeno produtor e complementarmente para o mercado, em uma economia voltada inteiramente para este. O pequeno produtor, que antes dispunha de pouco dinheiro, mas tinha a sua subsistência garantida, passou a dispor de mais dinheiro, mas precisava adquirir, por preços elevados, os produtos que necessitava para o seu consumo e o de sua família. O Projeto Sertanejo localizou nas cidades escolhidas uma equipe técnica de certo porte e passou a fazer projetos para as propriedades consideradas viáveis - de 20 a 500 ha -, a fim de que seus titulares obtivessem empréstimos nos bancos oficiais e desenvolvessem obras de infraestrutura - construção de residências, de armazéns, de currais, de açudes, de estradas vicinais etc. - e melhorassem os padrões de suas culturas e dos seus rebanhos. O Projeto Sertanejo visava assim consolidar as estruturas sociais existentes, fortalecendo-as, esquecendo aqueles produtores - a grande maioria - que não possuíam terra ou que a possuíam em quantidade insuficiente. Além disso, as verbas a ele destinadas não foram suficientes para a manutenção do corpo técnico e para a assistência aos produtores. Daí o seu fracasso.
No fim do governo militar, continuando pela Nova República, se faz um grande projeto, o Projeto Nordeste, em que a SUDENE e os governos estaduais estão associados com o fim de levar a assistência creditícia e técnico-agronômica aos pequenos e médios agricultores. Visa consequentemente o fortalecimento da média e pequena propriedade e apresenta uma linguagem reformista, mas os planos dele oriundos, as áreas de aplicação dos recursos, controlados por governos estaduais ultraconservadores, fazem prever o seu fracasso. É conveniente salientar que o gerenciamento do Projeto Nordeste está em grande parte confiado a autoridades que gerenciaram os projetos anteriores, comprometidas, por suas posições político ideológicas, com os princípios conservadores.
O fracasso da SUDENE, do POLONORDESTE e do Projeto Sertanejo se fez salientar por ocasião da grande seca de 1979-84, quando as estruturas existentes não foram capazes de fornecer melhor assistência aos flagelados, às vítimas das secas, utilizando os mesmos métodos já utilizados nas secas anteriores. Assim, para se reter o flagelado no sertão, foram organizadas as chamadas frentes de trabalho, concentração de trabalhadores, homens e mulheres, em determinados pontos onde se construíam obras, como estradas, açudes, pontes, etc. que iam beneficiar os proprietários. Pagava-se a cada trabalhador o valor de metade de um salário-mínimo que no Brasil é insuficiente à sobrevivência. Houve até um período em que se confiava o dinheiro público a proprietários que deveriam arregimentar os trabalhadores para construir obras e lhes pagar. Pagamento que era feito quase sempre com a subtração de uma forte comissão para o proprietário. A indústria da seca não desapareceu, ao contrário, foi intensificada e fortalecida.
ANÁLISE CRÍTICA
O Nordeste não é inviável; ele dispõe de recursos naturais suficientes para manter uma população do nível da atual, se estes recursos forem racionalmente explorados e se houver uma maior participação dos· trabalhadores na renda produzida pelo seu trabalho. Os governos necessitam ter uma visão social para corrigirem as distorções que se aceleram e aumentam nos períodos de seca. Os recursos públicos necessitam ser empregados em benefício do grosso da população e não de acordo com os interesses dos grandes grupos econômicos. Para isto é necessário que se desenvolva uma política popular.
Assim, quanto à agricultura, não adianta construir uma rede enorme de canais de irrigação para desenvolver uma agricultura de produtos de exportação, através de grandes empresas. Sabe-se que a CODEVASF investiu muito na construção de uma grande usina de açúcar, passando a ter uma participação de apenas 20%, quando o seu investimento foi muito superior ao das empresas a ela associadas. Sabe-se também que existem em construção, com subsídios governamentais, numerosas destilarias de álcool a serem localizadas nas margens do rio São Francisco e de seus afluentes perenes, como o Grande, o Corrente e o Verde, destilarias que vão poluir os rios com o lançamento do vinhoto nas suas água; vão assim poluir as poucas águas boas em uma área em que o problema central é a falta de água. Ora, pretende-se irrigar milhares de quilômetros, fazendo-se investimentos faraônicos, sem se levar em conta para que, por que e para quem. Isto porque as grandes empresas, ao executarem os seus projetos, contam com a desapropriação de antigos posseiros e os desalojam para as cidades ou para outras áreas ou passam a utilizá-los como mão-de-obra, com baixos salários, por períodos estacionais.
A agricultura seca não vem tendo o desenvolvimento que seria de desejar, apesar de a área a ser por ela ocupada ser muitas vezes mais extensa do que a que pode ser ocupada pela irrigação. E o Nordeste poderia ser um grande produtor de amendoim, de mamona, de sorgo, de milhete, de gergelim etc., produtos de ciclo vegetativo curto que poderiam ser cultivados na curta estação chuvosa: A pecuária de caprinos, ovinos e asininos poderia ser intensificada, levando-se em conta a grande importância destes animais no fornecimento de carne, leite e couro à população.
Para fortalecer a pequena produção e reter a população na terra, os pequenos produtores poderiam ser organizados em cooperativas de produção e levá-los a concorrer em uma economia de escala. A experiência da Cooperativa Bebedouro II, em Petrolina, Pernambuco, é um exemplo que poderia ser seguido.
A exploração mineral poderia ser intensificada, sobretudo de jazidas como gipsita em que o Nordeste tem condições de competitividade no mercado nacional. Isto sem esquecer a grande importância do calcáreo, do manganês, do cobre e do ferro.
Os órgãos governamentais de assistência à produção devem ser desalienados e deixar de aconselhar os agricultores a aplicar técnicas caras e copiadas de países desenvolvidos, situados na zona temperada, para desenvolver técnicas nativas ou importadas de países tropicais e pobres como o Brasil. A EMBRAP A (Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias), com um Centro especializado em Petrolina, vem desenvolvendo técnicas como a da irrigação por gotejamento e procurando experimentar o desenvolvimento de cultura de vegetais nativos, a fim de tornar a exploração deles de caráter comercial. A arruda, planta medicinal por excelência, já vem sendo cultivada no Piauí e no Ceará.
De qualquer forma observa-se que o grande problema do Nordeste semiárido não é físico, de solos ou de clima, mas de sensibilidade de governo, de interesse social. No dia em que se procurar desenvolver uma política de beneficiamento da população como um todo e não apenas de beneficiamento de grupos econômicos exógenos ou da oligarquia local, o problema será resolvido, com as verbas que vêm sendo gastas em benefício destes grupos e destas oligarquias.
Deve-se inicialmente organizar uma política que facilite o acesso à terra pelos que verdadeiramente trabalham nela e em seguida dar-lhes o crédito e a orientação técnico-agronômica de que necessitam. Não esquecer naturalmente que, ao se falar em acesso à terra, se fala também em acesso à água. Obtida a produção, deve ser beneficiada em usinas cooperativas, como as de beneficiamento de tomate, da produção de doces, de liofilização da cebola e da banana, da produção de vinho etc. e fortalecer estas cooperativas na disputa de fatias de espaços do mercado interno - regional, nacional - e do internacional. O desenvolvimento da pequena propriedade com cooperativas provocará naturalmente a “distribuição da renda e a ampliação do mercado consumidor dos produtos mais simples, fortalecendo a indústria da área e do país.
Uma política de educação - não apenas ensinar a ler, a escrever e a contar - que procure desalienar e conscientizar a população, ao lado de uma política de saúde a ela ligada; poderia conduzir a população de uma das áreas mais pobres do Brasil, a uma vida modesta, porém decente, com a satisfação de suas principais necessidades.
Por isto, concluímos, o problema do Nordeste não é físico, climático, mas social e político e será solucionado no dia em que o governo passar a representar realmente os desejos e aspirações do povo.
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1
Andrade, Manuel Correia de “L’élevage dans le Nord-Est du Brésil”, Les Cahiers d’Outre Mer, Tomo 21, pp. 56-72, Bordeaux, 1968.
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2
Lima, Dardeno de A., “Estudos fitogeográficos de Pernambuco”, Instituto de Pesquisas Agronômicas, Publicação n. 2, Recife, 1952.
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3
“A maior seca do século”, 1983.
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4
Duque, J. Guimarães, “Solo e água no Polígono das Secas”, Serviço Agroindustrial do Departamento Nacional de Obras contra as Secas, Fortaleza, 1951.
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5
“GTDN-Uma política para o desenvolvimento do Nordeste”, Presidência da República, Rio de Janeiro, 1959.
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6
JEL Classification: Q54; Q25; N56.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
16 Set 2024 -
Data do Fascículo
Oct-Dec 1986