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PAISAGENS SONORAS: MEMÓRIAS DE UMA CIDADE FABRIL (RIO GRANDE, RS – 1950-1970)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. A autora Maria Leticia Mazzuchi Ferreira é responsável pela coleta de dados e entrevistas referente à Fábrica Rheingantz, frutos de sua Tese de Doutorado em História na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), defendida em 2002, e pela sustentação teórica e redação referente a memória e paisagem sonora. A coautora Olivia Silva Nery é responsável pela coleta das fontes digitais, via Facebook, sobre a Fábrica Ítalo-brasileira, e pela redação e sustentação teórica referente à cidade do Rio Grande e sua industrialização, frutos de sua pesquisa de Pós-Doutorado Júnior em Memória Social e Patrimônio Cultural na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), realizada entre 2020-2022, sob supervisão de Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, financiada pelo CNPq, processo n. 151171/2020-3.

Resumo

O artigo aborda a constituição da paisagem sonora industrial da cidade do Rio Grande, Rio Grande do Sul, partir de duas fábricas têxteis: Rheingantz e Ítalo-brasileira (1950-1970). O texto analisa como esta paisagem é evocada por antigos trabalhadores e moradores, partindo de sinais sonoros como o apito da fábrica e outros que remetem ao universo fabril. O artigo se sustenta no conceito de paisagem sonora – soundscape –, de Raymond Murray Schafer, se aproximando do que o autor traduz como “comunidade acústica”. Metodologicamente o artigo se baseia no campo da história das sensibilidades e na importância do regime sensorial para as relações sociais. Os resultados do artigo apontam para um inventário sonoro, para a diversidade de emoções e percepções envolvidas e destacam o papel que os sons desempenham na construção memorial e identitária.

Palavras-chave
Paisagem sonora; memória sonora; passado fabril; Fábrica Rheingantz; Fábrica ítalo-brasileira

Abstract

The article discusses the constitution of the industrial soundscape of the city of Rio Grande, Rio Grande do Sul, based on two textile factories: Rheingantz and Ítalo-brasileira (1950 – 1970). The text analyzes how this landscape is evoked by former workers and residents, starting from sound signals such as the factory whistle and others that refer to the factory universe. The article is based on the concept of soundscape by Raymond Murray Schafer, approaching what the author translates as “acoustic community.” Methodologically, the article is based on the field of the history of sensibilities and on the importance of the sensorial regime for social relations. The results of the article point to a sound inventory, to the diversity of emotions and perceptions involved, and highlight the role that sounds play in memorial and identity construction.

Keywords
Soundscape; sound memory; factory past; Rheingantz Factory; Ítalo-brasileira Factory

Primeiro apito: reflexões iniciais

O fragmento da canção de Noel Rosa que abre este artigo remete a um sinal sonoro que se apresenta como um dos símbolos mais potentes da cidade fabril: o apito da fábrica. Inúmeros são os sentidos atribuídos a este sinal sonoro que cadenciava o ritmo ordinário da vida, o tempo do cotidiano e do trabalho. São tais sentidos, recuperados pela memória sobre a cidade do Rio Grande, Rio Grande do Sul, no período que abrange 1950-1970, que pretendemos discutir neste artigo, considerando dois universos empíricos e seus processos históricos.

Assim, numa primeira parte, buscamos situar duas fábricas têxteis no contexto de uma cidade que se destaca, já no século XIX, por uma economia que tem na atividade portuária um dos maiores impulsos ao desenvolvimento industrial. Trata-se da cidade do Rio Grande, localizada no litoral sul do Rio Grande do Sul, e que foi um dos principais polos industriais do estado (MERTZ, 1991MERTZ, Marli. A burguesia industrial gaúcha e suas tentativas de organização: de sua origem a 1930. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 12, n. 2, p. 422-444, 1991. Disponível em: <https://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/view/1456>. Acesso em: 10 abr. 2023.
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). Ambas as empresas, Fábrica Rheingantz (Companhia União Fabril) e Fábrica Ítalo-Brasileira (Fábrica Nova), foram empreendimentos industriais importantes para o cenário industrial da cidade e que tiveram à frente grupos estrangeiros, alemães no caso de Rheingantz e italianos na Fábrica Nova. Tais origens se fizeram notar no cenário urbano por meio dos estilos arquitetônicos adotados na construção dos prédios fabris e nos espaços associados a eles, bem como na introdução de formas sociais que se consolidaram dentro e fora do universo laboral.

Na análise destes dois casos se utilizaram os registros sonoros recuperados pela memória, o que encontra no conceito de Raymond Murray Schafer sobre paisagem sonora (soundscape) sua maior expressão. Conforme este autor, paisagem sonora se define pela composição de sons e ruídos que formatam nossa percepção do lugar, uma composição macrocósmica (SCHAFER, 2001SCHAFER, Raymond Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. Tradução de Marisa Trench Fonterrada. São Paulo: Edunesp, 2001.). Schafer aponta que “o território básico dos estudos da paisagem sonora estará situado a meio caminho entre a ciência, a sociedade e as artes” (2001 p. 18) e, sobre tal conceito, Silva (2009, p. 80)SILVA, Sinésio. Memória dos sons e os sons da Memória: uma etnografia musical da Maré. Dissertação de Mestrado em, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. diz que o ambiente sonoro pode ser compreendido como “eventos ouvidos”, entendendo o ouvir como essa apreensão que temos do entorno e cujas impressões, tal como rastros de estímulos efêmeros, se situam em zonas de nosso sistema sonoro que estão vinculadas às emoções.

Os dados sobre os empreendimentos fabris foram resultado, no caso da Fábrica Rheingantz, de pesquisa de doutoramento realizada entre os anos 1998 e 2001, cujo objeto foi a recuperação da trajetória da empresa no período definido entre 1950-1970, por meio de fontes orais e documentais obtidas, sobretudo, nos arquivos da fábrica. Para essa pesquisa foram realizadas 46 entrevistas em um universo composto por antigas operárias e operários, mestres e contramestres, membros do corpo técnico da empresa, tal como engenheiros e desenhistas, e um membro da família Rheingantz que compôs a última diretoria antes da decretação de falência. No que se refere à Fábrica Ítalo-Brasileira, os dados foram obtidos na pesquisa de pós-doutorado,5 5 Pesquisa de Pós-Doutorado em Memória Social e Patrimônio Cultural titulada “Caminho fabril: patrimônio industrial da cidade do Rio Grande”, de Olivia Silva Nery, sob supervisão da Profa. Dra. Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, realizada na Universidade Federal de Pelotas, com financiamento do CNPq (PDJ) n. 151171/2020-3. Site do projeto: <https://caminhofabrilrg.wixsite.com/caminhofabrilrg>. Acesso em: 10 abr. 2023. realizada entre 2021-2022, sobre a história e o patrimônio industrial da cidade do Rio Grande. Ao longo da pesquisa, foram identificadas mais de cem fábricas, de diversos setores, tamanhos e perfis, em funcionamento na cidade entre 1873-2000. A Ítalo-brasileira é um dos estabelecimentos fabris que surgiu no período chamado industrialização dispersa (MARTINS, 2016MARTINS, Solismar Fraga. Cidade do Rio Grande: industrialização e urbanização (1873-1990). Rio Grande: Editora da FURG, 2016.), e teve papel relevante no cenário fabril local. Apesar disso, há uma grande lacuna a seu respeito, não tendo sido identificada, até o momento, nenhuma pesquisa dedicada ao histórico e funcionamento dessa empresa. Os dados aqui apresentados resultam da investigação em documentação inédita encontrada durante o estágio pós-doutoral, e de bibliografia pertinente à história da industrialização da cidade do Rio Grande.

São também resultados da referida pesquisa de pós-doutorado as memórias compartilhadas em forma de comentários nas postagens da mídia social Facebook. Tais comentários foram escritos por testemunhas oculares do passado industrial local e postados na página do grupo “Fatos e Coisas de Antanho do Rio Grande”,6 6 Site criado em 18 jul. 2014 por Ronaldo Morgado e Rosana Joy, que tem como moderador João Paulo Afonso, moradores da cidade de Rio Grande; contava, até o dia 10 nov. 2022, com 43,7 mil membros. criado no Facebook para “divulgarmos e mantermos vivos nosso folclore, nossas tradições, nossa história urbana. Relembrar de figuras quase míticas de nossa cidade”.7 7 Descrição do grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande, disponível em: <https://www.facebook.com/groups/fatosecoisasdeantanho>. Acesso em: 10 abr. 2023. Ou seja, trata-se de um grupo/comunidade voltado para os assuntos históricos locais, em que diariamente são compartilhados textos, imagens e lembranças a esse respeito. Ressaltamos que, para além desse grupo, foram localizados outros dois8 8 O Grupo “Gostinho de Infância” possui 16,3 mil membros até o dia 10 nov. 2022, é um grupo privado, criado em 28 nov. 2015. O Grupo “Coisas e Fatos do Rio Grande: Memórias Esquecidas da História Riograndina” foi criado em 11 mar. 2022, possui 1,2 mil membros e é um grupo público. com objetivo semelhante (divulgação de fotografias, dados e memórias sobre o passado da cidade), sendo o Fatos e Coisas do Antanho o mais antigo e com maior número de membros, identificado como grupo público.9 9 Os grupos públicos do Facebook permitem que qualquer pessoa possa ver quem está no grupo e o que é publicado nele, mesmo aqueles que não possuem conta na rede social. Nesse caso, por questões éticas, optamos por usar um grupo público. Todos os membros estão cientes da privacidade e categoria do grupo quando solicitam sua entrada. Entretanto, de acordo com Cezarinho (2022), optamos por preservar a identidade dos depoentes, e colocarmos apenas as iniciais de seus nomes. Tal decisão está calcada nas discussões contínuas, e necessárias, sobre o uso das fontes digitais e suas autorias em pesquisas científicas. Essa documentação aqui analisada vem sendo utilizada como fonte e objeto de estudo de outros investigadores da área das Ciências Humanas, como Nery (2020)NERY, Olivia Leal. Santos & C.: a história da fábrica através do seu biscoito: produção, venda, consumo e musealização. Tese de Doutorado em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020., cuja pesquisa examina os comentários dos usuários de um grupo relacionado à Fábrica Leal Santos & C., e também Costa (2021)COSTA, Tatiele Araujo. A difusão do patrimônio riograndino a partir de acervos fotográficos: a Fábrica Rheingantz em redes sociais. Dissertação de Mestrado em Patrimônio Cultural, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2021., que analisou as fotografias e memórias compartilhadas no grupo sobre a Fábrica Rheingantz.

A dinâmica dos grupos no Facebook permite que milhares de pessoas interajam e conversem virtualmente por meio das postagens e dos comentários. Estes últimos são aqui compreendidos como pequenas narrativas memoriais, exemplos de uma memória compartilhada na rede social, ou, como defende Thiago Oliveira (2016, p. 118)OLIVEIRA, Thiago. A nostalgia no consumo de imagens em páginas de Memória no Facebook. Revista Brasileira de História da Mídia, Teresina, v. 5, n. 2, p. 117-133, 2016. Disponível em: <https://revistas.ufpi.br/index.php/rbhm/article/view/4794>. Acesso em: 10 abr. 2023.
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, “rastros e restos de uma escrita rápida e fragmentada, (…) em que os sujeitos expõem cotidianamente os medos de apagamento da memória, como técnica de ordenamento de vida”.

Para a realização deste artigo foram pesquisadas,10 10 Para isso, utilizamos a ferramenta de busca por palavras-chave do grupo e pesquisamos pelas seguintes palavras: som/sons, barulho, apito e sirene. Posteriormente, todos os resultados foram analisados e apenas os que tinham relação direta com o objetivo da pesquisa foram considerados. inicialmente, todas as publicações e os comentários que fizessem referência aos sons do passado fabril da cidade. Em um primeiro momento, identificamos um total de 5411 11 Foram desconsiderados os comentários que não tinham referência aos sons do passado fabril, tais como marcação de outros usuários, comentários com emojis etc. Para evitar a análise de comentários e postagens feitas por perfis falsos, verificamos todos os autores dos comentários aqui utilizados de acordo com as recomendações do próprio Facebook: verificação da foto do perfil, verificação dos amigos, verificação das postagens públicas. Todas essas conferências foram realizadas considerando o padrão dos perfis falsos que tendem a possuir poucas informações, postagens apenas do mesmo assunto, poucos amigos e fotos que não estejam de acordo com seu perfil. comentários em cinco postagens,12 12 Ressaltamos que uma destas postagens foi criada especialmente para esta pesquisa e buscou, por meio do questionamento, “qual som ou barulho das fábricas mais marcou sua memória?”, coletar depoimentos e memórias sobre o passado industrial e as memórias sonoras. Demais postagens foram realizadas diferentes pessoas, em momentos distintos. entre 2017 e 2022,13 13 Uma postagem de 2017 com três comentários; duas postagens de 2021 com seis comentários; duas postagens de 2022, com 45 comentários. que se referiam aos sons emitidos pelas fábricas na cidade, sendo que 51,8% (28) são sobre as fábricas têxteis aqui analisadas, Rheingantz e Ítalo-Brasileira, e desse total, 60,7% são sobre a Fábrica Rheingantz e 39,3% da Ítalo-brasileira.

Tais comentários são aqui compreendidos como fragmentos de memória, pequenos escritos e relatos compartilhados na rede social. Em trabalho semelhante, os pesquisadores Paula Santos e João Albuquerque (2017) analisaram a interação e o compartilhamento de memórias na página “Recife de Antigamente”, também do Facebook. Para os autores, “em um espaço de interação das redes sociais online, um texto, foto ou vídeo formam o mosaico de uma memória coletiva” (SANTOS; ALBUQUERQUE, 2017SANTOS, Paula Wivianne Quirino dos & ALBUQUERQUE, João Pedro Silva. Redes sociais online como espaços de Memória: uma visão a partir da página “Recife de antigamente”. Biblionline, João Pessoa, v. 13, n. 3, p. 107-121, 2017. Disponível em: <https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/biblio/article/view/35875>. Acesso em: 10 abr. 2023. doi: <https://doi.org/10.22478/ufpb.1809-4775.2017v13n3.35875>.
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, p. 118). Em outro estudo, Gabriela Zago e Ana Lúcia Silva (2013)ZAGO, Gabriela & SILVA, Ana Lúcia Migowski. Jornalismo e mídias sociais: a representação da Memória coletiva através das apropriações no especial multimídia #memorial1109. Revista Contemporânea Comunicação e Cultura, Salvador, v. 11, n. 1, p. 89-106, 2013. analisaram o compartilhamento de memórias e depoimentos na respectiva rede social, por meio do uso da hashtag #memorial1109 no Twitter. Para as autoras, tais tweets são compreendidos como parte de uma memória coletiva a respeito do 11/09 e contribuem para uma percepção de comunidade que extrapola as fronteiras físicas do território (ZAGO; SILVA, 2013ZAGO, Gabriela & SILVA, Ana Lúcia Migowski. Jornalismo e mídias sociais: a representação da Memória coletiva através das apropriações no especial multimídia #memorial1109. Revista Contemporânea Comunicação e Cultura, Salvador, v. 11, n. 1, p. 89-106, 2013.).

O uso das redes sociais como fontes históricas tem sido cada vez mais recorrente no campo historiográfico. A chamada História Digital (Digital History) tem suscitado o debate sobre tais usos e seus respectivos desafios metodológicos e teóricos. A esse respeito, cabe salientarmos que os comentários aqui analisados são compreendidos como “documentos digitais” (ALMEIDA, 2011ALMEIDA, Fábio Chang de. O historiador e as fontes digitais: uma visão acerca da internet como fonte primária para pesquisas históricas. Aedos, Porto Alegre, v. 3, n. 8, p. 9-30, 2011. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/aedos/article/view/16776>. Acesso em: 10 abr. 2023.
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, p. 17), originalmente digitais, ou seja, nascem dentro desse formato e suporte, diferentemente daqueles que passaram por um processo de digitalização.

Pode-se dizer que as redes sociais são um fenômeno do mundo contemporâneo e fazem parte da forma como nos comunicamos. Na perspectiva de Priscila Oliveira (2017)OLIVEIRA, Priscila Chagas. Interfaces da Memória social: análise do compartilhamento do conjunto de imagens digitais do acervo digital bar ocidente no Facebook. Dissertação de Mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2017., os grupos do Facebook são uma das formas de interagir e gerar conexões nessa interface digital, e funcionam como uma espécie de “tribalização digital” (OLIVEIRA, 2017OLIVEIRA, Priscila Chagas. Interfaces da Memória social: análise do compartilhamento do conjunto de imagens digitais do acervo digital bar ocidente no Facebook. Dissertação de Mestrado em Memória Social e Patrimônio Cultural, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2017., p. 70), em que os usuários são atraídos por temas e assuntos em comum.

No que tange aos limites e dificuldades das fontes digitais, sobretudo do Facebook, Filipe Cezarinho (2022)CEZARINHO, Filipe Arnaldo. História e fontes da internet: refletindo sobre espaço e autoria. In: NERY, Olivia & BOTH, Amanda (org.). Pesquisando em fontes históricas: experiências e desafios. Belo Horizonte: Letrato, 2022, p. 90 - 107. destaca, por exemplo, a dificuldade em identificar a autoria dos textos, a recorrente quebra de links e problemas no rastreio de páginas e postagens. Buscando o trato metodologicamente mais rigoroso de tais documentos, o autor sugere que “todas as fontes que surgem na internet devem ser compreendidas como fruto ou consequência de relações externas” (CEZARINHO, 2022CEZARINHO, Filipe Arnaldo. História e fontes da internet: refletindo sobre espaço e autoria. In: NERY, Olivia & BOTH, Amanda (org.). Pesquisando em fontes históricas: experiências e desafios. Belo Horizonte: Letrato, 2022, p. 90 - 107., p. 98), o que implica no entendimento de que os comentários aqui utilizados, fazem parte, em alguma medida, das relações e vivências não virtuais dos usuários. Ademais, “a internet não deve ser entendida como ‘terra de ninguém’, mas a partir de um lugar estratégico que visa controlar as atitudes, ações e movimentos das pessoas que se propõem em usá-la” (2022, p. 97). Tanto Cezarinho (2022)CEZARINHO, Filipe Arnaldo. História e fontes da internet: refletindo sobre espaço e autoria. In: NERY, Olivia & BOTH, Amanda (org.). Pesquisando em fontes históricas: experiências e desafios. Belo Horizonte: Letrato, 2022, p. 90 - 107. quanto Almeida (2011)ALMEIDA, Fábio Chang de. O historiador e as fontes digitais: uma visão acerca da internet como fonte primária para pesquisas históricas. Aedos, Porto Alegre, v. 3, n. 8, p. 9-30, 2011. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/aedos/article/view/16776>. Acesso em: 10 abr. 2023.
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concordam que, apesar da existência de textos digitais que carecem de informações sobre autoria, ou que a autenticidade original seja de difícil comprovação, uma análise quantitativa e qualitativa permite a análise de “uma coerência discursiva” (ALMEIDA, 2011ALMEIDA, Fábio Chang de. O historiador e as fontes digitais: uma visão acerca da internet como fonte primária para pesquisas históricas. Aedos, Porto Alegre, v. 3, n. 8, p. 9-30, 2011. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/aedos/article/view/16776>. Acesso em: 10 abr. 2023.
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, p. 24).

Nesse sentido, Cezarinho (2022)CEZARINHO, Filipe Arnaldo. História e fontes da internet: refletindo sobre espaço e autoria. In: NERY, Olivia & BOTH, Amanda (org.). Pesquisando em fontes históricas: experiências e desafios. Belo Horizonte: Letrato, 2022, p. 90 - 107. propõe que as fontes digitais sejam analisadas por meio de uma triangulação de dados, considerando sua contextualização temporal, espacial e autoral. Portanto, os comentários aqui analisados de forma qualitativa e quantitativa, individualmente e em conjunto, são examinados dentro de um contexto mais amplo, e dialogam com as fontes orais e documentais coletadas.

Tanto os comentários escritos e compartilhados nas redes sociais como os depoimentos orais são aqui percebidos como manifestações e exercícios da memória, sendo analisados qualitativamente. Expressam o desejo e a vontade de compartilhar, seja com o entrevistador, seja com o grupo do Facebook, as experiências vividas e as lembranças sobre o passado industrial da cidade de Rio Grande. Apesar de produzidos em contextos diferentes, demonstram algumas permanências no que tange ao impacto dos sons na evocação das memórias sobre o passado industrial. Ademais, a diversidade e as características de tais fontes permitem uma amostragem mais ampla de uma possível paisagem sonora do período industrial local.

Tanto na pesquisa acadêmica sobre a Fábrica Rheingantz quanto nos depoimentos informais obtidos nas redes sociais, o elemento sonoro aparece como um poderoso veículo da lembrança. Os sons das fábricas surgem como estímulos sonoros que, tal como aponta Schafer (2001)SCHAFER, Raymond Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. Tradução de Marisa Trench Fonterrada. São Paulo: Edunesp, 2001., são percebidos como uma totalidade, um “ambiente sonoro” do passado que contrasta com o do presente de uma cidade economicamente em crise.

Rheingantz e Ítalo-Brasileira: apitos e sotaques nas duas fábricas têxteis na cidade do Rio Grande

Em posição peninsular estratégica, rodeada pelas águas da Lagoa dos Patos e do Oceano Atlântico, a cidade do Rio Grande, a partir do século XIX, se transformou em um dos principais polos industriais do Rio Grande do Sul, juntamente com a cidade vizinha de Pelotas (MERTZ, 1991MERTZ, Marli. A burguesia industrial gaúcha e suas tentativas de organização: de sua origem a 1930. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 12, n. 2, p. 422-444, 1991. Disponível em: <https://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/view/1456>. Acesso em: 10 abr. 2023.
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). Num contexto em que a economia agrícola e pecuária eram as principais economias do país, e que as dificuldades para a industrialização do país eram inúmeras, Rio Grande foi palco de um importante processo de industrialização. A existência de um porto marítimo e de uma malha ferroviária, ativa desde 1864, que permitia a exportação e importação de produtos, atraiu investidores estrangeiros e brasileiros que buscavam nas indústrias nova fonte de lucro na cidade do Rio Grande, mostrando que “agricultura não era mais o único empreendimento possível” (COSTA, 2010COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República: momentos decisivos. 9ª edição. São Paulo: Edunesp, 2010., p. 466).

Em seus primórdios, a industrialização brasileira se caracterizou pela constituição de “empresas fabris de bens não duráveis, principalmente a indústria têxtil. Esse segmento representou para o Brasil as primeiras grandes empresas industriais nacionais” (MARTINS, 2016MARTINS, Solismar Fraga. Cidade do Rio Grande: industrialização e urbanização (1873-1990). Rio Grande: Editora da FURG, 2016., p. 105). Como uma cidade que iniciou seu processo de industrialização nesse contexto, Rio Grande possuiu duas fábricas têxteis, dentre centenas de outros empreendimentos fabris que abrigou entre 1873-2000, e serão elas o centro das análises aqui desenvolvidas. A Fábrica Rheingantz ou Companhia União Fabril, como passou a ser conhecida, esteve na base do processo de urbanização e modernização da cidade do Rio Grande. Fundada em 1873 por Carlos Guilherme Rheingantz em sociedade comanditária, denominou-se inicialmente Rheingantz & Vater14 14 Relatório da Associação Comercial publicado no dia 19 abr. 1887 no jornal Diário de Rio Grande. e beneficiava prioritariamente a lã, cuja procedência eram as propriedades rurais nas regiões de Bagé, Livramento, Uruguaiana e Santa Vitória do Palmar. Impondo-se como pioneira no setor têxtil, a Rheingantz ocupou o lugar de uma grande empresa nos finais do século XIX, atingindo um nível produtivo que abarcava um mercado consumidor de grandes proporções, extrapolando as fronteiras regionais (HARDMAN, 1982HARDMAN, Francisco Foot & LEONARDI, Victor. História da Indústria e do trabalho no Brasil: das origens aos anos vinte. São Paulo: Global, 1982, p. 173.).

Em 1891, a empresa se transformou em Sociedade Anônima União Fabril, com o controle acionário com Carlos Guilherme Rheingantz, de origem renana e com experiência no setor industrial, obtida durante várias estadias em países europeus. A empresa se consolidou como fábrica de tecidos de lã já nos finais do século XIX e, em 1901, iniciou a fabricação do Fio Penteado, base para a produção da Casimira Rheingantz, tecido que se tornou um dos produtos de grande demanda no mercado. Nas primeiras décadas do século XX, a empresa expandiu o processamento e a produção de tecidos de lã, o que implicou investimentos pesados com maquinário e contratação de pessoal técnico originário da Alemanha. Não fugindo à regra da grande indústria oitocentista, a União Fabril ou Fábrica Rheingantz operou durante muito tempo com a predominância de mão de obra de imigrantes alemães, poloneses, italianos.

Os funcionários de origem alemã eram principalmente notados nos setores mais técnicos, enquanto italianos, poloneses e portugueses se concentravam nos de produção. A presença de imigrantes italianos, por exemplo, faz-se sentir através de um ofício, emitido pela Diretoria da Companhia em 1909, endereçado ao Agente Consular da Itália, no qual fica registrada “a doação de um conto de réis destinada aos sobreviventes da grande desgraça que acaba de ferir o povo italiano; isso é feito em consideração ao grande número de italianos e brasileiros de origem italiana empregados na fábrica”. Já os alemães estiveram marcadamente presentes nas primeiras três décadas do século XX e no pós-Segunda Guerra Mundial, sendo tal presença observada nas fichas funcionais do Departamento Pessoal da empresa (FERREIRA, 2002FERREIRA, Maria Letícia. Os três apitos: Memória coletiva e Memória pública, Fábrica Rheingantz, Rio Grande, RS, 1950-1970. Tese de Doutorado em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002.). Durante a administração de Carlos Guilherme Rheingantz, a fábrica implantou medidas sociais inovadoras, tais como a construção das casas para trabalhadores e mestres e a Sociedade Mutualidade, mantida por contribuição dos empregados para manutenção de um serviço de saúde e um armazém, onde produtos básicos podiam ser adquiridos a baixo preço. Além disso, foi criado o Fundo de Auxílios Carlos G. Rheingantz, que instituiu a concessão de benefícios para viúvas, trabalhadores portadores de invalidez resultante de acidente laboral e recém-casados. Também estabeleceu outras medidas, como a disponibilização de uma creche com berçário, a criação do Grupo Escolar Comendador Rheingantz e a instalação de uma biblioteca e escola noturnas,15 15 Boletim Companhia União Fabril (CUF), 1956. que funcionavam nas dependências da fábrica. Todas essas medidas foram fundamentais para construir uma imagem da empresa como o melhor local de trabalho da cidade, dado que aparece como recorrente nos depoimentos de ex-funcionários.

Dos finais da década de 1940 até meados dos anos 1950 a empresa manteve um nível de produção estável, decorrente sobretudo do incremento que obteve como fornecedora de cobertores de lã para o exército brasileiro durante a Segunda Guerra Mundial. No final da década de 1950, debilitada por conflitos internos, a fábrica procurou modernizar o prédio fabril e o sistema de produção, a fim de fazer frente à concorrência do mercado nacional e platino. Para tanto, implantou em 1955 o Serviço de Treinamento na Indústria, cuja matriz teórica, norte-americana, levava o nome de TWI (Training within Industry).16 16 Relatório do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, 1955. Operacionalizado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), criado em 1947, o TWI tinha por objetivo realizar treinamentos com os diversos setores de produção, chefia e administração, visando a organização e racionalização do trabalho. A intervenção levou a modificações estruturais que permitiram ampliar os espaços e o controle em todos os setores de produção. A etapa seguinte foi a contratação de uma empresa norte-americana de consultoria e planejamento industrial que, de 1956 a 1958, implantou medidas que alteraram profundamente a organicidade de uma instituição ainda de controle acionário predominantemente familiar.

A contratação da empresa norte-americana acirrou disputas internas, agravando ainda mais a saúde financeira da empresa. Na memória dos entrevistados, este período se caracterizou pelos atrasos e subsequente suspensão da produção, à qual se seguiram grave crise social e o fechamento da empresa em 1968.

A história da Companhia Fiação e Tecelagem Ítalo-brasileira se inicia em 1893. Seu fundador, Giovanni Hensemberger, provinha da cidade italiana de Gênova. Conforme informações registradas no livro de memórias17 17 Livro manuscrito Memórias sobre a Companhia Fiação e Tecelagem Rio Grande, datado de 1950, redigido por Alfredo Mariani, guarda livros da empresa à época. O livro traz transcrições de correspondências e outras documentações empresariais, documentos originais anexados ao livro e informações sobre o histórico da fábrica. Alfredo Mariani, responsável pelo livro, escreve no encerramento: “com a notícia acima ponho fim a este modesto manuscrito que, tanto para lhe dar um nome, chamarei de ‘Memórias sobre a Companhia Fiação e Tecelagem Rio Grande’. Foi-me inspirado na ocasião em que dediquei minha atividade na organização do Arquivo da Companhia, para que, deste meu trabalho, ficasse alguma útil e tangível recordação”. MARIANI, Alfredo. Memórias sobre a Companhia Fiação e Tecelagem Rio Grande [manuscrito]. Rio Grande, 1950. MCRG 04594, Acervo do Museu da Cidade do Rio Grande. da empresa, em 1893 Giovanni Hensemberger iniciava em Rio Grande as tratativas envolvendo a escolha e compra dos melhores terrenos para a instalação da fábrica. Assim como ocorrera com as demais instalações fabris da cidade, tal como a Rheingantz, a decisão para o investimento industrial nessa cidade estava diretamente relacionada à existência do porto marítimo e da malha ferroviária. Em carta escrita para sócios de Gênova, Hensemberger contava que:

Aqui junto remeto-vos um desenho dos terrenos adquiridos que, com a estrada que nos concede o Município, formam cerca de 42.000 metros quadrados, numa belíssima posição. De uma parte podemos ter a ferrovia na Fábrica, e da outra o bonde que faz o serviço de mercadorias. Mando-vos também a planta do Rio Grande, cidade que, como Savana, tem o porto de mar e a estrada de ferro para o interior. Lugar saníssimo e com uma população de 20.000 habitantes. Como sabeis tem já aqui a fábrica Rheingantz, com cerca de 700 operários, em grande parte italianos, e principalmente vênetos. (…) Em 30 horas se vai daqui a Montevideo com paquetes semanais regulares; em 50 horas se vai ao Rio de Janeiro, também semanalmente. Com vapores que tocam as costas do Brasil, daqui a Pernambuco, podemos mandar com facilidade e pouca despeza, em todas as cidades brasileiras, a nossa produção.18 18 Ibidem, p. 5 Carta escrita por Giovanni Hensemberger para sócios em Gênova, em 18 nov. 1893, e transcrita no livro “Memórias sobre Companhia Fiação e Tecelagem Rio Grande” de 1950.

As vantagens locais destacadas pelo industrial para seus sócios italianos enaltecem a facilidade de transporte, importação e exportação de produtos por meio do “porto de mar e estrada de ferro”. De acordo com o registro no livro de memórias da fábrica, a data oficial de abertura da Fábrica Nacional de Tecidos Giovanni Hensemberger e Cia., como se chamou no início, foi 10 de novembro de 1893, dia em que “se efetuaram e foram registradas as primeiras operações de compra dos terrenos e outras preliminares transações comerciais” (MARIANI, 1950, p. 6). As instalações da fábrica ocuparam grandes terrenos do espaço urbano, totalizando 10.000 m2 de área construída (MARTINS, 2016MARTINS, Solismar Fraga. Cidade do Rio Grande: industrialização e urbanização (1873-1990). Rio Grande: Editora da FURG, 2016.).

Em 1896, a sociedade de Hensemberger foi diluída e Santo Becchi se tornou proprietário e sócio solidário da empresa. A partir desse momento, a razão social foi alterada para “Companhia de Tecelagem Ítalo-Brasileira”, com sede em Gênova e filial em Rio Grande. A fábrica, que produziu diversos tipos de tecido com matéria prima de algodão, recebeu um significativo número de imigrantes italianos que vinham, desde 1893, para trabalhar na empresa nas mais variadas funções. Em 1921, passou novamente por mudanças na administração e direção, quando se tornou Sociedade Anônima, sendo Paulo Angelo Pernigotti o novo diretor da fábrica. Em 1942, provavelmente em decorrência da política nacionalista implantada pelo Estado Novo e dos ataques às empresas associadas a países que compunham o Eixo,19 19 O Estado Novo via nas comunidades de imigração alemã e italiana potenciais obstáculos para a consolidação da política nacionalista, o que é agravado com a entrada do Brasil na Segunda Guerra e a associação, sobretudo no que se refere aos núcleos de colonização germânica, com braços do nazismo em território nacional, o chamado “perigo alemão” ao qual se refere Gertz (1991). Da interdição do ensino em língua alemã, do temor pela comunicação em idioma que não fosse o português, evolui-se para ataques feitos pelas populações locais com respaldo das forças de segurança, contra estabelecimentos fabris e comerciais, templos religiosos e associações culturais, cujo ápice foram os meses de julho e agosto de 1942 (FACHEL, 2002). o nome da fábrica foi alterado para Companhia de Fiação e Tecelagem Rio Grande. Na década de 1960, com a instalação da crise20 20 A Fábrica Rheingantz e a Fábrica Nova se beneficiaram pela exportação de tecidos em lã e algodão, no período da Segunda Guerra Mundial. Tal quadro econômico, entretanto, não se fez acompanhar de mudanças em seus processos de produção, o que, associado com a precariedade do transporte interno, ferroviário ou marítimo, constituiu-se em posições de baixa competitividade com as indústrias têxteis do centro do país (MARTINS, 2016). que afetou o parque industrial da cidade, a fábrica entrou em declínio, encerrando temporariamente suas atividades e sendo posteriormente adquirida pela empresa de tecidos Hering.21 21 RIO GRANDE INDUSTRIAL, Centro de Indústrias de Rio Grande, 1966. Acervo da Biblioteca Rio-Grandense.

Durante as mais de cinco décadas de funcionamento, a Companhia movimentou a vida fabril da cidade. Como será discutido ao longo desse artigo, a Rheingantz e a Ítalo-brasileira, popularmente chamada de “fábrica nova” em comparação e referência à Rheingantz, foram as principais indústrias têxteis da cidade do Rio Grande. Ficavam localizadas próximas uma da outra e juntas eram responsáveis por um significativo número de operários, incluindo homens, mulheres e crianças. De acordo com o levantamento do cenário industrial da cidade, realizado pelo Centro de Indústrias de Rio Grande, em 1966, período de declínio e crise industrial, as duas fábricas possuíam cerca de 1.380 operários fixos, e o capital social das duas empresas têxteis correspondia a Cr$ 610.000.000.22 22 Ibidem, loc. cit.

Separadas por cerca de quatro quarteirões, as duas fábricas têxteis foram importantes para o desenvolvimento industrial da região. As chaminés eram vistas de longe, e alternavam seus apitos durante o dia. Para além da proximidade geográfica e das semelhanças referentes ao setor têxtil, as duas fábricas, concorrentes em alguns aspectos, se tornaram referências sonoras para trabalhadores e moradores da cidade. Entre teares e apitos, as duas empresas também são constantemente relembradas pelo “burburinho” típico da entrada e saída dos turnos de trabalho. Centenas, e até milhares de operárias e operários se deslocavam rapidamente em direção à nova jornada de trabalho, ou para suas residências, compondo uma paisagem visual e sonora marcante na cidade.

Os elementos de uma sonoridade industrial evocada pela memória, presentes nos depoimentos que fundamentam este artigo, indicam como as pessoas evocavam os sons das fábricas que, pela recorrência, possibilita abordá-los como uma memória forte, propensa a se tornar elemento de coesão dentro de determinado grupo (CANDAU, 2011CANDAU, Joël. Memória e identidade. Tradução de Maria Leticia Ferreira. São Paulo: Contexto, 2011.), e como uma chave para recuperar este contexto urbano industrial em vias de desaparecimento.

Os três apitos ou a madeleine sonora

“O apito das fábricas escuto até hoje”. Este comentário, postado na rede social Facebook em resposta ao chamado “Qual som ou barulho do passado fabril mais marcou sua memória?”,23 23 Postagem feita para fins de coleta de depoimento para esta pesquisa, titulada “Qual som ou barulho do passado fabril mais marcou sua memória?” publicada no grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande no dia 28 abr. 2022. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo?fbid=5552073631493003&set=gm.3243311265899946>. Acesso em: 10 abr. 2023. sintetiza três grandes categorias analíticas que estão na base deste artigo: paisagem sonora (soundscape), memória e trabalho fabril. O apito das fábricas é elemento de uma sonoridade urbana que caracterizou o apogeu industrial da cidade. Logo, sua evocação atesta um duplo sentido que é a persistência do estímulo e a constatação da perda do que ele significou. Percebe-se aí a aporia da presença da ausência, tal como Paul Ricoeur (2000, p. 29)RICOEUR, Paul. La mémoire, h’histoire, l’oubli. Paris: Seuil, 2000. define a recordação que “surge ao espírito sob a forma de uma imagem”, signo de algo ausente, mas do qual se reconhece a existência no passado. A “imagem-recordação” evocada por Ricoeur atestaria assim as três dimensões da memória: a presença, a ausência e a anterioridade, trazendo a marca do sensível, o que a distingue da imaginação. A “imagem-recordação” se constitui, portanto, de estímulos, afecções, vestígios de anterioridade impregnados no corpo e que se atualizam pela evocação. Os registros sonoros de uma paisagem industrial não são percebidos como elementos acústicos isolados, e sim pela complexidade de processos que associa sons, imagens, odores a determinado espaço que se constitui como um território memorial. Nesse sentido, o corpo é por excelência o “suporte performativo” portador dos múltiplos traços do que vivemos, orientando nossa maneira de pensar e agir, convertendo-se ele próprio, por meio de suas percepções sensoriais, em uma forma de informação e comunicação intersubjetiva, tal como aponta Joël Candau (2010)CANDAU, Joël. Intersensorialité humaine et cognition sociale. Communications, Paris, v. 86, n. 1, p. 25-36, 2010.. Nessa perspectiva, o autor se questiona acerca de como estas mensagens sensoriais nos conectam ao mundo físico e social, se reportando a estudos no campo das neurociências que apontam para a intersensorialidade, ou seja, não apenas as sensações relativas a um sentido específico podem ser afetadas por interações com outros sentidos, mas os próprios julgamentos (percepções) são afetados por eles (2010, p. 20).

A apreensão da realidade por meio de estímulos sensoriais, em particular os estímulos sonoros, e sua atualização através da evocação remete a outro aspecto abordado por Jonathan Sterne (2020)STERNE, Jonathan. O passado audível: origens culturais da reprodução sonora. Música Popular em Revista, Campinas, v. 7, n. 0, p. e020001, 2020. Disponível em: <https://econtents.bc.unicamp.br/inpec/index.php/muspop/article/view/13425>. Acesso em: 10 abr. 2023. doi: <https://doi.org/10.20396/muspop.v7i00.13425>.
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, que diz respeito à modelagem cultural tanto da linguagem com a qual descrevemos o som quanto da forma como o percebemos. Nessa mesma perspectiva, Vincent Battesti (2013)BATTESTI, Vincent. “L’ambiance est bonne” ou l’évanescent rapport aux paysages sonores au Caire : invitation à une écoute participante et proposition d’une grille d’analyse. In: LE GONIDEC, Marie-Barbara & CANDAU, Joël (org.). Paysages sensoriels : essai d’anthropologie de la construction et de la perception de l’environnement sonore. Aubervilliers: Éditions du CTHS, 2013, p. 70-95. afirma que o aparelho de escuta não é neutro, uma vez que “aprendemos” a escutar no processo de interação social, o que aponta igualmente para a ideia de que percebemos um espaço a partir dos sons que o compõem.

É, portanto, por meio da sonoridade de uma cidade fabril como Rio Grande, recuperada pelas evocações presentes nos depoimentos que sustentam este texto, que nos reportamos à noção de paisagem como uma forma de esquematização que permite uma apreciação estética (AMPHOUX, 1996AMPHOUX, Pascal. L’ecoute paysagere des representations du paysage sonore. In: CHENET, Françoise (org.). Le paysage et ses grilles: actes du Colloque de Cerisy-la-Salle : Paysages? Paysage? Paris: L’Harmattan, 1996.), culturalmente moldada, constituída de pontos de referência simbólicos que nos permitem “ouvir, sentir, cheirar e ver nosso ambiente” (PISTRICK; ISNART, 2013PISTRICK, Eckehard & SNARD, Cyril. Landscapes, soundscapes, mindscapes: introduction. Etnográfica, Lisboa, v. 17, n. 3, p. 503-513, 2013. Disponível em: <https://journals.openedition.org/etnografica/3213>. Acesso em: 10 abr. 2023. doi: <https://doi.org/10.4000/etnografica.3213>.
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).

Deve-se ao músico e pesquisador canadense Raymond Murray Schafer a difusão mais ampla e sistemática da noção de soundscape (paisagem sonora), que aplicou ao campo sonoro o que os paisagistas do século XVII propunham ao campo visual. Schafer aborda a percepção do sonoro como dentro de uma unidade estética (AUGOYARD, 1989AUGOYARD, Jean-François. Un instrumentarium urbain. Urbanités Sonores, Paris, p. 13, 1989. Disponível em: <https://hal.science/hal-02104257>. Acesso em: 10 abr. 2023.
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), como um ambiente que envolve as propriedades físicas do som e a forma como o cérebro humano interpreta e significa tais estímulos (SCHAFER, 2001SCHAFER, Raymond Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. Tradução de Marisa Trench Fonterrada. São Paulo: Edunesp, 2001.).

Em sua obra “A afinação do mundo”,24 24 Título original em inglês: The tuning of the world. Schafer parte de uma ideia estrutural de que “a paisagem sonora do mundo está mudando. O homem moderno começa a habitar um mundo que tem um ambiente acústico radicalmente diverso de qualquer outro que tenha conhecido até aqui” (2001, p. 17). Schafer apresenta três elementos principais da paisagem sonora, a saber: o som fundamental como a nota que identifica a tonalidade de um ambiente sonoro e que não necessariamente é percebido de forma consciente, se assemelhando ao que define como o “fundo” que existe para dar contorno a uma “figura”; os sinais, “mais figuras do que fundo”, que são ouvidos de forma consciente; e as marcas sonoras, que possuem caráter de singularidade, distinguindo determinada comunidade, e sobre as quais devem incidir mecanismos de proteção para evitar seu desaparecimento (2001, p. 26-27). Estas características apontadas por Schafer nos permitem pensar nas diversas sonoridades presentes no ambiente urbano, sendo algumas singularizadas no que o autor denomina como “evento sonoro” que, pela intensidade, desperta “emoções ou pensamentos, além de suas sensações mecânicas ou funções sinalizadoras” (2001, p. 239). São estes “eventos sonoros” que possibilitam a apreensão do som, estímulo fugaz por definição, convertendo-o em um marcador memorial da experiência traduzida pela narrativa memorial.

A cidade que se vislumbra através dos relatos se circunscreve como uma “paisagem sensível” (SIMMONOT; SIRET, 2014SIMONNOT, Natalie & SIRET, Daniel. Industrial heritage and a sensitive memory: observation on the establishment of a “sensory heritage”. L’Homme et la Société, Paris, n. 192, p. 127-142, 2014. Disponível em: <https://www.cairn-int.info/journal--2014-2-page-127.htm>. Acesso em: 10 abr. 2023.
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) que apresenta, na origem, um estímulo de natureza intangível e de curta duração – o som –, mas de forte persistência, uma vez que a ele se associam referências espaciais, temporais e emocionais. A memória auditiva, assim como a visual, olfativa, tátil, gustativa, são identificadas como memória sensorial que se constitui como “traços efêmeros, pontos de partida de dois processos muito elaborados: seu reconhecimento e sua conservação definitiva” (CROISILE, 2009CROISILE, Bernard. Aproche neurocognitve de la mémoire. Gérotologie et Société, Paris, v. 32, n. 130, p. 11-29, 2009., p. 12, tradução nossa). Conforme Croisile (2009)CROISILE, Bernard. Aproche neurocognitve de la mémoire. Gérotologie et Société, Paris, v. 32, n. 130, p. 11-29, 2009., os traços sensoriais, que provêm do mundo exterior, são de curta amplitude temporal, sendo de dois a três segundos para a memória auditiva. Entretanto, tais traços podem ser codificados e se estabilizar no que se denomina de memória de curta duração ou, dado que a memória é associativa, evoluir para memória de longa duração (MILNER et al., 1998MILNER, Brenda et al. Cognitive Neuroscience review and the study of memory. Neuron, Cambridge, v. 20, n. 3, p. 445-468, 1998.; IZQUIERDO, 2002IZQUIERDO, Ivan. Memória. Porto Alegre: ArtMed, 2002.; CANDAU, 2011CANDAU, Joël. Memória e identidade. Tradução de Maria Leticia Ferreira. São Paulo: Contexto, 2011.).

Os traços efêmeros que caracterizam a memória sonora podem, assim, se converter em elementos de uma memória declarativa, narrada, tecida no conjunto de relações interpostas entre o sujeito e o contexto no qual se encontra, constituindo representações do passado; logo, o que é atualizado pela lembrança provavelmente é diferente do que era no tempo em que aconteceu. Assim, estímulos sonoros como os barulhos incessantes dos teares na fábrica, que originalmente eram percebidos como hostis (não permitiam que se ouvisse a pessoa na máquina ao lado, inibindo, portanto, as conversas) e perturbadores (distúrbios como cefaleias constantes eram comuns nos registros funcionais das fiandeiras e tecelãs da Rheingantz), se convertem, no presente da rememoração, em elementos nostálgicos e afetivos, associados a um tempo representado como feliz.

“É desolador o silêncio no imenso casarão. Teares mudos, fusos quietos, a caldeira apagada, o majestoso apito silencioso, o apito que cantava pelas madrugadas chamando o seu povo de operários para um novo dia de trabalho”.25 25 Editorial. Jornal Rio Grande, Rio Grande, p. 2, 23 nov. 1966. Acervo da Biblioteca Rio-Grandense. É assim que o periódico local apresenta o cerrar de portas da fábrica Rheingantz, ocorrido em 1968, quase cem anos após sua fundação. A ausência dos sons que caracterizavam o edifício fabril irrompeu no cenário de Rio Grande anunciando um tempo de penúria e desespero para os trabalhadores, um capítulo introdutório da crise econômica que se abateu sobre a cidade nas duas décadas seguintes, com o encerramento de empreendimentos fabris em setores como o alimentício. De acordo com Martins (2016)MARTINS, Solismar Fraga. Cidade do Rio Grande: industrialização e urbanização (1873-1990). Rio Grande: Editora da FURG, 2016., estima-se que cerca de 7.000 trabalhadores tenham perdido seus empregos com o fechamento total ou parcial das fábricas, numa cidade que possuía 82.000 habitantes. O início de 1960 foi permeado por insegurança e receio sobre o futuro da cidade, fato que pode ser percebido por meio da imprensa local, que transparecia tais sentimentos em suas matérias. É o caso do jornal O Tempo, quando noticiava que a crise assombra com “o fantasma do desemprego, o aumento da miséria de famílias de poucos recursos, o perigo assustador da aceleração de roubos e arrombamentos, enchendo de temores milhares de indivíduos”.26 26 Francisco Ramalho. Enfrentar más situações. O Tempo, Rio Grande, p. 1, 8 jan. 1960. Acervo da Biblioteca Rio-Grandense. Já o Diário de Notícias, poucas semanas depois, apresentava a crise do setor industrial:

Para se ter ideia da evolução do problema industrial rio-grandino é de citar, segundo informações colhidas de memória, o fechamento (parcial ou total) de estabelecimentos fabris e aparecimento de outros, num largo espaço de tempo. Cessaram suas atividades em Rio Grande: (1) fábrica de filamentos, esteiras e sacarias, que hoje produz apenas sacos e estopa; (2) fábrica de estamparia e pregos da Leal Santos; (3) fábrica de charutos, ora reduzida e apenas um terço da produção normal;(4) fábrica de alpargatas, destruída por fogo e não reconstruída; (5) fábrica de conservas (frutas e pescado) Gallo; (6) fábrica de tintas Ruthier; (7) fábrica de óleos Pavão (falta de matéria-prima); (8) entreposto de leite municipal; (9) Cia de Fiação e Tecelagem Rio Grande e (10) Cia. Swift.27 27 Rui Pratini. Fatores diversos, de ordem socioeconômica que tornaram Rio Grande uma cidade sitiada. Diário de Notícias, Rio Grande, 14 fev. 1960, p. 12. Acervo da Biblioteca Rio-Grandense.

O cenário de crise instalado na cidade, e retratado pelas diversas notícias na imprensa local, indicam o fim da primeira fase industrial da cidade e seus reflexos na vida da população. Esse momento de grandes perdas gerou um sentimento de luto, perceptível tanto em nível individual quanto coletivo, luto que se tornou um marcador temporal e memorial nas narrativas sobre esse período. Dessa forma, os sons, juntamente com outros elementos sensíveis, passam a compor um tempo que só é acessado por meio das lembranças, dos objetos e das narrativas compartilhadas.

A Linha do Parque: o percurso entre a Rheingantz e a Fábrica Nova28 28 A chamada Linha do Parque é o percurso urbano que inicia na entrada da cidade, cruzando o pórtico que representa uma máquina de costura, ingressando na atual Avenida Presidente Vargas, passando pelas fábricas Rheingantz, pela Ítalo-Brasileira e seguindo em direção ao centro de Rio Grande.

As portas da fábrica Rheingantz se fecharam no mês de outubro de 1968 em razão de uma crise interna e do contexto econômico destes finais dos anos 1960.29 29 As razões que levaram ao processo de falência da empresa são de diferentes ordens. Num plano mais amplo, as dificuldades que enfrentava para modernizar os processos produtivos e a própria planta fabril, a fim de introduzir o fio sintético, por exemplo, a tornaram em desvantagem de competição com outras empresas têxteis do Sul e do centro do país. No plano interno, a desagregação de uma ordem empresarial familiar, que já se fazia sentir a partir dos anos 1955, foi acelerada pelas medidas tidas como equivocadas e polêmicas tomadas pelo último diretor da linhagem Rheingantz. Este momento é representado em algumas narrativas como um marco divisório entre dois tempos, o do trabalho significando vida, e o de sua suspensão, denotando precariedade, abandono e morte. A percepção dos sons que envolviam o cotidiano de trabalho vai se alterando nas falas dos entrevistados, que passam da descrição dos ruídos próprios da fábrica e de seu universo laboral e social, para o silêncio que se instaurou com a interrupção da produção e a paralisação das máquinas. Na memória da antiga tecelã Diva Soares, a alteração dos barulhos cotidianos é evocada como um dos sinais deste tempo de encerramento das atividades. Nesse sentido, espaço e sons se fundem em um relato sombrio no qual a própria voz se distingue pelo tom grave ao recordar os trajetos diários feitos pelas operárias no deslocamento até a fábrica:

Era aquele monte de guria, e quem morava mais longe como eu, ia pegando as outras no caminho… me lembro que a gente gritava “olha a hora” para as gurias, e quando chegava na fábrica aquilo era todo mundo ao mesmo tempo, faziam fila, todo mundo queria chegar cedo porque no tempo das chapas de metal elas ficavam num quadro e botaram uma porta de vidro, quer dizer que tu tinhas que pegar a chapa, mas se tocasse o apito e tu estavas com a mão na chapa, já te mandavam embora (…) teve um dia que eu me atrasei e as gurias chamaram na porta mas eu não ouvi, então sai correndo sozinha, desci a Buarque de Macedo e quando peguei a 2 de novembro30 30 A rua Buarque de Macedo é uma das principais artérias do bairro Cidade Nova, originalmente um lugar de concentração de imigrantes e trabalhadores nas fábricas têxteis e alimentícias. Já a rua 2 de Novembro é uma travessa de conexão entre a rua Buarque de Macedo e a Avenida Rheingantz, onde se encontra o prédio da fábrica e nela estão os dois cemitérios da cidade, daí a origem de sua denominação. eu vi o homem da capa preta,31 31 No imaginário urbano, o “homem da capa preta” é uma fantasmagoria, o espírito de um jovem que circulava perdido entre o mundo dos vivos e dos mortos. então eu corri muito e quando cheguei na fábrica o pessoal estava todo na porta dizendo que tinham anunciado que ela ia parar… aí começou o tempo mais triste…32 32 Diva Soares. Depoimento oral. Entrevista concedida para Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, Rio Grande, 3 dez. 1999.

No relato de Diva, o “homem da capa preta”, um personagem da fantasmagoria urbana, aparece como um dos sinais do percurso trágico que é o de encerramento das atividades da empresa. Por longos meses, os trabalhadores, instruídos pelo sindicato local, cumpriam seus turnos sem poder trabalhar, uma vez que a empresa não conseguia vender os estoques nem se prover de matéria-prima para a produção. Com os atrasos dos salários, que se acumulavam, a escassez de recursos passou a ser uma constante na vida dos trabalhadores, gerando condições de extrema precariedade e desespero. Esse tempo contrasta fortemente com o anterior, representado nos relatos como o tempo da fábrica em atividade e da vida que por ela circulava, sendo o ambiente sonoro um dos eixos fundamentais da lembrança.

Os apitos das fábricas eram moduladores do tempo do trabalho, mas igualmente do cotidiano de uma cidade como Rio Grande. As referências aos sinais de começo e fim dos turnos de trabalho aparecem como registros de moradores locais, sendo recorrentes nos depoimentos e postagens referentes à Fábrica Rheingantz e Fábrica Nova, tais como:

Lembro da sirene da Rheingantz. Era muito pequena quando parou de funcionar. Eu ficava na casa da vó porque a mãe trabalhava. Quando tocava a sirene a vó falava que o meu avô estava chegando. E se o relógio de casa não badalasse ela ia acertar pelo apito da fábrica.33 33 L. S. [Lembro da sirene da Rheingantz…] em resposta à postagem [Qual sou ou barulho do passado fabril mais marcou sua memória?]. Rio Grande, 28 abr. 2022. Facebook: Grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo?fbid=5552073631493003&set=gm.3243311265899946>. Acesso em: 10 abr. 2023.

O apito da fábrica extrapola assim sua função original, a de balizar os horários do trabalho, e informa ritmos do cotidiano urbano, tal como se pode observar nos relatos: “Lembro do apito da Fábrica Nova onde hoje é o Big. Às 11h30 ela apitava e minha avó dizia: ‘já são onze e meia, estou atrasada para o almoço’”;34 34 K. M. [Lembro do apito da Fábrica Nova onde hoje é o Big…] em resposta a postagem [Qual sou ou barulho do passado fabril mais marcou sua memória?]. Rio Grande, 28 abr. 2022. Facebook: Grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo?fbid=5552073631493003&set=gm.3243311265899946>. Acesso em: 10 abr. 2023. “Lembro que tocava às quinze para as sete o apito da Fábrica Nova, hora que levantava para ir para o Colégio São Francisco”;35 35 R. L. [Lembro que tocava às quinze para as sete o apito da Fábrica Nova…] em resposta a postagem [Qual sou ou barulho do passado fabril mais marcou sua memória?]. Rio Grande, 28 abr. 2022. Facebook: Grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo?fbid=5552073631493003&set=gm.3243311265899946>. Acesso em: 10 abr. 2023. “acertávamos o relógio pelo apito da Fábrica Nova”;36 36 L. B. [Acertávamos o relógio pelo apito da Fábrica Nova] em resposta a postagem [Qual sou ou barulho do passado fabril mais marcou sua memória?]. Rio Grande, 28 abr. 2022. Facebook: Grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo?fbid=5552073631493003&set=gm.3243311265899946>. Acesso em: 10 abr. 2023. “às 12h00 apitava para o almoço, a gente escutava onde estivesse… tempo bom”.37 37 V. R. [às 12:00 apitava para o almoço, a gente escutava onde estivesse…tempo bom] em resposta a postagem [Boa tarde, não sei se já foi postado aqui no grupo, mas tenho curiosidade para que era usado essa chaminé?]. Rio Grande, 23 ago. 2021, Facebook: Grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande. Disponível em: <https://www.facebook.com/groups/fatosecoisasdeantanho/permalink/3064047323826342/>. Acesso em: 10 abr. 2023.

Outros sinais se integravam igualmente na paisagem de sons que envolviam as fábricas, tais como as sirenes acionadas em casos de sinistro nos espaços fabris. Nesse sentido, não apenas os trabalhadores, mas também a comunidade ao redor da fábrica identificava tais apitos, tal como informa a esposa de um membro do corpo técnico da Rheingantz:

Eu lembro de um fato engraçado, porque eles [os funcionários] tinham que ensaiar para bombeiro e um sábado de manhã eu estava na frente de casa e passa um senhor, pessoa muito discreta, correndo e com as botinas no ombro… é que ele estava experimentando sapato numa loja ali da 24 de maio quando soou o alarme da fábrica, então ele saiu correndo e não teve tempo de calçar as botas.38 38 Lalá Bulla. Depoimento oral. Entrevista concedida para Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, Rio Grande, 20 ago. 1998.

Dentre as sonoridades geradas pelas fábricas, estão as produzidas pelos deslocamentos diários realizados, a pé, por grupos compostos fundamentalmente por mulheres, que se reuniam pela proximidade dos lugares de moradia, e que emitiam sons derivados do tipo de calçado que utilizavam para o trabalho. No âmbito de uma economia doméstica pautada por restrições, as roupas e os calçados deveriam responder ao que era necessário para o desempenho das atividades laborais. Nesse sentido, os relatos das trabalhadoras informam sobre a funcionalidade dos tamancos, rústicos e com solado de madeira, vendidos a baixo preço nas lojas populares do Mercado Público da cidade, tal como diz uma das entrevistadas ao se referir ao clima local: “o frio gelava porque a gente tinha um casaco só e meias de lã que eu botava com os tamancos”.39 39 Honorina Britto. Depoimento oral. Entrevista concedida para Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, Rio Grande, 24 set. 1998.

O grupo de jovens operárias e operários se movimentando pelas manhãs rio-grandinas aparece impresso na memória sonora como um dos elementos que caracterizam a dinâmica cotidiana de uma cidade operária, tal como se pode observar no relato de Heldwig Ellen Bersch, cujo pai era mestre da seção de tecelagem e gozava, portanto, do direito a morar nas chamadas “casas da Rheingantz” reservadas aos técnicos de nacionalidade alemã:

Quando eu era pequena me lembro que as mulheres iam todas de tamanquinho. De manhã cedo se ouvia aquele barulho que era o salto dos tamancos. Quando chovia, elas botavam um saco de aniagem na cabeça. Depois da guerra, elas começaram a passar de galocha, bota de chuva, gabardine, guarda-chuva, quer dizer a gente viu direitinho o crescimento econômico no poder aquisitivo dessa gente. Elas começaram a adquirir coisas e já não vinham mais de tamanco, era sandálias, sapatos. Inclusive os tamancos, as que tinham maior poder aquisitivo compravam tamanco tipo sandália, atado no pé. Mas era sola de madeira e a gente ouvia direitinho aquele barulho: tac, tac, tac e se sabia, o pessoal já estava vindo para fábrica.40 40 Heldwig Ellen Bersch. Depoimento oral. Entrevista concedida para Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, Rio Grande, 23 set. 1998.

Andar “batendo os tamancos” virou expressão de uso corrente e faz alusão a este item da indumentária tanto feminina como masculina, utilizado no cotidiano de trabalho e que compõe este mosaico de sons que podem ser identificados como uma identidade sonora da cidade fabril que foi Rio Grande.

No interior dos espaços fabris, o barulho das máquinas conferia um tom quase monódico ao ambiente, tornando inaudíveis as vozes dos trabalhadores, levando a que se buscassem alternativas para os raros momentos de descontração e conversa. No depoimento de Delphina Gularte é possível observar as estratégias comunicacionais estabelecidas num espaço preenchido pelos sons contínuos das máquinas:

Eu como era de conversar muito, como ficava sozinha num corredor com uma máquina, então eu gostava quando rebentava o fio por que ali vinha muita gente e enquanto se remendava, se ficava conversando… era uma turma de gurias, sabe como é… eu gostava por que passava uma por trás da outra e falava de um baile, de uma festa, de uma coisa ou outra, isso tudo escondido.41 41 Delphina de Lemos Gularte. Depoimento oral. Entrevista concedida para Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, Rio Grande, 14 abr. 1998.

O barulho das máquinas constitui, em consonância com os demais elementos sonoros das fábricas, um dos sinais de sua vitalidade reconhecida também pelos transeuntes e moradores dos arredores dos empreendimentos fabris. É assim que comentários como “lembro do barulho das máquinas da tecelagem da Rheingantz quando passava ao lado na rua”42 42 I. A. [lembro do barulho das máquinas da tecelagem da Rheingantz…] em resposta a postagem [Qual sou ou barulho do passado fabril mais marcou sua memória?]. Rio Grande, 28 abr. 2022. Facebook: Grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo?fbid=5552073631493003&set=gm.3243311265899946>. Acesso em: 10 abr. 2023. e “o barulho que não esqueço e que me fazia tremer era uma máquina, não sei qual, que fazia um barulho terrível, a gente passava na calçada e enquanto não chegava ali eu já ia me apavorando e depois que passava aquele trecho, era um alívio”.43 43 A. G. [o barulho que não esqueço e que me fazia tremer era uma máquina…] em resposta a postagem [Qual sou ou barulho do passado fabril mais marcou sua memória?]. Rio Grande, 28 abr. 2022. Facebook: Grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo?fbid=5552073631493003&set=gm.3243311265899946>. Acesso em: 10 abr. 2023.

Aos barulhos das máquinas, que funcionavam como espécie de insonorização frente aos demais ruídos, dificultando a comunicação entre trabalhadores, se sobrepunham, entretanto, as vozes graves dos mestres que se faziam ouvir geralmente como expressão de admoestação aos operários. Nos relatos obtidos na pesquisa sobre a Fábrica Rheingantz, é recorrente a alusão aos mestres que emitiam ordens ou proferiam palavras ásperas de repreensão, contrastando com os poucos mestres que destoavam desse comportamento. Dos mestres “carrascos”, utilizando aqui a expressão de algumas entrevistadas, era comum que o tratamento concedido aos operários fosse marcado, sobretudo, pela violência verbal proferida em voz alta, de maneira que o som ecoava em toda a seção desafiando o ambiente sonoro caracterizado pela monotonia dos sons repetitivos das máquinas. Em contraste a isso, alguns relatos apontam para comportamentos dissonantes vindos de outros chefes, como o que ficou conhecido como mestre Carlos,44 44 Karl Hulverscheidt, que trabalhou na Rheingantz do ano 1928 a 1969, tendo sido mestre na seção de tapetes. tal como aparece no depoimento de Diva Soares ao dizer que

a maioria era assim, se tu ias lá falar alguma coisa, eles te corriam, entravam já dando ordens gritando na seção, enquanto esse mestre Carlos, quando ele podia ou via que a gente estava atrapalhada, vinha conversar contigo em voz baixa, cumprimentava o funcionário um por um, passava nos corredores das máquinas e ia dizendo bom dia, bom dia…só quase não se ouvia porque o barulho era terrível, mas ele cumprimentava.45 45 Diva Soares. Depoimento oral. Entrevista concedida para Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, Rio Grande, 3 dez. 1999.

Outro elemento que formava a paisagem sonora de estabelecimentos como a Rheingantz e a Fábrica Nova era a diversidade de idiomas e sotaques que se podia encontrar em fábricas que se caracterizaram pelo grande contingente de mão de obra estrangeira.

Nesse sentido, a Rheingantz se apresentou, desde sua fundação, marcada pelo ambiente sonoro que traduzia as diferentes procedências idiomáticas de seu corpo técnico, sobretudo os mestres e contramestres, mas também do corpo de trabalhadores, visto que era comum, tal como apontaram dados de entrevistas e documentos funcionais obtidos nos registros de pessoal, a fábrica admitir estrangeiros ou mesmo egressos de outros estados da federação, a exemplo dos pernambucanos que aportaram em Rio Grande na década de 1950 para se incorporar ao trabalho no setor de tecelagem. O universo social da fábrica estava composto por diferentes grupos étnicos, o que se pode verificar, em maior escala, na própria constituição da cidade que, por ser o único porto marítimo ao sul, atraiu, no final do século XIX e no início do XX, uma leva de imigrantes de diversas nacionalidades, vinculados às atividades urbanas, principalmente ao comércio e aos serviços (MARTINS, 2016MARTINS, Solismar Fraga. Cidade do Rio Grande: industrialização e urbanização (1873-1990). Rio Grande: Editora da FURG, 2016.).

Como afirma uma entrevistada, “tinha muito estrangeiro, tinha de tudo ali na fábrica, meus pais mesmo vieram da Itália, mas tinha português, tinha alemão, tinha húngaro, polonês, se escutava falar em todas as línguas ali dentro”.46 46 Clara Louzada Alkim. Depoimento oral. Entrevista concedida para Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, Rio Grande, 24 ago. 1998. O mapa sonoro inscreve os diversos idiomas e nacionalidades sob uma aparente homogeneização. Entretanto, à procedência étnica se associavam elementos de distinção aferidos pelo domínio de conhecimentos ou pela posição social do indivíduo em seu lugar de origem. A característica idiomática se coloca, assim, como chave para compreensão de processos hierárquicos que caracterizavam o ambiente fabril, tanto interna como externamente. Dentro da estrutura organizacional da empresa, até os anos 1950, os cargos de direção e de mestre de seção eram concedidos aos funcionários de origem alemã, que utilizavam sua língua materna para a comunicação diária entre eles, impossibilitando, dessa forma, a compreensão por parte do corpo de trabalhadores que não dominavam o idioma. Este dado era visto pelos funcionários como uma barreira intransponível que os separava daqueles que detinham o poder e a autoridade dentro da fábrica.

Ainda que os alemães estivessem na ordem dos que detinham os postos elevados na empresa, os dados obtidos mostram que outros elementos, como domínio de saberes técnicos e procedência social, exerciam um papel fundamental para o reconhecimento do indivíduo, sendo um exemplo disso o caso de Zoltan Solimossi, que junto com a esposa teria migrado da Hungria para o Brasil no período da Segunda Guerra Mundial. Solimossi se apresentou na Rheingantz como engenheiro e dotado de título nobiliárquico de barão em seu país natal. Conforme indica um dos entrevistados, “eles aparentemente vieram fugidos no nazismo e no país deles eram gente da alta, entretanto as razões da vinda do casal nunca foram devidamente esclarecidas”.47 47 Américo Elmo Bulla. Depoimento oral. Entrevista concedida Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, Rio Grande, 27 ago. 1998. A origem social de Solimossi permitiu seu ingresso no universo exclusivo da direção da empresa, tendo recebido algumas vantagens, como o direito ao uso de uma das casas destinadas aos mestres, e sendo admitido no circuito social frequentado pelos diretores e técnicos de origem germânica.

A distinção, e consequente segregação, se fazia observar igualmente dentro do espaço no qual conviviam alemães e seus descendentes, estrangeiros de classes sociais elevadas e o restante da população de contramestres e operários que habitavam as chamadas “Casas da Fábrica”, referindo-se aqui ao conjunto de casas de mestres e altos funcionários da empresa, em geral unidades soltas no terreno com ajardinamento e segundo piso, enquanto as dos contramestres e funcionários comuns nas chamadas “casas em fita” eram geminadas e sem recuo da calçada. Tal convivência era marcada por limites impostos por uma ordem de natureza social e étnica, tal como aparece no relato de Heldwig Bersch:

nós nos dávamos com os filhos do Hulverscheit, que eram da nossa idade (…) mas existia uma distinção tanto é que depois que começamos a estudar no colégio Joana D’Arc, o caminho era o mesmo e nós começamos a nos dar com a filha do mestre carpinteiro, era polonês e isso não foi visto com bons olhos pela chefia que mandou chamar meu pai.48 48 Heldwig Ellen Bersch, op. cit., 23 set. 1998.

Ainda dentro de um contexto de atribuições de poder associadas fundamentalmente à procedência étnica, é possível admitir que a crise da empresa Rheingantz foi igualmente uma crise no interior das estruturas administrativas que incidiu sobre a posição hierárquica dos alemães dentro da fábrica. Este fato foi desencadeado pela contratação, por parte da gerência, de uma firma norte-americana encarregada de estabelecer um projeto de modernização no estabelecimento. O ingresso dos norte-americanos é apresentado como uma intervenção drástica no sistema organizacional da empresa e, sobretudo, na relação com os mestres alemães, que, ao não dominarem o inglês, se viram alijados das decisões e reagiram de diferentes formas, além de reportarem para o plano local o contexto histórico que marcou a derrocada da Alemanha e o término da Segunda Guerra Mundial. A presença dos norte-americanos se constitui, portanto, em um elemento ativado pela memória sonora, recuperado pelos entrevistados como um idioma desconhecido que ingressa no universo plurilinguístico da fábrica por um curto espaço de tempo, causando estranhamento e, conforme relatos, sendo o prenúncio do fim da Era Rheingantz.

Na paisagem sonora que envolve o universo fabril, um dos espaços que aparece com recorrência nos relatos é aquele formado pela multidão que se observava nos horários de término dos turnos da manhã e tarde. Tendo em vista que o número de mulheres que trabalhavam nas fábricas têxteis era consideravelmente maior do que o número de homens, os horários de saída eram marcados por movimentação apressada no turno da manhã, visto que dispunham de tempo escasso para o almoço, sobretudo para as que deveriam atender o provimento de refeição para a família. Já no final do turno vespertino o cenário desvelado pelas narrativas referentes à Rheingantz traz pais, maridos e namorados que aguardavam as operárias encostados no muro do cemitério municipal que fazia frente ao prédio principal da fábrica. Tal espaço se convertia em um encontro rumoroso entre as pessoas que atualizavam informações de diferentes assuntos e que se converteu em um fórum de discussões da situação da fábrica, quando se instaurou a crise, nos finais dos anos 1950. O horário de saída dos turnos de trabalho é, assim, um componente de uma paisagem sonora percebida também por moradores dos entornos da fábrica, o que aparece no relato de que “a fábrica Rheingantz apitando para o final do expediente… eu ficava na janela esperando eles passarem… saudades”.49 49 R. S.[a fábrica Rheingantz apitando para o final do expediente…], em resposta a postagem [Qual sou ou barulho do passado fabril mais marcou sua memória?]. Rio Grande, 28 abr. 2022. Facebook: Grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo?fbid=5552073631493003&set=gm.3243311265899946>. Acesso em: 10 abr. 2023.

Esta multidão que a memória reproduz por meio de sons e imagens vai desaparecendo frente ao esvaziamento dos lugares de trabalho, a ausência de sons que eram o registro de vida. Aos apitos das fábricas se impõe o silêncio como testemunha do que existiu, alegoricamente representado na narrativa de Heldwig Bersch, ao associar a data da morte do pai, em 1972, mestre Fischer, com a morte simbólica da fábrica, dizendo que “quando o féretro passou com o caixão do meu pai defronte a fábrica, foi a última vez que o apito tocou”. O cessar do apito é tomado aqui como metáfora da morte, a transformação da paisagem sonora e ambiental que se observa nos finais da década de 1960 e que se acentua nos anos seguintes pela crise provocada pelo fechamento de indústrias que ocupavam número considerável de mão de obra.

Paisagem sonora: uma história do sensível

Recuperar a trajetória das duas fábricas têxteis abordadas nesse texto passou por uma opção metodológica que admite a narrativa memorial como um dos prismas pelos quais se pode recuperar o contexto histórico, social e cultural no qual está inserida. Esta opção se aproxima da concepção da memória como interpretação e reconstrução “sempre problemática do passado”, como aponta Halbwachs (1990)HALBWACHS, Maurice. A Memória coletiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990., instaurada no conjunto das relações entre sujeitos e sociedade, visando a se tornar um elemento de coesão e identidade.

Os depoimentos obtidos nas pesquisas realizadas em diferentes momentos sobre as indústrias na cidade do Rio Grande foram revelando uma dimensão mais profunda e emocional que não era possível acessar por meio de fontes como as oficiais das empresas, por exemplo. Tal dimensão seria como uma imagem tomada por um ângulo em cuja base está o indivíduo e seu sistema sensorial, um dado de individualidade que, no entanto, não se restringe à particularidade absoluta: a formação do olhar, do ouvir, do sentir, do gosto e do olfato está calcada em um sistema de informações que nos chegam do social. Por sua vez, tal imagem em prisma individual se soma a outras e outras, constituindo um conjunto coerente de dados. Assim, ao buscar reproduzir sons, gestos, odores, sabores, sensações, que são as conexões do corpo com o mundo exterior, a memória nos remete a um cenário fabril que se dilata em múltiplas direções, do interno de fábricas oitocentistas ao exterior, ao espaço urbano e social no qual está incrustada, sendo a paisagem sonora uma concha acústica que nos informa sobre tais conexões.

Entretanto, se o conceito de paisagem sonora (soundscape) nos instrumentaliza para captar a complexidade do espaço fabril por meio de percepções sensoriais apreendidas nos depoimentos, cabe interrogar como tal conceito dialoga com a pesquisa histórica e a perspectiva das pesquisadoras de “reconstituir” um tempo pretérito cujos vestígios desaparecem a cada momento. Nesse sentido, se torna fundamental pensar que é no campo das sensibilidades que tais registros se inserem, da “vida afetiva” da qual fala Lucien Febvre (1941)FEBVRE, Lucien. La sensibilité et l’histoire : comment reconstituer la vie affective d’autrefois? Annales d’Histoire Sociale, Paris, v. 3, n. 1-2, p. 5-20, 1941., em artigo que se constitui como uma referência teórica para este campo. Febvre nos fala de emoções que “nascem sem dúvida em um fundo orgânico próprio, um indivíduo”, mas que resultam “de experiências de vida comum”, uma dimensão interindividual, como aponta o autor, logo possível de se tornar pistas para a compreensão do real (FEBVRE, 1941FEBVRE, Lucien. La sensibilité et l’histoire : comment reconstituer la vie affective d’autrefois? Annales d’Histoire Sociale, Paris, v. 3, n. 1-2, p. 5-20, 1941., p. 7). O sistema de emoções ao qual nos remete Febvre assume contornos mais precisos na obra de Alain Corbin, particularmente no estudo que faz sobre o silêncio (2021), quase um contraponto ao que nos orienta neste texto que é a paisagem sonora. Entretanto, vistos como complementares, silêncio e sons podem, na perspectiva de Corbin, atuar como as “grandes angulares”, lentes que nos levam a planos não revelados de imediato, pois fazem parte do indizível: o silêncio pode, em determinadas circunstâncias, revelar medo e terror (2021, p. 197-199), também recolhimento, uma condição para a ascese e imersão na espiritualidade, a passagem da vida para a morte.

O grande desafio, o qual já anunciava Lucien Febvre em sua abordagem sobre as sensibilidades, é converter um dado efêmero como o estímulo – sonoro, neste caso – em dado histórico, ou uma “pedra eterna”, utilizando a expressão de que Simonnot e Siret (2014, p. 2)SIMONNOT, Natalie & SIRET, Daniel. Industrial heritage and a sensitive memory: observation on the establishment of a “sensory heritage”. L’Homme et la Société, Paris, n. 192, p. 127-142, 2014. Disponível em: <https://www.cairn-int.info/journal--2014-2-page-127.htm>. Acesso em: 10 abr. 2023.
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lançam mão para definir o patrimônio. Os autores se referem à exposição que ocorreu na cidade de Nantes, em 2011, intitulada “Perfumes de Nantes: cheirar, ver e ouvir a cidade de ontem e de hoje”,50 50 Tradução livre do original: Parfums de Nantes: sentir, voir et entendre la ville d’hier et d’aujourd’hui. cujo objetivo era o de propor a valorização do mais paradoxal e evanescente dos patrimônios: os barulhos e odores do passado da cidade. Os odores e sons associados ao cenário industrial da cidade no começo do século XX se converteram em objetos de exposição, se propondo assim enquanto uma valorização do sensível. Na recuperação de “uma cidade do passado como um meio vivo atravessado por múltiplos fluxos e sensações ligados a suas atividades industriais e que, em partes, determinam suas qualidades e identidade” (SIMMONOT, SIRET, 2014SIMONNOT, Natalie & SIRET, Daniel. Industrial heritage and a sensitive memory: observation on the establishment of a “sensory heritage”. L’Homme et la Société, Paris, n. 192, p. 127-142, 2014. Disponível em: <https://www.cairn-int.info/journal--2014-2-page-127.htm>. Acesso em: 10 abr. 2023.
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, p. 3-4) preside aqui a noção de “patrimônio sensível”. Tal expressão é empregada pelos autores para interrogar a pertinência do uso de um conceito que remete ao apreensível (material ou imaterial) frente ao caráter efêmero, “único e irreprodutível” (2014, p. 4) dos estímulos e sensações. Valendo-nos dessas reflexões, buscamos ampliar nossas próprias análises sobre a potência da memória para reproduzir a paisagem sonora, e desta última como recurso para a recuperação de determinado contexto social e ambiental. Dito de outra forma, valer-se das sensibilidades como outra “inteligência do social”, uma “nova forma de intelecção do passado” (MAZUREL, 2014MAZUREL, Hervé. De la psychologie des profondeurs à l’histoire des sensibilités : une généalogie intellectuelle, Vingtième Siècle. Revue d'Histoire, Paris, v. 3, n. 123, 2014. Disponível em: <https://www.cairn.info/revue-vingtieme-siecle-revue-d-histoire-2014-3-page-22.htm>. Acesso em: 10 abr. 2023.
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) é o que justifica tal caminho metodológico.

A história do sensível compreenderia, conforme Bodiou e Mehl (2015)BODIOU, Lydie Bodiou & MEHL, Véronique. Rouge sang : crimes et sentiments en Grèce et à Rome: précédé d’un entretien avec Françoise Héritier. Paris: Les Belles Lettres, 2015., três grandes eixos: o dos sentidos como motor da percepção; o do ambiente sensorial descrito como paisagem sonora (soundscape), olfativa, gustativa, visual; e o da percepção com centro nas emoções e como estas agem no indivíduo e no conjunto social. No cruzamento destes três eixos é possível fazer dos estímulos sonoros pretéritos, associados ao mundo do trabalho fabril, índices pelos quais se pode aferir a permanência destas fábricas na memória coletiva. Tais índices permitem ainda resgatar os nexos que se construíam entre o público (a fábrica, o traçado urbano, a vida social, política e econômica de uma cidade) e o privado (a intimidade da casa, as percepções e representações, a cidade vista pela janela). E, indo além, perceber as duas formas de conhecimento do mundo que Pesavento e Langue (2007)PESAVENTO, Sandra & LANGUE, Frédérique (org.). Sensibilidades na história: Memórias singulares e identidades sociais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007. recuperam a partir das categorias de Roland Barthes, o studium, que remete ao conjunto de conhecimentos sobre o mundo, dedutivo e explicativo da realidade, e o punctum que remete à relação sensível do eu com o mundo (2007, p. 13). Não há propriamente fronteiras entre uma dimensão e outra, entre o explicativo e dedutivo, de um lado, e o evocativo e emocional, de outro. Ambos incidem sobre o indivíduo em sua experiência única, porém possível de ser compartilhada, posto que é social e histórica (2007, p. 14). Ao aplicarmos essa assertiva à paisagem sonora fabril, apontamos para o que Meneguello (2017, p. 27)MENEGUELLO, Cristina. Das ruas para os museus: a paisagem sonora como Memória, registro e criação. Métis: História e Cultura, Caxias do Sul, v. 16, n. 32, p. 22-42, 2017. enfatiza como a “necessidade de descobrir a dimensão histórica dos sons urbanos e de uma escuta que possibilite o seu registro”; entendemos que os sons oriundos do processo de industrialização ocidental são característicos das mudanças culturais, sociais, econômicas e paisagísticas que as cidades e regiões vivenciaram, alterações que Murray Schafer (2001)SCHAFER, Raymond Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. Tradução de Marisa Trench Fonterrada. São Paulo: Edunesp, 2001. identifica como sombreamentos aos sons da natureza. Nesse contexto, o apito da fábrica, originalmente concebido para uso fabril, se converte em um marcador de ritmos e temporalidades produzidos no social.

Importante refletir sobre os desafios que tais objetos impõem ao pesquisador, dentre os quais está o desconsiderar o caráter dinâmico e seletivo da memória. Nesse sentido, Simonnot e Siret (2014)SIMONNOT, Natalie & SIRET, Daniel. Industrial heritage and a sensitive memory: observation on the establishment of a “sensory heritage”. L’Homme et la Société, Paris, n. 192, p. 127-142, 2014. Disponível em: <https://www.cairn-int.info/journal--2014-2-page-127.htm>. Acesso em: 10 abr. 2023.
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apresentam a persistência de uma memória olfativa associada aos biscoitos e perfumes produzidos na cidade de Nantes frente ao que apontam como sub-representação de outros odores associados à tais produções (metais, óleos, gazes, fumaças), aos quais estavam submetidos cotidianamente os trabalhadores.

Ainda que não seja exclusivo da história das sensibilidades perder de vista o contexto e a temporalidade que envolve a produção da narrativa, sempre a posteriori, é fundamental ter a clareza de que o que temos são rastros que podem ou não se converter em dados.

O último apito

Sons e silêncios povoam os depoimentos que se nutrem das emoções. O mesmo sinal sonoro – o apito da fábrica – aparece como representação de uma cidade definida por suas indústrias, a pujança econômica, os postos de trabalho, a dinâmica fabril, e seu oposto, quando é evocada sua ausência, como o prelúdio de um tempo de penúria e tristeza, como a última expressão de vida que se encerra com a simbólica passagem da procissão fúnebre de um funcionário do alto escalão. Os sons evocam vida, desenham paisagens perceptíveis apenas pelas formas sensíveis como vão sendo esquadrinhadas pela memória: o tac-tac dos tamancos, o barulho das máquinas, as vozes que competem com os sons dos teares, o burburinho nos horários de saída do trabalho, os sons das várias fábricas ao redor, das passeatas organizadas pelos sindicatos irrompendo na aparente calma do trabalho, os sons do poder, da hierarquia, da exclusão. É assim que Dona Elza, mulher negra, que por mais de 30 anos foi funcionária do setor de produção de tapetes, recupera, pela memória, o tempo do trabalho, no qual o lazer, a que lhe era dado direito ao final de uma semana de dupla jornada como mãe e tapeceira na Rheingantz, diferia do que era vivido por outras trabalhadoras. À Elza se aplicava uma regra não formalizada, mas tácita, de que negros não poderiam frequentar os bailes do Clube União Fabril, um dos espaços de sociabilidade mantidos pela Fábrica Rheingantz para seus funcionários.51 51 Elza Padilha. Depoimento oral. Entrevista concedida para Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, Rio Grande, 12 ago. 1998. Por meio da experiência de Elza, abordada aqui em sua singularidade, pode-se vislumbrar um conjunto social marcado pela distinção de caráter étnico. Para ela, lazer era a suspensão, por algumas poucas horas nos domingos, do cotidiano fabril e doméstico; o momento de, junto com o marido e os filhos pequenos, pegar um bonde que os levaria até uma das praças centrais da cidade, na qual as crianças podiam brincar com os filhos de outros trabalhadores. Essa intensidade de um momento de descanso é reproduzida, sobretudo, por meio de uma memória olfativa (o cheiro dos animais no pequeno zoológico existente no local) e sonora (o barulho das crianças, dos vendedores de “candi”, espécie de caramelo, e dos bondes que chegavam e partiam). Studium e punctum se entrelaçam e nos levam da praça à fábrica, do íntimo e pessoal ao coletivo e social, tendo como cenário uma cidade com suas “velhas paredes” e chaminés.

Organizadores do Dossiê História e Culturas Sonoras

  • Virgínia de Almeida Bessa
    Juliana Pérez González
    Cacá Machado
    José Geraldo Vinci de Moraes
  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. A autora Maria Leticia Mazzuchi Ferreira é responsável pela coleta de dados e entrevistas referente à Fábrica Rheingantz, frutos de sua Tese de Doutorado em História na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), defendida em 2002, e pela sustentação teórica e redação referente a memória e paisagem sonora. A coautora Olivia Silva Nery é responsável pela coleta das fontes digitais, via Facebook, sobre a Fábrica Ítalo-brasileira, e pela redação e sustentação teórica referente à cidade do Rio Grande e sua industrialização, frutos de sua pesquisa de Pós-Doutorado Júnior em Memória Social e Patrimônio Cultural na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), realizada entre 2020-2022, sob supervisão de Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, financiada pelo CNPq, processo n. 151171/2020-3.
  • 4
    TRÊS apitos. [Compositor]: Noel Rosa. Rio de Janeiro, 1933.
  • 5
    Pesquisa de Pós-Doutorado em Memória Social e Patrimônio Cultural titulada “Caminho fabril: patrimônio industrial da cidade do Rio Grande”, de Olivia Silva Nery, sob supervisão da Profa. Dra. Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, realizada na Universidade Federal de Pelotas, com financiamento do CNPq (PDJ) n. 151171/2020-3. Site do projeto: <https://caminhofabrilrg.wixsite.com/caminhofabrilrg>. Acesso em: 10 abr. 2023.
  • 6
    Site criado em 18 jul. 2014 por Ronaldo Morgado e Rosana Joy, que tem como moderador João Paulo Afonso, moradores da cidade de Rio Grande; contava, até o dia 10 nov. 2022, com 43,7 mil membros.
  • 7
    Descrição do grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande, disponível em: <https://www.facebook.com/groups/fatosecoisasdeantanho>. Acesso em: 10 abr. 2023.
  • 8
    O Grupo “Gostinho de Infância” possui 16,3 mil membros até o dia 10 nov. 2022, é um grupo privado, criado em 28 nov. 2015. O Grupo “Coisas e Fatos do Rio Grande: Memórias Esquecidas da História Riograndina” foi criado em 11 mar. 2022, possui 1,2 mil membros e é um grupo público.
  • 9
    Os grupos públicos do Facebook permitem que qualquer pessoa possa ver quem está no grupo e o que é publicado nele, mesmo aqueles que não possuem conta na rede social. Nesse caso, por questões éticas, optamos por usar um grupo público. Todos os membros estão cientes da privacidade e categoria do grupo quando solicitam sua entrada. Entretanto, de acordo com Cezarinho (2022)CEZARINHO, Filipe Arnaldo. História e fontes da internet: refletindo sobre espaço e autoria. In: NERY, Olivia & BOTH, Amanda (org.). Pesquisando em fontes históricas: experiências e desafios. Belo Horizonte: Letrato, 2022, p. 90 - 107., optamos por preservar a identidade dos depoentes, e colocarmos apenas as iniciais de seus nomes. Tal decisão está calcada nas discussões contínuas, e necessárias, sobre o uso das fontes digitais e suas autorias em pesquisas científicas.
  • 10
    Para isso, utilizamos a ferramenta de busca por palavras-chave do grupo e pesquisamos pelas seguintes palavras: som/sons, barulho, apito e sirene. Posteriormente, todos os resultados foram analisados e apenas os que tinham relação direta com o objetivo da pesquisa foram considerados.
  • 11
    Foram desconsiderados os comentários que não tinham referência aos sons do passado fabril, tais como marcação de outros usuários, comentários com emojis etc. Para evitar a análise de comentários e postagens feitas por perfis falsos, verificamos todos os autores dos comentários aqui utilizados de acordo com as recomendações do próprio Facebook: verificação da foto do perfil, verificação dos amigos, verificação das postagens públicas. Todas essas conferências foram realizadas considerando o padrão dos perfis falsos que tendem a possuir poucas informações, postagens apenas do mesmo assunto, poucos amigos e fotos que não estejam de acordo com seu perfil.
  • 12
    Ressaltamos que uma destas postagens foi criada especialmente para esta pesquisa e buscou, por meio do questionamento, “qual som ou barulho das fábricas mais marcou sua memória?”, coletar depoimentos e memórias sobre o passado industrial e as memórias sonoras. Demais postagens foram realizadas diferentes pessoas, em momentos distintos.
  • 13
    Uma postagem de 2017 com três comentários; duas postagens de 2021 com seis comentários; duas postagens de 2022, com 45 comentários.
  • 14
    Relatório da Associação Comercial publicado no dia 19 abr. 1887 no jornal Diário de Rio Grande.
  • 15
    Boletim Companhia União Fabril (CUF), 1956.
  • 16
    Relatório do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, 1955.
  • 17
    Livro manuscrito Memórias sobre a Companhia Fiação e Tecelagem Rio Grande, datado de 1950, redigido por Alfredo Mariani, guarda livros da empresa à época. O livro traz transcrições de correspondências e outras documentações empresariais, documentos originais anexados ao livro e informações sobre o histórico da fábrica. Alfredo Mariani, responsável pelo livro, escreve no encerramento: “com a notícia acima ponho fim a este modesto manuscrito que, tanto para lhe dar um nome, chamarei de ‘Memórias sobre a Companhia Fiação e Tecelagem Rio Grande’. Foi-me inspirado na ocasião em que dediquei minha atividade na organização do Arquivo da Companhia, para que, deste meu trabalho, ficasse alguma útil e tangível recordação”. MARIANI, Alfredo. Memórias sobre a Companhia Fiação e Tecelagem Rio Grande [manuscrito]. Rio Grande, 1950. MCRG 04594, Acervo do Museu da Cidade do Rio Grande.
  • 18
    Ibidem, p. 5 Carta escrita por Giovanni Hensemberger para sócios em Gênova, em 18 nov. 1893, e transcrita no livro “Memórias sobre Companhia Fiação e Tecelagem Rio Grande” de 1950.
  • 19
    O Estado Novo via nas comunidades de imigração alemã e italiana potenciais obstáculos para a consolidação da política nacionalista, o que é agravado com a entrada do Brasil na Segunda Guerra e a associação, sobretudo no que se refere aos núcleos de colonização germânica, com braços do nazismo em território nacional, o chamado “perigo alemão” ao qual se refere Gertz (1991)GERTZ, René Ernaini. O perigo alemão. Porto Alegre: Editora UFRGS, 1991.. Da interdição do ensino em língua alemã, do temor pela comunicação em idioma que não fosse o português, evolui-se para ataques feitos pelas populações locais com respaldo das forças de segurança, contra estabelecimentos fabris e comerciais, templos religiosos e associações culturais, cujo ápice foram os meses de julho e agosto de 1942 (FACHEL, 2002FACHEL, José Plínio Guimarães. As violências contra os alemães e seus descendentes, durante a segunda Guerra Mundial, em Pelotas e são Lourenço do Sul. Tese de Doutorado em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002.).
  • 20
    A Fábrica Rheingantz e a Fábrica Nova se beneficiaram pela exportação de tecidos em lã e algodão, no período da Segunda Guerra Mundial. Tal quadro econômico, entretanto, não se fez acompanhar de mudanças em seus processos de produção, o que, associado com a precariedade do transporte interno, ferroviário ou marítimo, constituiu-se em posições de baixa competitividade com as indústrias têxteis do centro do país (MARTINS, 2016MARTINS, Solismar Fraga. Cidade do Rio Grande: industrialização e urbanização (1873-1990). Rio Grande: Editora da FURG, 2016.).
  • 21
    RIO GRANDE INDUSTRIAL, Centro de Indústrias de Rio Grande, 1966. Acervo da Biblioteca Rio-Grandense.
  • 22
    Ibidem, loc. cit.
  • 23
    Postagem feita para fins de coleta de depoimento para esta pesquisa, titulada “Qual som ou barulho do passado fabril mais marcou sua memória?” publicada no grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande no dia 28 abr. 2022. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo?fbid=5552073631493003&set=gm.3243311265899946>. Acesso em: 10 abr. 2023.
  • 24
    Título original em inglês: The tuning of the world.
  • 25
    Editorial. Jornal Rio Grande, Rio Grande, p. 2, 23 nov. 1966. Acervo da Biblioteca Rio-Grandense.
  • 26
    Francisco Ramalho. Enfrentar más situações. O Tempo, Rio Grande, p. 1, 8 jan. 1960. Acervo da Biblioteca Rio-Grandense.
  • 27
    Rui Pratini. Fatores diversos, de ordem socioeconômica que tornaram Rio Grande uma cidade sitiada. Diário de Notícias, Rio Grande, 14 fev. 1960, p. 12. Acervo da Biblioteca Rio-Grandense.
  • 28
    A chamada Linha do Parque é o percurso urbano que inicia na entrada da cidade, cruzando o pórtico que representa uma máquina de costura, ingressando na atual Avenida Presidente Vargas, passando pelas fábricas Rheingantz, pela Ítalo-Brasileira e seguindo em direção ao centro de Rio Grande.
  • 29
    As razões que levaram ao processo de falência da empresa são de diferentes ordens. Num plano mais amplo, as dificuldades que enfrentava para modernizar os processos produtivos e a própria planta fabril, a fim de introduzir o fio sintético, por exemplo, a tornaram em desvantagem de competição com outras empresas têxteis do Sul e do centro do país. No plano interno, a desagregação de uma ordem empresarial familiar, que já se fazia sentir a partir dos anos 1955, foi acelerada pelas medidas tidas como equivocadas e polêmicas tomadas pelo último diretor da linhagem Rheingantz.
  • 30
    A rua Buarque de Macedo é uma das principais artérias do bairro Cidade Nova, originalmente um lugar de concentração de imigrantes e trabalhadores nas fábricas têxteis e alimentícias. Já a rua 2 de Novembro é uma travessa de conexão entre a rua Buarque de Macedo e a Avenida Rheingantz, onde se encontra o prédio da fábrica e nela estão os dois cemitérios da cidade, daí a origem de sua denominação.
  • 31
    No imaginário urbano, o “homem da capa preta” é uma fantasmagoria, o espírito de um jovem que circulava perdido entre o mundo dos vivos e dos mortos.
  • 32
    Diva Soares. Depoimento oral. Entrevista concedida para Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, Rio Grande, 3 dez. 1999.
  • 33
    L. S. [Lembro da sirene da Rheingantz…] em resposta à postagem [Qual sou ou barulho do passado fabril mais marcou sua memória?]. Rio Grande, 28 abr. 2022. Facebook: Grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo?fbid=5552073631493003&set=gm.3243311265899946>. Acesso em: 10 abr. 2023.
  • 34
    K. M. [Lembro do apito da Fábrica Nova onde hoje é o Big…] em resposta a postagem [Qual sou ou barulho do passado fabril mais marcou sua memória?]. Rio Grande, 28 abr. 2022. Facebook: Grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo?fbid=5552073631493003&set=gm.3243311265899946>. Acesso em: 10 abr. 2023.
  • 35
    R. L. [Lembro que tocava às quinze para as sete o apito da Fábrica Nova…] em resposta a postagem [Qual sou ou barulho do passado fabril mais marcou sua memória?]. Rio Grande, 28 abr. 2022. Facebook: Grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo?fbid=5552073631493003&set=gm.3243311265899946>. Acesso em: 10 abr. 2023.
  • 36
    L. B. [Acertávamos o relógio pelo apito da Fábrica Nova] em resposta a postagem [Qual sou ou barulho do passado fabril mais marcou sua memória?]. Rio Grande, 28 abr. 2022. Facebook: Grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo?fbid=5552073631493003&set=gm.3243311265899946>. Acesso em: 10 abr. 2023.
  • 37
    V. R. [às 12:00 apitava para o almoço, a gente escutava onde estivesse…tempo bom] em resposta a postagem [Boa tarde, não sei se já foi postado aqui no grupo, mas tenho curiosidade para que era usado essa chaminé?]. Rio Grande, 23 ago. 2021, Facebook: Grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande. Disponível em: <https://www.facebook.com/groups/fatosecoisasdeantanho/permalink/3064047323826342/>. Acesso em: 10 abr. 2023.
  • 38
    Lalá Bulla. Depoimento oral. Entrevista concedida para Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, Rio Grande, 20 ago. 1998.
  • 39
    Honorina Britto. Depoimento oral. Entrevista concedida para Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, Rio Grande, 24 set. 1998.
  • 40
    Heldwig Ellen Bersch. Depoimento oral. Entrevista concedida para Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, Rio Grande, 23 set. 1998.
  • 41
    Delphina de Lemos Gularte. Depoimento oral. Entrevista concedida para Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, Rio Grande, 14 abr. 1998.
  • 42
    I. A. [lembro do barulho das máquinas da tecelagem da Rheingantz…] em resposta a postagem [Qual sou ou barulho do passado fabril mais marcou sua memória?]. Rio Grande, 28 abr. 2022. Facebook: Grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo?fbid=5552073631493003&set=gm.3243311265899946>. Acesso em: 10 abr. 2023.
  • 43
    A. G. [o barulho que não esqueço e que me fazia tremer era uma máquina…] em resposta a postagem [Qual sou ou barulho do passado fabril mais marcou sua memória?]. Rio Grande, 28 abr. 2022. Facebook: Grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo?fbid=5552073631493003&set=gm.3243311265899946>. Acesso em: 10 abr. 2023.
  • 44
    Karl Hulverscheidt, que trabalhou na Rheingantz do ano 1928 a 1969, tendo sido mestre na seção de tapetes.
  • 45
    Diva Soares. Depoimento oral. Entrevista concedida para Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, Rio Grande, 3 dez. 1999.
  • 46
    Clara Louzada Alkim. Depoimento oral. Entrevista concedida para Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, Rio Grande, 24 ago. 1998.
  • 47
    Américo Elmo Bulla. Depoimento oral. Entrevista concedida Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, Rio Grande, 27 ago. 1998.
  • 48
    Heldwig Ellen Bersch, op. cit., 23 set. 1998.
  • 49
    R. S.[a fábrica Rheingantz apitando para o final do expediente…], em resposta a postagem [Qual sou ou barulho do passado fabril mais marcou sua memória?]. Rio Grande, 28 abr. 2022. Facebook: Grupo Fatos e Coisas do Antanho do Rio Grande. Disponível em: <https://www.facebook.com/photo?fbid=5552073631493003&set=gm.3243311265899946>. Acesso em: 10 abr. 2023.
  • 50
    Tradução livre do original: Parfums de Nantes: sentir, voir et entendre la ville d’hier et d’aujourd’hui.
  • 51
    Elza Padilha. Depoimento oral. Entrevista concedida para Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, Rio Grande, 12 ago. 1998.

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Editado por

Editores Responsáveis

Miguel Palmeira e Stella Maris Scatena Franco

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 2022
  • Aceito
    14 Fev 2023
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