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A evolução das ocupações das famílias na região não-metropolitana rural do Estado do Paraná: 1992-99

Resumos

Neste artigo, analisaram-se as tabulações especiais dos microdados das PNADs relativas às ocupações das famílias no Estado do Paraná entre 1992 e 1999. Os dados evidenciaram um crescimento das famílias ocupadas em atividades não-agrícolas, a redução das famílias ocupadas em atividades exclusivamente agrícolas e o aumento do número de famílias de aposentados e pensionistas. Pode-se, assim, afirmar que o meio rural paranaense sofre tanto de uma espécie de "urbanização" como também de uma transformação crescente em local de moradia. Informações complementares conduzem a inferir-se que ocorre redução importante no universo denominado agricultura familiar.

famílias; ocupações agrícolas e rurais e Estado do Paraná


This article analyses the special processes of the National Home Research Sample’s (PNAD) micro data relative to the occupations of rural families in the state of Paraná between 1992 and 1999. The data show growth in the number of families working in non-agricultural activities, a reduction of the number of families working in exclusively agricultural activities, and growth in the number families headed by pensioners and/or retired people. It is possible to assume that the Paranaense rural environment is experiencing a type of "urbanization" and increasing transformation in the housing area. Further information leads us to conclude that an important reduction in the universe of Brazilian family agriculture is occurring.

Family; agricultural and rural occupation; Paraná State


A evolução das ocupações das famílias na região não-metropolitana rural do Estado do Paraná: 1992-99

Marcelino de SouzaI; Mauro Eduardo Del GrossiII

IProfessor Doutor do Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS (E-mail: marcelino.souza@uol.com.br)

IIPesquisador Doutor da Área de Socioeconomia do IAPAR - Instituto Agronômico do Paraná, Londrina, PR, e professor da FANORPI - Faculdade do Norte Pioneiro (E-mail: delgross@pr.gov.br)

RESUMO

Neste artigo, analisaram-se as tabulações especiais dos microdados das PNADs relativas às ocupações das famílias no Estado do Paraná entre 1992 e 1999. Os dados evidenciaram um crescimento das famílias ocupadas em atividades não-agrícolas, a redução das famílias ocupadas em atividades exclusivamente agrícolas e o aumento do número de famílias de aposentados e pensionistas. Pode-se, assim, afirmar que o meio rural paranaense sofre tanto de uma espécie de "urbanização" como também de uma transformação crescente em local de moradia. Informações complementares conduzem a inferir-se que ocorre redução importante no universo denominado agricultura familiar.

Palavras-chave: famílias, ocupações agrícolas e rurais e Estado do Paraná.

1. Introdução

Nas últimas décadas, a pesquisa econômica e social rural atravessa um período muito fecundo, em que os estudos evidenciam tanto a perda gradativa do papel da agricultura como sustentáculo econômico e social quanto a emergência de novas atividades, funções e ocupações no espaço rural. Nota-se uma reorganização dos processos de produção e do trabalho rural, tornando nebulosas as antigas fronteiras entre os setores com maior intensificação das suas inter-relações. Essa reorganização afeta os distintos grupos da população rural, de modo que eles experimentam de forma diferente essa transformação.

No Brasil, Graziano da Silva (1996), em trabalho considerado pioneiro, mostrou, fazendo uso de dados agregados para o Brasil e principais regiões do país, o processo de "urbanização" de grande parte da força de trabalho agrícola, pois um bom número de trabalhadores rurais se deslocou das fazendas para a periferia das cidades nos anos 60 e 70. Na década de 80, esse fluxo não somente se reduz drasticamente, mas estaria ocorrendo o que ele denominou "urbanização do campo brasileiro", por meio do aumento das ocupações não-agrícolas no meio rural, especialmente nas Regiões Centro-Oeste e Sudeste do país. O caso do Estado de São Paulo tornou-se emblemático: em 1990, apenas duas de cada cinco pessoas residentes nessas áreas exerciam atividades agropecuárias; as restantes estavam ocupadas em atividades não-agrícolas, entre elas agroindústrias, comércio, serviços domésticos e construção civil. A partir dessa constatação, conduziu-se um amplo painel de pesquisas denominado Projeto Rurbano1 1 Informações sobre este projeto de pesquisa estão disponíveis em http://www.eco.unicamp.br/projeto/rurbano.html , o qual utiliza a base de dados das PNADs (Pesquisas Nacionais de Amostras de Domicílios) do IBGE. Tais pesquisas, apesar de possuírem uma série de limitações, representam ainda a mais atualizada e abrangente base de dados para a análise de duas importantes variáveis: ocupação e rendimento das pessoas e famílias.

Fundamentando-se nos resultados das tabulações existentes, o objetivo deste artigo foi analisar a evolução das ocupações de alguns tipos de famílias, na região não-metropolitana rural do Estado do Paraná no período 1992-1999. Para tal, na segunda seção deste artigo apresenta-se a metodologia utilizada na pesquisa; na terceira seção, analisam-se as tabelas com os dados de ocupações das famílias; e finalmente, na última seção, destacam-se as conclusões e implicações para a formulação de políticas públicas.

2. A metodologia utilizada

O IBGE realiza todos os anos a pesquisa da PNAD. Como o próprio nome já diz, ela é feita por amostra, mas esta é conduzida com um rigor estatístico, de forma a garantir a representatividade de toda a população. A única limitação importante da PNAD é que ela não é realizada nas áreas rurais da antiga Região Norte do país, sob a alegação de "dificuldades de deslocamento na imensa região amazônica". Utilizaram-se os dados das PNADs, porque estas têm um caráter demográfico, isto é, levantam todas as informações dos domicílios e não ficam somente restritas às informações sobre estrutura e a produção das áreas rurais.

2.1. A definição de urbano e rural

No Brasil, as áreas urbanas são regulamentadas por leis municipais que delimitam o perímetro urbano dos municípios. As áreas restantes, por exclusão, são as áreas rurais. A definição do perímetro urbano municipal leva em consideração aspectos demográficos, como número de moradores e equipamentos públicos, mas também há um peso político local nessa decisão, já que, ao incluir áreas no perímetro urbano, a prefeitura vê-se obrigada a estender o fornecimento de água, energia elétrica, esgoto, saúde etc. Por questões metodológicas da amostragem, o IBGE mantém fixas as áreas urbana e rural de um município ao longo da década, mesmo que o município venha a alterar seu perímetro urbano.

O IBGE introduziu novas aberturas para a situação de domicílios a partir da PNAD de 1992, tendo em vista a captação com mais detalhes das áreas do continuum rural-urbano. Todavia, no presente estudo, optou-se por trabalhar com as informações agregadas das áreas rurais pertencentes à região não-metropolitana, dada a baixa freqüência apresentada na amostra da pesquisa nessas aberturas, conforme mostrado em Souza (2000).

2.2. O conceito de trabalho das pessoas, família extensa e a tipologia utilizada

Quando o entrevistador das PNADs chega aos domicílios, ele coleta dados sobre todos os residentes, como idade, local de nascimento, escolaridade, número de filhos etc., mas também indaga a respeito do trabalho das pessoas residentes. Para fazer as perguntas, o entrevistador explica que o mês de referência é o de setembro, ou seja, todas as perguntas vão ser relativas ao que ocorreu no último mês de setembro. Se possível, as perguntas também serão feitas em relação à última semana de setembro e ainda, se possível, relativas ao dia 30 de setembro. Esses são os vários períodos de referência adotados na PNAD. Quanto às questões sobre trabalho, o entrevistador faz perguntas sobre todas as pessoas que exerceram alguma atividade de pelo menos uma hora na semana em negócio próprio ou de empregador ou na construção de uso da família ou, ainda, na produção de produtos para o consumo familiar. A semana aqui utilizada como referência é a última semana do mês de setembro de cada ano estudado2 2 Reconhece-se que isso subestima o número de pessoas que consideram a atividade agrícola como ocupação principal durante o ano. As novas PNADs pesquisaram dois períodos de referência: o ano e a semana anterior à data do levantamento. . Caso a pessoa tenha realizado alguma tarefa nessa última semana de setembro, então são feitas perguntas sobre esse trabalho, como: qual era a ocupação no trabalho, qual a atividade em que trabalhou, qual o número de horas que ele gastou nessa atividade e qual a renda que obteve, entre outras.

Antes de 1992, a PNAD não considerava ocupadas as pessoas que trabalhavam na produção para autoconsumo ou na construção para uso da família, nem os trabalhadores não-remunerados que executassem tarefas em menos de 15 horas na semana. Essas mudanças no conceito de trabalho impossibilitam a comparação direta dos dados publicados das PNADs de 1992 a 1999 com as anteriores. Porém, a partir dos microdados, é possível reconstruir a série 1981 a 1999, utilizando os mesmos critérios dos anos 80, excluindo-se aquelas pessoas que antes não eram tidas como ocupadas3 3 Conforme apresentado no artigo de Graziano da Silva e Del Grossi (2001). . Utilizou-se aqui essa série reconstituída, que será denominada de "População Economicamente Ativa (PEA) usual ou restrita", para distinguir dos dados publicados das PNADs de 1992 a 1999, os quais foram designados de "PEA ampliada"4 4 Del Grossi (1999), em sua tese de doutoramento, mostrou que a diferença entre as duas séries – que ele designou de “expansão conceitual” – era formada basicamente de aposentados, jovens em idade escolar e de mulheres envolvidas nas suas tarefas domésticas, como cuidados com hortas domésticas e pequenos animais. .

Quanto à unidade de análise aqui utilizada, esta é a família extensa que inclui, além da família nuclear, os parentes e agregados que vivem no mesmo domicílio. Assim, procurou-se construir uma unidade de consumo e de renda das pessoas que vivem sob um mesmo teto e que partilham entre si um "fundo comum" de recursos monetários e não-monetários. Foram excluídos dessa análise os empregados domésticos, parentes de empregados domésticos e pensionistas que pagam pensão ao chefe do domicílio. A família extensa, portanto, formou-se através da agregação dos membros denominados "pessoas de referência", "cônjuge", "filhos", "outros parentes" e "agregados".

A tipologia aqui utilizada classifica as famílias extensas por atividade e posição na ocupação (empregadores, conta-própria, empregados e não-ocupados). A classificação dessas famílias pela posição permitiu agrupá-las em: Empregadora com três ou mais empregados: famílias com pelo menos um membro na posição de empregador, contratando três ou mais assalariados permanentes em seu negócio; Empregadora com até dois empregados: famílias com pelo menos um membro na posição de empregador, contratando até 2 assalariados permanentes em seu negócio; Conta-própria: família sem nenhum empregador, mas com um membro com negócio próprio, contando com a ajuda não-remunerada dos membros da família; Assalariados: famílias sem nenhum empregador ou conta-própria, com pelo menos um membro trabalhando como assalariado; e Não-ocupados: famílias sem empregador, conta-própria ou assalariados, cujos membros não tiveram nenhuma atividade produtiva na semana de referência da pesquisa.

As famílias também foram classificadas pela sua atividade em: Agrícolas – quando todos os membros exerciam atividades agropecuárias como ocupação principal; Pluriativas – famílias nas quais pelo menos um membro exercia uma ocupação agrícola e outro uma não-agrícola ou, ainda, quando pelo menos um dos membros declarou exercer dupla atividade agrícola (ocupação principal e secundária) na semana de referência5 5 No caso do grupo das famílias de assalariados, e somente neste grupo, as famílias que combinavam atividades agrícolas com outras atividades, mas no próprio setor agrícola, foram consideradas no grupo das famílias agrícolas e não como famílias pluriativas. A idéia subjacente é de que, se o indivíduo já é assalariado e tiver outro trabalho secundário como assalariado agrícola, ele continuará sendo assalariado agrícola. ; Não-agrícolas – famílias em que um ou mais membros declararam exercer somente atividades não-agrícolas, tanto na atividade principal como na secundária; e Não-ocupadas – nenhum membro da família encontrava-se ocupado na semana de referência da pesquisa.

3. A evolução das ocupações das famílias rurais no Estado do Paraná: 1992-99

3.1. A evolução das ocupações nas famílias

Na Tabela 1, constatam-se a distribuição dos tipos de famílias e a sua evolução na área não-metropolitana rural.

Tabela 1
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A primeira constatação é de que as famílias de conta-própria constituem o grupo mais numeroso de famílias, representando em 1999 cerca de 226 mil famílias. As famílias de conta-própria são, em sua maioria, agrícolas (72%), mas existe, também, um conjunto nada desprezível de famílias pluriativas e não-agrícolas.

O segundo grupo mais numeroso é o das famílias de empregados. Notou-se que os empregados não-agrícolas residentes no meio rural já eram um grupo bastante grande, todavia ainda menor que o dos empregados agrícolas. Se se somarem as famílias pluriativas e não-agrícolas, o número de famílias de empregados residentes na zona rural do Estado do Paraná que possuíam pelo menos um membro ocupado em atividades não-agrícolas já era, em 1999, representado por cerca de 44% das famílias de empregados residentes nas áreas rurais8 8 Retrata-se também a situação inversa: em 1999 existiam aproximadamente 68 mil famílias de trabalhadores residindo em áreas não-metropolitanas urbanas paranaenses, cujos membros se ocupavam exclusivamente de atividades agrícolas; e outras 32 mil famílias pluriativas, o que resulta em cerca de 100 mil famílias de trabalhadores residindo em áreas urbanas que têm pelos menos um de seus membros ocupados em atividades agrícolas. Segundo Leone (1995:152), esse grupo de famílias “trata-se, em sua maioria, de trabalhadores assalariados temporários – os bóiasfrias – que não se integram ao mercado de trabalho urbano e ficam na dependência da demanda de mão-de-obra sazonal das atividades agrícolas”. .

As análises das tendências no período 1992-99 indicam, de um lado, a tendência significativa de queda no número de famílias de conta-própria, em especial aquelas com atividades agrícolas. Essa queda não tomou maiores dimensões porque houve crescimento significativo do número de famílias não-agrícolas. Nas famílias empregadoras com até dois empregados, constatou-se tendência confiável de queda nas famílias pluriativas, indicando que nem a combinação das atividades pode assegurar a continuidade desse grupo de famílias nas áreas rurais. De outro lado, tem-se um crescimento significativo das famílias de empregados residentes nas áreas rurais, especialmente das famílias não-agrícolas. O crescimento também ocorre no grupo das famílias de não-ocupados, ou seja, famílias em que todas as pessoas com mais de 10 anos não estavam trabalhando na semana de referência. Na Tabela 2, apresentam-se resultados que permitem detectar alguns dos principais aspectos da não-ocupação na região não-metropolitana rural paranaense.

Tabela 2
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Atesta-se uma forte e significativa tendência de crescimento de aproximadamente 6,4% ao ano, cujo impulso é determinado pela tendência confiável de crescimento do grupo dos pensionistas e, ou, aposentados9 9 É de se supor, com base nessas informações, que se está diante de um processo de envelhecimento da população rural paranaense. Esse fato pode ser, de alguma forma, confirmado pela pesquisa recente realizada pela CNA (2000), em que se constatou que a idade média do responsável pelas explorações agrícolas amostradas na pesquisa atingiu 52 anos. . Em 1999, esse grupo totalizava 24 mil famílias ou 69% do conjunto geral de famílias não-ocupadas. Essas 31 mil famílias não-ocupadas representavam cerca de 8% do total de famílias extensas.

3.2. Evolução do número de pessoas ativas nas famílias

Na Tabela 3 podem ser verificados os resultados referentes à evolução do número de pessoas ativas nas famílias.

Tabela 3
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Na região como um todo, verificou-se uma tendência confiável de queda no número de pessoas ativas. Essa tendência pode ser explicada pelo comportamento apresentado pelas famílias conta-própria, nas quais se observam tendências significativas de declínio do número de pessoas ativas no grupo das famílias agrícolas, ainda mais intenso do que na Tabela 1. Além disso, não houve crescimento significativo do número de pessoas ocupadas em atividades não-agrícolas nesse grupo.

No caso da categoria dos empregados, foi possível detectar, inicialmente, uma estabilização geral no número de pessoas ativas. Porém, além disso, houve tendência significativa de crescimento das pessoas ativas em atividades não-agrícolas. Se não houvesse essa tendência de crescimento, a tendência geral de redução do número de pessoas ativas na região não-metropolitana rural teria sido muito mais acentuada.

Um comentário adicional diz respeito ao grupo das famílias empregadoras com até dois empregados. Verificou-se tendência significativa geral de decréscimo no número de pessoas ativas nesse grupo, devido à redução significativa do número de pessoas ativas das famílias pluriativas.

3.3. Evolução do número médio de pessoas ativas nas famílias

A Tabela 4 introduz uma nova variável na análise, que é o número médio de pessoas ativas, segundo a tipologia aqui utilizada. Se levar em consideração o ano de 1999, observa-se que, de forma geral, são as famílias rurais conta-própria as que possuem o maior número médio de pessoas ativas. As famílias conta-própria dispõem, em média, de 2,5 membros ativos, enquanto as famílias dos empregados apresentavam apenas a média de 1,7 pessoa ativa na família, indicando que a existência de pelo menos um membro ocupado por conta-própria pode oferecer maiores chances de inserção de outros membros no denominado "negócio familiar". Adicionalmente, chama-se a atenção para o fato de que as famílias pluriativas apresentam sempre maior número médio de pessoas ativas na composição familiar.

Tabela 4
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A tendência de redução geral do número médio de pessoas ocupadas nas famílias rurais conta-própria agrícolas e pluriativas é um fato que surpreende. A expectativa era de encontrar um número crescente de pessoas ocupadas nas famílias rurais, em razão da maior presença feminina na força-de-trabalho não-agrícola (emprego doméstico). A explicação para esse fenômeno pode ser devida à forte redução do emprego agrícola nos anos 90, aliada à crise dos mercados de trabalho agrícola e não-agrícola, que fizeram com que as oportunidades de inserção da "força de trabalho secundária" da família diminuíssem, não permitindo outra opção para as mulheres, para os velhos e para as crianças senão a ocupação nas atividades de autoconsumo no meio rural.

Na Tabela 4 é possível, também, averiguar a tendência confiável de queda no número de pessoas ativas nas famílias empregadoras com até dois empregados em razão, sobretudo, da tendência de declínio significativo do número de pessoas ativas nas famílias agrícolas desse grupo. Uma explicação provável para isso relaciona-se ao processo de reorganização produtiva da agricultura do Estado do Paraná, notavelmente apontando para um caminho de melhoria da competitividade, através da incorporação de novas tecnologias e da consolidação de uma nova estrutura de produção acomodada ao novo ambiente econômico vigente.

É interessante destacar a estabilidade das famílias de empregados agrícolas. Tanto em número de família quanto em número médio de empregados há certa estabilidade de ocupados agrícolas ao longo da década nessas famílias. Essa constatação reforça a observação de que as mudanças ocupacionais na década de 90 ocorreram no seio da agricultura familiar e não entre os assalariados.

A redução das pessoas ocupadas nas famílias rurais paranaenses pode ser atribuída, entre outros elementos, a uma importante mudança demográfica em curso nas áreas rurais que conduz a uma queda no número de pessoas das famílias, fazendo com que estas, que antes eram muito extensas, tendam a se aproximar de famílias nucleares com poucos filhos, tal como já vem ocorrendo no meio urbano.

Em síntese, a explicação que se propõe para esse decréscimo de pessoas ocupadas nas famílias rurais comporta vários elementos, sendo alguns deles de caráter mais demográfico e outros de natureza das próprias transformações do mercado de trabalho. Destaca-se, pela sua importância, os que seguem: a) as mudanças do contexto econômico e social (agravamento da crise econômica), com restrição à criação de mais postos de trabalho; b) o súbito crescimento do número de famílias com pessoas aposentadas e, ou, pensionistas, bem como o envelhecimento da população rural; c) o aumento da individualização10 10 Segundo Eikeland (1999:359), a individualização significa que “enquanto os filhos (as) de pescadores e agricultores em algumas gerações atrás tinham poucos caminhos para escolher por que seu curso de vida já estava previamente definido pelos seus antecedentes sociais, tipo de sexo e o local de origem, atualmente as famílias rurais e membros familiares estão equiparados no projeto de modernidade os quais giram ao redor construindo suas identidades individuais em uma situação cheia de diferentes conjuntos de normas e oportunidades para reconstituir um caminho e um estilo de vida”. Isso significa, no caso brasileiro, que as famílias rurais extensas estão se tornando crescentemente mononucleares – com a saída dos jovens do campo – e reduzindo, assim, o tamanho das famílias extensas que vivem sob o mesmo teto. no seio das famílias rurais extensas, tornando-se cada vez mais mononucleares; e d) a redução da taxa de natalidade no meio rural11 11 Este elemento de explicação é citado por Carneiro (1998:102). .

4. Conclusões e algumas implicações para formulação de políticas públicas

Mesmo que outros elementos citados anteriormente assumam efeitos importantes, pode-se declarar que as transformações do próprio setor agrícola aceleraram e consolidaram um "novo rural" paranaense.

Entre as várias questões que promoveram essas transformações, podem-se destacar duas delas: a crescente "urbanização" do campo e o progresso técnico na agricultura ou o chamado treadmill12 12 Significa esteira rolante, o que, nesse caso, quer dizer que o produtor tem que incorporar cada vez mais tecnologias na sua produção para conseguir manter a mesma margem de lucro; na alegoria da esteira, como as inovações técnicas estão mais rápidas, equivale a uma esteira também cada vez mais rápida sem sair do lugar. tecnológico. Tanto uma quanto a outra condicionaram as mudanças socioeconômicas rurais. As transformações ocorridas a partir dos anos 50 tiveram efeitos tão profundos que desarticularam a vida rural tradicional.

A análise das informações das PNADs referentes às ocupações das famílias fornece a base para afirmar que as atividades agrícolas ocupam cada vez menos os trabalhadores no meio rural paranaense. Como foi mencionado, este é o resultado de um processo de longo prazo derivado da queda dos principais produtos agrícolas no mercado internacional, mas que se acentua, sobretudo na segunda metade da década de 90, com uma perda do dinamismo econômico do setor rural nacional, em virtude das condições que lhe foram impostas no âmbito da liberalização econômica.

Talvez não no mesmo ritmo da ocorrência da queda das ocupações agrícolas, mas verifica-se, também, aumento das atividades não-agrícolas nas famílias, fazendo com que estas passem por um processo de redefinição profundo.

Em termos de implicações para elaboração de políticas públicas, assume relevância a questão do crescimento do número de famílias aposentadas e, ou, pensionistas, especialmente os agricultores do universo "familiar". Como já ressaltaram Kageyama e Graziano da Silva (1995:20), existe necessidade de que "a previdência social rural seja vista não apenas como uma política passiva, no sentido de garantir o acesso a determinados direitos sociais, mas em especial na Região Nordeste, seja vista como uma política ativa de combate à pobreza rural".

Incluir-se-iam aí também as áreas rurais deprimidas econômica e socialmente do Estado do Paraná. O crescimento do número de famílias de aposentados e de pensionistas evidencia que o campo, gradativamente, vem se convertendo em um local de residência e não apenas num local de trabalho. A separação do local de residência do local de trabalho ajuda a confirmar a idéia de "urbanização" do rural.

Finalmente, cabe chamar a atenção de que as evidências indicam, também, a existência de uma crescente e importante heterogeneidade no conjunto das famílias rurais, trazendo conseqüências imediatas ao design e implementação de políticas no rural. Ao ignorar esse fato, exclui-se uma fração, nada desprezível, de potenciais beneficiários dos programas. Nesse sentido, deve-se ultrapassar o viés agrícola das políticas antigas e novas e olhar para o meio rural como um local que possui uma vitalidade escondida e que precisa, urgentemente, ser reconhecida com uma reforma agrária não essencialmente agrícola, por exemplo. Assim, urge a necessidade de políticas não-agrícolas que impulsionem o desenvolvimento rural e atinjam os segmentos menos abastados daquela população, tornando-os cidadãos sem a necessidade de migração para os centros urbanos.

  • CARNEIRO, M. J. O ideal rurbano: campo e cidade no imaginário de jovens rurais. In: SILVA, F. C. T. da; SANTOS, R.; COSTA, L. F. de C. Mundo rural e política: ensaios interdisciplinares (Parte II). Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1998. Cap. 6, p. 95-117.
  • CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA – CNA et al. Um perfil do agricultor brasileiro. Brasília: CNA, 2000. (Coletânea Estudos Gleba, 9).
  • DEL GROSSI, M. E. Evolução das ocupações não-agrícolas no meio rural brasileiro: 1981-1995. Campinas, SP: UNICAMP, 1999. 220 f. Tese (Doutorado em Economia) Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
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  • GRAZIANO DA SILVA, J. A nova dinâmica da agricultura brasileira Campinas, SP: Instituto de Economia da UNICAMP, 1996. 217 p.
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  • KAGEYAMA, A.; GRAZIANO DA SILVA, J. Previdência social rural: avanços e recuos. Revista de Economia e Sociologia Rural, Brasília, v. 33, n. 1, p. 7-21, Jan./Mar. 1995.
  • LEONE, E. T. Famílias agrícolas no meio urbano: inserção nas cidades das famílias que continuam vinculadas à agricultura. In: RAMOS, P.; REYDON, B. P. (Orgs.). Agropecuária e agroindústria no Brasil: ajuste, situação atual e perspectivas (Parte III). Campinas, SP: ABRA, 1995. p.151-170.
  • SOUZA, Marcelino de Atividades não-agrícolas e desenvolvimento rural no Estado do Paraná Campinas, SP: UNICAMP, 2000. 304 f. Tese (Doutorado em Engenharia Agrícola) Faculdade de Engenharia Agrícola, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
  • 1
    Informações sobre este projeto de pesquisa estão disponíveis em
  • 2
    Reconhece-se que isso subestima o número de pessoas que consideram a atividade agrícola como ocupação principal durante o ano. As novas PNADs pesquisaram dois períodos de referência: o ano e a semana anterior à data do levantamento.
  • 3
    Conforme apresentado no artigo de Graziano da Silva e Del Grossi (2001).
  • 4
    Del Grossi (1999), em sua tese de doutoramento, mostrou que a diferença entre as duas séries – que ele designou de “expansão conceitual” – era formada basicamente de aposentados, jovens em idade escolar e de mulheres envolvidas nas suas tarefas domésticas, como cuidados com hortas domésticas e pequenos animais.
  • 5
    No caso do grupo das famílias de assalariados, e somente neste grupo, as famílias que combinavam atividades agrícolas com outras atividades, mas no próprio setor agrícola, foram consideradas no grupo das famílias agrícolas e não como famílias pluriativas. A idéia subjacente é de que, se o indivíduo já é assalariado e tiver outro trabalho secundário como assalariado agrícola, ele continuará sendo assalariado agrícola.
  • 6
    Para maiores detalhes, ver Hoffmann, 2000.
  • 7
    Conforme recomendações de Graziano da Silva e Del Grossi (2000, p.160), observações menos freqüentes não são apresentadas, mas, quando somadas ao tipo de família, elas são consideradas. Por essa razão, a soma do número de famílias agrícolas, não-agrícolas e pluriativas não corresponde, algumas vezes, ao número total do tipo de família.
  • 8
    Retrata-se também a situação inversa: em 1999 existiam aproximadamente 68 mil famílias de trabalhadores residindo em áreas não-metropolitanas urbanas paranaenses, cujos membros se ocupavam exclusivamente de atividades agrícolas; e outras 32 mil famílias pluriativas, o que resulta em cerca de 100 mil famílias de trabalhadores residindo em áreas urbanas que têm pelos menos um de seus membros ocupados em atividades agrícolas. Segundo Leone (1995:152), esse grupo de famílias “trata-se, em sua maioria, de trabalhadores assalariados temporários – os bóiasfrias – que não se integram ao mercado de trabalho urbano e ficam na dependência da demanda de mão-de-obra sazonal das atividades agrícolas”.
  • 9
    É de se supor, com base nessas informações, que se está diante de um processo de envelhecimento da população rural paranaense. Esse fato pode ser, de alguma forma, confirmado pela pesquisa recente realizada pela CNA (2000), em que se constatou que a idade média do responsável pelas explorações agrícolas amostradas na pesquisa atingiu 52 anos.
  • 10
    Segundo Eikeland (1999:359), a individualização significa que “enquanto os filhos (as) de pescadores e agricultores em algumas gerações atrás tinham poucos caminhos para escolher por que seu curso de vida já estava previamente definido pelos seus antecedentes sociais, tipo de sexo e o local de origem, atualmente as famílias rurais e membros familiares estão equiparados no projeto de modernidade os quais giram ao redor construindo suas identidades individuais em uma situação cheia de diferentes conjuntos de normas e oportunidades para reconstituir um caminho e um estilo de vida”. Isso significa, no caso brasileiro, que as famílias rurais extensas estão se tornando crescentemente mononucleares – com a saída dos jovens do campo – e reduzindo, assim, o tamanho das famílias extensas que vivem sob o mesmo teto.
  • 11
    Este elemento de explicação é citado por Carneiro (1998:102).
  • 12
    Significa esteira rolante, o que, nesse caso, quer dizer que o produtor tem que incorporar cada vez mais tecnologias na sua produção para conseguir manter a mesma margem de lucro; na alegoria da esteira, como as inovações técnicas estão mais rápidas, equivale a uma esteira também cada vez mais rápida sem sair do lugar.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Dez 2004
    • Data do Fascículo
      Dez 2002
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