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Curva de rendimentos: uma análise no mercado de trabalho urbano e rural no Brasil (1981/ 99)

Curva de rendimentos: uma análise no mercado de trabalho urbano e rural no Brasil (1981/ 99)

Igor Viveiros de SouzaI; Ana Flávia MachadoII

IEconomista pela FACE/UFMG. E-mail: ivsouza@bol.com.br

IIDoutora, Profª. Adjunta – CEDEPLAR/FACE/UFMG. E-mail: afmachad@cedeplar.ufmg.br

1 – Introdução

O mercado de trabalho está sujeito a constantes variações nos níveis de emprego e salários reais frente aos choques econômicos. As políticas macroeconômicas, sejam elas fiscais, monetárias ou cambiais, têm efeito sobre o emprego e o salário devido à interação entre os vários mercados. Segundo a abordagem neoclássica, qualquer rigidez nesses mercados deve ocasionar o desemprego dos fatores utilizados, principalmente o desemprego de mão-de-obra. Se a economia funciona, portanto, com preços flexíveis, choques de política fiscal e monetária não devem apresentar efeito sobre o produto e a renda. Da mesma forma, um mercado de trabalho flexível não sofre alterações no nível de emprego e nos salários reais, quando a economia está sujeita a variações na renda e a choques de produtividade. Sendo assim, ao prevalecer uma situação hipotética onde os salários reais são perfeitamente flexíveis, variações na oferta ou na demanda agregada não geram desemprego. Por outro lado, se os salários reais são rígidos, uma variação negativa na oferta ou na demanda agregada pode ampliar as taxas de desemprego. Ou seja, esta rigidez é incorporada no sistema econômico como um fator estimulante às demissões.

O propósito deste trabalho é, portanto, analisar empiricamente o grau de flexibilidade dos rendimentos no país, enfatizando as diferenças entre o mercado de trabalho urbano e rural brasileiro. Busca-se verificar em que medida tais mercados são flexíveis, ao ajustarem a absorção de mão-de-obra conforme variações na taxa de salário. A principal hipótese do estudo é a diferenciação entre mercado de trabalho urbano e rural no que tange à sensibilidade dos mesmos quanto a possíveis choques econômicos. Embora a agropecuária brasileira tenha passado por processo de modernização nas relações de trabalho, ainda predominam inserções como pequeno produtor, meeiro, trabalho sem remuneração, entre outras bastante distintas do emprego assalariado presente nos centros urbanos. Desta maneira, em tais locais, o desemprego deve ser menos afetado pelas flutuações da economia.

A inspiração teórica é a Curva de Rendimentos inicialmente desenvolvida por Blanchflower & Oswald1 1 Os autores utilizam, na verdade, a Curva de Salário e não a Curva de Rendimento. Aqui optou-se por esta nomenclatura pois o grau de informalidade nos países desenvolvidos é pequeno se comparado a países como o Brasil. Desta forma, a pesquisa realizada por Blanchflower & Oswald (1994b) abrange, em sua maioria, trabalhadores cujos os rendimentos são caracterizados como salário. Para o Brasil ao se considerar apenas a parcela dos trabalhadores formais, está-se, assim, desconsiderando grande parte do mercado de trabalho urbano brasileiro e, principalmente, rural. (1994b), utilizada na literatura acerca do mercado de trabalho para quantificar o grau de flexibilidade salarial no Brasil como mostra Barros & Mendonça (1996) e Garcia e Fajnzylber (2002). A curva de rendimentos estaria captando a responsabilidade da remuneração cíclica dos trabalhadores sobre o excesso de oferta de trabalho cíclico.

Este estudo diverge dos citados acima, porque tem por propósito tratar a possível flexibilidade do mercado de trabalho no âmbito dos mercados rurais e urbanos. Para tal, o artigo está estruturado em cinco seções, incluindo esta introdução. A segunda seção apresenta, brevemente, o modelo de Harris & Todaro (1970) sobre os diferenciais de rendimentos entre o campo e cidade e a relação existente entre desemprego de longo prazo e níveis salariais. A terceira seção apresenta a especificação da Curva de Rendimentos, ao passo que, na seção seguinte, são mostrados a metodologia aplicada e os resultados empíricos. Por fim, na última seção, apresentamos as principais conclusões.

2 – Determinantes do Rendimento nos Setores Rural e Urbano

Diferentes regiões apresentam características singulares na composição de seus mercados que, por sua vez, possuem reflexos bastante estreitos na composição do mercado de trabalho. Historicamente, as áreas urbanas têm apresentado, em relação às áreas rurais, maiores níveis salariais, bem como melhor estrutura organizacional de seus trabalhadores e um maior acesso destes à cobertura da legislação pertinente. Sendo assim, é de se esperar que as regiões produtoras de bens agrícolas apresentem maior sensibilidade a variações na produtividade, alterando seu produto e os níveis de emprego mais rapidamente, o que caracterizaria uma maior flexibilidade de seus mercados.

Tendo em vista esta preocupação, Harris & Todaro (1970) desenvolvem um modelo que busca explicar a dinâmica populacional e como os movimentos migratórios ocorrem a partir do campo em direção às cidades, apesar destas apresentarem taxas de desemprego cada vez maiores. Há várias razões que levam os indivíduos a migrar, dentre essas, merece destaque nesse artigo, a econômica, fundamentalmente, a expectativa de nível mais elevado de rendimento na região de destino. Focalizando a migração rural-urbana, os autores mostram que os migrantes agem racionalmente. Inseridos em um modelo de escolha, os trabalhadores migram devido a um diferencial de renda na cidade e renda de sobrevivência no campo. A renda na cidade é definida por um salário mínimo superior à produtividade do trabalho no campo. Por outro lado, a renda auferida na região de origem, a rural no caso, depende da produtividade na agricultura que é resultado do tamanho da população empregada. Desse modo, o processo migratório se dá até o momento em que o diferencial deixa de existir, ou seja, a migração rural-urbana persiste até o ponto em que a renda urbana esperada for superior ao produto marginal da agricultura. No modelo, migração é, portanto, um fenômeno de desequilíbrio.

O resgate do modelo de Harris & Todaro(1970) para o presente estudo tem por propósito evidenciar a distinção entre os dois mercados de trabalho, rural e urbano, buscando avaliar os impactos da taxa de desemprego nos rendimentos dos trabalhadores nessas duas áreas. Supõe-se que há uma relação positiva entre taxa de desemprego e os níveis salariais de determinado local (efeitos fixos de região).

Blanchflower & Oswald (1994b), ao assumirem que o salário cíclico é negativamente correlacionado com o desemprego cíclico, contradizem a hipótese desenvolvida por Harris & Todaro (1970), onde tais variáveis se relacionam positivamente. Entretanto, em seu trabalho, Blanchflower & Oswald (1994b) mostram que uma hipótese não elimina a outra. Blanchard & Quah (1989), em estudo sobre a economia americana, mostram que movimentos de curto prazo da demanda agregada tendem a afetar negativamente o nível de emprego em contexto de rigidez salarial, porém este efeito é provisório. Para estes autores, são os choques de oferta, como os referentes a aumento de produtividade, os responsáveis pelo declínio no desemprego no curto prazo e, este movimento persiste até que o nível de salários reais alcance o nível mais alto de produtividade.

A condição de Harris & Todaro pode ser mantida, pois ao mesmo tempo em que os salários cíclicos são negativamente correlacionados com o desemprego cíclico, o desemprego permanente está relacionado com níveis salariais permanentes. O que ocorre é que áreas urbanas oferecem maiores possibilidades e variedades de emprego por possuírem uma economia maior e mais dinâmica, estimulando as pessoas a se fixarem em tais locais na esperança e busca por melhores condições de vida e gerando, assim, maior desemprego. Paralelamente, áreas rurais tendem a possuir menores salários, menores contingentes populacionais e menores taxas de desemprego.

3 – A Curva de Rendimentos

A essência da Curva de Rendimentos pode ser descrita como a relação estabelecida entre uma variação na taxa de desemprego que, conseqüentemente, leva a uma variação nos níveis de renda real num determinado local. Ela apresenta uma forma factível para determinar como choques de produtividade afetam renda e emprego, medindo, assim, o grau de flexibilidade de um mercado. É importante ressaltar que não há arcabouço teórico fundamentado por trás da Curva de Rendimento, sendo esta uma constatação empírica dos autores que a elaboraram.

A idéia é que um trabalhador com determinadas características (x) localizado no mercado de trabalho na região (r) recebe um rendimento maior que um trabalhador com as mesmas características mas que esteja localizado em um mercado onde haja uma maior taxa de desemprego. Entretanto, choques de produtividade que afetem ambos devem promover alteração nos rendimentos. Em seus diversos trabalhos, Blanchflower & Oswald encontram um valor médio para tal elasticidade de aproximadamente -0,10 para os EUA e o Reino Unido, o que sugere que uma variação de 10% na taxa de desemprego, mantendo as demais variáveis constantes, geraria uma queda de 1% no salário real.

Posteriormente, Card (1995) criticaria a especificação da Curva de Rendimento adotada por Blanchflower & Oswald, sugerindo uma forma mais elaborada de se obter uma melhor especificação que pudesse explicar de maneira mais abrangente a dinâmica contida na Curva de Rendimento. Ele sugeriu que a Curva de Rendimento deveria conter o controle dos efeitos fixos regionais propostos por Harris & Todaro através de variáveis dummies regionais.

Segundo o autor, a especificação adotada por Blanchflower & Oswald (1994b) não leva em consideração tais efeitos, pois, como afirma Garcia (2002, p. 32), ao se adotar tal controle "a taxa de desemprego corrente (correspondente ao efeito de curto prazo) seria separada da taxa de desemprego permanente (efeito de longo prazo)". Além disto, Card2 2 Ver Card, D.; The Wage Curve: a Review; 1995. (1995) propõe o uso do salário por hora como a variável dependente que melhor explicaria os efeitos da taxa de desemprego corrente, uma vez que os salários reais por hora seriam mais influenciados pela taxa de desemprego corrente e os salários reais mensais seriam mais influenciados pela taxa de desemprego permanente.

A especificação com a adição das variáveis dummy de região e dummy de tempo melhoram as estimativas da Curva de Rendimento, pois sem tais variáveis os componentes transitórios e permanentes do desemprego são medidos em uma mesma elasticidade (Card, 1995 pg. 789), não sendo possível estabelecer uma relação coerente entre as taxas de desemprego e as taxas de salário real, o desemprego permanente possui relação positiva com os salários reais ao passo que o desemprego transitório possui relação negativa com os salários reais numa dada região.

O parâmetro da variável que acompanha a taxa de desemprego (a) mede, por sua vez, a "responsabilidade" da remuneração do trabalhador na quantidade de excesso de oferta de trabalho em um dado mercado. Sendo assim, ou seja, quanto maior o valor absoluto de a, maior é a redução salarial decorrente de um aumento no desemprego local o que, ceteris paribus, tornaria o trabalho um fator de produção barato. O que, por outro lado, estimularia a contratação e o uso de tal fator, respeitando, claro, os limites de contratação estabelecidos pelas restrições impostas por variáveis como o estoque de capital ou a dotação tecnológica de uma determinada economia.

3.1 – Evidências para o Brasil

A Curva de Rendimentos tem sido pouco abordada em estudos sobre o mercado de trabalho brasileiro. No Brasil, apenas os trabalhos de Barros & Mendonça (1996) e Garcia e Fajnzylber (2002)3 3 Barros & Mendonça (1996) e Garcia & Fajnzylber (2002) utilizam apenas a parcela do formal do mercado de trabalho, ou seja, trabalhadores assalariados, o que caracteriza a estimação dos autores como uma Curva de Salário típica. realizaram pesquisas nesta área utilizando esta abordagem.

Em seu trabalho, Barros & Mendonça, com base em microdados da PME do IBGE, estudaram o mercado de trabalho formal masculino dividido em 54 segmentos obtidos a partir da combinação das seis principais regiões metropolitanas do país com três faixas educacionais e três grupos etários. Segundo Barros & Mendonça, uma variação de cerca de 6% na taxa de desemprego provocaria uma variação de 24% no nível salarial. Para as economias industrializadas, o método de Blanchflower & Oswald (1994b), apresenta valores em torno - 0,125 para elasticidade da taxa de salário em relação ao desemprego. Isto sugere que, em comparação com os países centrais, o Brasil possui um mercado de trabalho bastante flexível.

Em outro trabalho para a estimação da curva salarial para o Brasil, Garcia e Fajnzylber (2002) calculam, a partir de microdados da PNAD, a elasticidade da taxa de salário real em relação à taxa de desemprego para os diversos grupos de trabalhadores. O estudo utiliza-se da mesma metodologia que Blanchflower & Oswald (1994b), com e sem a aplicação dos controles sobre os efeitos fixos regionais, e também da metodologia sugerida por Card (1995).

Em todos os casos, as estimações em que foram incluídas os controles dos efeitos fixos regionais, apresentam estimadores estatisticamente significativos, em intervalos de confiança menores e com valores negativos, corroborando a existência de uma curva salarial para o Brasil. A elasticidade do salário real por hora em relação à taxa de desemprego encontrada para todo o mercado de trabalho, utilizando-se da metodologia de Blanchflower & Oswald (1994b), é algo em torno de -0,137 para o período 1981-1999. Já no método proposto por Card (1995), o valor encontrado é de -0,139 para o período 1981-1999.

Apesar da grande abrangência, estes trabalhos não estimam o grau de flexibilidade para o mercado de trabalho brasileiro, utilizando-se de uma análise específica para as áreas urbanas e rurais. Na busca por este objetivo, pretende-se aqui analisar como os níveis de salário real se comportam frente a variações cíclicas nas taxas de desemprego.

4) Metodologia e Resultados Empíricos

4.1) Fontes de Dados e Variáveis

A fonte dos dados referentes ao mercado de trabalho é a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD). Foram realizados filtros para selecionar apenas os indivíduos ocupados com as seguintes características: idade compreendida entre 18 a 65 anos, rendimentos não nulos. São selecionadas variáveis relacionadas à situação do município onde se encontram os indivíduos com as características acima citadas, para saber se estes se encontram no mercado de trabalho urbano ou rural, pois são separadas, em duas amostras4 4 A amostra é de 1.592.833 indivíduos para as áreas urbanas e de 361.456 indivíduos para as áreas rurais. compreendidas entre os anos de 1981 a 1999, as informações referentes a residentes nas respectivas áreas. Na amostra de trabalhadores a ser analisada são utilizadas como variáveis de controle sexo, anos de estudo, idade, posição na ocupação, e ramo de atividade econômica do trabalhador.

A variável anos de estudo é agrupada em cinco categorias: menos de 1 ano de estudo, 1 a 4 anos, 5 a 8 anos, 9 a 11 anos e 12 ou mais anos. A variável idade é agrupada em cinco faixas etárias: 18 a 25 anos completos, 26 a 35 anos, 36 a 45 anos, 46 a 55 anos e acima de 55 anos. A variável posição na ocupação está dividida em trabalhadores com carteira assinada e outros. Nesta última, foram incluídas parcela formal do mercado de trabalho e os trabalhadores informais. Sabendo-se da heterogeneidade entre esses grupos, optou-se por este método devido às mudanças metodológicas ocorridas na PNAD. O ramo de atividade é definido segundo a semelhança da atividade excercida. Sendo, então, dividida em três categorias: Setor Primário, Secundário e Terciário.

Como a PNAD não informa diretamente a residência por Grande Região, são filtrados os estados da Federação para depois agregar essas informações em Grandes Regiões. Assim sendo, para possibilitar compatibilidade temporal, o Estado do Tocantins não é considerado separadamente, mas sim como parte integrante do Estado de Goiás.

A região Norte é eliminada dessa amostra, em virtude da ausência de informações na PNAD sobre o seu mercado de trabalho rural.

4.2) Metodologia

Neste estudo, para a estimação da curva de rendimentos opta-se pelo método proposto por Card (1995) conhecido como painel em dois passos. Conforme observa o autor, a taxa de desemprego é uma variável agregada tomada para o conjunto da sociedade, enquanto os rendimentos e atributos do trabalhador e do seu posto de trabalho são variáveis observadas individualmente. Desta maneira, como não se pode obter taxas de desemprego individuais, os indivíduos localizados em um mesmo mercado de trabalho podem compartilhar algum componente comum de variância que não é totalmente atribuível às suas características mensuráveis ou à taxa de desemprego local. Isto leva a uma correlação positiva do termo residual entre os indivíduos de um mesmo mercado de trabalho, subestimando os efeitos da taxa de desemprego local sobre os rendimentos.

Blanchflower & Oswald (1994b) propõe, para a correção deste problema, o método de cell means. Tal método consiste na construção de grupos de indivíduos com características similares ao longo do tempo em determinada região. Sendo assim, toma-se, em uma área, o salário médio desses indivíduos com as mesmas características em um ponto do tempo. Este método, como observa Card (1995), estima o efeito das taxas de desemprego sobre os rendimentos sem considerar de forma adequada a influência das características individuais, pois desta forma perdem-se informações sobre a distribuição das características individuais e dos rendimentos. Para correção do problema Card (1995) sugere, então, o método de painel em dois passos, também adotada por Garcia e Fajnzylber (2002).

O passo inicial é estimação da Curva de Rendimento sem a inclusão da variável Ln Urt mas com a inclusão de dummies de interação entre região e ano. Tais variáveis são responsáveis pela captação do diferencial salarial entre regiões incluídas no modelo ao longo dos anos considerados. Isto é necessário, pois as diferentes regiões podem estar sofrendo efeitos de forma desigual em determinados anos. Estima-se, então, a equação controlada pelas características pessoais, por dummy de região, de período e pelas dummies interagidas. A dummy de região nessa estimação, considera a residência do indivíduo nas quatro Grandes Regiões Brasileiras: Sudeste, Sul, Centro-Oeste e Nordeste:

Ln Wirt = bXirt + dr + ft + dfrt + eirt, onde :

Ln Wirt = logaritmo do salário do indivíduo i na região r no período t;

b = vetor de coeficientes dos efeitos das características pessoais mensuráveis sobre os rendimentos.

Xij = é o conjunto de características mensuráveis (sexo, educação, etc.) do indivíduo i na região r no período t;

d r é a variável dummy de região;

ƒt é a variável dummy de tempo;

dfrt é a dummy de interação entre as dummies de região e de ano;

eirt é o termo residual.

Portanto, ao aplicar o primeiro passo, obtêm-se, além da variação dos rendimentos controlados pelas características individuais, a variação dos rendimentos ao longo do tempo e entre as diferentes regiões, em relação àquelas características individuais, ano e região omitidas da regressão (categorias de referência)5 5 Nas quatro especificações, são utilizados indivíduos do sexo feminino, analfabetos, com idade entre 18 e 25 anos, empregados sem carteira assinada, ocupados no setor primário, residentes no Centro-Oeste e o ano de 1981 como categorias de referência do modelo. . O diferencial de rendimento obtido é, então, usado como variável dependente no segundo passo.

Este método faz com que os valores dos resíduos correlacionados, devido à omissão da taxa de desemprego, sejam transportados para os valores dos rendimentos obtidos. Desta forma, no segundo passo, utiliza-se os diferenciais de rendimento anteriormente obtidos como variável dependente e como variáveis explicativas, utilizam-se a taxa de desemprego, as dummies de ano e a dummy de região, agregando, desta forma, os níveis de rendimentos reais e, portanto, não enfrentando o problema citado por Card (1995). Sendo assim tem-se:

Ln Wirt = a Ln Urt + dr + fr + eirt,

Onde Urt é a taxa de desemprego no ano t na região r.

Ao estimar a taxa de desemprego em função dos níveis de rendimento sem a inclusão da dummy de região, a primeira deve estar positivamente relacionada com a segunda. Isto está associado com a condição de migração e diferenciais de rendimentos de Harris & Todaro (1970), onde regiões com altos níveis salariais atraem mão-de-obra migrante em busca de uma renda esperada maior que aquela obtida em seu local de origem, fazendo com que tais regiões apresentem maiores taxas de desemprego.

Quando as dummies de região são incluídas, elas captam os componentes fixos da taxa de desemprego, restando apenas a taxa de desemprego de curto prazo, que está negativamente correlacionada com a taxa salarial de curto prazo.

Outro ponto relevante na estimação da equação sugerido por Card (1995) é o uso do rendimento real por hora e não por mês. A taxa de desemprego pode estar influenciando a redução dos rendimentos mensais através da queda do número de horas trabalhadas no mês enquanto o rendimento horário permanece estável. Desta forma, o uso do rendimento real por hora trabalhada evita tal problema e capta o verdadeiro efeito da taxa de desemprego sobre o nível dos rendimentos.

4.3 – A Curva de Rendimentos - 1º passo

Na primeira estimação da curva de rendimentos para o Brasil, são utilizadas amostras para o período compreendido entre 1981-1999 com controle das características pessoais e controle dos efeitos fixos regionais e de tempo. A Tabela 1 apresenta os resultados obtidos desta estimação6 6 Como o modelo é log-linear e todas as dummies são binárias, a interpretação dos efeitos das variáveis de atributos pessoais e de postos de trabalho sobre os rendimentos individuais devem ser feita por intermédio do cálculo dos respectivos "anti-logs". Assim, para calcular o acréscimo na variável dependente quando a variável explicativa assume valor 1 em termos percentuais, efetua-se o seguinte cálculo: [exp(b)-1]x100. . Observa-se que as características individuais e os efeitos fixos de região e tempo explicam cerca de 46% das variações nos rendimentos individuais nas áreas urbanas. Em relação a gênero, os indivíduos do sexo masculino tendem, em média, possuir rendimento 60% maior que o sexo feminino.

No que tange à escolaridade, os resultados ratificam outras evidências empíricas para o Brasil e o resto do mundo, mostrando que quanto maior o nível de educação formal do indivíduo maior o seu nível de rendimento. Segundo a teoria do capital humano, um maior nível de escolaridade tende a ampliar a produtividade do trabalho e isso se reflete em um rendimento mais elevado para o indivíduo que investe em capital humano. No Brasil, um trabalhador na faixa de 1 a 4 anos de estudo ganha 39% a mais o que ganha um analfabeto, mantidas as demais características constantes, ao passo que um universitário ou indivíduo com curso superior completo recebe rendimento 585% maior que o rendimento do analfabeto.

Além disto, a medida em que a idade avança, o rendimento cresce a taxas crescentes até 55 anos – o trabalhador na faixa de 46 a 55 anos ganha, em média, 97% a mais do que ganha um trabalhador com 18 a 25 anos – , quando reduz em relação à faixa etária anterior. Esses resultados são esperados e corroboram a hipótese de perfil idade-rendimento descrito por uma função côncava (Borjas, 1996). Tal comportamento se deve ao acúmulo de capital humano seja por intermédio de educação formal, mas em maior medida, por intermédio de treinamentos on the job e acúmulo de experiência no mercado de trabalho ao longo de ciclo de vida ativa. A partir dos 60 anos, o trabalhador "mediano" passa a sofrer de um processo de "desqualificação" da mão-de-obra, em virtude de piora nas condições de saúde, menor contato com inovações tecnológicas, entre outros, processo esse que tende a reduzir sua produtividade e, portanto, seus rendimentos.

Os trabalhadores com carteira assinada recebem cerca de 10% a mais que os outros trabalhadores. Este resultado é fruto da inserção de indivíduos conta-própria e trabalhadores sem carteira assinada incluídos na categoria outros.

Na análise setorial, constata-se que o trabalhador do setor secundário é possuidor de rendimento 41% superior ao rendimento do setor primário nas áreas urbanas, enquanto a mão-de-obra do setor terciário tende a receber rendimento 34% acima da renda do setor primário. Tal fato se dá devido a maior produtividade e exigência de mão-de-obra qualificada da indústria em relação aos demais setores da economia.

Já as Grandes Regiões Brasileiras apresentam o esperado resultado do maior nível de rendimentos na região Sudeste. De acordo com os dados, nota-se que, os habitantes da região Sudeste possuem renda 11% maior do que os habitantes do Centro-Oeste, sendo também maior que as demais regiões, em relação à Região Centro-Oeste. No Nordeste, o rendimento é cerca de 22% menor do que na Região Centro-Oeste.

As variáveis de ano indicam a oscilação dos rendimentos em função das flutuações da economia para as duas décadas em análise, em relação ao ano de 1981. Percebe-se que após a recessão vivenciada no início dos anos 80, em virtude da edição do Plano Cruzado, o ano de 1986 apresenta aumento dos rendimentos em relação a 1981. Logo após o colapso do plano, os rendimentos voltam a reduzir, principalmente no biênio 1992-1993, quando o governo Collor, com medidas recessivas, proporcionou tal fenômeno. Enfim, os rendimentos iniciam, depois de 1995, um movimento de recuperação propiciado pelo bom desempenho do Plano Real no controle da inflação, chegando ao mesmo valor de 1981 em 1996. Entretanto, com as sucessivas crises externas e necessidades de ajustes na economia brasileira, os rendimentos voltam a declinar, fechando a década com valores próximos a 89% dos rendimentos de 1981.

As informações para as áreas rurais apresentam importantes resultados. Primeiramente, as características individuais controladas por ano e região respondem por apenas 29,72% das variações nos rendimentos consolidando a hipótese central deste estudo como é observado na Tabela 2. No que tange as características pessoais, constata-se que os homens têm rendimento 70% maior do que o rendimento das mulheres. Já os níveis educacionais influem nos rendimentos dos trabalhadores das áreas rurais. A magnitude das oscilações, à medida que os anos de estudo avançam, é semelhante àquela verificada para as áreas urbanas. Os trabalhadores com 1 a 4 anos de estudo tendem a apresentar rendimentos 29% superior ao dos analfabetos, ceteris paribus, ao passo que um indivíduo universitário ou graduado recebe 523% a mais que um analfabeto.

No que tange à idade, também nas áreas rurais, a medida em que esta avança cresce o rendimento do trabalhador voltando a declinar após os 55 anos de idade devido à queda em sua produtividade. Entretanto, a distância nos rendimentos que se observa entre os trabalhadores rurais com idade superior à faixa etária compreendida entre 18 e 25 anos e os jovens é inferior àquela que se constata nas áreas urbanas. Tal fato pode estar relacionado com o menor contato dos trabalhadores localizados nas áreas rurais às inovações tecnológicas, fazendo com que diminuição da produtividade ao longo dos anos seja menos intensa que aquela observada nas áreas urbanas.

Com relação às Grandes Regiões Brasileiras, na região Sul, o rendimento do trabalhador é praticamente o mesmo da região Centro-Oeste, enquanto no Nordeste tal valor é de 74% do valor do Centro-Oeste. Já o Sudeste se apresenta estatisticamente insignificante, o que induz que trabalhadores com características semelhantes não têm seus rendimentos afetados pelo fato de estarem na Região Centro-Oeste ou Sudeste. No que diz respeito à influência das flutuações da economia nos rendimentos dos trabalhadores rurais, verifica-se a mesma tendência de queda nos rendimentos nos anos de recessão e melhora nos anos de expansão, como em 1986. Para o período pós Plano Real, embora os coeficientes apresentem valores próximos ao registrados em 1981, estes se apresentam estatisticamente não significativos.

4.4 – Curva de Rendimentos – 2º passo

Para a estimativa final da curva de rendimentos, utiliza-se a variável independente, logaritmo da taxa de desemprego, das áreas urbanas e rurais contra os diferenciais de renda das mesmas, ao longo dos 17 anos obtidos na regressão anterior. O resultado é uma Curva de Rendimentos para o Brasil no período compreendido entre 1981-1999 para os mercados urbano e rural, conforme mostram as Tabelas 3 e 4 respectivamente.

Para o mercado de trabalho urbano, verifica-se o impacto da taxa de desemprego cíclica sobre os rendimentos cíclicos. De acordo com os resultados, um aumento de 10% na taxa de desemprego no país gera uma queda de aproximadamente 2,35% nos rendimentos da população. Estes valores situam-se próximos daqueles verificados na literatura internacional e, principalmente, para o caso brasileiro conforme valor de - 4 em Barros & Mendonça (1996) e, de acordo com Garcia & Fajnzylber (2002), - 0,14. É importante notar, ainda, que os valores das elasticidades das dummys de região foram positivos para o Sul e Sudeste ao passo que para o Nordeste é negativo. Isto corrobora a condição de migração de Harris & Todaro (1970), que afirma que os indivíduos migram entre as regiões em busca de uma renda esperada superior àquela obtida no seu local de origem, aumentando o estoque de desempregados nas regiões com altos rendimentos, o que relaciona positivamente o nível dos rendimentos com as taxas de desemprego.

Já a estimativa para o mercado de trabalho rural comprova que tais áreas, por não possuírem um mercado de trabalho constituído de uma maneira capitalista típica, onde as relações de ocupação são muito bem definidas, as taxas de desemprego cíclicas não afetam.

Cabe então concluir que há uma Curva de Rendimentos para o Brasil apenas nas áreas urbanas, sendo, portanto, aplicado o conceito de flexibilidade do mercado de trabalho apenas para tais áreas, uma vez que, nos mercados rurais, aumentos na taxa local de desemprego não levam, no curto prazo, a variações nos níveis de renda, bem como choques decorrentes das flutuações econômicas não afetam as taxas de desemprego.

No que concerne ao mercado de trabalho urbano no Brasil, pode-se constatar que este se comporta de maneira bem flexível em comparação com as economias industrializadas7 7 Para tais economias, como é mostrado nos capítulos anteriores, Blanchflower & Oswald (1994) encontram valores próximos a - 0,10 para a elasticidade da taxa de desemprego. . Desta forma, choques econômicos tendem a gerar maior impacto, nas áreas urbanas, sobre os salários, ao passo que nas áreas rurais tais choques pouco afetam os níveis de emprego e, portanto, de rendimentos.

5 – Considerações Finais

Como é mostrado neste estudo, existe uma Curva de Rendimentos para o Brasil que relaciona negativamente o desemprego cíclico com os rendimentos cíclicos. Constata-se que o aumento das taxas de desemprego promove queda nos níveis de renda real dos trabalhadores no curto prazo.

A partir da estimação da Curva de Rendimentos para o Brasil, no período compreendido entre 1981-1999, os resultados obtidos para a mão-de-obra rural corroboram a principal pressuposição do presente trabalho de que por não possuir relações trabalhistas típicas de um mercado capitalista, os níveis de desemprego nas áreas rurais pouco sofrem com as flutuações econômicas brasileiras, em relação aos trabalhadores urbanos. Não é possível, portanto, aplicar o conceito de flexibilidade do mercado de trabalho para as atividades localizadas no campo. Já nas áreas urbanas, o mercado de trabalho no Brasil mostra ser flexível.

Referências

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GARCIA, L. L; FAJNZYLBER, P. A Curva de Salário para o Brasil: Uma Análise Microeconométrica a partir dos dados da PNAD de 1992 a 1999. XXX Encontro Nacional de Economia Anais (Cdrom), 2002.

HARRIS, J.; TODARO, M. Migration, Uneployment And Development: A Two Sector-Analysis. American Economic Review, 60, p.126-142, 1970.

Recebido em junho de 2003 e revisto em novembro de 2003

  • 1
    Os autores utilizam, na verdade, a Curva de Salário e não a Curva de Rendimento. Aqui optou-se por esta nomenclatura pois o grau de informalidade nos países desenvolvidos é pequeno se comparado a países como o Brasil. Desta forma, a pesquisa realizada por Blanchflower & Oswald (1994b) abrange, em sua maioria, trabalhadores cujos os rendimentos são caracterizados como salário. Para o Brasil ao se considerar apenas a parcela dos trabalhadores formais, está-se, assim, desconsiderando grande parte do mercado de trabalho urbano brasileiro e, principalmente, rural.
  • 2
    Ver Card, D.; The Wage Curve: a Review; 1995.
  • 3
    Barros & Mendonça (1996) e Garcia & Fajnzylber (2002) utilizam apenas a parcela do formal do mercado de trabalho, ou seja, trabalhadores assalariados, o que caracteriza a estimação dos autores como uma Curva de Salário típica.
  • 4
    A amostra é de 1.592.833 indivíduos para as áreas urbanas e de 361.456 indivíduos para as áreas rurais.
  • 5
    Nas quatro especificações, são utilizados indivíduos do sexo feminino, analfabetos, com idade entre 18 e 25 anos, empregados sem carteira assinada, ocupados no setor primário, residentes no Centro-Oeste e o ano de 1981 como categorias de referência do modelo.
  • 6
    Como o modelo é log-linear e todas as
    dummies são binárias, a interpretação dos efeitos das variáveis de atributos pessoais e de postos de trabalho sobre os rendimentos individuais devem ser feita por intermédio do cálculo dos respectivos "anti-logs". Assim, para calcular o acréscimo na variável dependente quando a variável explicativa assume valor 1 em termos percentuais, efetua-se o seguinte cálculo: [exp(b)-1]x100.
  • 7
    Para tais economias, como é mostrado nos capítulos anteriores, Blanchflower & Oswald (1994) encontram valores próximos a - 0,10 para a elasticidade da taxa de desemprego.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      Jan 2004
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