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Resenha: Filosofia como Modo de Vida - Ensaios Escolhidos. FAUSTINO, M., TESTA, F. (Orgs.) - Lisboa: Edições 70, 516 pg., 2022.

FAUSTINO, M.; TESTA, F.. Filosofia como Modo de Vida – Ensaios Escolhidos.Lisboa: Edições 70, 2022. 516

O Volume Filosofia como modo de vida - Ensaios Escolhidos, organizado por Federico Testa e Marta FaustinoARANTES, P. E., Um departamento francês de ultramar - estudos sobre a formação da cultura filosófica uspiana. São Paulo, Paz e Terra, 1994., é um compêndio acadêmico com uma seleção de treze ensaios sobre o tema-título. Sua proposta principal é de apresentar ao mundo lusófono uma visão panorâmica do debate acadêmico, feito majoritariamente em língua inglesa, centralizado no tema hadotiano-foucaultiano da “filosofia como modo de vida”. Ou ainda, nos termos dos próprios organizadores, uma “cartografia do debate” (p. 44), muito bem-vinda no contexto brasileiro.

O livro começa apresentando um resumo das concepções hadotiana e foucaultiana de filosofia como modo de vida e o lugar dessa noção no pensamento de cada um dos dois, incluindo aí suas diferenças de base. Sinteticamente, a noção hadotiana de exercícios espirituais proviria de uma necessidade inicialmente metodológica e hermenêutica, desenvolvida posteriormente a partir de uma intuição de inspiração wittgensteiniana (p. 19); enquanto isso, Foucault se aproximaria de sua concepção de “artes de viver” como aprofundamento de seu trabalho sobre a história das relações entre sujeito e verdade (p. 25). Apesar de sutis, essas diferenças entre os dois são importantes para ressaltar a independência de suas concepções que, apesar de convergirem, surgem a partir de propostas filosóficas distintas.

Após sua rápida contextualização do tema, a introdução passa a uma justificação da estrutura do compêndio e da seleção dos ensaios, destacando o impacto da concepção de filosofia como modo de vida no debate acadêmico a partir dos níveis historiográfico, metafilosófico e pedagógico/psicagógico (p. 33). Os dois primeiros níveis estabelecem o eixo sinóptico do volume, dando conta da concepção de filosofia como modo de vida tanto em suas diversas manifestações ao longo da história, quanto no que ela traz de reflexão sobre a natureza da própria filosofia. O terceiro nível é mais perceptível como ambição do volume de responder à questão da reatualização da concepção da filosofia como modo de vida no contexto contemporâneo, seu potencial e dificuldades. Neste sentido, não é pequeno o mérito do compêndio em tornar sensível os dilemas postos pela necessária sobreposição entre filosofia, história e vida.

Sintetizo, a seguir, algumas das premissas do compêndio e apresento essas três linhas mestras do livro a partir de dois de seus principais ensaios. Tentarei ainda indicar algumas questões que surgiram de uma primeira leitura - a qual, para ser justa, precisaria naturalmente ser seguida por uma segunda e uma terceira.

O objetivo principal do volume é, como já disse, apresentar a nova linha do debate contemporâneo aberta pela compreensão foucaultiana/hadotiana da filosofia como modo de vida. Um dos elementos básicos desta concepção é uma relação ética e vívida com a verdade (p. 28), que teria premência em relação aos construtos teóricos que a circundam. O enraizamento histórico dessa noção, por sua vez, se encontraria nos próprios ritos religiosos e ditos oraculares gregos (p. 26ss), que dariam as bases para certa tradição prudencial da filosofia. Nesta linha, a filosofia é tomada como atitude existencial, de forma que “a atividade filosófica se continua a exercer mesmo quando o discurso filosófico cessa” (p. 29). A introdução aponta ainda a particularidade da leitura foucaultiana em ressaltar o cinismo antigo como exemplo típico de uma ética de si. É em Diógenes, de fato, que o discurso propriamente dito é posto em segundo plano, enquanto os gestos e ações concretas ganham destaque - sendo a “magreza doutrinária” e a “banalidade teórica” dos cínicos até mesmo vantajosas para o seu “dizer-a-verdade ilimitado e corajoso” (p. 29). E seria possível dizer que, também nos conceitos mobilizados pelos dois autores para dar conta do tema da filosofia como modo de vida, como a noção de exercícios espirituais ou as de ética, técnicas e cuidado de si, é possível ver certo aspecto de “magreza”. Aspecto não apenas coerente com as propostas filosóficas de ambos, mas também estratégico diante das instituições modernas do saber.

A partir da concepção da filosofia como modo de vida, o “aparato teórico-abstrato sucede e justifica a opção radical por uma maneira de viver que, por sua vez, se relaciona com coordenadas fundamentais da experiência humana no mundo” (p. 22). E, por isso mesmo, a posição crítica diante da historiografia e das instituições tradicionais de transmissão e produção da filosofia, longe de ser circunstancial, é na verdade uma consequência direta da perspectiva da filosofia como modo de vida. Isso, mesmo que no caso de Foucault o interesse pelas “artes de viver” se dê apenas em decorrência da sua “genealogia da subjetividade ocidental na sua relação com a verdade” (p. 25). De qualquer maneira, ambos os autores engendram suas reflexões sobre a natureza da filosofia como modo de vida em suas análises e interpretações da própria História da Filosofia - misturando, assim, metafilosofia e historiografia.

E é a partir dessa relação entre a perspectiva da filosofia como modo de vida de um lado e sua historicidade de outro, que o volume de ensaios aqui referido desenvolve as três linhas mestras de sua organização, seguindo de perto a relevância de cada uma para o debate contemporâneo. Passo agora a uma rápida apresentação dessas três linhas mestras a partir de dois ensaios que gostaria de destacar.

Os quatro primeiros ensaios, de natureza mais marcadamente metafilosófica, são O que é a filosofia como modo de vida?, de John Sellars, Observações sobre a concepção de filosofia como modo de vida de Pierre Hadot, de Michael Chase, A história da filosofia e a persona do filósofo, de Ian Hunter, e Foucault, Hadot, Cavell e a vida como “real” da filosofia, de Daniele Lorenzini. A razão dos organizadores começarem o volume por estes ensaios metafilosóficos me parece evidente: a própria noção de filosofia como modo de vida é, em sua essência, indissociável de uma reflexão metafilosófica - no caso de Hadot, suscitada por questões hermenêuticas e, no caso de Foucault, pelo aprofundamento de seu trabalho genealógico.

Em relação ao próprio termo metafilosofia, bem mais presente no mundo acadêmico anglófono, confesso sentir certo estranhamento, como se fosse um termo ao mesmo tempo óbvio e obscuro. Afinal, a pergunta pela natureza da própria atividade filosófica não seria um aspecto essencial da filosofia como um todo, que, diferentemente das “ciências particulares”, precisa dar a si mesma seu fundamento e justificação? E por isso mesmo, ao filosofar, já não estaríamos necessariamente fazendo metafilosofia? E se for este o caso, haveria algum sentido em aplicar a designação “meta” à filosofia-da-filosofia? Acabaríamos, talvez, nos tornando filo-filósofos...

Em resposta a meu próprio estranhamento, acredito que a validade do termo está no fato de ressaltar um momento específico da reflexão filosófica, talvez mesmo um momento originário, no qual a filosofia é a própria tentativa de “dizer a si mesma”. Momento este que não é estranho à reflexão filosófica acadêmica brasileira, que remete aos textos de Martial Gueroult, Jean Magüé, Oswaldo Porchat, etc.1 1 Impossível não se referir ao clássico ARANTES, P.E., Um departamento francês de ultramar - estudos sobre a formação da cultura filosófica uspiana. São Paulo, Paz e Terra, 1994. Além disso, vem à mente os diversos ensaios intitulados “Por que filósofo?”, baseados numa mesa redonda da SBPC datada de 1975, envolvendo Bento Prado Júnior, José Arthur Giannotti, Gérard Lebrun e Rubens Rodrigues Torres Filho. Com isso, quero dizer que, mesmo sem nomeá-la como metafilosófica, temos no Brasil, inclusive, pelo menos uma tradição riquíssima de reflexão sobre a natureza da filosofia e sua leitura, sobre a qual um compêndio tal qual o aqui analisado seria de grande valia para o debate contemporâneo sobre... metafilosofia.

Isto dito, os ensaios mais metafilosóficos do começo do compêndio, particularmente os dois primeiros de John Sellars e Michael Chase, são ótimas bases para iniciar o debate que permeia o livro como um todo. O de Sellars localiza a concepção de filosofia como modo de vida em relação a duas divisões internas à própria História da Filosofia, uma primeira tradicional, entre as matrizes aristotélica e socrática, e uma segunda contemporânea, entre as filosofias ditas analítica e continental. Enquanto a primeira divisão seria entre uma visão “científica” e outra “humanista” da filosofia (p. 68ss), a segunda seria entre uma matriz filosófica mais direcionada à “episteme”, e outra direcionada à “phronesis” (p. 74) - sendo que o próprio autor relativiza, com razão, ambas as distinções, principalmente a segunda.

Quanto à última distinção, herdeira do famoso divide anglo-saxão, o autor a utiliza para uma crítica em relação à filosofia acadêmica em geral, dentro da qual localiza tanto a corrente dita continental quanto analítica. Sellars afirma que, sob a perspectiva da filosofia como modo de vida, a distinção mais precisa seria entre uma “impessoal filosofia acadêmica moderna” (p. 78) e uma outra preocupação histórica da filosofia com a transformação ética que o contato com a verdade traria para os sujeitos. Com isso, o objetivo de sequer levantar as distinções supracitadas é apontar para o fato de que, em ambas, a noção da filosofia como modo de vida não seria uma visão alternativa ou recente, mas um elemento presente em toda filosofia que pretenda tanto transformar a vida quanto compreender o mundo (p. 82). Elemento este apenas recentemente negligenciado pelas instituições acadêmicas. E é sobre essa mesma negligência que o ensaio de Michael Chase se concentra, apontando a perspectiva hadotiana como uma alternativa à filosofia acadêmica, ensaio este que se torna especialmente relevante pelo fato de Chase ter sido discípulo do próprio Hadot.

Mas à guisa de trazer algumas questões que o livro suscitou, me permito dar um salto para o ensaio Filosofias antigas como modos de vida: o caso de Sócrates de John Cooper, o quinto do volume, pois do diálogo entre este e o de Sellars surgem algumas das questões mais importantes relacionadas ao tema da filosofia como modo de vida. Noto já de saída que é a partir de um ponto em comum entre Sellars e Cooper, mas também entre este e Hadot, que podemos compreender também onde reside a fertilidade da crítica de Cooper à perspectiva da filosofia como modo de vida. Os três autores concebem a compreensão do mundo trazida pela filosofia como indissociável de uma transformação vital sobre os sujeitos que se propõem a viver filosoficamente. E Cooper não apenas reconhece a influência da perspectiva hadotiana sobre a sua própria, como sua exposição mantém que é a presença da ética como ramo da filosofia que a distinguiria de outros campos do saber (p. 206). Sua aproximação com Hadot se faz sentir aí, justamente na medida em que a centralidade da ética implica também uma centralidade da transformação vital ou subjetiva que a filosofia engendraria.

Inclusive, ao longo de todo o ensaio (baseado em uma conferência de 2012), têm-se uma forte impressão de proximidade entre as concepções de Cooper e Hadot, muito embora desde o começo o autor ressalte sua crítica ao último. Mas a sutileza da argumentação de Cooper está em fundamentar sua concepção na interpretação de que, com Sócrates, a virtude ou sabedoria estaria ligada a uma apreensão e compreensão racional do sistema de valores humanos, compreensão esta que, por si só, teria o poder de governar nossas vidas e levar-nos a uma vida boa (p. 218ss). Com isso, o ensaio termina argumentando que a filosofia “diz-nos como viver”, que ela “conduz toda a nossa vida, movendo-nos diretamente e por si mesma” e, por fim, que o “estudo filosófico” seria algo bom por si mesmo e deveria ser perseguido na medida do possível (p. 224).

Ora, é justamente no sentido de que ela conhece e age sobre os valores éticos - e portanto, aqueles valores que se referem à maneira de viver, conduzindo-a na medida mesma em que, sendo humanos, valoramos - que a filosofia teria a capacidade de conduzir as nossas vidas diretamente. A sutileza está no fato de que, ao localizar a ação da filosofia sobre o campo dos valores e ao apresentar a ação destes sobre a vida como direta, Cooper reforça seu argumento de que a filosofia “por si só” agiria sobre a vida. E isso, principalmente através da argumentação racional, que deve ser compreendida aqui no sentido mais amplo, de “dar razão”, justificar nossas ações (p. 220), e não apenas “raciocinar”. Com isso, a principal crítica em relação a Hadot estaria na sua compreensão dos exercícios espirituais como meios de fortalecimento da resolução moral (p. 225), ou seja, como mediadores entre a compreensão virtuosa dos valores e sua efetivação nos modos de vida.

Teríamos assim, a princípio, duas concepções concorrentes da filosofia como modo de vida (ou seja, da filosofia como sendo essencialmente uma relação ética e vivida com a verdade), tendo como diferença fundamental o lugar dos exercícios espirituais, na linguagem hadotiana. Para Hadot, estes seriam parte essencial desta relação entre filosofia e vida, enquanto para Cooper, justamente pelo fato de a filosofia consistir numa investigação racional sobre os valores éticos, a simples evolução da compreensão filosófica já seria suficiente para conduzir a uma vida boa e plena - sendo os exercícios referidos por Hadot apenas uma manifestação já decadente da filosofia pagã (p. 227). As posições de Hadot e Cooper reenviam ao ensaio de Sellars, pois essa disputa sintetiza uma oposição interna à própria noção de filosofia como modo de vida, uma disputa em aberto no debate contemporâneo, apresentada agora diante do público lusófono.

Mas levanto ainda uma questão suscitada pelo compêndio como um todo, em relação à natureza específica da filosofia enquanto abertura amorosa ao saber - filo-sofia. Se tanto Cooper e Hadot pensam a relação entre a transformação da vida e a compreensão da verdade filosófica, restaria ainda pensar a própria relação entre verdade e filosofia como deslocada e desejosa, ou ainda, erótica. Neste sentido, acredito que o pensador francês é mais feliz em destacar a insuficiência humana diante dos valores que constituem o próprio mundo humano, uma distância do Homem em relação à verdade ética de seu próprio ser, que exigiria, talvez, uma relação menos imediata com o saber racional do que Cooper sugere. Acredito que Hadot se aproxime desta consideração, particularmente em seu Elogio de Sócrates2 2 HADOT, P. Elogio de Sócrates, trad. Loraine Oliveira, Flávio Fontelle Loque - São Paulo: Loyola, 2012. .

A segunda parte do compêndio, que começa com o ensaio de Cooper e segue com Argumentos terapêuticos, de Martha Nussbaum e Sêneca: a filosofia estoica como guia para a vida, de Julia Annas, dá continuidade à questão do ponto de vista mais propriamente historiográfico, sem deixar de suscitar questões metafilosóficas similares aos anteriores. Particularmente o de Nussbaum, que traz o lugar da analogia médica no epicurismo, no ceticismo e no estoicismo, é de grande interesse não apenas para os especialistas nestas escolas, mas também para uma reflexão mais profunda sobre as relações entre o pensamento filosófico e as ambições terapêuticas da filosofia. Ambições que não apenas são reatualizadas por Hadot e Foucault, mas também remetem a diversos autores modernos. De qualquer modo, o ensaio de Nussbaum, retirado de seu livro The Therapy of Desire, se restringe ao exame deste modelo médico da filosofia entre os pensadores antigos, diferenciando-o de um modelo “platônico” e outro das “crenças comuns” (p. 237), ambos ligados a certa concepção aristotélica de filosofia. Deste modo, novamente retoma-se a questão levantada por Sellars no primeiro ensaio, muito embora o modelo médico de Nussbaum esteja mais ligado à questão da terapia do desejo e das complexas relações entre as paixões e emoções com a argumentação.

A parte final do compêndio, mais extensa, traz um total de seis ensaios, tratando justamente de autores modernos e contemporâneos através da perspectiva da filosofia como modo de vida. Os ensaios, todos de renomados autores ligados ao debate acadêmico contemporâneo sobre o tema, são Legado de um philosophe: o Sêneca de Diderot, entre Hypomnêmata e Exercícios Espirituais, de Matthew Sharpe, Vocação como terapia: Nietzsche e o conflito entre profissão e chamamento na Academia, de Martine Béland, A reanimação de Nietzsche da filosofia como modo de vida, de Michael Ure, Bergson e a filosofia como modo de vida, de Keith Ansell-Pearson, Cioran e o pessimismo como modo de vida, de Tobias Dahlkvist e, por fim, Os Exercícios Espirituais de Primo Levi, de Arnold I. Davidson. Esta seleção eclética reforça tanto a premissa de uma apresentação panorâmica do debate em torno do tema, como também a amplitude de sua aplicação à exegese de textos modernos e contemporâneos - em suma, demonstra sua vivacidade.

Desde a apropriação de Sêneca por Diderot até Bergson, Cioran e Primo Levi, passando por dois ensaios tratando da vida e da filosofia de Nietzsche, essa parte final capta ao mesmo tempo a fecundidade do tema da filosofia como modo de vida e suas dificuldades ao se tratar especificamente da modernidade. Os autores não escondem ou tentam resolver definitivamente essas dificuldades, muito pelo contrário. Retomam, cada um ao seu modo, os diversos temas próprios da modernidade, como a fragmentação das perspectivas, a cisão entre os mundos teórico e prático, além da crise do papel da racionalidade na sociedade, inclusive no que concerne às instituições de produção do saber.

Quanto aos dois textos sobre Nietzsche, os únicos que me sinto competente o suficiente para comentar, chama especial atenção o primeiro, de Martine Béland, que trata da conflituosa relação de Nietzsche com os vínculos profissionais e acadêmicos, especificamente no período em que ocupava sua cátedra na Basiléia. Sem recair em psicologismo, a autora aponta para a coerência das escolhas e posicionamentos de Nietzsche ao longo do período, afirmando ao fim que “a sua decisão de renunciar à cátedra acadêmica foi essencialmente filosófica” (p. 367). A tensão interna entre a vocação filosófica e a profissão acadêmica é, como aponta a autora, não apenas uma intuição profunda de Nietzsche sobre si mesmo, mas um problema quase indissolúvel para qualquer sujeito que procure dar sentido a uma noção de “vida filosófica”, e não queira se tornar um mero operário do pensamento (p. 362). Também este um problema profundamente moderno, que faz sentido na Alemanha do século XIX, mas também na França do XX, com a qual Foucault e Hadot se confrontaram, e com o Brasil do XXI que, como sempre, ainda está por vir3 3 Reforço minha afirmação da relevância para o contexto brasileiro citando apenas dois textos, um mais antigo, outro mais recente, que poderiam inclusive ser acompanhados de outros no profícuo debate brasileiro sobre o tema. Cf. PRADO Jr, Bento. Profissão: Filósofo [1976], Cadernos PUC, n. 1 (1980), pp. 15-32 (PUC-SP), 1980.; cf. também LEOPOLDO E SILVA, F. A experiência universitária entre dois liberalismos in: Revista Tempo Social; Universidade de São Paulo, 11(1), maio de 1999. .

Por fim, o volume Filosofia como modo de vida é um compêndio de qualidade inequívoca, extremamente bem-sucedido em sintetizar os eixos do debate em torno da filosofia como modo de vida sem, com isso, deixar de indicar horizontes fecundos de pesquisa e debate futuros. Trata-se não apenas de um esforço de tradução deste debate majoritariamente anglófono, mas também de um balanço histórico e reflexivo em torno de uma tradição filosófica que atravessa, muitas vezes subterraneamente, a História da Filosofia ocidental e reemerge nos trabalhos de Foucault e Hadot.

Neste ponto, tendo em vista a crítica hadotiana-foucaultiana das instituições modernas de produção do saber, eu levantaria ainda a questão da transmissão deste saber, ponto de encontro entre a tradição filosófica e sua corrente de tradutores-traidores. Considerando a preservação dos escritos antigos ao longo dos séculos nos mosteiros, o trabalho filológico cuidadoso dos humanistas renascentistas e mesmo os esforços enciclopédicos dos séculos XVIII e XIX, não estamos aí diante de um trabalho do pensamento? E, neste sentido, a própria concepção da filosofia como modo de vida não sobrevive, também ela, em função da continuidade sempre frágil e lenta dessas mesmas instituições de produção - mas também de conservação - do saber? Traduzir uma tradição de pensamento, transmitindo-a e apresentando-a aos olhos daqueles que são vistos como seus iguais, é condição sine qua non da reflexão filosófica. Isso se faz notar no compêndio Filosofia como modo de vida, que deve inspirar respeito e, talvez, até mesmo alguma vontade de emulação antropofágica da parte do pensamento filosófico brasileiro.

  • 1 Impossível não se referir ao clássico ARANTES, P.E., Um departamento francês de ultramar - estudos sobre a formação da cultura filosófica uspiana. São Paulo, Paz e Terra, 1994. Além disso, vem à mente os diversos ensaios intitulados “Por que filósofo?”, baseados numa mesa redonda da SBPC datada de 1975, envolvendo Bento Prado Júnior, José Arthur Giannotti, Gérard Lebrun e Rubens Rodrigues Torres Filho.
  • 2 HADOT, P. Elogio de Sócrates, trad. Loraine Oliveira, Flávio Fontelle Loque - São Paulo: Loyola, 2012.
  • 3 Reforço minha afirmação da relevância para o contexto brasileiro citando apenas dois textos, um mais antigo, outro mais recente, que poderiam inclusive ser acompanhados de outros no profícuo debate brasileiro sobre o tema. Cf. PRADO Jr, Bento. Profissão: Filósofo [1976], Cadernos PUC, n. 1 (1980), pp. 15-32 (PUC-SP), 1980.; cf. também LEOPOLDO E SILVA, F. A experiência universitária entre dois liberalismos in: Revista Tempo Social; Universidade de São Paulo, 11(1), maio de 1999.

Referências

  • ARANTES, P. E., Um departamento francês de ultramar - estudos sobre a formação da cultura filosófica uspiana. São Paulo, Paz e Terra, 1994.
  • FAUSTINO, M.; TESTA, F. (Orgs.). Filosofia como Modo de Vida – Ensaios Escolhidos. Lisboa: Edições 70, 2022.
  • HADOT, P. Elogio de Sócrates, trad. Loraine Oliveira, Flávio Fontelle Loque – São Paulo: Loyola, 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2022
  • Aceito
    05 Nov 2022
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