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Atividades socioprodutivas e tipologias de Unidades de Produção Familiar de camponeses-ribeirinhos em várzea do Baixo Tocantins

Socio-productive activities and typologies of Family Production Units of riverine peasants in the floodplains of the Lower Tocantins

Resumos

Resumo

Objetivou-se, neste artigo, caracterizar as principais atividades socioprodutivas de camponeses-ribeirinhos em suas respectivas Unidades de Produção Familiar-UPF na várzea estuarina do Baixo Tocantins. Utilizou-se como instrumentais metodológicos a entrevista semiestruturada e a listagem livre, aplicadas para 16 camponeses-ribeirinhos, nos meses de agosto a dezembro de 2020. Foram construídas três tipologias de caracterização das UPF: Pouco Diversificada; Diversificada e Altamente Diversificada. Os resultados obtidos indicam um total geral de 41 atividades socioprodutivas. Dessas atividades, 49% geram produtos exclusivamente para o consumo familiar, 39% para o consumo e a comercialização e 12% exclusivamente para a comercialização. As frutíferas se destacam por sua importância na segurança alimentar das famílias, tendo em vista que 71% destas produzem frutos exclusivamente para o consumo. O açaí, por ser fonte de alimento e renda, foi considerado o fruto mais importante para os entrevistados. No que concerne à tipologia, 50% das UPF estão vinculadas à Diversificada, que buscam o equilíbrio entre a produção de açaí com outras atividades socioprodutivas; 31% à Pouco Diversificada, caracterizando-se pela ênfase com a produção de açaí e benefícios governamentais e 19% à Altamente Diversificada, priorizando a diversificação de atividades e produções durante o ano todo.

Palavras-chave:
Unidades de Produção Familiares; diversificação produtiva; estuário amazônico


Abstract

The objective of this article was to characterize the main socio-productive activities of riverine farmers in their respective Family Production Units (FFUs) in the estuarine floodplain of the Lower Tocantins river. We used as methodological instruments the semi-structured interview and the free list, applied to 16 peasants-riparians, from August to December 2020. Three typologies were constructed to characterize the LGUs: Low Diversified, Diversified, and Highly Diversified. The results obtained indicate a grand total of 41 socio-productive activities. Of these activities, 49% generate products exclusively for family consumption, 39% for consumption and commercialization, and 12% exclusively for commercialization. The fruit trees stand out for their importance in the food security of the families, considering that 71% of them produce fruit exclusively for consumption. Açaí, as a source of food and income, was considered the most important fruit for the interviewees. Regarding the typology, 50% of the LGUs are Diversified, which seek a balance between the production of açaí and other socio-productive activities; 31% are Semi-diversified, characterized by the emphasis on the production of açaí and government benefits, and 19% are Highly Diversified, prioritizing the diversification of activities and production throughout the year.

Keywords:
Family Production Units; productive diversification; Amazon estuary


1 Introdução

No município de Cametá-PA, localizado no território do Baixo Tocantins, as várzeas estuarinas, também conhecidas como ilhas (locus da pesquisa) são cobertas pelas águas dos rios e igarapés, no período do inverno amazônico, que vai de dezembro a maio, e nas lançantes da maré, influenciada pelas fases da lua nova e cheia, que estão associadas à atração gravitacional entre a lua e a terra. Esse evento também ocorre quando são abertas as comportas da Usina Hidrelétrica de Tucuruí-UHE e o nível da água sobe à jusante do rio Tocantins, cobrindo os solos de várzea. Acompanhando esse fluxo das águas, habitam distintas famílias de camponeses-ribeirinhos, população tradicional que contribuiu para o povoamento local (Benchimol, 1999Benchimol, S. (1999). Amazônia: formação social e cultural (3ª ed.). Manaus: Editora Valer.). De acordo com Barretto Filho (2006Barretto Filho, H. T. (2006). Populações tradicionais: introdução à crítica da ecologia política de uma noção. In C. Adams, R. S. S. Murrieta & W. A. Neves (Eds.), Sociedades caboclas amazônicas: modernidade e invisibilidade (pp. 109-144). São Paulo: Annablume., p. 110), a noção de “população tradicional” remete a um conjunto de valores culturais coletivos relativos ao meio ambiente - percepções, valores e estruturas de significação que orientam e estão na origem de certas políticas ambientais. Os camponeses-ribeirinhos amazônicos se distinguem dos demais povos tradicionais pelo seu modo de vida peculiar e, em seu cotidiano, detêm amplo conhecimento dos ambientes aquáticos e terrestres, mantendo relações vitais com esses ambientes, baseando-se nas práticas extrativistas e agroextrativistas, com gestão familiar sobre a Unidade de Produção Familiar-UPF e os recursos naturais (Ribeiro et al., 2004Ribeiro, R. N. S., Santana, A. C., & Tourinho, M. M. (2004). Análise exploratória da socioeconomia de sistemas agroflorestais em várzea flúvio-marinha, Cametá-Pará, Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, 42, 133-152.; Scherer, 2004Scherer, E. (2004). Mosaico Terra-Água: a vulnerabilidade social ribeirinha na Amazônia-Brasil. In VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais (pp. 16-18). Coimbra.; Cruz, 2007Cruz, M. D. J. M. D. (2007). Territorialização camponesa na várzea da Amazônia (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.; Corrêa, 2010Corrêa, R. B. (2010). Do território recurso ao território abrigo: modo de vida e o processo de valorização do açaí no município de Cametá-PA (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Pará, Belém.; Pereira & Witkoski, 2012Pereira, M. S., & Witkoski, A. C. (2012). Construção de paisagem, espaço e lugar na várzea do rio Solimões-Amazonas. Novos Cadernos NAEA, 15(1), 273-290.).

Nas UPF, as famílias camponesas-ribeirinhas praticam diversificadas produções em seus lotes de terra, com o objetivo principal de gerar produtos para o consumo familiar, embora exista uma produção voltada para o mercado, que é comercializada por valor monetário ou trocada com mercadorias (Lacombe, 1984Lacombe, P. (1984). La pluriactivité dans les familles agricoles. In La pluriactivité et l’évolution des exploitations agricoles: association des ruralistes Français (pp. 35-53). Paris: A. R. F. éditions.; Lima, 2006Lima, D. M. (2006) A economia doméstica na várzea de Mamirauá. In C. Adams, R. Murrieta & W. Neves (Eds.), Sociedades caboclas amazônicas: modernidade e invisibilidade (pp. 141-168). São Paulo: Annablume.). Para Lima & Pozzobon (2005), oLima, D., & Pozzobon, J. (2005). Amazônia socioambiental: sustentabilidade ecológica e diversidade social. Estudos Avançados, 19, 45-76. tipo de relação construída pelas populações com os mercados para comercialização e geração de lucro influencia diretamente o seu uso do meio biofísico e a capacidade de regeneração deste.

Segundo Ploeg (2009)Ploeg, J. D. V. D. (2009). Sete teses sobre a agricultura camponesa. In Agricultura familiar camponesa na construção do futuro (pp. 17-32). Rio de Janeiro: AS-PTA., estrategicamente, os agricultores familiares planejam o nível de produção de mercado conforme os anseios e os projetos de vida de aquisição de bens e consumo do grupo familiar, embora a organização produtiva camponesa-ribeirinha sofra influência das estações inverno/verão amazônico. No período de inverno, há predominância de várzeas cobertas por água dos rios e igarapés, já no verão a tendência é para um ambiente com menor incidência de maré alta, tornando os solos mais secos (Pereira & Witkoski, 2012Pereira, M. S., & Witkoski, A. C. (2012). Construção de paisagem, espaço e lugar na várzea do rio Solimões-Amazonas. Novos Cadernos NAEA, 15(1), 273-290.).

Para Pereira (2007)Pereira, H. S. (2007). A dinâmica da paisagem socioambiental das várzeas do rio Solimões-Amazonas. In Comunidades ribeirinhas amazônicas: modos de vida e uso dos recursos naturais (pp. 11-32). Manaus: EDUA., as enchentes periódicas dos rios também interferem na dinâmica produtiva dos camponeses-ribeirinhos, que criam estratégias de adaptação ao inverno/verão amazônico. No inverno, as atividades extrativistas e agroextrativistas nas várzeas amazônicas predominam de modo “anfíbio”, parte terrestre e parte fluvial. No verão, em um ambiente mais terrestre, os camponeses-ribeirinhos desenvolvem outras estratégias produtivas, voltadas ao cultivo e ao manejo de espécies vegetais que não toleram solos alagados (Pereira & Witkoski, 2012Pereira, M. S., & Witkoski, A. C. (2012). Construção de paisagem, espaço e lugar na várzea do rio Solimões-Amazonas. Novos Cadernos NAEA, 15(1), 273-290.).

Há muitos anos, no território paraense do Baixo Tocantins, mais precisamente nas UPF dos camponeses-ribeirinhos, a diversificação das atividades socioprodutivas vêm sendo um dos principais meios de produção para o consumo familiar e a aquisição de renda pelas famílias constituintes da zona rural por intermédio do acesso aos mercados (Homma, 2012Homma, A. K. O. (2012). Extrativismo vegetal ou plantio: qual a opção para a Amazônia? Estudos Avançados, 26, 167-186.). Muitas produções dos camponeses-ribeirinhos são resultantes não somente das atividades extrativistas e agroextrativistas, mas também de outras, como a carpintaria e o domínio de procedimentos artesanais produtivos, podendo sofrer oscilação de acordo com as oportunidades e os recursos naturais disponíveis (Adams et al., 2006Adams, C., Murrieta, R., & Neves, W. (Eds.). (2006). Sociedades caboclas amazônicas: modernidade e invisibilidade. São Paulo: Annablume.).

Nos municípios ribeirinhos do Baixo Tocantins, considerados essencialmente rurais, a dinâmica do modo de vida de consumo alimentício das famílias sempre esteve associada às iguarias regionais advindas de seus entornos (vilas, povoados, comunidades ribeirinhas etc.) (Trindade Júnior & Tavares, 2008Trindade Júnior, S. C., & Tavares, M. G. C. (Eds.). (2008). Cidades ribeirinhas na Amazônia: mudanças e permanências (pp. 218). Belém: EDUFPA.; Trindade Júnior et al., 2011Trindade Júnior, S. C., Rosário, B. A. D., Costa, G. K. G., & Lima, M. M. D. (2011). Espacialidades e temporalidades urbanas na Amazônia ribeirinha: mudanças e permanências a jusante do Rio Tocantins. ACTA Geográfica, Ed. Esp. Cidades na Amazônia Brasileira, 117-133.). No município de Cametá, as feiras das vilas e da sede são abastecidas diariamente com produtos da diversificação das UPF dos camponeses-ribeirinhos, principalmente com o açaí, o peixe, o camarão e as frutas regionais. Na Ilha Guajará de Baixo, situada nesse município e lócus de análise dessa pesquisa, o açaí tem sido o principal produto agroextrativista responsável pela inserção dos camponeses-ribeirinhos nos mercados locais e estaduais, ainda que, por outro lado, sua expansão intensiva venha gerando mudanças e mesmo redução da biodiversidade local (Martinot et al., 2017Martinot, J. F., Pereira, H. D. S., & Silva, S. C. P. D. (2017). Coletar ou Cultivar: as escolhas dos produtores de açaí-da-mata (Euterpe precatoria) do Amazonas. Revista de Economia e Sociologia Rural, 55, 751-766.).

Com a atenção direcionada à importância das práticas socioprodutivas desses camponeses-ribeirinhos na dinâmica socioambiental local, esta pesquisa teve como objetivo caracterizar as principais atividades socioprodutivas de camponeses-ribeirinhos em suas respectivas Unidades de Produção Familiar-UPF na várzea estuarina do Baixo Tocantins.

2 Fundamentação Teórica

Segundo Wanderley (2003, pWanderley, M. N. B. (2003). Agricultura familiar e campesinato: rupturas e continuidade. Estudos Sociedade e Agricultura, 21(10), 42-61.. 46), “O camponês tradicional não tem propriamente uma profissão; é o seu modo de vida que articula as múltiplas dimensões de suas atividades”, cada agricultor familiar carrega consigo traços do campesinato, e há em si “um camponês bem acordado”. Para Wolf (1976)Wolf, E. R. (1976). O campesinato e seus problemas. In Sociedades camponesas (pp. 147). Rio de Janeiro: Zahar., uma das características campesinas se define pela pluriatividade nas UPF. Na perspectiva de Schneider (2010)Schneider, S. (2010). Reflexões sobre diversidade e diversificação. Revista Ruris, 4(1), 85-131. e Cardel & Oliveira (2013)Cardel, L. M. P. S., & Oliveira, R. A. D. (2013). Práticas e contradições: um estudo de caso sobre camponeses assentados no Médio São Francisco. Revista de Economia e Sociologia Rural, 51, 625-644., esta, por sua vez, consiste num “portfólio de atividades e produtos”, que vai além da diversificação de produções e do labor com a terra, a ser o camponês ora agricultor, carpinteiro, extrativista, marreteiro, artesão, etc. Para Ploeg (2009)Ploeg, J. D. V. D. (2009). Sete teses sobre a agricultura camponesa. In Agricultura familiar camponesa na construção do futuro (pp. 17-32). Rio de Janeiro: AS-PTA., esse modo de vida camponês “consiste na luta por autonomia e por progresso”, em ambiente nem tanto favorável para produção e reprodução do seu modo de vida.

A ocupação das várzeas estuarinas amazônicas se deu de forma mais acelerada a partir da segunda década do século XX, decorrente da estagnação do ciclo da borracha, quando se iniciou a redistribuição das famílias, que trabalhavam nos seringais, para os estuários de várzea, impulsionando a agricultura nesses locais (Oliveira & Schor, 2008Oliveira, J. A. D., & Schor, T. (2008). Das cidades da natureza à natureza das cidades. In S. C. C. Trindade Júnior & M. G. C. Tavares (Eds.), Cidades Ribeirinhas da Amazônia: mudanças e permanências (pp. 15-26). Belém: EDUFPA.). Entretanto, antes mesmo da colonização, os ribeirinhos da várzea amazônica já desenvolviam ali as primeiras formas de produção e organização do espaço amazônico (Ferreira, 2012, pFerreira, D. S. (2012). Modo de vida e uso dos Recursos Naturais em uma Comunidade Ribeirinha das Ilhas de Abaetetuba/PA. Terceira Margem Amazônia, 1(2), 85-106.. 6). Segundo Norgaard (2019)Norgaard, R. B. (2019). Significação do potencial para produzir arroz com irrigação controlada na várzea amazônica. Revista de Economia e Sociologia Rural, 19(2), 287-313., historicamente, a maioria dos ciclos econômicos na Amazônia ocorreram ao longo dos estuários de várzea, onde já se encontravam os camponeses-ribeirinhos.

Os camponeses-ribeirinhos detêm especificidade histórica e sociológica (Barretto Filho, 2006) e são componentes de um grupo social residente em um ecossistema tido como crítico e frágil, que é a várzea. Nesse contexto, tal grupo “expressa um conjunto de valores culturais coletivos relativos ao ambiente - percepções, valores e estruturas de significação” Barretto Filho, 2006Barretto Filho, H. T. (2006). Populações tradicionais: introdução à crítica da ecologia política de uma noção. In C. Adams, R. S. S. Murrieta & W. A. Neves (Eds.), Sociedades caboclas amazônicas: modernidade e invisibilidade (pp. 109-144). São Paulo: Annablume., p. 110), que “não são simples expressões da base material das formações sociais, mas forças constitutivas que também moldam a história e afetam a transformação material” (Barretto Filho, 2006Barretto Filho, H. T. (2006). Populações tradicionais: introdução à crítica da ecologia política de uma noção. In C. Adams, R. S. S. Murrieta & W. A. Neves (Eds.), Sociedades caboclas amazônicas: modernidade e invisibilidade (pp. 109-144). São Paulo: Annablume., p. 110).

Isso também acontece com outros grupos sociais amazônicos, que estabelecem diferentes formas de relações com o ambiente, moldando o uso de seus recursos naturais, conforme orientação da produção (autoconsumo; consumo; renda; e lucro), grau de envolvimento com o mercado (comercialização/compra), e pelas suas concepções culturais ecológicas, que interferem diretamente na sustentabilidade ecológica do território (Lima & Pozzobon, 2005Lima, D., & Pozzobon, J. (2005). Amazônia socioambiental: sustentabilidade ecológica e diversidade social. Estudos Avançados, 19, 45-76.).

Segundo Souza & Almeida (2010)Souza, J. D., & Almeida, R. D. (2010). Vazante e enchente na Amazônia brasileira: impactos ambientais, sociais e econômicos. In VI Seminário Latino-Americano de Geografia Física. Coimbra., ano após ano, o camponês-ribeirinho amazônico constrói e reconstrói estratégias de adaptações durante o ciclo inverno/verão amazônico, desse modo, reinventam-se constantemente e reproduzem-se socialmente. Costa (2009)Costa, G. D. S. (2009). Reprodução social do campesinato na região das ilhas em Cametá. In P. Moutinho & R. P. Pinto (Eds.), Ambiente complexo, propostas e perspectivas socioambientais (pp. 30-63). São Paulo. ainda especifica que as múltiplas atividades praticadas pelas famílias ribeirinhas do Baixo Tocantins se atrelam à dinâmica das marés e às peculiaridades das várzeas locais, que sofrem influência das estações inverno/verão amazônico. Nos meses de janeiro a maio, período de inverno, apresenta-se maior incidência de chuva e elevação da lâmina d’água dos rios e igarapés que cobrem a superfície do solo, vinculando o modo de vida camponês-ribeirinho propício à prática da pesca, remetendo à imagem do camponês-ribeirinho pescador. Doutro modo, nos meses de verão, de agosto a dezembro, é o período de melhores condições econômicas e sociais das famílias, fatores atrelados positivamente à safra do açaí. Não menos importante, destaca-se as outras atividades socioprodutivas extrativistas e agroextrativistas, como a produção de frutos de espécies regionais frutíferas para o consumo familiar.

Para Mendonça et al. (2007)Mendonça, M. S. D., França, J. F., Oliveira, A. B., Prata, R. R., & Añez, R. B. S. (2007). Etnobotânica e saber tradicional. In T. J. Fraxe, H. S. Pereira & A. C. Witkoski (Eds.), Comunidades ribeirinhas amazônicas: modos de vida e uso dos recursos naturais (pp. 91-105). Manaus: EDUA. e Silva et al. (2011)Silva, S. M. G., Nascimento, K. G. S., Fraxe, T. J. P., & Braga, P. I. S. (2011). Saúde nas comunidades focais do projeto Piatam: o etnoconhecimento e as plantas medicinais. In Comunidades ribeirinhas amazônicas: modos de vida e uso dos recursos naturais. Manaus: Reggo Edições., os camponeses-ribeirinhos amazônicos convivem em constantes laços comunitários e trocas de experiências vivenciadas, atreladas à apropriação e ao uso dos recursos naturais, extraídos da floresta, rios, lagos, várzeas e terras firmes, que se perpetuam na organização social. Segundo Cruz (2011)Cruz, V. D. C. (2011). Rio como espaço de referência identitária na Amazônia: considerações sobre a identidade ribeirinha. In Anais do XIV Encontro Nacional da ANPUR. Rio de Janeiro., também possuem um sistema de valores, que envolve um conjunto de simbologias, crenças, ritos e mitos, muito particular no manejo e no uso dos recursos naturais, na prática da caça e da pesca, e percebido com uma “matriz de racionalidade ambiental”. Souza et al. (2018)Souza, L. A., Freitas, C. E. C., & Garcez, R. C. S. (2018). Relação entre guildas de peixes, ambientes e petrechos de pesca baseado no conhecimento tradicional de pescadores da Amazônia Central. Boletim do Instituto de Pesca, 41(3), 633-644. ainda enfatizam que os camponeses-ribeirinhos amazônicos são detentores de amplo acúmulo de conhecimentos, principalmente dos componentes do ecossistema de várzea. Esses conhecimentos possibilitam aos camponeses-ribeirinhos interações múltiplas com o ambiente que os cerca e planejamento de estratégias de sobrevivência, produção e reprodução social (Mendonça et al., 2007Mendonça, M. S. D., França, J. F., Oliveira, A. B., Prata, R. R., & Añez, R. B. S. (2007). Etnobotânica e saber tradicional. In T. J. Fraxe, H. S. Pereira & A. C. Witkoski (Eds.), Comunidades ribeirinhas amazônicas: modos de vida e uso dos recursos naturais (pp. 91-105). Manaus: EDUA.).

Em virtude desses conhecimentos adquiridos ao logo da vida e de sua relação de simbiose com a natureza, o camponês-ribeirinho estabelece uma forma diferenciada de uso dos recursos disponíveis no ecossistema (Cruz, 2007Cruz, M. D. J. M. D. (2007). Territorialização camponesa na várzea da Amazônia (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.). Para Ploeg (2009), oPloeg, J. D. V. D. (2009). Sete teses sobre a agricultura camponesa. In Agricultura familiar camponesa na construção do futuro (pp. 17-32). Rio de Janeiro: AS-PTA. processo de coprodução, inerente ao modo de vida camponês, alinha interesses socioeconômicos e culturais ao respeito aos ecossistemas locais. A coprodução é o que lhes garante alimentação, trabalho, renda e melhor qualidade de vida (Ploeg, 2009Ploeg, J. D. V. D. (2009). Sete teses sobre a agricultura camponesa. In Agricultura familiar camponesa na construção do futuro (pp. 17-32). Rio de Janeiro: AS-PTA.).

No contexto amazônico, sobretudo nas UPF dos camponeses-ribeirinhos, os quintais agroflorestais, manejados em maioria por mulheres, destacam-se entre os outros subsistemas pela diversificação em área reduzida na UPF, constituindo-se um núcleo de biodiversidade que proporciona vários produtos, além de um espaço de recreação para as crianças camponesas-ribeirinhas (Castro et al., 2007Castro, A. P., Silva, S. C. P., Pereira, H. S., Fraxe, T. J. P., & Santiago, J. L. (2007). A Agricultura Familiar: principal fonte de desenvolvimento socioeconômico e cultural das comunidades da área focal do Projeto PIATAM. In Comunidades ribeirinhas amazônicas: modos de vida e uso dos recursos naturais (pp. 55-88). Manaus: EDUA.). Para Castro et al. (2007)Castro, A. P., Silva, S. C. P., Pereira, H. S., Fraxe, T. J. P., & Santiago, J. L. (2007). A Agricultura Familiar: principal fonte de desenvolvimento socioeconômico e cultural das comunidades da área focal do Projeto PIATAM. In Comunidades ribeirinhas amazônicas: modos de vida e uso dos recursos naturais (pp. 55-88). Manaus: EDUA., tais quintais agroflorestais são compreendidos como diversificações produtivas de árvores frutíferas, grãos, hortaliças, plantas medicinais e ornamentais e criações de animais, praticados às proximidades das residências, com maior envolvimento das mulheres.

Segundo Mendonça et al. (2007)Mendonça, M. S. D., França, J. F., Oliveira, A. B., Prata, R. R., & Añez, R. B. S. (2007). Etnobotânica e saber tradicional. In T. J. Fraxe, H. S. Pereira & A. C. Witkoski (Eds.), Comunidades ribeirinhas amazônicas: modos de vida e uso dos recursos naturais (pp. 91-105). Manaus: EDUA., essas práticas biodiversas pautam-se em uma mescla de conhecimentos originados de antepassados indígenas e imigrantes, sobretudo nordestinos, assim como dos colonizadores e povoadores que adentraram o Brasil. E justamente esse modo de vida que lhe garante a permanência dos conhecimentos, para Ploeg (2009)Ploeg, J. D. V. D. (2009). Sete teses sobre a agricultura camponesa. In Agricultura familiar camponesa na construção do futuro (pp. 17-32). Rio de Janeiro: AS-PTA., está relacionada a uma busca constante por autonomia por parte desses camponeses. Ainda para este autor, a autonomia da produção camponesa também é buscada por meio da troca mútua não-mercantilizada na relação sociedade e natureza.

Na concepção de Godoi et al. (2009)Godoi, E. P., Menezes, M. A., & Marin, R. A. (2009). Diversidade do campesinato: expressões e categorias: construções identitárias e sociabilidades (Vol. 1). São Paulo: Editora UNESP., os fundamentos econômicos associados às outras relações comunitárias, como festas, cerimônias, trocas de dons, visitas e enlaces matrimoniais são indispensáveis para manter a cultura, a produção, a reprodução e a existência das sociedades camponesas-ribeirinhas. Em contribuição, Wolf (1976, pWolf, E. R. (1976). O campesinato e seus problemas. In Sociedades camponesas (pp. 147). Rio de Janeiro: Zahar.. 17) acrescenta que “toda relação social está sempre cercada de construções simbólicas, que servem para explicá-las, justificá-la e regulá-la”. De fato, o campesinato é marcado por essas relações que aproximam os grupos camponeses, tornando-os protagonistas e resistentes diante das ameaças externas, sejam essas ambientais e/ou sociais (Godoi et al., 2009Godoi, E. P., Menezes, M. A., & Marin, R. A. (2009). Diversidade do campesinato: expressões e categorias: construções identitárias e sociabilidades (Vol. 1). São Paulo: Editora UNESP.; Schneider & Wedig, 2019Schneider, C. O., & Wedig, J. C. (2019). Campesinato: caraterísticas e transformações decorrentes da modernização da agricultura. In Anais do X Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Regional: Processos, Políticas e Transformações Territoriais. Santa Cruz do Sul.).

Em ecossistema de terra firme, nas áreas altas que não sofrem influência da maré (preamar e baixa-mar) (Soares, 2008Soares, L. C. C. (2008). Os efeitos da demanda crescente de produtos extrativos para os pequenos produtores de açaí (Euterpe oleracea Mart.) na microrregião de Cametá-Pará (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Pará, Belém.), essas relações materializam-se também nos dias de “convidados”, nos quais amigos e parentes se reúnem através dos laços de reciprocidades para a plantação dos grandes roçados. Em ecossistema de várzea, essa relação se dá nos dias de colheita do açaí e envolve basicamente a família em um momento marcado por grande agitação, piadas e gargalhadas, que continuam após a colheita, nas reuniões familiares, principalmente aos domingos, ou em cultos religiosos, para os evangélicos.

Entre outros aspectos do modo de vida camponês-ribeirinho, o trabalho produtivo depende do quantitativo de mão de obra ativa das famílias para planejar as etapas produtivas do que plantar, do tamanho da área cultivada e da produção voltada para o mercado (Costa, 2009Costa, G. D. S. (2009). Reprodução social do campesinato na região das ilhas em Cametá. In P. Moutinho & R. P. Pinto (Eds.), Ambiente complexo, propostas e perspectivas socioambientais (pp. 30-63). São Paulo.). Segundo Cruz (2007)Cruz, M. D. J. M. D. (2007). Territorialização camponesa na várzea da Amazônia (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo., para compreender a complexidade do modo de vida camponês-ribeirinho:

parte-se do pressuposto de que é necessário observá-los no interior do desenvolvimento capitalista no campo, fundamentado no processo de monopolização do território, no qual o capital contraditoriamente monopoliza o território sem, contudo, territorializar-se. Isto significa que o capitalismo se expande de forma contraditória, ou seja, não expropria os camponeses, porém os transforma e efetua a metamorfose da renda da terra (Cruz, 2007, pCruz, M. D. J. M. D. (2007). Territorialização camponesa na várzea da Amazônia (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.. 2).

Observa-se que os camponeses-ribeirinhos não estão completamente excluídos do capitalismo, pelo contrário, a relação com o capitalismo é vista como estratégia para o alcance da autonomia familiar (Schneider, 2010Schneider, S. (2010). Reflexões sobre diversidade e diversificação. Revista Ruris, 4(1), 85-131.), pois a base de recursos autogeridos pela família, ligados a um fluxo de atividades e produções agroextrativistas, planejadas estrategicamente ao longo do tempo, no interior da UPF, permite ao camponês-ribeirinho as diversificações produtivas, na maioria das vezes, com uma produção voltada para o mercado, favorável à obtenção de renda durante o ano e à realização dos projetos de vida e consumo (Ploeg, 2009Ploeg, J. D. V. D. (2009). Sete teses sobre a agricultura camponesa. In Agricultura familiar camponesa na construção do futuro (pp. 17-32). Rio de Janeiro: AS-PTA.).

3 Metodologia

Para a realização da pesquisa que gerou este artigo, partiu-se de uma pesquisa bibliográfica para contextualizar as especificidades e as peculiaridades que distinguem os ribeirinhos do estuário amazônico, assim como acessou-se dados secundários no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE. Para identificar as famílias dos camponeses-ribeirinhos, participantes do estudo, foram consultados três informantes-chave (que atuam como intermediários1 1 São camponeses-ribeirinhos que diariamente se deslocam no beiradão da Ilha Guajará de Baixo para a compra do açaí agroextrativista na comunidade. Geralmente, o açaí é repassado para agroindústrias processadoras de polpa de açaí, que firmam contrato com os intermediários para a compra da produção durante a safra. no processo de comercialização de açaí) na Ilha Guajará de Baixo. Com o uso da técnica da “bola de neve” (Baldin & Munhoz, 2011Baldin, N., & Munhoz, E. M. B. (2011). Snowball (bola de neve): uma técnica metodológica para pesquisa em educação ambiental comunitária. In Anais do X Congresso Nacional de Educação (pp. 329-341). Curitiba.), do total de 81 famílias que residem na comunidade, os três intermediários indicaram que 40 delas mantêm vínculo com a comercialização de açaí. Desse total, 40% dessas famílias foram envolvidas na pesquisa. A escolha destas seguiu o critério de frequência e quantidade de açaí comercializado, semanalmente, para os intermediários. Buscou-se ainda diversificar os interlocutores, selecionando 50% que comercializam mais frequentemente (seis vezes na semana) e em maior quantidade (média de 18 latas2 2 Utensílio em formato de cesto, com capacidade definida para 15 kg, utilizado como medida padrão na venda do açaí. por dia de embarque), e 50% que comercializam em menor frequência (duas vezes na semana) e quantidade (média de 7 latas por dia de embarque).

Na etapa de construção de dados primários para a pesquisa, foram elaboradas entrevistas semiestruturadas (Michelat, 1987Michelat, G. (1987). Sobre a utilização da entrevista não-diretiva em sociologia. In Crítica metodológica, investigação social e enquete operária (Vol. 6, pp. 191-211). Editora Polis.) junto a estes camponeses-ribeirinhos. A aplicação da entrevista face-a-face, entre entrevistado e entrevistador, foi realizada nos finais de semana, dos meses de agosto a dezembro de 2020, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde-OMS, relativas à pandemia de covid-19. O uso do caderno de campo e as gravações das entrevistas, após autorização dos interlocutores, facilitaram o registro das informações e o posterior entendimento do contexto. Para manter o anonimato dos interlocutores, quando mencionados, serão designados por camponês-ribeirinho, identificados pela idade, local da entrevista, mês e ano.

Durante a realização das entrevistas com os camponeses-ribeirinhos, pediu-se que listassem as principais atividades socioprodutivas desenvolvidas pelas famílias nas UPF. Com a listagem livre (Russel Bernard, 1988Russel Bernard, H. (1988). Research methods in anthropology: qualitative and quantitative approaches. Maryland: Rowman & Littlefield.; Weller & Romney, 1988Weller, S. C., & Romney, A. K. (1988). Systematic data collection (Vol. 10). Sage Publications.) relativa às principais atividades socioprodutivas presentes no contexto familiar dos camponeses-ribeirinhos, conseguiu-se identificar a Frequência Relativa-Fr. (%) de cada atividade socioprodutiva citada por eles. Eventualmente, em algumas UPF, conseguiu-se observar no olhar e registar com fotografias a prática de algumas dessas atividades citadas. A partir dessa verificação, foi possível construir a tipologia das UPF.

Essa tipologia deu-se a partir do conhecimento do número total individual das principais atividades socioprodutivas praticadas em cada UPF e do número total geral das principais atividades socioprodutivas de todas as UPF relacionadas aos entrevistados. O seguinte cálculo expressa a construção tipológica:

TIP=Ti×100/Tg.

Na fórmula,

TIP= Tipologia;

Ti= Total Individual; e

Tg= Total Geral.

Determinou-se por ordem crescente as escalas de TIP quanto às principais atividades socioprodutivas nas UPF, conforme segue:

  • Pouco Diversificada: com TIP entre 01 e 33%, que corresponde ao Ti de 01 a 13 atividades socioprodutivas;

  • Diversificada: com TIP entre 34 e 66%, que corresponde ao Ti de 14 a 27 atividades socioprodutivas;

  • Altamente Diversificada: com TIP entre 67 e 100%, que corresponde ao Ti de 28 a 41 atividades socioprodutivas.

Tendo em vista que na comunidade foi encontrado um total de 41 atividades socioprodutivas distintas, adotou-se como Tg esse total. Assim, se a fórmula fosse aplicada à uma UPF que tivesse apresentado o número total individual de atividades equivalente a 25, poderíamos considerar que sua tipologia seria diversificada, por apresentar TIP= 61%. Para compreender melhor a aplicação dessa tipologia e as estratégias que se constroem a maior ou a menor diversidade de atividades socioprodutivas, faz-se necessário conhecer a complexidade que perfaz o modo de vida camponês-ribeirinho.

4 Resultados e Discussão

Ainda que se tenha buscado as famílias para participarem das entrevistas, em todos os casos, os interlocutores que mais se destacaram na fala foram os homens, com idade entre 30 e 70 anos, considerados nas UPF como o “chefe da família”, o que remete à persistência de uma significativa cultura patriarcal na Ilha Guajará de Baixo. As esposas, com média de idade de 43 anos, e os filhos, em maioria (70%) com idade entre 16 e 35 anos, participaram pontualmente, em alguns casos, acrescentando novas informações ou complementando a fala do interlocutor principal. Faria & Nobre (1997)Faria, N., & Nobre, M. (1997). Gênero e desigualdade. In N. Faria & M. Nobre (Eds.), Gênero e desigualdade (pp. 51). São Paulo. e Silva & Simonian (2006)Silva, C. N., & Simonian, L. T. L. (2006). A questão de gênero: um breve estudo no estuário Amazônico. Papers do NAEA, 1, 1-17., ao pesquisarem comunidades ribeirinhas amazônicas, descrevem a relação de gênero e a invisibilização do trabalho feminino. Rodrigues et al. (2021)Rodrigues, R. P., Medeiros, M., & Benjamin, A. M. S. (2021). As mulheres do açaí: um estudo de caso acerca do trabalho feminino na Ilha de Guajará de Baixo, Cametá (PA). Novos Cadernos NAEA, 24(2), 103-124., em suas pesquisas, constataram que as camponesas-ribeirinhas do Baixo Tocantins, apesar de participarem de todas as etapas na produção de açaí agroextrativista, convivem ainda com a invisibilização de seu trabalho socioprodutivo no núcleo familiar.

Quanto ao nível de escolaridade dos considerados chefes de família, 31% estudaram o ensino médio e 69% estudaram o ensino fundamental. A idade média daqueles que estudaram o ensino médio é de 30 anos e de 55 anos para os quais estudaram o ensino fundamental.

A Colônia de Pescadores Z-16, entidade que filia exclusivamente pescadores artesanais do município de Cametá, é a mais influente na Ilha Guajará de Baixo, visto que 62% dos entrevistados são filiados a ela, outros 25%, ao Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) e 13% não se vinculam a nenhuma entidade, e argumentam não o fazerem pois já se encontram aposentados por tempo de contribuição, conforme disposto na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 (Brasil, 1991Brasil. (1991). Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. Recuperado em 30 de abril de 2021, de www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8213compilado.htm). O principal motivo indicado pelos entrevistados que os leva a se filiarem a tais entidades com sede na cidade de Cametá é a necessidade de apresentarem à previdência social um tempo mínimo de contribuição de 30 anos para conseguir a aposentadoria por idade.

No município de Cametá, especificamente nos ecossistemas de várzea que abrangem as ilhas, existe grande potencial para produção agroextrativista nas UPF. Na Ilha Guajará de Baixo, constatou-se que o tamanho das UPF dos camponeses-ribeirinhos é de 5 a 12 hectares. Das famílias estudadas, 69% consideravam-se proprietárias das UPF, pois possuíam o título de compra e venda, embora pertença ao domínio da União, por ser área de várzea localizada a margem do rio Tocantins, conforme indica a Constituição Federal de 1988; e 31% residiam junto aos pais ou em estabelecimentos separados, porém na mesma UPF e exerciam o agroextrativismo em companhia da família.

Ressalta-se que, em 2009, foi emitido pela Superintendência do Patrimônio da União do Estado do Pará-SPU/PA, aos camponeses-ribeirinhos da Ilha Guajará de Baixo, o termo de autorização de uso da terra para desenvolvimento de atividades de forma sustentável. Com essa autorização, foi concedido a eles a posse, além de tornaram-se aptos a participarem de políticas públicas, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar-PRONAF. Nessas UPF de uso particular, são praticadas a caça, a pesca, a coleta de frutos, criações de “xerimbabos”3 3 Animais de pequeno porte, como patos, galinhas caipiras, porcos, perus e marrecos. , entre tantas outras atividades socioprodutivas inclusas no cotidiano das famílias.

Nessa pesquisa, constatou-se que os chefes da família são os responsáveis pela gerência da UPF. Entretanto, em sua ausência, a esposa ou o filho mais velho do casal assumem a gestão. Segundo Silvestro et al. (2001)Silvestro, M. L., Mello, M. A., Dorigon, C., & Baldissera, I. T. (2001). Os impasses sociais da sucessão hereditária na agricultura familiar. Florianópolis: Epagri., no contexto da agricultura camponesa, os filhos e filhas integram-se às atividades diárias da UPF desde muito cedo. Segundo os camponeses-ribeirinhos, essa integração inicia-se com tarefas mais “leves”, aquelas que não exigem tanto esforço físico e, conforme os filhos chegam à adolescência, gradativamente, as atividades “pesadas”, de maior grau de esforço físico e periculosidade, inserem-se em seus cotidianos. Na Ilha Guajará de Baixo, constatou-se que, nas famílias dos camponeses-ribeirinhos, os homens adultos realizam todas as etapas produtivas, desde o “preparo da terra” (abertura de novas áreas para o cultivo de alguma espécie vegetal), que também são realizados em conjunto com as esposas no plantio, no manejo e na colheita das mais diversas culturas.

Os filhos e filhas enquanto crianças, praticam, principalmente, a debulha do açaí, alimentam os xerimbabos, auxiliam nos afazeres domésticos e na pesca, crescendo e tornando-se adultos no habitual modo de vida camponês-ribeirinho. Segundo Brumer (2004)Brumer, A. (2004). Gênero e agricultura: a situação da mulher na agricultura do Rio Grande do Sul. Revista Estudos Feministas, 12, 205-227., gradualmente, os jovens homens, junto dos pais, vão assumindo o caráter protagonista das atividades e das produções agroextrativistas, mais centrais para a sustentabilidade das UPF, como roçagem, plantio, colheita, caça e pesca. Em sua fase adulta, estes tornam-se os responsáveis pela gestão da UPF, enquanto as mulheres jovens praticam o plantio e a colheita, dividindo-se entre essas atividades e os afazeres domésticos.

O planejamento das atividades se dá no início dos ciclos produtivos e/ou semanalmente. Nestes momentos, são distribuídos os afazeres diários de cada membro da família camponesa-ribeirinha. Na etapa de aplicação da lista livre, foram citadas pelos camponeses-ribeirinhos um total de 41 atividades socioprodutivas4 4 Compreende-se por atividades que geram algum produto para o camponês-ribeirinho, seja para o consumo familiar e/ou para a inserção nos mercados de comercialização. praticadas durante o ano e a finalidade de cada uma delas, as quais abordaremos no decorrer deste texto.

Sobre essas atividades socioprodutivas, existem proporções distintas acerca da finalidade de cada uma delas. Verificou-se que 88% das atividades socioprodutivas geram algum produto para a família (madeira, alimento, produtos medicinais, utensílios, combustível, etc.), enquanto 12% são inseridas exclusivamente nos mercados, 49% exclusivamente para o consumo familiar e 39% detêm dupla finalidade. Para Chayanov (1981), aChayanov, A. V. (1981). Sobre a teoria dos sistemas econômicos não capitalistas. In A questão agrária (pp. 133-163). São Paulo: Brasiliense. necessidade de produção para o consumo das famílias camponesas implica a complexidade da organização da unidade produtiva e a dimensão da renda complementar. Na Ilha Guajará de Baixo, a renda das atividades socioprodutivas vincula-se ao quantitativo da produção voltada para o mercado, embora a prioridade dos camponeses-ribeirinhos consista no abastecimento da UPF, principalmente com produções alimentícias.

Ressalta-se a importância das frutíferas para o consumo e a segurança alimentar das famílias. 100% das frutíferas disponibilizam frutos que são consumidos na UPF e, também, comercializados. Destaca-se que 71% das frutíferas produzem frutos exclusivamente para o consumo dos camponeses-ribeirinhos da Ilha Guajará de Baixo. Para as famílias, a produção para o consumo é percebida como uma estratégia alimentar para reprodução social das unidades familiares. Produzir para o consumo familiar inclui a preservação do hábito alimentar cultural, minimizando a necessidade de acesso ao mercado para a compra de alimentos, dos quais, em muitos casos, se desconhece a procedência. Das produções de frutíferas, 100% dos camponeses-ribeirinhos afirmaram ser o açaí a mais importante, pois é consumido diariamente nas refeições e comercializado. Essa relevância apontada pelas famílias materializa-se na abundância e na alta produção da frutífera nas unidades produtivas. Segundo Ribeiro (2014), oRibeiro, F. R. (2014). História e memória: uma história dos trabalhadores do açaí. In Anais do I Encontro Estadual da ANPUH-AP; I Jornada Internacional de estudos de História da Amazônia. Macapá-Amapá. consumo de açaí faz parte do hábito alimentar de todas as classes da população paraense, assim como incrementa a renda do camponês-ribeirinho que produz e comercializa.

A frequência relativa apresentada das principais atividades socioprodutivas revela que 100% dos interlocutores são produtores agroextrativistas de açaí, desenvolvem a extração de palmito do açaizeiro e de madeiras em toras, além de praticarem a pesca artesanal. A elevada frequência (100%) de produção do palmito de açaizeiro e madeira em toras é resultado do manejo anual e da expansão dos açaizais dos camponeses-ribeirinhos, como destacado nos trechos de entrevistas elencados a seguir:

No final da safra do açaí, fazemos o desbaste das touceiras e retirada das árvores que provocam muita sombra para o açaizal (Camponês-ribeirinho, 58 anos, Guajará de Baixo, out./2020).

Todo ano temos que tirar o palmito e cortar algumas árvores. Se deixar o açaizal muito fechado, ele produz pouco (Camponês-ribeirinho, 45 anos, Guajará de Baixo, nov./2020).

A maioria das árvores são cortadas para a expansão das áreas de açaizal (Camponês-ribeirinho, 31 anos, Guajará de Baixo, dez./2020).

No final da safra do açaí, os camponeses-ribeirinhos realizam a extração do palmito dos açaizeiros, resultante do manejo das touceiras dos açaizeiros, em que são retirados os estipes mais altos, improdutivos e defeituosos, deixando em média de 4 a 5 estipes por touceiras. Os palmitos são vendidos para intermediários que compram a produção na Ilha Guajará de Baixo e repassam para as agroindústrias processadoras de conserva de palmito de açaí.

Azevedo & Kato (2007)Azevedo, J. R., & Kato, O. R. (2007). Sistemas de manejo de açaizais nativos praticado por ribeirinhos das ilhas de Paquetá e Ilha Grande, Belém, Pará. In Anais do 7º Congresso Brasileiro de Sistemas de Produção: Agricultura Familiar, Políticas Públicas e Inclusão Social. Fortaleza: Embrapa Agroindústria Tropical., ao pesquisarem sistemas de manejo de açaizais nativos realizados por camponeses-ribeirinhos do estuário amazônico, constataram que o manejo intensivo é o que mais contribui para o raleamento da mata (extração de madeira) e corte dos estipes (extração do palmito). Segundo os camponeses-ribeirinhos entrevistados, nas UPF na Ilha Guajará de Baixo, a intensificação no manejo dos açaizais iniciou em 2000, devido à alta demanda pelo fruto no mercado externo.

Na safra do fruto, ou seja, entre os meses de agosto a dezembro, 70% da produção agroextrativista é destinada ao mercado, já na entressafra, nos meses de janeiro a junho, a comercialização reduz para 25% devido à baixa produção e prioritariamente à demanda familiar. No contexto atual, há três canais de comercialização a serem acessados pelos camponeses-ribeirinhos da Ilha Guajará de Baixo para a comercialização do fruto: feira livre; batedores5 5 Manipuladores que processam o açaí in natura para retirada do suco e posterior comercialização para consumidores locais. nas vilas de Porto Grande e Carapajó e comerciante-intermediário.

Apesar do acesso constante a esses canais de comercialização, constatou-se que 69% dos camponeses-ribeirinhos selecionam, no ato da colheita, o açaí de melhor qualidade (tuíra6 6 É o estado mais avançado da maturação do fruto, no qual ele apresenta uma espécie de pó branco cobrindo-o. ) para o consumo familiar, assim como, na entressafra, 75% dos entrevistados destinam a produção exclusivamente para o consumo familiar. Na ausência do açaí, o suco da bacaba é consumido por 38% dos entrevistados. Observa-se que, no modo de vida camponês-ribeirinho, durante a safra do açaí, ocorre a flexibilidade entre consumo familiar e acesso aos canais de comercialização; no período de entressafra, prioritariamente, a produção se destina ao consumo familiar. Nota-se que o acesso aos mercados se integra como opção de renda, já que a prioridade da produção é atender as demandas das famílias que colaboram na continuidade do ciclo reprodutivo delas com produtos de qualidade.

Para sombreamento e consórcio com os açaizais, os camponeses-ribeirinhos priorizam espécies florestais nativas que forneçam madeira e lenha, como: andirobeira (Carapa guianensis Aubl.), ucuubeira (Virola surinamensis (Rol.) Warb.), pracuubeira (Mora paraensis), magunsaleiro, seruzueiro (Allantoma lineata), cinzeira (Vochysia Tucanorum) e pitaiqueira (Swartzia polyphylla). Em 88% das UPF, as espécies madeireiras são provenientes de regeneração natural e encontram-se em maior frequência no “centro do mato”, termo usado pelos camponeses-ribeirinhos para identificar as áreas mais afastadas do estabelecimento, localizadas nos fundos do terreno da UPF. A derrubada dessas árvores para a extração de madeira acontece por vários motivos, como a abertura de novas áreas para a expansão dos açaizais; a constatação de que as árvores estão muito adensadas, com copas extensas que causam sombreamento excessivo aos açaizeiros; a demanda por tábuas para as construções de casas, galpões e embarcações; e para a venda de madeira em toras para donos de serrarias da localidade.

Na Ilha Guajará de Baixo, a falta de madeiras de lei com Diâmetro Acima do Peito-DAP superior a 2 metros, ideal para a construção de canoas para a pescaria, tem acarretado a compra desse meio de transporte em outros locais. Constatou-se apenas um (1) interlocutor que domina as técnicas de carpintaria de cascos (canoas) e remos. Este mesmo afirmou que o valor de venda de uma canoa de 4 metros é de, aproximadamente, R$ 800,00, pela carência e elevado preço da madeira de lei.

Em se tratando da produção agroextrativista de amêndoas de andiroba (Carapa guianensis Aubl.), ucuuba (Virola surinamensis (Rol.) Warb.) e cacau (Theobroma cacao L.), esta é bastante presente nas UPF e de grande interesse da maioria dos camponeses-ribeirinhos, principalmente daqueles que não dependem exclusivamente da produção agroextrativista do açaí. A produção de amêndoas de 100% dos camponeses-ribeirinhos entrevistados é comercializada de modo a complementar sua renda no período de entressafra do açaí. Nos meses de janeiro a junho, são comercializas amêndoas de andiroba e cacau. Durante os meses de fevereiro a abril, também há produção de ucuuba e murumuru (Astrocaryum murumuru Mart.). As amêndoas de cacau seco chegaram a ser vendidas por R$ 15,00/Kg em 2020 para um empresário-intermediário na cidade de Cametá, enquanto o Kg das amêndoas de andiroba foi vendido a R$ 0,75; da ucuuba a R$ 1,00 e do murumuru a R$ 1,20, sendo as três produções para um comerciante-intermediário atuantes na Ilha Guajará de Baixo.

A importância da permanência das andirobeiras nas UPF dos camponeses-ribeirinhos relaciona-se para além do uso da madeira e comercialização. 44% das famílias agregam valor comercial na extração do óleo das amêndoas e aproveitam os resíduos para a produção de sabão em barras. Nessa atividade, destaca-se a participação das mulheres e o fato de que tanto o óleo quanto o sabão são utilizados nas UPF e comercializados. O litro do óleo chegou a ser vendido por R$ 40,00 na comunidade no ano de 2020. Para fins medicinais, o uso do óleo da andiroba é utilizado pelos camponeses-ribeirinhos para “afumentação”7 7 Mistura do óleo de andiroba com ervas medicinais feita por um especialista, conhecido na comunidade como “curador” e “puxador”. Somente eles detêm esse conhecimento contextual da cura por meio da afumentação. de machucados, reumatismos e inflamações de garganta.

Para Ploeg (2009)Ploeg, J. D. V. D. (2009). Sete teses sobre a agricultura camponesa. In Agricultura familiar camponesa na construção do futuro (pp. 17-32). Rio de Janeiro: AS-PTA., no modo de produção camponesa, existe uma mescla entre produção agrícola e artesanal, em que uma parte fica na UPF para ser utilizada pelos camponeses e outra circula como mercadoria, apesar de que o acesso aos mercados não é o fator de maior relevância para as famílias. Na Ilha Guajará de Baixo, os utensílios de tecelagem artesanal, como o paneiro8 8 Utensílio em formato de cesto, oscila em tamanhos maiores ou menores que o cesto (lata). , o cesto (lata), o paneiro-de-costa9 9 Traçados com talas (fibras) selecionadas de jacitara (Desmoncusorthacanthus Mart.) e arumã (Ishnosiphon Ovatus), ou fita de arquear, de espessura circular e comprimento maior em comparação ao paneiro e o cesto, com fustes de diâmetros finos, armados na vertical e amarrados com envira vegetal (material fibroso, longo e resistente, extraído da “casca” de árvores) nas circunferências do paneiro que permite sustentação da base ao solo e resistência. Com as enviras também são tecidas as duas alças, fixadas no paneiro, que são presas entre o peitoral e os ombros do condutor para o utensílio se manter na costa. , o matapi10 10 Apetrecho de formato cilíndrico, fechado de cada lado por um funil, confeccionado com talas de jupatizeiro (Rhapia taedigera Mart.) e amarras de cipó, utilizado para a captura de camarão (Araújo et al., 2014). , o pãri11 11 Apetrecho em formato de tapume, armado com tala de e amarrada com envira vegetal. , o abano12 12 Utensílio de tecelagem em formato de leque, confeccionado com talas (fibra) de arumã ou buritizeiro. e o tipiti13 13 Utensílio traçado com fibra de buritizeiro, com duas aberturas nas extremidades, em formato cilíndrico de aproximadamente 2 metros de comprido, usado como prensa ou espremedor. estão presentes na execução de atividades cotidianas dos camponeses-ribeirinhos.

O modo de vida do camponês-ribeirinho se ajusta e reconstrói-se conforme os interesses desses atores, se adaptando também, muitas vezes, às estações do ano (Wanderley, 2003Wanderley, M. N. B. (2003). Agricultura familiar e campesinato: rupturas e continuidade. Estudos Sociedade e Agricultura, 21(10), 42-61.). Se no verão (várzea seca), o olhar das famílias se volta mais à colheita do açaí para o acesso aos canais de comercialização, no inverno (várzea alagada), a atividade da pesca artesanal e o extrativismo das amêndoas de andiroba, ucuuba e murumuru predominam na Ilha Guajrá de Baixo. Assim, os arranjos das UPF se reconfiguram dinamicamente, pautados nos interesses dos camponeses-ribeirinhos, os quais são, em alguns casos, impulsionados por determinadas situações, como, por exemplo, a falta de matéria-prima para a construção dos utensílios, que vem se dando devido à expansão dos açaizais para fins comerciais.

Segundo Corrêa (2017), oCorrêa, R. B. (2017). Território e desenvolvimento: análise da produção de açaí na região Tocantina (PA) (Tese de doutorado). Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", São Paulo. interesse dos camponeses-ribeirinhos do Baixo Tocantins para com a atividade pesqueira e a produção de açaí está relacionado ao fato de o açaí, o peixe e o camarão serem as principais fontes de alimento das famílias, bem como as alternativas de renda. A pesca artesanal praticada pelos camponeses-ribeirinhos acontece no rio Tocantins, que é de uso coletivo e, em igarapés14 14 Curso d’água, de pequena profundidade, afluente do rio Tocantins, que percorre o interior da unidade produtiva. de uso particulares, situados dentro de suas UPF. Nesse caso, 75% do pescado capturado torna-se fonte de proteína para as famílias. Tal constatação corrobora as reflexões de Marques et al. (2020)Marques, S. F., Tavares, F. B., & Copetti, L. D. (2020). Desafios das Organizações Sociais frente às transformações da pesca artesanal no Baixo Tocantins-PA. Desenvolvimento Rural Interdisciplinar, 3(1), 111-138., que indicam que a principal finalidade da produção da pesca artesanal, no Baixo Tocantins, ainda é a alimentação familiar, embora exista uma pequena produção voltada para o mercado.

Ultimamente, os camponeses-ribeirinhos convivem com a escassez de peixes e camarões e, frequentemente, não conseguem capturar nem mesmo para o consumo familiar. Para Santana et al. (2014)Santana, A. C. D., Bentes, E. D. S., Homma, A. K. O., Oliveira, F. D. A., & Oliveira, C. M. D. (2014). Influência da barragem de Tucuruí no desempenho da pesca artesanal, estado do Pará. Revista de Economia e Sociologia Rural, 52, 249-266., essa realidade se dá devido à construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí (UHE), à pesca predatória e à ausência de “acordos de pesca”15 15 Conjunto de normas criadas pelas comunidades ribeirinhas, com o apoio de outras instituições como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a Colônia de Pescadores e Organizações Não Governamentais para o controle da pesca na região, visando a conservação dos recursos pesqueiros (Tavares & Dias, 2014). em algumas comunidades. A Construção da UHE represou o rio Tocantins, em consequência, assoreou vários trechos, impedindo que espécies de peixes regionais subissem às cabeceiras do rio para desovarem, influenciando nas diminuições dos estoques pesqueiros (Marques et al., 2020Marques, S. F., Tavares, F. B., & Copetti, L. D. (2020). Desafios das Organizações Sociais frente às transformações da pesca artesanal no Baixo Tocantins-PA. Desenvolvimento Rural Interdisciplinar, 3(1), 111-138.). A redução dos estoques pesqueiros no rio Tocantins e afluentes motivou 25% dos entrevistados a recorrerem à criação de peixes em tanques escavados, realizando a piscicultura no ecossistema de várzea. A maior parte (70%) da produção de peixes em piscicultura é vendida na própria comunidade, principalmente, durante os meses de março e abril, no período da Semana Santa, no qual os religiosos não consomem carne vermelha. O restante (30%) é consumido pela própria família que produz.

Salienta-se que os camponeses-ribeirinhos ficam proibidos de exercerem a pesca no defeso16 16 No inciso XIX, da Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009, o defeso é definido como a paralisação temporária da pesca para a preservação da espécie, tendo como motivação a reprodução e/ou recrutamento, bem como paralisações causadas por fenômenos naturais ou acidentes (Brasil, 2009). , que compreende o período entre 01 de novembro ao último dia do mês de fevereiro. Ainda que exista essa normativa, algumas famílias não respeitam os acordos e argumentam que o motivo é a necessidade de conseguir o alimento e, em alguns casos, guiam-se pelos próprios vizinhos que não respeitam o defeso.

Para além dos potenciais da várzea, há também as limitações relacionadas a algumas atividades socioprodutivas, como a criação de xerimbabos, o cultivo de hortas e a plantação da pimenta-do-reino. Muitos camponeses-ribeirinhos se interessam pela criação de xerimbabos, pois estes servem como alimento e geração de renda, principalmente as galinhas caipiras, os patos e os suínos. Todavia, os conflitos entre vizinhanças por esses animais adentrarem em propriedades alheias e os furtos que ocorrem, geralmente quando eles se deslocam para longe dos estabelecimentos, têm desestimulado a continuidade na criação de xerimbabos.

Constatou-se nas UPF dos camponeses-ribeirinhos que, nos quintais agroflorestais de todas as famílias entrevistadas e nas hortas praticadas por 63% das famílias, encontra-se ampla diversificação de plantas medicinais, olerícolas e ornamentais. Nessas produções a principal dificuldade é o fluxo de maré alta que alaga os solos e limita o cultivo de espécies não adaptáveis a ambientes alagados. Devido às condições adversas, os camponeses-ribeirinhos improvisam estratégias e recorrem ao cultivo de hortas em “jiraus”17 17 Leiras suspensas, no formato de uma caixa, abastecidas por esterco, nas quais são cultivas distintas variedades de espécies vegetais. e em paneiros, localizados próximos à ponte principal18 18 Termo usado pelos camponeses-ribeirinhos para diferenciar a ponte que dá acesso do rio para a entrada da casa e vice-versa, das outras pontes que se localizam nos fundos do estabelecimento, que dão acesso ao galinheiro, ao banheiro, etc., muitas delas construídas com estipes de açaizeiros. . Essa estratégia facilita os tratos culturais e colheita. Nessas hortas, os camponeses-ribeirinhos utilizam insumos orgânicos, como a serragem, retiradas nas serrarias, e caroço de açaí curtido, encontrados em todas as UPF dos entrevistados.

A produção de pimenta-do-reino (Piper nigrum L.), apesar de ser uma atividade bastante lucrativa que é realizada nas redondezas por muitos camponeses que habitam em ecossistema de terra firme, na Ilha Guajará de Baixo não desperta o interesse dos camponeses-ribeirinhos. Foi identificado apenas um (1) produtor que a pratica em formato de monocultivo. Este é realizado em área da UPF de solo mais elevado, onde não há inundação proveniente da maré. Apesar das estratégias de plantio, as doenças fúngicas, comuns em solos muito úmidos, de acordo com o entrevistado que desenvolve o cultivo, é o que têm limitado a produção. A Fusariose, procedente do fungo fusarium, durante os meses de inverno, período em que diariamente a maré inunda por completo a várzeas do estuário da Ilha Guajará de Baixo, é a doença mais expressiva nesse sentido.

Os arranjos produtivos nas UPF dos camponeses-ribeirinhos da Ilha Guajará de Baixo dependem dos interesses e das necessidades das famílias. Existem aquelas que priorizam maior diversificação, enquanto outras famílias tendem para um modelo de agricultura menos diversificada. Os trechos das falas dos camponeses-ribeirinhos evidenciam a percepção sobre a diversificação produtiva:

Aqui temos de tudo um pouco, sabemos que dependemos do que a gente planta e da natureza que nos dá o alimento e até uma renda extra (Camponês-ribeirinho, 43 anos, Guajará de Baixo, ago./2020).

No meu terreno eu mantenho a diversificação conforme a necessidade do momento, por exemplo, se hoje o açaí está bom pra venda, eu foco mais no açaí (Camponês-ribeirinho, 61 anos, Guajará de Baixo, nov./2020).

4.1 Tipologias das Unidades de Produção Familiar

À luz dos dados construídos por meio da listagem livre de atividades socioprodutivas vinculadas às UPF dos camponeses-ribeirinhos da Ilha Guajará de Baixo, propõe-se aqui apresentar três tipologias quanto ao nível de diversificação dessas unidades: Pouco Diversificada, Diversificada e Altamente Diversificada.

  • Diversificada: Na aplicação da fórmula (TIP = Ti x 100/Tg) à realidade da Ilha Guajará de Baixo, constatou-se em maior frequência (50%) a tipologia Diversificada. Tendo em vista que foram citadas um Tg de 41 atividades socioprodutivas nas UPF Diversificadas, encontrou-se um Ti mínimo de 16 e máximo de 26 atividades socioprodutivas. Em UPF Diversificada, as atividades socioprodutivas de maior importância para as famílias são distribuídas em ciclos: Anual; Verão (agosto a dezembro) e Inverno (janeiro a maio). A criação de xerimbabos é realizada por 75% das famílias, seguida pelo cultivo de hortas (63%) e a caça de animais silvestres (50%), que são mantidas durante o ano todo. O açaí é o principal produto relacionado à geração de renda na época do verão, período de safra do fruto. No inverno, a ocupação de 88% dos entrevistados das UPF Diversificadas concentra-se na coleta de amêndoas de andiroba e ucuuba, 44% na extração de óleo e fabricação artesanal de sabão e 38% na tecelagem de utensílios artesanais.

Para atender à demanda das atividades socioprodutivas nas UPF Diversificadas, utiliza-se essencialmente mão de obra familiar, embora, quando necessário, na coleta do açaí, recorra-se à contratação de peconheiros19 19 Denominação atribuída aos apanhadores de açaí que escalam o estipe para colheita do fruto. , que cobram um valor de R$ 10,00/lata/14kg. Ressalta-se ainda que as famílias de UPF Diversificada, durante a safra do açaí, realizam a comercialização do fruto até 5 vezes na semana por meio de comerciantes-intermediários, batedores e feiras. Na entressafra, apenas 38% dessas famílias conseguem uma produção voltada para o mercado, cuja venda é aos batedores.

Observa-se que, apesar do trabalho constante nas atividades socioprodutivas, as famílias relacionadas à tipologia Diversificada incluem em seu planejamento familiar os finais de semana como dias de descanso, que também são marcados por reuniões e almoço em família. Essas manifestações configuram-se como estratégias para reafirmação dos laços afetivos familiares.

  • Pouco Diversificada: Com representatividade de 31%, as UPF Pouco Diversificadas apresentam o Ti entre 8 e 11 atividades socioprodutivas. Para os camponeses-ribeirinhos de UPF Pouco Diversificada, o verão é a estação do ano mais aguardada, por ser o período da safra do açaí, caracterizando-se como a principal atividade socioprodutiva das famílias. Na safra do fruto (agosto a dezembro), os camponeses-ribeirinhos conseguem maior renda anual com a venda expressiva do açaí aos comerciantes-intermediários. No entanto, observou-se que, na mesma intensidade que entram recursos, também saem: com a compra de utensílios de tecelagem artesanal das famílias de UPF Altamente Diversificada e Diversificada; pagamento de peconheiros e diárias pagas para o manejo do açaizal. Nas UPF Pouco Diversificadas, toda a produção de açaí comercializada na safra destina-se aos comerciantes-intermediários. A relação entre os camponeses-ribeirinhos das UPF Pouco Diversificadas e comerciante-intermediário é tão estreita que os entrevistados relataram recebimento adiantado de dinheiro na entressafra.

Ressalta-se que nos meses de janeiro a junho pouco se produz, pois as famílias da tipologia Pouco Diversificada relatam a falta de açaí inclusive para o consumo familiar. Com a escassez do açaí e pouca diversificação socioprodutiva, a principal fonte de renda advém de aposentadorias e benefícios do governo (seguro defeso e bolsa família).

A caça apresenta-se como alternativa recorrente de 80% das famílias de UPF Pouco Diversificada no período de inverno. Os ecossistemas de terra firme e várzea do igarapé Caxinguba tornam-se ambientes propícios para a caça de animais silvestres, como a mucura (Didelphis), o camaleão (Iguana), a preguiça (Folivora) e o tatu (Dasypodidae). Essas caças servem de alimento para as famílias e, por vezes, são comercializadas na comunidade e nas feiras nas vilas de Porto Grande e Carapajó.

Nesse contexto, as famílias relatam que, ultimamente, nas caçadas, percebem a falta de animais silvestres, o que pode estar relacionado à intensificação da caça desses animais e ao manejo intensivo do ecossistema. Segundo Lima & Pozzobon (2005), aLima, D., & Pozzobon, J. (2005). Amazônia socioambiental: sustentabilidade ecológica e diversidade social. Estudos Avançados, 19, 45-76. ação predatória no manejo das espécies florestais resulta na degradação dos recursos naturais, tornando o ecossistema fragilizado e, em muitos casos, incapazes de se regenerarem de forma natural. Esse é um fator que, consequentemente, implica a insegurança alimentar dessas famílias, que dependem da caça para o consumo familiar.

  • Altamente Diversificada: Nas UPF Altamente Diversificadas, que totalizam 19% dos casos analisados, observou-se Ti de 30 a 32 atividades socioprodutivas praticadas pelas famílias. Destaca-se que, nessa tipologia, 87% do Tg referem-se a cultivos de espécies frutíferas. Além disso, 100% das famílias de UPF Altamente Diversificada criam xerimbabos, cultivam hortas, coletam amêndoas de andiroba e murumuru, dominam a arte da tecelagem artesanal, são extratores de óleo de andiroba e produtores de sabão em barra, desvinculando-se da dependência exclusiva da produção de açaí e dos benefícios governamentais.

Acrescenta-se que as famílias de camponeses-ribeirinhos vinculadas às UPF Altamente Diversificadas constroem, também por meio do acesso a determinados canais de comercialização, estratégias de base econômica e social. Diante disso, constatou-se que, nas UPF Altamente Diversificadas, os camponeses-ribeirinhos acessam, na safra do açaí, os três tipos de canais de comercialização (comerciante-intermediário, batedores e feiras). Entretanto, a maior renda do açaí provém na entressafra, quanto o preço triplica em relação à safra, com a comercialização para os batedores e na feira.

Os informantes relatam que a permanência de espécies vegetais nativas nas UPF que sombreiam os açaizais - como andirobeira, ucuubeira, pracuubeira, buritizeiro e mututizeiro - contribui para a safra se estender no mínimo dois meses além do habitual. Quando são necessárias as roçagens nos açaizais, um camponês-ribeirinho da UPF Altamente Diversificada afirmou que é comum a troca de diárias (convidado), pincipalmente entre os membros da mesma família que moram na comunidade. Nessas ocasiões, os camponeses-ribeirinhos têm por costume sacrificar xerimbabos, como o porco (Sus scrofa domesticus), por ser o maior animal, para servir aos convidados.

Observa-se que os camponeses-ribeirinhos das UPF Altamente Diversificadas preservam mais fortemente as práticas culturais de seus antepassados, inclusive relacionados à arte de produção dos utensílios artesanais, à extração do óleo de andiroba e à fabricação de sabão em barras. Os paneiros, matapis, abanos, tipitis, paneiros de costas, sabão em barras são de uso diário e encomendados por camponeses-ribeirinhos da Ilha Guajará de Baixo e outras ilhas. A maior demanda por encomenda de paneiros se dá em julho, mês que antecede a safra do açaí, por esse utensílio ser utilizado como recipiente na colheita do fruto.

Na realidade local, salienta-se que o nível da diversificação produtiva das UPF tem grande influência na intensidade de manejo dos açaizais. Para Steward (2013)Steward, A. (2013). Reconfiguring agrobiodiversity in the Amazon estuary: market integration, the Açaí trade and smallholders management practices in Amapá, Brazil. Human Ecology, 41(6), 827-840., devido à valorização do açaí, os camponeses-ribeirinhos passaram a praticar o manejo intensivo dos açaizais para a produção do fruto, configurando a eliminação das espécies florestais consideradas indesejáveis no manejo. Esse processo passou a ser reconhecido como “açaização” da paisagem (Hiraoka, 1993, pHiraoka, M. (1993). Mudanças nos padrões econômicos de uma população ribeirinha do estuário do Amazonas. In Povos das águas: realidade e perspectivas na Amazônia (pp. 133-157). Belém.. 5). Na comunidade estudada, a expansão dos açaizais iniciou em meados do ano 2000, com a demanda crescente de novos mercados para a compra do fruto e o acesso a programas governamentais de incentivo ao manejo dos açaizais nativos, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar-PRONAF. Esses fatores, associados à valorização econômica do açaí, têm gerado distintas transformações no ecossistema de várzea amazônica.

Mobilizando as tipologias, é possível compreender que as famílias das UPF Pouco Diversificada se distanciam da autonomia ao vincularem-se à produção de açaí como única atividade socioprodutiva capaz de gerar renda e, consequentemente, ao dependerem da comercialização do fruto realizada, majoritariamente, por comerciantes-intermediários. De modo diferente, as famílias de UPF Altamente Diversificada, por meio da estratégia de diversificação produtiva, alcançam um certo nível de autonomia relativa (Ploeg, 2009Ploeg, J. D. V. D. (2009). Sete teses sobre a agricultura camponesa. In Agricultura familiar camponesa na construção do futuro (pp. 17-32). Rio de Janeiro: AS-PTA.) e estabilidade durante todo o ano, tanto na garantia de produtos para o consumo familiar quanto na geração de renda, melhorando assim a base de recursos autogerida pela família. De modo distinto, as famílias das UPF de tipologia Diversificada, estrategicamente, constroem a autonomia durante os ciclos anuais, no entanto ficam susceptíveis ao ambiente hostil, quando recorrem a uma única atividade nos meses de verão.

Ressalta-se ainda que, mesmo que a construção tipológica possibilite verificar com mais acuracidade as especificidades das estratégias desses camponeses-ribeirinhos, ela não se trata da apresentação de segmentos estanques para a caracterização das unidades de produção desses camponeses. As estratégias familiares que ganham contornos distintos em momentos diversos da vida social camponesa conferem flexibilidade a essa tipologia que ora pode estar mais vinculada a uma diversificação de atividades baixa, ora alta.

5 Conclusões

As 41 atividades socioprodutivas identificadas nas UPF analisadas proporcionam aos camponeses-ribeirinhos produtos para o consumo familiar e agregação de renda por meio do acesso aos mercados. Relacionados à comercialização do açaí, fruto de maior interesse das famílias, consumido e comercializado em todas as UPF, foram identificados três tipos de mercados: comerciante-intermediário, batedores e feiras. Constatou-se que o palmito de açaizeiro e as madeiras em toras são produtos provenientes do manejo anual e da expansão dos açaizais para produção de frutos. A pesca artesanal, por sua vez, volta-se para o consumo das famílias; e a piscicultura é desenvolvida, sobretudo, devido à escassez dos estoques pesqueiros. O efeito da maré alta, que banha os solos dos ecossistemas de várzea, dificulta o cultivo de pimenta-do-reino e da horticultura. Entretanto, na horticultura praticada pelas mulheres, a utilização dos jiraus, cultivos suspensos, ganha contorno de estratégia inovadora que dribla as condições adversas e garante lugar de produção diversificada, especialmente de espécies medicinais.

Embora identificadas em menor número (19%), as UPF Altamente Diversificadas são as que mais conservam os conhecimentos e culturas dos antepassados, seja na arte da tecelagem artesanal ou na prática das trocas de diárias e possuem maior verticalidade de renda e autonomia alimentar durante o ano, devido à elevada diversificação socioprodutiva.

As famílias de UPF de tipologia Pouco Diversificada (que correspondem a 31% do total das UPF) dependem exclusivamente da produção de açaí, aposentadoria, bolsa família e seguro defeso para a geração de renda. A pouca diversificação da produção de produtos fonte de alimento resulta no acesso constante das famílias às feiras e aos mercados locais para a compra de gêneros alimentícios, prática comum devido à escassez de peixes e à ausência de açaí na entressafra, comprometendo a autonomia das famílias. Nas UPF Diversificadas (50% do total das UPF analisadas), as atividades socioprodutivas são distribuídas em ciclos anuais, inverno e verão, e em todos os ciclos pelo menos uma atividade socioprodutiva garante renda e alimento para as famílias.

As famílias vinculadas à UPF de tipologia Altamente Diversificada acessam os três tipos de mercados, sendo as principais responsáveis pelo abastecimento interno do fruto nas feiras e aos batedores das vilas de Porto Grande e Carapajó, na safra e entressafra do açaí. Nas UPF Pouco Diversificadas, a comercialização do açaí ocorre exclusivamente para os comerciantes-intermediários, o que limita seus espaços de manobra frente aos processos de comercialização. Enquanto isso, as famílias de UPF Diversificada optam por comercializar a produção do açaí para comerciantes-intermediários e batedores. Entre os três tipos de mercados, o melhor preço para a venda do fruto é alcançado nas feiras, principalmente na entressafra, quando o valor por lata/14kg triplica e o menor preço é ofertado por comerciantes-intermediários.

A atribuição das tipologias para as UPF revelou que, mesmo sob situações aparentemente similares, as práticas, as atividades e as estratégias socioprodutivas se diferenciam entre as famílias. Os estudos sobre os camponeses-ribeirinhos do estuário amazônico corroboraram a análise desse modo de vida peculiar e aportam nas compreensões das diferenciações encontradas nas UPF. Ademais, a mobilização das tipologias pode abrir horizontes para novas pesquisas em outras comunidades. A pesquisa em um momento pós pandêmico pode ser útil para verificar essa dinamicidade mais apurada das estratégias dos camponeses-ribeirinhos, podendo incluir as mulheres e os jovens como os atores sociais de interlocução do contexto, o que potencializará compreender distintas perspectivas acerca da diversidade das UPF.

  • 1
    São camponeses-ribeirinhos que diariamente se deslocam no beiradão da Ilha Guajará de Baixo para a compra do açaí agroextrativista na comunidade. Geralmente, o açaí é repassado para agroindústrias processadoras de polpa de açaí, que firmam contrato com os intermediários para a compra da produção durante a safra.
  • 2
    Utensílio em formato de cesto, com capacidade definida para 15 kg, utilizado como medida padrão na venda do açaí.
  • 3
    Animais de pequeno porte, como patos, galinhas caipiras, porcos, perus e marrecos.
  • 4
    Compreende-se por atividades que geram algum produto para o camponês-ribeirinho, seja para o consumo familiar e/ou para a inserção nos mercados de comercialização.
  • 5
    Manipuladores que processam o açaí in natura para retirada do suco e posterior comercialização para consumidores locais.
  • 6
    É o estado mais avançado da maturação do fruto, no qual ele apresenta uma espécie de pó branco cobrindo-o.
  • 7
    Mistura do óleo de andiroba com ervas medicinais feita por um especialista, conhecido na comunidade como “curador” e “puxador”. Somente eles detêm esse conhecimento contextual da cura por meio da afumentação.
  • 8
    Utensílio em formato de cesto, oscila em tamanhos maiores ou menores que o cesto (lata).
  • 9
    Traçados com talas (fibras) selecionadas de jacitara (Desmoncusorthacanthus Mart.) e arumã (Ishnosiphon Ovatus), ou fita de arquear, de espessura circular e comprimento maior em comparação ao paneiro e o cesto, com fustes de diâmetros finos, armados na vertical e amarrados com envira vegetal (material fibroso, longo e resistente, extraído da “casca” de árvores) nas circunferências do paneiro que permite sustentação da base ao solo e resistência. Com as enviras também são tecidas as duas alças, fixadas no paneiro, que são presas entre o peitoral e os ombros do condutor para o utensílio se manter na costa.
  • 10
    Apetrecho de formato cilíndrico, fechado de cada lado por um funil, confeccionado com talas de jupatizeiro (Rhapia taedigera Mart.) e amarras de cipó, utilizado para a captura de camarão (Araújo et al., 2014Araújo, M. V. L. F., Silva, K. C. A., Silva, B. B., Ferreira, I. L. S., & Cintra, I. H. A. (2014). Pesca e procedimentos de captura do camarão-da-Amazônia à jusante de uma usina hidrelétrica na Amazônia brasileira. Biota Amazônia, 4(2), 102-112.).
  • 11
    Apetrecho em formato de tapume, armado com tala de e amarrada com envira vegetal.
  • 12
    Utensílio de tecelagem em formato de leque, confeccionado com talas (fibra) de arumã ou buritizeiro.
  • 13
    Utensílio traçado com fibra de buritizeiro, com duas aberturas nas extremidades, em formato cilíndrico de aproximadamente 2 metros de comprido, usado como prensa ou espremedor.
  • 14
    Curso d’água, de pequena profundidade, afluente do rio Tocantins, que percorre o interior da unidade produtiva.
  • 15
    Conjunto de normas criadas pelas comunidades ribeirinhas, com o apoio de outras instituições como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a Colônia de Pescadores e Organizações Não Governamentais para o controle da pesca na região, visando a conservação dos recursos pesqueiros (Tavares & Dias, 2014Tavares, F. B., & Dias, S. C. (2014). Conflitos em torno da emergência de inovações sócio-organizacionais: o caso do acordo de pesca na comunidade ribeirinha de Pacuí de Baixo (Cametá-PA). Agricultura Familiar: Pesquisa. Formação e Desenvolvimento, 10, 87-100.).
  • 16
    No inciso XIX, da Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009, o defeso é definido como a paralisação temporária da pesca para a preservação da espécie, tendo como motivação a reprodução e/ou recrutamento, bem como paralisações causadas por fenômenos naturais ou acidentes (Brasil, 2009Brasil. (2009). Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009. Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca. Recuperado em 7 de abril de 2021, de www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/Lei/L11959.htm).
  • 17
    Leiras suspensas, no formato de uma caixa, abastecidas por esterco, nas quais são cultivas distintas variedades de espécies vegetais.
  • 18
    Termo usado pelos camponeses-ribeirinhos para diferenciar a ponte que dá acesso do rio para a entrada da casa e vice-versa, das outras pontes que se localizam nos fundos do estabelecimento, que dão acesso ao galinheiro, ao banheiro, etc., muitas delas construídas com estipes de açaizeiros.
  • 19
    Denominação atribuída aos apanhadores de açaí que escalam o estipe para colheita do fruto.
  • Como citar: Rodrigues, R. P., & Medeiros, M. (2024). Atividades socioprodutivas e tipologias de Unidades de Produção Familiar de camponeses-ribeirinhos em várzea do Baixo Tocantins. Revista de Economia e Sociologia Rural, 62(2), e264420. https://doi.org/10.1590/1806-9479.2022.264420
  • JEL classification: Q01.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    28 Maio 2022
  • Aceito
    26 Jun 2023
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