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FLAMI-N’-ASSÚ: MANIFESTO E PERSPECTIVISMO AMAZÔNICO NO MODERNISMO BRASILEIRO NA DÉCADA DE 19201 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. Este artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico-CNPq, com bolsa de produtividade em Pesquisa, processo 3130062/2020-0. O autor agradece a leitura e as contribuições dos pareceristas e o trabalho editorial dedicado ao presente artigo.

FLAMI-N’-ASSÚ: MANIFESTO AND AMAZONIAN PERSPECTIVISM IN BRAZILIAN MODERNISM IN THE 1920s

Resumo

Este artigo analisa a importância e a divulgação do manifesto literário Flami-n’-assú, de Abguar Bastos (1902-1995), como parte da construção intelectual de um perspectivismo amazônico no modernismo brasileiro na década de 1920. Para isso, buscamos analisar a formação dos grupos literários no Pará nas primeiras décadas do século XX, seu viso filosófico e suas conexões e distinções com outros projetos artísticos nacionais. Ideias de modernidade, mediadas por noções de identidade nacional, sob o ponto de vista regional, estão na base da formulação desse ideário, levando em consideração o lugar do discursivo, a ancestralidade indígena e posicionamento da Amazônia no debate a partir de uma farta experiência literária. Não se tratava de pensar a região um reduto de tradições, perdido no passado, à margem da história. Ideias de futuro, juventude, vanguarda, saber e arte indígenas fizeram parte do repertório cognitivo de sustentação “mental” e “espiritual” desse manifesto, nas contendas com o passado e da construção do presente.

Palavras-chave
Modernismo brasileiro; perspectivismo Amazônico; manifestos literários; identidade nacional; lugar discursivo

Abstract

This article analyzes the importance and dissemination of the literary manifest Flami-n’-assú by Abguar Bastos (1902-1995) as part of the intellectual construction of an Amazonian perspectivism on Brazilian Modernism in the 1920s. To this end, we seek to analyze the literary groups formation in Pará in the first decades of the 20th century, their philosophical aspects, and their connections and distinctions related to other national artistic projects. From a regional point of view, ideas of modernity mediated by national identity are at the base of these ideas generation, taking into account the place of the discursive, indigenous ancestry and positioning of the Amazon in the debate from a rich literary experience. However, it was not a matter of thinking that the region was a stronghold of traditions, lost in the past and excluded from history. On the contrary, ideas of indigenous future, youth, avant-garde, knowledge, and art were part of the cognitive repertoire of “mental” and “spiritual” support of Flami-n’-assú manifest in the struggles with the past and construction of the present.

Keywords
Brazilian Modernism; Amazonian perspectivism; literary manifest; national identity; discursive place

Abguar Bastos: manifesto e modernidade

Em 1927, aparece nas páginas da revista Belém-Nova, então principal órgão literário publicado na capital do Pará, um manifesto endereçado “aos intelectuais paraenses”. Escrito por Abguar Bastos (1902-1995) durante uma viagem ao Acre, atraiu muita atenção já pelo título Flami-n’-assú, que seu autor traduziria do tupi como “chama grande”, invocando a ancestralidade indígena do modernismo amazônico. Não era de todo uma novidade nem na literatura e nem nas artes. Desde o início do século XX, vários artistas paraenses, em especial Theodoro da Silva Braga (1872-1953) e seus alunos, vinham reivindicando o tom de brasilidade no desenho, na pintura e no universo da decoração, com a estilização de elementos da fora e da fauna e da arqueologia indígenas. Ao mesmo tempo, Abguar Bastos militava na mesma onda de manifestos e libelos artísticos que se intensificou nos primeiros anos da década de 1920, com seus amigos Bruno de Menezes (1893-1963) em Uma geração que surge, e Francisco Galvão (1906-1956), com Manifesto da Beleza, ambos de 1923 (FIGUEIREDO, 2016FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. De pinceis e letras: os manifestos literários e visuais no modernismo amazônico na década de 1920. Territórios e Fronteiras, v. 9, p. 130-54, 2016.).

A novidade do libelo de Abguar Bastos, ainda pouco observado na crítica e historiografia literárias brasileiras, assenta-se no que chamamos de perspectivismo amazônico de seu ideário. Esta é a questão central da qual se ocupa o presente artigo, levando em conta três aspectos que julgamos fundamentais na abordagem da produção, circulação e recepção desse importante manifesto literário para o modernismo na Amazônia. O primeiro aspecto diz respeito à formação de Abguar Bastos e os debates que antecederam a própria gestação de sua escrita, especialmente na década de 1910, com a revista Ephêmeris e dos aportes da filosofa de Henri Bergson (1859-1941) e o tópico do “tempo transitório” e da memória como constitutiva do presente, além do perspectivismo como possibilidade de leitura, como parte da literatura, a partir da obra de Friedrich Nietzsche (1844-1900). A segunda questão é o próprio perspectivismo literário e artístico do modernismo brasileiro a partir da Amazônia, em parte gestado em diálogo com outros autores de sua geração e de um amplo repertório conceitual e cognitivo sobre a região amazônica, como topos intelectual, poético e político. O terceiro ponto seria o manifesto sem si, sua escrita com aguda intensidade persuasiva, em tom de declaração pública, invocando não somente um “lugar de discurso”, como um léxico próprio incluindo termos da língua tupi, como forma de acentuar a ancestralidade amazônica dessa literatura (FIGUEIREDO, 2016FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. De pinceis e letras: os manifestos literários e visuais no modernismo amazônico na década de 1920. Territórios e Fronteiras, v. 9, p. 130-54, 2016.).

Seu autor, Abguar Bastos Damasceno, com extensa carreira literária e política, nasceu em Belém, em 1902, filho de Antônio Alves Damasceno e de Maria Ferreira Bastos. Entre 1908 e 1919, estudou em três importantes colégios da capital do Pará: o colégio Progresso Paraense e o colégio Moderno, instituições privadas reconhecidas pela renovação do ensino, e o Ginásio Paes de Carvalho, a mais importante e tradicional instituição de ensino secundário da cidade. Nessa época, já interessado em literatura, escreve poemas, participa de grêmios estudantis e toma contato com muitos intelectuais, muitos dos quais foram seus professores. Transfere-se com a família para Manaus e, entre 1921 e 1925, cursa a Faculdade de Direito do Amazonas, mantendo correspondência assídua com seus amigos do Pará. Interessado por geografia e ciências, inicia os cursos de agronomia e engenharia, sem concluir seus estudos. Enquanto cursa a faculdade, trabalha como bancário e, depois de formado, assume o posto de tabelião e cartorário na cidade de Coari, no Amazonas, entre 1926 e 1928, onde foi secretário da prefeitura e também prefeito interino. Realiza muitas viagens pelo interior do Amazonas, Pará e Acre, onde registra histórias e narrativas que posteriormente serão recuperadas em seus romances e estudos de folclore, religião e alimentação. Publica em diferentes jornais e revistas do Amazonas e do Pará, especialmente a partir de 1926, quando envia suas colaborações para as revistas A Semana e Belém-Nova, além dos jornais A Tarde e O Estado do Pará. Amigo de Raul Bopp, Oswaldo Costa e Oswald de Andrade, colabora com a Revista de Antropofagia e com os debates sobre a criação do Clube de Antropofagia do Pará (FIGUEIREDO; GALVÃO JÚNIOR, 2019FIGUEIREDO, Aldrin Moura de; GALVÃO JÚNIOR, Heraldo Márcio. Revistas no Front: aproximações entre Belém Nova e Revista de Antropofagia por meio de manifestos na década de 1920. Revista Antíteses, v. 12, p. 166-195, 2019.; REIS, 2020REIS, Marcos Valério. Abguar Bastos, Amazônia e renovação modernista: romances e manifestos. Tese (Doutorado em Comunicação, Linguagens e Cultura) — Programa de Pós Graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura, Universidade da Amazônia, Pará, Belém, 2020.).

Com intensa atividade política, participa do movimento revolucionário de 1930 no Pará, tomando parte, em outubro daquele ano, na rebelião do 26º Batalhão de Caçadores de Belém. Foi preso, ainda em outubro, pela força pública da cidade de Bragança e mandado para capital do estado. Com a vitória da Revolução de 1930, foi nomeado secretário da junta governativa do Pará, tornando-se chefe de gabinete de Joaquim Cardoso Magalhães Barata (1888-1959), nomeado interventor federal. Permaneceu menos de um ano no cargo, retirando-se por discordar da orientação política de Barata, voltando a se dedicar ao trabalho notarial como oficial do registro civil e titular do 2º Cartório de Registro Civil de Belém (ROCQUE, 1983; 2006, v. 1, p. 83-169). Note-se que neste período teve como assistente de gabinete o jovem escritor Dalcídio Jurandir (1909-1979), que futuramente seria reconhecido como um dos mais importantes romancistas da Amazônia, a época com 22 anos, quando, em conversas com Abguar Bastos, conclui uma primeira versão de um livro de contos e um romance, com passagens de sua infância na Ilha de Marajó. Esta aproximação, segundo Marly Furtado, assegura a modernidade literária dos escritores os afastando da matriz novelesca que nutriu o romance latino-americano até os anos de 1930 (NUNES; PEREIRA; PEREIRA, 2006NUNES, Benedito; PEREIRA, Soraya; PEREIRA, Ruy. (Org.). Dalcídio Jurandir: romancista da Amazônia. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 2006.; FURTADO, 2014, p. 96FURTADO, Marli Tereza. Abguar Bastos e a série “Os dramas da Amazônia”, ou um romancista em construção. In: NUNES, Paulo (Org.). Diversidade cultural: diálogos literários. 2ª ed. Belém: Unama, 2008, v. 2, p. 91-104.).

Sua intensa biografia, que se estenderá movimentada nas próximas décadas, não cabe nos limites deste artigo, porém é necessário destacar que, nos anos de 1930, além de escrever compulsivamente, publicando suas principais obras literárias ambientadas na Amazônia, elege-se deputado federal pelo Pará e depois ingressa na Aliança Nacional Libertadora (ANL), junto à ala mais à esquerda do tenentismo, sob a presidência de Luís Carlos Prestes (1898-1990), destacada pelo próprio Abguar Bastos como um movimento “democrático, antiimperialista e nacionalista” (BASTOS, 1946; 1969, p. 249). Justamente nessa época de acentuada atividade política, o escritor publica suas obras cruciais: Amazônia que ning uém sabe (1931), Terra de Icamiaba, (1935)3 3 Terra de Icamiaba, de 1934, é o título da 2ª edição do romance Amazônia que ninguém sabe, publicado em 1931. , Ce r t os caminhos do mundo (1936), e Safra (1937). O sociólogo Marco Aurélio Paiva afirma que a publicação do primeiro romance já demonstra um dos aspectos da cisão modernista em diferentes vertentes e de como essas disputas políticas foram observadas por autores de regiões mais distantes dos centros culturais do país. Longe de refutar a centralidade paulista com a Semana de 1922, procura enfatizar como esse evento se converteu em um momento decisivo para a formação de um campo literário no Brasil. Por outro lado, salienta a divergência de Abguar Bastos com relação a Mário de Andrade, a respeito da questão da nacionalidade e do regionalismo brasileiro a partir da Amazônia (PAIVA, 2008, p. 175PAIVA, Marco Aurélio. Um outro herói modernista. Tempo Social, v. 20, n. 2, 175-196, 2008.).

Perspectivismo, literatura e modernidade na Amazônia

Esclarecida a importância de Abguar Bastos nos círculos intelectuais da década de 1920, há que se pensar nas bases de sua formação literária e do fundo epistemológico que alcançou vários grupos literários na década de 1910, muitos dos quais formados por seus professores de ginásio, especialmente informados por um debate filosófico fundado a partir da noção de lugar como posição discursiva. Para muitos desses intelectuais, em especial Antônio Augusto Alves de Souza (1900-1943) e Cursino Loureiro da Silva (1890-1975), fguras centrais no grupo paraense dos Ephemeros, de 1916, esse perspectivismo denotava todo tipo de percepção e de pensamento a partir de uma circunstância, de uma condição, de um ponto de vista que é alterável. A partir de alguns de seus escritos, é possível reconhecer referências distantes a Leibniz, e mais próximas de Nietzsche e Bergson. Os canais de leitura dessas matrizes intelectuais e filosóficas eram variados, e provinham na maior parte das vezes da formação jurídica em certos círculos da Faculdade de Direito do Recife, de certo registro erudito conservado em círculos literários desde os fins do século XIX e também de um trânsito de leituras proveniente do jornalismo e da crítica literária (NUNES, 2000, p. 83NUNES, Benedito. Cursino Silva. In: PODER JUDICIÁRIO. Desembargador Cursino Loureiro da Silva: homenagem Póstuma. Belém: TJEP, 2000, p. 82.; SILVA, 1916).

Recorde-se que o crítico paraense José Veríssimo (1857-1916)VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1916., radicado no Rio de Janeiro, desde 1903 vinha examinando algumas das últimas publicações francesas das ideias de Nietzsche, incluindo suas traduções, recorrentes à época. Tratava-se, portanto, de avaliar o modo como a filosofa nietzschiana se tornara, de norte a sul, verdadeira febre na cena intelectual brasileira. Ao contrário do que acontecia com alguns jovens paraenses, a crítica de Veríssimo tendia a ser negativa, tanto no que se referia à recepção das ideias de Nietzsche nos círculos parisienses quanto na seara brasileira. Sob o olhar do crítico, o pensador alemão era visto ora como filósofo, ora como poeta (VERÍSSIMO, 1903VERÍSSIMO, José. Um Nietzsche diferente. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 03, n. 587, 19 de janeiro de 1903.). Apesar do parecer, Veríssimo voltaria diversas vezes ao assunto em publicações em diários cariocas, cujos recortes circularam e foram muito comentados no Pará. Claro é que o contexto de modernização do país e os debates sobre os destinos culturais das metrópoles brasileiras eram ao mesmo tempo pano de fundo e epicentro das refexões. Entre 1907 e 1908, Veríssimo publicaria, no Jornal do Commercio, os artigos As ideias literárias de Nietzsche e Um ideal de cultura: uma página sobre Nietzsche. Ambos seriam republicados, em 1910, no livro Homens e cousas estrangeiras, com títulos diversos. “Um Nietzsche diferente”, foi reeditado como “Nietzsche”, no livro Que é literatura? e outros escritos, publicado em 1907. João Alexandre Barbosa, que estudou à minucia a obra do crítico paraense, afirma que esse conjunto de ensaios, para além da recepção filosófica, serviu mais uma vez de leitura “para o caso brasileiro, numa verdadeira diatribe contra o hábito de falsear a cultura com adornos eruditos de superfície” (BARBOSA, 2003, p. 41BARBOSA, João Alexandre. Prefácio. In: VERÍSSIMO, José. Homens e cousas estrangeiras, 1899-1908. Rio de Janeiro: Top Books, 2003.).

Não bastava reconhecer em Nietzsche e Bergson novidades literárias. O aporte filosófico haveria que ter sentido como possibilidade de novas leituras, outros pontos de vista, distintas possibilidades interpretativas de questões já postas, havidas como sólidas e inabaláveis pela história, pela literatura e pela própria filosofa. Em 1911, Arthur Guimarães Bastos, um desses jovens literatos ligados à revista Ephemeris, sob pseudônimo, publicou um artigo no jornal O Estado do Pará, sob o título “Ancenúbios”, invocando Carlyle e Nietzsche para enfatizar o mundo em transformação, cambiante, nuançado e sob colorido diverso (BASTOS, 1911, p. 1). Cursino Silva, já referido, sempre interessado em filosofa e estética, foi grande leitor de Henri Bergson, incluindo aqui Matière et mémoire (1896) e Le Rire (1899). Na mesma trilha de preocupações, viu no pensador francês uma reinauguração das inquietações sobre o tempo, sobre as mudanças, sobre as transformações culturais (SILVA, 1916, p. 26). O assunto seria o tempo que passa, transitório, do movimento dos dias. Algo que será chave de leitura para os modernistas paraenses da década de 1920.

A admiração de Cursino Silva fzera com que ele movesse tempo e desejo para organizar e presidir a instalação solene de um Grêmio Henri Bergson, certamente um arroubo de juventude, congregando alunos da Faculdade de Direito, ao mesmo tempo em que atuava em vários pequenos impressos estudantis (SOUZA, 1976, p. 7SOUZA, Márcio. A expressão amazonense: do colonialismo ao neocolonialismo. 2ª ed. São Paulo: Alfa-Ômega, 1977.). Dessa empresa escolar e aprendiz de filosofa e literatura, é possível pensar que tenha brotado um perspectivismo que inclui a ideia de processo, de constante transformação, rompendo com a utopia de eternidade. De certo modo, esses jovens literatos viam a filosofa também como negação, uma crítica às formas de determinismo e coisificação do homem. O jornalista e crítico João Peregrino Junior (1898-1983) pressentiu, por isso mesmo, nesse grupo de literatos, o primeiro sopro moderno na literatura do Pará (PEREGRINO JUNIOR, 1954, p. 10PEREGRINO JÚNIOR. O movimento modernista. Rio de Janeiro: MEC, 1954.), levando em conta que o clube abrigava essa afirmação da liberdade humana, diante das vertentes científicas que procuravam reduzir a dimensão espiritual do homem. Nesse mesmo ano de 1916, Cursino Silva publicou o livro de poemas Sarçais, com laivos simbolistas, embora aqui, bosques, matagais, selvas e silvados também sirvam para considerar a natureza amazônica como duração mutante da própria existência (SILVA, 1916a).

Dito isto, é necessário também refetir que essas primeiras décadas do século XX, tanto na Europa como no Brasil, ao buscarem renovação no campo das artes plásticas e da cultura literária, viveram um mundo em crise, literalmente em guerra. Entre 1914 e 1918, durante a Primeira Guerra Mundial, o termo vanguarda, já conhecido amplamente desde o século XIX, ganha ruído diverso entre os intelectuais dos dois lados do Atlântico. Num espaço de tempo relativamente curto e de inserção internacional, sucederam-se vários movimentos de vanguarda, cada qual batizado de tal modo a expressar os temas e procedimentos do grupo, refetindo o clima bélico de intensa ebulição da época (TELES, 1976TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1976.; SCHWARCZ, 2013). O que hoje parece algo consolidado e “histórico”, como são as vanguardas artísticas, foram, em seu tempo, movimentos profundamente radicais que incidiram ferozmente sobre os percursos culturais contemporâneos.

Alguns nomes tornaram-se vívidos entre os intelectuais brasileiros de então, ao menos como novidade importada de além-mar. O Futurismo, de Filippo Marineti (1909), passando especialmente pelo Ultraísmo de Vicente Huidobro e Rafael Cansinos-Asséns (1918), até o Surrealismo de André Breton (1924), estão entre os mais comentados entre os intelectuais paraenses na década de 1920 (FIGUEIREDO, 2016FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. De pinceis e letras: os manifestos literários e visuais no modernismo amazônico na década de 1920. Territórios e Fronteiras, v. 9, p. 130-54, 2016.). Há que se considerar, como já mostrou Eric Hobsbawm, as vanguardas tiveram que lidar com “as artes de antes”, como “expressão do tempo”, como também com seus próprios fracassos (HOBSBAWM, 1999, p. 10HOBSBAWM, Eric. Behind The Times: Decline and Fall of the Twentieth-century Avant-gardes. London: Thames and Hudson, 1999.). Apesar da diversidade dos projetos políticos, todos esses movimentos tiveram em comum o desejo de contestação do passado e do próprio sentido da história que herdavam. Alguns deles se ativeram mais em ressaltar o caráter aguerrido e iconoclasta diante dos valores do século XIX, combatendo especialmente o lirismo romântico da literatura e o conteúdo estético, do que se convencionar a chamar de pintura acadêmica. Era então corrente a crença de que os modelos clássicos da poesia e da prosa estavam falidos, representando, antes de qualquer coisa, uma arte envelhecida e cristalizada. Não resta dúvida, portanto, de que essas iniciativas vão de fato intensificar algo já em curso, vindo do século XIX, nas correntes subversivas do romantismo e nas propostas experimentais do simbolismo ou ainda, e até mesmo, no amálgama estilístico que demarcou o ecletismo da belle-époque brasileira. O próprio José Veríssimo, na sua História da literatura brasileira, de 1916, chama de “modernismo” o movimento de renovação das letras do qual ele mesmo fez parte a partir dos anos de 1870 (VERÍSSIMO, 1916, p. 341-52VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1916.). No entanto, foi exatamente com a crítica hiperbólica das chamadas vanguardas históricas que se estabeleceu o experimentalismo estético marcado pelo sotaque rebelde dos manifestos. De um lado, firmou-se a valorização da linguagem como tema e objeto da arte, de outro, a constante insatisfação do criador diante de procedimentos e leituras cristalizadas e exauridas pela tradição (WEISGERBER, 1984WEISGERBER , Jean. Les Avant-gardes litéraires au XXe siècle. Budapest: Akadémiai Kiadó, 1984.; MURPHY, 1999MURPHY, Richard. Theorizing the avant-garde: modernism, expressionism, and the problem of modernity. Cambridge and New York: Cambridge University Press, 1999.).

Com efeito, os movimentos de vanguarda ganharam o mundo, com desdobramentos e refluxos que redesenharam as fronteiras literárias e geográficas no limiar do século XX. O Brasil não foi tão somente mais um porto de escala de ideias alienígenas que aqui frutificaram. Para além dessa versão conhecida do eco modernista de traço europeu, já havia nas principais capitais do país um clima próprio de efervescência e debates em torno de cânones, identidade e estilística na literatura nacional. Os anos de 1910 e 1920 dão ensejo para a formatação dos modernismos brasileiros – que ocorrem mais ou menos simultaneamente pelo país afora – de Maceió ao Rio de Janeiro, de Salvador a Porto Alegre, de Recife a Belém do Pará, em que pese o propalado mito de origem da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. Seja como for, a ideia de renovação percorria o anseio da geração de 1920. Na década de 1970, a historiografia literária brasileira, especialmente de sotaque paulista, procura construir uma espécie de consenso em torno do evento de 22, sobrevalorizando a noção de marco fundador do modernismo brasileiro (FISCHER, 2021; FIGUEIREDO, 2021FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Outras margens, outros centros: o modernismo brasileiro a partir da Amazônia. In: AMARAL, Aracy; BARROS, Regina Teixeira de. (Org.). Moderno onde? Moderno quando? A Semana de 22 como motivação. São Paulo: Museu de Arte Moderna, 2021, p. 54-67.).

Atualmente, essa tese pouco se sustenta na medida em que várias pesquisas têm demonstrado o encontro de muitas tendências, correntes e leituras diversas que vinham se firmando nas várias capitais brasileiras, para além de São Paulo e no Rio de Janeiro. O gaúcho Luís Augusto Fischer, por exemplo, tem insistido em destacar modelos centralistas na crítica literária brasileira. Analisando o papel da obra de autores como Antônio Candido (1918-2017), a respeito das experiências da modernidade brasileira, Fischer identificou a reificação canônica do movimento modernista paulista, como uma espécie de fim teleológico da história nacional (FISCHER, 2021). Importa notar, com isso, que tem havido um esforço de novas pesquisas em mostrar a diversidade de ideias de modernidade, assentadas numa mesma plataforma, que permitiu a consolidação de grupos intelectuais afinados com as preocupações e referências pensadas como modernistas. Publicação de livros, revistas e manifestos foram de uma só vez o clímax e o desdobramento da seara cultural de então. A necessidade de consolidar a nova estética, de definir seus rumos, de romper com os padrões literários do passado conferiu a este modernismo um importante grau de radicalismo, arrematado por certa ironia, muitas vezes com sátira e paródia ao próprio movimento (VELLOSO, 1996VELLOSO, Mônica Pimenta. Modernismo no Rio de Janeiro: Turunas e Quixotes. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996.).

Note-se que o próprio cacique do movimento, Mário de Andrade, chamou a atenção a respeito da violência com que se processou a ruptura com o passado. Sublinhava o alastramento do “espírito destruidor” do movimento modernista pelo país afora, endossando esse caráter como “seu sentido verdadeiramente específico” (ANDRADE, 1942). Isto porque, embora trilhando novidades estéticas, a essência estava nesse quadrante iconoclasta. De norte a sul, “destruir para criar”, como se referiu o poeta paraense Bruno de Menezes, em carta de 1926, ao pernambucano Joaquim Inojosa (1901-1987), se transformou numa espécie de mote. Para muitos, o objetivo primeiro, o rompimento com os cânones passadistas, especialmente o parnasianismo. A fgura do poeta parnasiano, comparado a uma “máquina de fazer versos” no Manifesto Antropófago (1928) de Oswald de Andrade, foi ridicularizada e atacada em inú meros a r t igos e poemas, como Os Sapos, de Manuel Bandeira, recitado por Ronald de Car valho, na seg unda noite da Semana de Arte Moderna. Em Belém do Pará, nas primeiras reuniões do grupo dos Novos, no terraço do Grande Hotel, por volta de 1920 e 1921, todos comentavam sobre a velha “poesia chorona e sem graça, com alguns refexos líricos”, que então se publicava. Histórias aparecidas na imprensa diária viravam chacota na boca dos literatos. Nas memórias de R aul Bopp, que participou dessa seara em 1921, está o reg istro:

“Apareceu, uma vez, um soneto Bruges, a morta, sacudida na quietude medieval, por um poeta goiano. O intelectualismo sem direção tinha efeitos estéreis. Um jornal local inseria nas suas colunas um longo ensaio sobre o preciosismo. Que tínhamos nós a ver com o famoso Hotel de Rambouillet, já bastante ridicularizado no seu tempo? Essa anarquia literária, em mistura com fgurinos antiquados, dava lugar a comentários satíricos do grupo” (BOPP, 1968, p. 222BOPP, Raul. Putirum: poesias e coisas de folclore. Rio de Janeiro: Leitura, 1968.).

O parnasianismo, apesar de moeda corrente na escrita literária da época, inclusive entre os jovens escritores, parece ter sido de fato, ao menos no discurso, o principal alvo do destempero dos novos. Por mais que os velhos poetas fossem aceitos nas solenidades de gala e nas sessões da revista, fugia-se deles nos encontros mais íntimos. Em oposição ao rigor gramatical e ao preciosismo linguístico parnasianos, os poetas modernistas valorizaram a incorporação de gírias e de sintaxe irregular, e a aproximação da linguagem oral de vários segmentos da sociedade brasileira, como se pode observar na “escritura fonética” das Fagulhas futuristas de Edgar Proença (1892-1973), publicadas na revista A Semana, em Belém, ou ainda na crítica à gramática e à própria construção da identidade brasileira no poema Pronominais, de Oswald de Andrade, em São Paulo. Esse diálogo com as ruas, com o sotaque caboclo ou do imigrante, mexeu ainda, no plano formal, na estrutura do verso livre, buscando concisão e objetividade como marcas da nova escrita. É por isso mesmo que os poemas se transformaram em manifestos, como foi o próprio Flami´n’assú, porta-vozes que foram das expressões “palavras de ordem”, apropriadas do repertório indígena no ethos modernista.

Perspectivismo e conceito de Amazônia

O conteúdo político e semântico desses versos viajava pelo país. Mas, existiam outros objetivos no “espírito destruidor” modernista: a preparação de um terreno onde se pudesse reconstruir a cultura brasileira, sobre bases nacionais. Se tratamos sobre a nascente peleja a respeito de uma perspectiva amazônica nas artes e na literatura brasileira, a partir do que ocorria na seara das letras de Belém do Pará, é necessário projetar o que se entendia por Amazônia, e que conceito subjazia entre a geopolítica e o campo literário. Desde o século XIX, muitos intelectuais da região tomaram ciência de que Amazônia era um conceito que fora cunhado historicamente, com sentidos e significados bem precisos. Figuras importantes no universo político e intelectual do Pará, como engenheiro e geógrafo José Coelho da Gama e Abreu (1832-1906) ou o historiador Domingos Antônio Raiol (1830-1912), respeitados pelos modernistas, fzeram grandes esforços a partir de 1860 para desmistificar alguns dos mitos de origem que continuaram fundamentais na escrita literária sobre a região amazônica (ABREU, 1896ABREU, José Coelho da Gama e. As regiões amazônicas: estudos chorographicos dos estados do Gram-Pará e Amazonas. Lisboa: Imprensa de Libânio da Silva, 1896.; RAIOL, 1898RAIOL, Domingos Antônio. Visões do crepúsculo. Pará: Editora Alfredo Silva & Cia, 1898.).

Isto porque, até o final do século XVIII, toda essa geografia do norte brasileiro ainda atendia por Terra do Rio das Amazonas, em referência às mulheres míticas – ora gregas de arco e flecha, ora as icamiabas indígenas do Lago dos Espelhos, inclusive um dos temas de eleição de Abguar Bastos, no romance Terra de Icamiaba, de 1934. Afinal, havia sido Alexander von Humboldt (1769-1859) quem usaria o termo hileia (Hyleae) para denominar e centralizar essa região no planeta. Essa centralidade a partir da natureza seria fundamental, posto que está aí parte dos argumentos que a transformaria no grande mostruário da fora e fauna das regiões equatoriais do planeta, assunto que seria desenvolvido por Gastão Cruls (1888-1959), desde a publicação do romance Amazônia misteriosa, de 1925. Em 1928, Gastão Cruls foi convidado por Cândido Rondon (1865-1958), para uma extensa rota de cinco meses entre Óbidos, no baixo-Amazonas paraense, até a Cordilheira do Tumucumaque, na divisa com a Guiana Holandesa, atual Suriname. Do diário de viagem sobre a expedição, resultou a obra A Amazônia que eu vi, publicada em 1930, e alguns outros volumes que incluíram vasto material etnográfico e investigações sobre o universo botânico e faunístico amazônico, sobre o qual se destaca o Hileia Amazônica, publicado em 1944, que despertou muito interesse entre os intelectuais paraenses de sua geração (CORDEIRO, 2021CORDEIRO, Matheus Villani. A hileia amazônica em perspectiva: as impressões e leituras de Gastão Cruls sobre a Amazônia, a natureza e as sociedades indígenas (1925-1945). Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde). Rio de Janeiro: Fiocruz, 2021.).

Ao largo desse olhar sob o esquadro da natureza, os modernistas buscaram observar a marca do território, que seria melhor estudada a partir dos anos de 1930. Da natureza à história, a ideia de Amazônia começava a ser construída, assunto sobejamente esquadrinhado por Clovis de Gusmão, amigo de Abguar Bastos e fgura central do movimento antropofágico tanto no Pará como em São Paulo (FIGUEIREDO, 1998FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Letras insulares: leituras e formas da história no modernismo brasileiro. In: CHALHOUB, Sidney; PEREIRA, Leonardo. (Org.). A história contada: capítulos de história social da literatura no Brasil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p. 301-331.; GALVÃO JÚNIOR, 2020GALVÃO JÚNIOR, Heraldo Márcio. Quem não pode morder não mostra os dentes: modernistas e antropofágicos entre São Paulo e Belém do Pará nos anos 1920. Tese (Doutorado em História Social) — Programa de Pós Graduação em História Social da Amazônia, Universidade Federal do Pará, Pará, Belém, 2020.: NODARI, 2021NODARI, Alexandre. A oca de Clóvis de Gusmão. Revista Landa. v. 10, n. 1, p. 188-243, 2021-2022.). O assunto era a viagem de Francisco de Orellana que, em 1540, desce o imenso paraná-assu dos tupis. O batismo do rio Amazonas corre mundo, evocando imagens da mitologia de que já falamos (GUSMÃO, 1942, p. 13GUSMÃO, Clovis de. O Amazonas: a vida de um rio (o Eldorado e a geografia fantástica do século XVI). Cultura Política. v. 2, n. 13, Rio de Janeiro, 1942, p. 13-22.). Também os amazonenses Djalma Batista e Francisco Galvão, este último dos mais incisivos e atuantes colaboradores das revistas modernistas no Pará e no Amazonas, desde os anos de 1920, desenharam vertente sociológica para incorporar, em ensaios e romances, o perfil do homem amazônico. Ambos buscaram, desde os tratados coloniais, relatos de viajantes, exploradores e cientistas, numa espécie de percurso de mão dupla no campo científico, entre a ilustração e o romantismo, na permanência de termos como “país” ao modo “região”, para nomear a grande calha e bacia hidrográfica do rio Amazonas (BATISTA, 1938, p. 19-25; GALVÃO, 1943, p. 94-6GALVÃO, Francisco. O homem da Amazônia vencerá a natureza. Cultura Política. v. 3, n. 25, Rio de Janeiro, 1943, p. 94-96.; FIGUEIREDO, 2021, p. 20FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Outras margens, outros centros: o modernismo brasileiro a partir da Amazônia. In: AMARAL, Aracy; BARROS, Regina Teixeira de. (Org.). Moderno onde? Moderno quando? A Semana de 22 como motivação. São Paulo: Museu de Arte Moderna, 2021, p. 54-67.).

A referência “nativa” para a Amazônia, porém, certamente começa com a publicação de Pais das Amazonas, em Paris, em 1885, pelo barão Frederico José de Santa Anna Nery (1848-1901). Nery foi o ponto de partida de uma vasta intelectualidade com inserção política e intelectual nas capitais amazônicas, que utilizaria um conceito de Amazônia com forte acento histórico, geográfico e cultural. Os nomes de seus críticos, seguidores e discípulos já são conhecidos e, de certo modo, formam uma espécie de linhagem dos interpretes sobre a Amazônia, reverenciados pelos modernistas ou seus continuadores: os já referidos José Veríssimo e José Coelho da Gama Abreu, além dos engenheiros Ignacio Baptista de Moura (1857-1929), Euclides da Cunha (1866-1909)CUNHA, Euclides. À margem da história. Porto: Livraria Chardron, 1909. e Henrique Américo Santa Rosa (1860-1933), e os escritores, com pendor litero-geográfico, Raimundo Moraes (1872-1941), Alfredo Ladislau (1882-1934) e Eidorfe Moreira (1912-1989). Parte dessa copiosa literatura, além dos compêndios de mitologia, língua e saberes indígenas de João Barbosa Rodrigues (1842-1909), Ermanno Stradelli (1852-1926), Antônio Brandão de Amorim (1865-1926), Theodor Koch-Grumberg (1872-1924), formou uma espécie de monumenta amazônica, reiteradamente referida em poesia e prosa, efemérides e homenagens.

Esses autores, especialmente os que se dedicaram às narrativas indígenas, forneceram o manancial necessário para os autores mais “canônicos” na historiografia literária nacional, como Mario de Andrade (1893-1945)ANDRADE, Mário de. O turista aprendiz. 2ª ed. São Paulo: Duas Cidades, 1983 [1928]. e Raul Bopp (1898-1984), com Macunaíma, de 1928, e Cobra-Norato, de 1931, só para aquilatar duas das obras havidas como obras de fundação do modernismo brasileiro. Igualmente importante foi a realização de uma revisão crítica da história e das tradições culturais do país, a partir dessas mesmas obras de “descoberta da Amazônia”, como a tentativa de eliminação do complexo de colonização que tornava os brasileiros apegados a valores estrangeiros e ideias alienígenas. Como referiu o próprio Abguar Bastos, em Somanlu: o viajante da estrela, de 1953, a criação de um compêndio de narrativas indígenas como parte de uma moderna escrita literária brasileira também faz parte desse processo, que atualmente poderíamos chamar de descolonização do imaginário amazônico, a partir de uma abordagem poética de antigas fontes da ancestralidade amazônica (LEITE, 1954LEITE, Antonio. Mais um livro de Abguar Bastos: Somanlu. Pensamento e arte: Suplemento do Correio Paulistano. São Paulo, 7 de março de 1954, p. 3.; CONCEIÇÃO; FARES, 2019, p. 10CONCEIÇÃO, Evellin; FARES, Josebel Akel. A chama da estrela que pulsa e arde: educação sensível na prosa poética de Abguar Bastos. Boitatá. v. 14, n. 27, p. 10-24, 2019.). Poderíamos vislumbrar, em outra direção, como no poema As Meninas da Gare, que Oswald de Andrade (1890-1954) utiliza trechos de ancestralidade lusa, na escrita de Pero Vaz de Caminha que, deslocados de seu contexto original, remetem a problemas sociais do Brasil moderno. Assim também muitos romancistas, cronistas e poetas visitaram a Amazônia pelo enfoque de seus mitos de origem e de sua “cor natural”, como o já referido Alfredo Ladislau, em Terra Immatura, de 1921, ou Eneida de Moraes, em Terra Verde, de 1929. Foi assim que essa espécie de viagem ao interior permitiu a refexão sobre a realidade brasileira, misturando o trágico, o satírico e o utópico do viso cotidiano nacional.

Importante referir, como demonstrou Antônio Candido, essa geração passou por cima das “distinções entre os gêneros, injetando poesia e insólito na narrativa em prosa”, com o abandono de “formas poéticas regulares, misturando documento e fantasia, lógica e absurdo, recorrendo ao primitivismo do folclore”. O crítico acrescentou a isso o uso do “português deformado dos imigrantes”, incluso o “exemplo extremo contra a linguagem oficial” do uso de “certas ordenações sintáticas tomadas a línguas indígenas” (CANDIDO, p. 70CANDIDO, Antonio. Iniciação à literatura brasileira: resumo para principiantes. 3ª ed. São Paulo: Humanitas, 1999.). Os autores ligados ao modernismo procuraram no indígena e no negro, uma espécie de vetor do primitivismo como elemento primordial da cultura brasileira destinado à reconstrução da realidade nacional. Na Amazônia, a partir de 1921, Raul Bopp deu cabo a essa busca ancestral de encontro com o indígena nativo e o negro oriundo da diáspora da escravidão: o poema Cobra-Norato, já referido, talvez seja o mais significativo exemplo da exploração poética do primitivismo de fundo amazônico, seguido pelos versos de conteúdo africanista aparecidos em Urucungo, publicados em conjunto de 1932.

O nacionalismo aprofundou ainda mais essa característica marcante do modernismo, separando ideologicamente os adeptos do movimento. Oswald de Andrade já havia lançado, em 1924, o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, ressaltando a revisão crítica de nosso passado histórico e a valorização da pluralidade cultural brasileira. Abguar Bastos, Clóvis de Gusmão e Eneida de Moraes iriam quase imediatamente se juntar a esse clã, com a publicação de seus poemas na revista de Antropofagia (BASTOS, 1928BASTOS, Abguar. Poema. Revista de Antropofagia. 1ª dentição. n. 1. São Paulo, 1928.; GUSMÃO, 1929GUSMÃO, Clovis de. Mayandeua. Revista de Antropofagia. 2ª dentição, n. 3, São Paulo, 1929.; 1929aGUSMÃO, Clovis de. Antropofagia. Revista de Antropofagia. 2ª dentição, n. 4, 1929a.; MORAES, 1929aMORAES, Eneida de. Assahy. Revista de Antropofagia. 2ª dentição, n. 10. São Paulo, 1929a.; 1929bMORAES, Eneida de. Banho de cheiro. Revista de Antropofagia. 2ª dentição, n. 15. São Paulo, 1929b.), especialmente na fase dirigida pelo conterrâneo Oswaldo Costa (1900-1967). Como bem disse Monica Velloso, a brasilidade do Verde-Amarelismo, de Plínio Salgado, Cassiano Ricardo, Menoti del Picchia, Cândido Mota Filho e Alfredo Élis, propunha um nacionalismo ufanista, no qual o manifesto Nhengaçu rememorava a colonização “como o momento áureo de nossa civilização devido à integração pacífica entre o elemento colonizado e o colonizador” (VELLOSO, 1993, p. 100VELLOSO, Mônica Pimenta. A modernidade carioca na sua vertente humorística. Estudos Históricos, v. 8, n. 16, p. 269-277, 1995.). No Pará, alguns jovens intelectuais se inclinariam para essa tendência, como foi o caso de Jarbas Passarinho (1920-2016), na época de sua atuação na revista Guajarina, por volta de 1937, portanto uma década depois do lançamento do grupo em São Paulo (FIGUEIREDO, 2009, p. 227FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A cidade dos encantados: pajelanças, feitiçarias e religiões afro-brasileiras na Amazônia, 1870-1950. Belém: Edufpa, 2009.).

Em 1928, Oswald de Andrade, Raul Bopp e Tarsila do Amaral revidam aquele nacionalismo xenófobo com o Manifesto Antropófago, que incorporava discussões oriundas do comunismo, de leituras freudianas e da utopia matriarcal, pretendendo “devorar” as influências estrangeiras, aproveitando suas inovações artísticas, mas imprimindo a identidade cultural brasileira à arte e à literatura. Essa linhagem, seria a mais frutífera entre os intelectuais modernistas da Amazônia, como recentemente analisou Heraldo Galvão Júnior (2020)GALVÃO JÚNIOR, Heraldo Márcio. Quem não pode morder não mostra os dentes: modernistas e antropofágicos entre São Paulo e Belém do Pará nos anos 1920. Tese (Doutorado em História Social) — Programa de Pós Graduação em História Social da Amazônia, Universidade Federal do Pará, Pará, Belém, 2020.. O campo intelectual amazônico, conectado aos ideais do movimento paulista Pau-Brasil, ficaria especialmente definido nos últimos anos da década de 1920, com a obra de Abguar Bastos (1901-1996) e com seu manifesto Flami-n’-assú, de 1927, e Eneida de Moraes, com seu livro de poemas Terra Verde, de 1929.

Flami-n´-assú: a grande chama tupi como manifesto modernista

Paulo de Oliveira, então diretor da revista Belém Nova, anuncia o recebimento de uma carta vinda de Coary, no Amazonas, daquele “grego de alma tropicalizada pela arte, exilado num recanto barbado da Amazônia”, missiva “entusiástica, chamando-me a formar ao seu lado, para um movimento integral de renovação artística” (OLIVEIRA, 1927OLIVEIRA, Paulo de. Sobre uma carta. Belém Nova. n. 74. Belém, 15 de setembro de 1927.). Desde já recebido como original e inovador, enviado de longe, com o adendo de ter sido escrito durante uma viagem ao Acre, logo vai a público pelos dois principais magazines da capital do Pará, A Semana e a referida Belém Nova. E reclama urgente “independência” para as letras amazônicas, cuja emancipação, no entanto, reproduzia, como já afirmamos, essa busca de uma linguagem brasílica, no revanchismo aos cânones literários do passado, com um conjunto de imagens representativas da nacionalidade vista pelo quadrante amazônico.

“Assunto-vos agora o meu propósito de uma corrente de pensamento, cara à cara à que se inicia no Sul com esta pela genuína: Pau-brasil. (...) Rasgaram, pois, as redes do passadismo e deixaram passar a piracema da mais alta expressão da independência emocional. Houve balbúrdia, como em chinfrim de tosca, mirabolante até, num grande revoar de papagaios arrepiados, papagaios teratológicos, porque tinham dentes de ouro no bico e poleiros de jacarandá. Pesar disso, noto, infexível, que o repiquete ‘pau-brasil’ ainda não é o próprio volume da nacionalidade (...)” (BASTOS, 1927BASTOS, Abguar. Flami-n´-assú: manifesto aos intelectuais paraenses. Belém Nova. n. 74. Belém, 15 de setembro de 1927.).

Apesar disto, a marca oswaldiana foi explicitada pelo próprio autor, tornando evidentes as ambiguidades dos ideais da intelectualidade de então. Longe de significar mudança de opinião em relação a outro manifesto escrito em 1923, sob o título Geração que surge, o escritor reafirmava suas ideias sob um ângulo mais preciso. O grito de Abguar respondia, como manifesto, às principais exigências de uma concepção de história fundada em dois grandes mitos: a mudança e a origem. Aqui pesa a sombra daquela filosofa da mudança de Henri Bergson, a que se referiam os ephemeros paraenses de 1916, e que seria assunto primordial entre os leitores do pensador francês (CARR, 1970CARR, H. Wildon. Henri Bergson: the philosophy of change. Washington: Kennikat Press, 1970.) e igualmente influente em grupos modernistas europeus, especialmente entre os britânicos (GILLES, 1996GILLES, Mary Ann. Henri Bergson and British modernism. Montreal: McGill-Queen’s University Press, 1996.). Quiçá uma sombra doutrinária europeia sob uma imagem amazônica. Destaque-se a fguração do tempo extraída da piracema (do tupi pira’sema), que poderia ser traduzida por “saída dos peixes” ou “subida dos peixes”, aquele fenômeno natural no qual os cardumes migram em direção à cabeceira dos rios em busca de locais para a desova e alimentação de suas crias.

Mais uma vez distingue-se o perspectivismo como lugar do discurso, incluso na acepção de uma operação histórica, eivada de sentido político: “porque eu vos falo da ponta dum planalto amazônico, entre selvas, uiaras e estrelas” acentuava o literato, invocando a autoridade de um ser autóctone que sonhava com a “liberdade literária”. Estava em jogo aquilo que Michel de Certeau (1975)CERTEAU, Michel de. L’écriture de l’histoire. Paris: Gallimard, 1975. chamaria de arte da encenação, por meio de uma operação que compreenderia a relação entre o lugar do discurso, os procedimentos de análise e a própria construção de um texto – no caso em tela, o próprio manifesto. Em outras palavras, seria exatamente “a combinação de um lugar social, de práticas científicas e de uma escrita”(CERTEAU, 1975, p. 66CERTEAU, Michel de. L’écriture de l’histoire. Paris: Gallimard, 1975.). A localização da linguagem e da fala, no tempo e no espaço, é utilizada aqui como a dêixis que ancora a fala a um contexto (BAMFORD; POPPI; MAZZI, 2014BAMFORD, Julia; POPPI, Franca; MAZZI, Davide. (Ed.). Space, place and the discursive construction of identity. New York: Peter Lang, 2014.). No manifesto Flami-n’-assú, tanto o quadro de referência em relação ao espaço circundante, como a forma como foi concebido e descrito como lugar e como paisagem, estão intimamente ligados à linguagem que se pretendia amazônica, incluso uso de expressões advindas da língua geral nheengatu, como língua de contato (REIS, 2020, p. 201REIS, Marcos Valério. Abguar Bastos, Amazônia e renovação modernista: romances e manifestos. Tese (Doutorado em Comunicação, Linguagens e Cultura) — Programa de Pós Graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura, Universidade da Amazônia, Pará, Belém, 2020.).

No lugar de uma tribuna acadêmica, Abguar preferia situar seu brado ao pé de uma grande sapopema (do tupi sau’pema), traduzido por raiz chata, a imensa raiz que cerca a base do tronco de muitas árvores da foresta pluvial, particularmente comum na mata de terra firme. Na Amazônia, a imagem da grande árvore é representada por seu exemplo mais característico – a samaúma (ceiba pentandra), citada por Abguar Bastos. Como alegoria, a árvore gigante traduzia não apenas o anseio de uma arte nacional, mas a necessidade de construir um léxico nativo, fundado no que seria uma síntese “indo-latina”. Inventivo, Abguar Bastos pôs em cena seu vasto conhecimento da fala local. Com ironia, revidava o achincalhe de quem não o compreendesse com uma semântica de difícil entendimento para um leitor alheio à vida amazônica. Seus inimigos, metidos entre “cipós da intriga” continuariam “como curupiras de casaca e assoviar feitiços atrás das encruzilhadas” (BASTOS, 1927BASTOS, Abguar. Flami-n´-assú: manifesto aos intelectuais paraenses. Belém Nova. n. 74. Belém, 15 de setembro de 1927.). O curupira (do tupi kuru’pir), coberto de manchas ou de pústulas, era o ser fantástico, que, segundo a crença amazônica, habita as matas na forma de pequeno índio cujos pés apresentam o calcanhar para frente e os dedos para trás. No manifesto, sobressaem a simbologia de traiçoeiro, desconfado e brincalhão, enquanto a referência ao assovio de feitiços se refere ao fado da matintaperera (do tupi matintape’re), uma espécie de feiticeira que possui um forte e estridente assovio agourento. Para se livrar do feitiço, tem-se que entregar fumo ou tabaco no dia seguinte conforme o prometido (FARES, 2007, p. 62FARES, Josebel Akel. Imagens da Matinta Perera em contexto amazônico. Boitatá. v. 3, p. 62-78, 2007.; FIGUEIREDO, 2009, p. 66FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A cidade dos encantados: pajelanças, feitiçarias e religiões afro-brasileiras na Amazônia, 1870-1950. Belém: Edufpa, 2009.).

Já o poeta, por seu lado, manteria “a serenidade dos morubixabas heroicos”, embora não pudesse disfarçar o sarcasmo diante da “agonia” dos críticos em não o compreender. Para si, o poeta invoca a grande chefa dos povos indígenas (do tupi morubi’xawa), também chamado de cacique, curaca ou tuxaua. Interessante notar, que era prática corrente, especialmente no universo da antropofagia, trazer a cultura indígena ao presente, numa espécie de metalinguagem. Longe de reificar os povos indígenas no passado, a língua brasílica guardava, afinal, o sonho mais amplo de cortar o cordão umbilical que ligava literatura brasileira aos cânones europeus.

Flamin-n’-assu é mais sincera porque exclui, completamente, qualquer vestígio transoceânico, porque textualiza a índole nacional; prevê as suas transformações étnicas, exalta a flora e a fauna exclusivas ou adaptáveis do país, combate os termos que não externem sintomas brasílicos, substituindo o cristal pela água, o aço pelo acapu, o tapete pela esteira, o escarlate pelo açaí, a taça pela cuia, o dardo pela flecha, o leopardo pela onça, a neve pelo algodão, o veludo pela pluma de garças e sumaúma, a ‘flor de lotus’ pelo ‘amor dos homens’ (...)” (BASTOS, 1927BASTOS, Abguar. Flami-n´-assú: manifesto aos intelectuais paraenses. Belém Nova. n. 74. Belém, 15 de setembro de 1927.).

O manifesto era assim dirigido a dois grupos de intelectuais muito distintos: os parceiros de Abguar e os velhos, chamados genericamente de passadistas, então “apajelados à sombra das vossas tabas primitivas”. Um tipo já apelidado anteriormente por Raul Bopp, sob a caricatura de um “jacaré sagrado”, e que Abguar mostrava “espetados em paus sagrados, os despojos, as glórias, as caveiras – das vossas escaladas às cordilheiras da ilusão” (BASTOS, 1927BASTOS, Abguar. Flami-n´-assú: manifesto aos intelectuais paraenses. Belém Nova. n. 74. Belém, 15 de setembro de 1927.; FIGUEIREDO, 2012, p. 49FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Os vândalos do apocalipse e outras histórias: arte e literatura no Pará dos anos 20. Belém: Instituto de Artes do Pará, 2012.). Tanto os novos como os velhos teriam que tomar consciência do caminho sem volta, iniciado pelo movimento nativista da literatura moderna “com pele genuína” – o movimento “Pau-Brasil”. Todos os louros cabiam a esse grupo, pois estava finalmente conseguindo rasgar “as redes do passadismo”, deixando “passar a piracema da mais alta expressão da independência nacional” (BASTOS, 1927BASTOS, Abguar. Flami-n´-assú: manifesto aos intelectuais paraenses. Belém Nova. n. 74. Belém, 15 de setembro de 1927.). Aqui, uma referência direta ao Manifesto da poesia Pau-Brasil (ANDRADE, 1924ANDRADE, Oswald de. O esforço intelectual do Brasil contemporâneo. Revista do Brasil. n. 96. São Paulo, 1923.), cujos desdobramentos políticos e estéticos serão de grande monta entre os intelectuais paraenses, tanto em Belém, como em São Paulo ou no Rio de Janeiro (NUNES, 1979NUNES, Benedito. Oswald cannibal. São Paulo: Perspectiva, 1979., GALVÃO JÚNIOR, 2020GALVÃO JÚNIOR, Heraldo Márcio. Quem não pode morder não mostra os dentes: modernistas e antropofágicos entre São Paulo e Belém do Pará nos anos 1920. Tese (Doutorado em História Social) — Programa de Pós Graduação em História Social da Amazônia, Universidade Federal do Pará, Pará, Belém, 2020.).

Mas houve balburdia na foresta, “num grande revoar de papagaios arrepiados, papagaios teratológicos, porque tinham dentes de ouro no bico e poleiros de jacarandá”. Os papagaios eram os velhos poetas parnasianos, exímios imitadores da arte europeia, pomposos no palavreado, amantes da retórica e dos pedestais de madeira de lei. Essa analogia, aparentemente original, já aparece em muitas narrativas indígenas e caboclas simbolizando petrificação do conhecimento, em função do caráter repetitivo da ave, desvinculado de qualquer raciocínio. Anos depois, o papagaio apareceria no romance Terra de Icamiaba como bicho adulador: “papagaio que canta para o cão, porque o cão é forte e dorme embaixo da gaiola” (BASTOS, 1934, p. 12BASTOS, Abguar. Terra de Icamiaba. Rio de Janeiro: Andersen-Editores, 1934.). O esforço de Abguar, com esse confronto de fábulas, representava também o verdadeiro “inventário folclórico das coisas do Amazonas, com ânimo de renovação”, passando “em revista os contos da onça, histórias do ai me acuda, casos de assombração”, como referiu Raul Bopp (1968, p. 222)BOPP, Raul. Putirum: poesias e coisas de folclore. Rio de Janeiro: Leitura, 1968.. Era desejo desses intelectuais a descoberta “no fundo de cada lenda”, daqueles “aspectos sensatos da jurisprudência indígena” para poder utilizar na primeira oportunidade como forma de “retorno aos valores nativos” (BOPP, 1968, p. 222BOPP, Raul. Putirum: poesias e coisas de folclore. Rio de Janeiro: Leitura, 1968.; GALVÃO JÚNIOR, 2020aGALVÃO JÚNIOR, Heraldo Márcio. Tenupá-Oikó: a filosofa do Deixa Está como proposta humorística para a construção da legislação brasileira pela ótica antropofágica de Clóvis de Gusmão. Faces da História, v. 7, p. 25-51, 2020a.).

Abguar Bastos tinha, no entanto, alguns senões a respeito do manifesto de Oswald de Andrade. De fato, não obstante o “repique” que Pau-Brasil havia conseguido na modorrenta literatura pátria, ainda não era o melhor exemplo do “volume da nacionalidade” brasileira. Faltava o fundo gentílico e o traço étnico, por isso “o título incisivo fami-n’-assú”, ou “a grande chama indo-latina”, símbolo-mor para o presente e para o futuro. A questão era que fami-n’-assú excluía, segundo seu autor, “qualquer vestígio transoceânico”, porque textualizava “a índole nacional”, prevendo “as suas transformações étnicas”, combatendo “os termos que não externassem sintomas brasílicos, substituindo o cristal pela água, o aço pelo acapu, o tapete pela esteira, o escarlate pelo açaí, a taça pela cuia, o dardo pela flecha, o leopardo pela onça, a neve pelo algodão, o veludo pela pluma de garça e samaúma, a for de lótus pelo amor dos homens” (BASTOS, 1927BASTOS, Abguar. Flami-n´-assú: manifesto aos intelectuais paraenses. Belém Nova. n. 74. Belém, 15 de setembro de 1927.). Recorde-se, a lembrança simbólica acapu (do tupi aka’pu) vem no esquadro da memória. Mesmo no presente, no tempo transitório, o ser humano é um processo de existência e, como tal, é basicamente memória (BERGSON, 1965 [1896]BERGSON, Henri. Matière et memoire. Paris: PUF, 1965 [1896].; BOSI, 1994BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.). A árvore do acapu, comum na Amazônia e Guianas, fornece madeira de ilimitada duração, empregada em assoalhos e móveis finos, muito utilizada nas residências de Belém e Manaus entre os fins do século XIX e até década de 1930, e cumpre esse papel, esse símbolo da permanência da casa, do porto seguro, da ideia de lugar.

Além dos usos e dos costumes, a grande chama transfgurava o sentimento e o ânimo do homem, excluindo o tédio e dando “de tacape na testa do romantismo”, visualizando por outro ângulo as virtudes, os heróis e as efemérides pátrias – em especial, a “guerra de independência”, mito de origem de toda essa história. Descrevendo os hábitos locais e dando-lhes feição poética, famin-n´-assú pretendia ser um reforço ao patriotismo verde-amarelo. Com isso, o próprio Abguar tinha claro o conteúdo conservador embutido em seu manifesto de vanguarda. O aparente paradoxo não deveria ser, segundo o autor, nenhum “estorvo aos grandes charivaris da civilização”. Toda mudança teria que ser rumo à evolução daquilo que o literato acreditava ser a “grandeza natural do Brasil” (BASTOS, 1927BASTOS, Abguar. Flami-n´-assú: manifesto aos intelectuais paraenses. Belém Nova. n. 74. Belém, 15 de setembro de 1927.). Eneida de Moraes imediatamente viu no manifesto de Abguar, esse tom ao mesmo tempo lúdico e belicoso, ao modo de hino verdadeiramente brasileiro (MORAES, 1927MORAES, Eneida de. Canto novo para o Brasil. Belém Nova. n. 76. Belém, 30 de outubro de 1927.). Note-se aqui, por isso mesmo, o aspecto cronológico do manifesto, ainda no rescaldo dos festejos do centenário da independência do Brasil, no Pará, comemorado em duas datas, 1922 e 1923, por conta da efeméride da adesão do antigo Grão-Pará ao Brasil independente (FIGUEIREDO, 2008FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Os novos e o centenário: arte, literatura e efeméride no Pará dos anos 20. Revista de Estudos Amazônicos, v. 3, p. 165-183, 2008.).

Como já vimos, a recepção do manifesto precede sua divulgação, o que demonstra que seu ideário já circulava nos meios intelectuais. Na carta encaminhada a Paulo de Oliveira, diretor de Belem Nova, Abguar confessava que sua “escola” não queria nenhum “renascimento indiano”, o indígena era apenas “o exemplo da nossa força e da nossa grandeza”. Em outro trecho, revelava estar “preparando a conferência fami-n’-assú” que em, em breve, estaria pronunciando em Manaus e Belém. Diferentemente dos manifestos de Francisco Galvão (1923a)GALVÃO, Francisco. Manifesto da Belleza. Belém Nova, n. 2. Belém, 30 de setembro de 1923a. e Bruno de Menezes (1923a)MENEZES, Bruno. Uma reação necessária. Belém Nova. n. 5. Belém, 10 de novembro de 1923a., o projeto de Abguar Bastos valorizava o passado e as tradições pelo registro da memória. “Façamos os heróis e as letras exemplificantes”, insistia o poeta em outra passagem do comunicado. Arrematando a seguir: “Combatamos as superstições demolidoras. Evoquemos todo o passado glorioso da raça”. A seguir: “Pintura nacional. Teatro nacional. Escultura nacional. Literatura nacional. Poesia nacional. Homens nacionais”. Ao invés de rejeitar o passado, o vanguardismo de Abguar Bastos perseguia uma nova maneira de construir uma poética com base nessa temática de fundo ancestral – uma poesia em que tudo era permitido – métrica, rima ou ritmo, “contanto que a ideia fosse fami-n’-assú” (OLIVEIRA, 1927OLIVEIRA, Paulo de. Flami-n’-assú. Belém Nova. n. 75. Belém, 30 de setembro de 1927.). Mas, como o manifesto não era um manual de instruções, seu autor tratou de exemplificar, com a imagem da Uyara, em versos, alguns pontos de seu brado.

Deus disse: — Vai. Leva a beleza às mulheres da terra do Sol, depois volta, indescritível e simples para os lagos. Uiara! Quando a lua é uma cabeça de velhinha a espiar o segredo das Amazonas, Uiara vem, à luz, como um suspiro manso e sinuoso que desabrocha em mulher. Os seus seios molhados chorando luzes d’água sobre a vitória-régia, confundem-se na superfície. E há quem diga:— há um arrepio, ali, no meio da lagoa... Quem puder debruçar-se à beira quieta e ciliada das suas pálpebras, ver-lhe-á, pelos olhos claros, uma fresta maravilhosa do El Dorado. Sua boca tropical é um golpe de papoula enérgica sob um meio-dia(BASTOS, 1927aBASTOS, Abguar. Uiara. Belém Nova. n. 75. Belém, 30 de setembro de 1927a.).

Mal se divulgava o primeiro poema fami-n’-assú, começavam os julgamentos ao manifesto – todos, à primeira vista, muito lisonjeiros. Paulo de Oliveira deu início às apreciações, afirmando tratar-se da chama “mais brasileira, mais expressiva (...), mais fecunda e criadora da arte nacional”, por incidir exatamente “na concepção e forma, na expressão e cor” da nova literatura. Por ser vanguarda, “não lhe hão de faltar inimigos”, antecipava o crítico, mas a irradiação da ideia já poderia ser considerada uma certeza de vitória. Eneida de Moraes, desde 1925 residindo na capital da República, enviara suas opiniões atestando a “sensibilidade bem brasileira” de um “poeta bem moderno”. Criticando os afeitos ao simbolismo e ao parnaso, perguntava: “Quem, no Brasil, precisa falar de Cleópatras que não vimos (...); quem precisa falar de mares e céus que não estão na nossa sensibilidade (...)? E as Uiaras? E as Iracemas?” (MORAES, 1927MORAES, Eneida de. Canto novo para o Brasil. Belém Nova. n. 76. Belém, 30 de outubro de 1927.). Ernani Vieira interpretou o manifesto como obra coletiva e geracional, experimentalista e liberta das formalidades literárias do passado (VIEIRA, 1928VIEIRA, Ernani. Flami-n’-Assú. A Semana. n. 515. Belém, 10 de março de 1928.).

Aos olhos de seus parceiros de letras, Abguar Bastos transformara-se, afinal, no mais “imprevisto inovador (...) surgido no Pará” naqueles tempos(OLIVEIRA, 1927OLIVEIRA, Paulo de. Sobre uma carta. Belém Nova. n. 74. Belém, 15 de setembro de 1927.). Havia, no entanto, um endosso especial para tanta festa em torno do nome do poeta: a política local. O manifesto de Abguar veio à tona justamente quando o diretor de Belém Nova, Paulo de Oliveira, travava uma disputa sem precedentes com então governador do Pará, Dr. Dionysio Bentes (1925-1929). Jornalismo, literatura e política marcaram forte presença nas manchetes das gazetas durante todo aquele ano de 1927, porém a história que aproximara o manifesto de Abguar e a política paraense começara alguns anos antes e terminaria muitos anos depois. O desdobramento do poema-manifesto viria em forma de romance, com A Amazônia que ninguém sabe, de 1930, republicado no Rio de Janeiro, em 1934, com o título Terra de Icamiaba: o romance da foresta. Dois anos depois, aquele grito de Coary, de onde veio fami-n’-assú, transformar-se-ia em outro livro, Certos caminhos do mundo, de 1936, com a história ficcional da conquista do Acre, marcando de vez a visada mais certeira do perspectivismo amazônico no modernismo literário brasileiro na década de 1920.

  • 3
    Terra de Icamiaba, de 1934, é o título da 2ª edição do romance Amazônia que ninguém sabe, publicado em 1931.
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    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. Este artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico-CNPq, com bolsa de produtividade em Pesquisa, processo 3130062/2020-0. O autor agradece a leitura e as contribuições dos pareceristas e o trabalho editorial dedicado ao presente artigo.
  • Este artigo integra o Dossiê 1922/2022: o século da Semana – balanços e perspectivas Organizadores
    Francisco Cabral Alambert Junior, Marcos Antonio da Silva, Nelson Tomelin

Fontes Impressas

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Editado por

Editores Responsáveis
Miriam Dolhnikof e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2022
  • Aceito
    26 Set 2022
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