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O nacionalismo hindu de Modi: autoritarismo e neoliberalismo na Índia

Modi’s hindu nationalism: neoliberalismo and authoritarianism in India

Resumo:

O objetivo deste texto é discutir a convergência entre autoritarismo e neoliberalismo no contexto indiano, onde o partido no poder desde 2014 avança numa agressiva agenda nacionalista hindu (Hindutva). Inicialmente, é analisada a colonização da esfera pública por este nacionalismo religioso. Em seguida, é abordada a aceleração desse processo desde o início do segundo mandato de Narendra Modi em 2019. A terceira seção discute as bases de classe da política Hindutva. É avançada a hipótese de que a aceleração dessa agenda coloca um dilema para a classe dominante, uma vez que a radicalização inerente à dinâmica do nacionalismo hindu, ameaça a estabilidade social e a economia do país. Comprometida com esta política em função de interesses de classe, a grande burguesia não tem um projeto alternativo no momento, e arrisca se tornar prisioneira da engrenagem que ajudou a colocar em marcha.

Palavras-chave:
Nacionalismo hindu; Autoritarismo; Narendra Modi; BJP; Hindutva

Abstract:

This article discusses the convergence between authoritarianism and neoliberalism in the Indian context, where the ruling BJP party has advanced an aggressive Hindu nationalist (Hindutva) agenda since 2014. Initially, the colonization of the public sphere by this religious nationalism is analyzed. The acceleration of this process since the beginning of Narendra Modi's second term in office in 2019 is then addressed. The third section discusses the class bases of Hindutva politics. It is suggested that the acceleration of this agenda poses a dilemma for the ruling class, since the radicalization inherent in the dynamics of Hindu nationalism threatens the social stability and the economy of the country. Committed to this politics on the basis of class interests, big capital has no alternative project at the moment, and risks becoming a prisoner of the politics it helped to set in motion.

Keywords:
Hindu nationalism; Authoritarianisma; Narendra Modi; BJP; Hindutva

Introdução

Considerada a maior democracia do mundo, o regime indiano sempre teve insuficiências nos planos social e político, sendo a mais conhecida delas a incapacidade de superar a pobreza e a desigualdade, acentuadas por discriminações de natureza diversa, inclusive o sistema de castas (GUHA, 2007GUHA, R. India after Gandhi: the History of the World’s Largest Democracy. New Delhi: Picador, 2007.). No meio século que seguiu a independência em 1947, o país foi comandado pelo Congresso Nacional Indiano, organização que liderou a luta anticolonial e que se identificou com a própria nação que se formava. O declínio da hegemonia do Congresso, acelerada no final do século XX, correspondeu à ascensão do nacionalismo hindu (Hindutva), que tem como veículo político o Bharatiya Janata Party (BJP), o Partido do Povo Indiano, atualmente no poder. Eleito para um primeiro mandato em coalizão em 1998, o BJP retornou ao comando em 2014 como força política majoritária e em 2019, o primeiro-ministro Narendra Modi, foi reconduzido a um segundo mandato consecutivo. Consolidou-se a passagem da hegemonia do partido do Congresso, para a hegemonia do nacionalismo hindu (VANAIK, 2017VANAIK, A. The rise of Hindu Authoritarianism. London: Verso, 2017.).

O BJP opera como a fachada partidária do Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), organização paramilitar de inspiração fascista fundada em 1925 no contexto da luta anticolonial, defendendo o projeto de uma Hindu Rastra − uma pátria ou nação hindu. Em um país que tem mais línguas, nacionalidades e subnacionalidades, populações tribais e religiões do que a Europa, esta política defende apenas uma língua, uma nacionalidade, uma religião e uma constituição. Nas palavras de Arundhati Roy, trata-se de uma “ideia que torna tudo o que é bonito sobre a Índia em ácido” (ROY, 2019ROY, A. India: Intimations of an Ending, the rise of Modi and the Hindu far right. The Nation, Nova York, 22 nov. 2019. Disponível em: https://www.thenation.com/article/archive/arundhati-roy-assam-modi/. Acesso em: 12 abr. 2020.
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, p. 1).

O poder do BJP, atualmente o maior e um dos mais ricos partidos do mundo, está escorado na Sangh Parivar, uma família de organizações filiadas à RSS que atua há décadas junto aos jovens, às mulheres, aos trabalhadores, soldados, camponeses, às populações tribais (adivasis), castas inferiores etc., constituindo uma espessa rede de alcance nacional em que apoio social, militância e negócios, se entrelaçam. Em 2019, o RSS declarava ter quase 700.000 membros em cerca de 57.000 shakhas, ou células. Em nível internacional, a Hindu World Organization (VHP), constituída em 1964, mobiliza nesta mesma direção a diáspora hindu, e só nos Estados Unidos tem mais de 300 escritórios (ROY, 2019ROY, A. India: Intimations of an Ending, the rise of Modi and the Hindu far right. The Nation, Nova York, 22 nov. 2019. Disponível em: https://www.thenation.com/article/archive/arundhati-roy-assam-modi/. Acesso em: 12 abr. 2020.
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). O êxito em alinhar um setor substantivo desta diáspora com o projeto Hindutva foi fundamental para prover fundos, quadros e legitimidade internacional para a ascensão do BJP. Portanto, embora o BJP seja uma formidável máquina eleitoral, a política do nacionalismo hindu tem uma base de apoio maior do que o partido.

Nas eleições de 2014, o grande capital identificou em Modi um homem forte, capaz de fast-track India, ou seja, de acelerar reformas econômicas que prometiam modernizar o país, ao mesmo tempo em que acenava com o resgate de uma grandeza pretérita, o que nos tempos de Trump foi parodiado como Make India great again. Modi é um político rude mas carismático, adepto da espetacularização da política e do ativismo em redes sociais, que converte motivos hindus em objeto de marketing pessoal ou de negócios, projetando uma versão modernizadora do Hindutva.

No entanto, a expectativa de que Modi elevaria a Índia a um outro patamar de grandeza, se frustrara ao final do seu mandato. Mesmo números oficiais, cuja legitimidade é questionável, mostravam uma desaceleração do crescimento, enquanto o governo admitia que o país tinha a maior taxa de desemprego em 45 anos e o poder de consumo dos trabalhadores caía. O slogan Make in India (fabricar na Índia) não decolou, e na melhor das hipóteses, se realizava como Assemble in India (montar na Índia). Isenções fiscais mitigavam a situação de empresas endividadas, mas agravavam a queda das receitas públicas, o que por sua vez, forçava políticas contracionistas, impactando em programas sociais e de apoio aos produtores rurais. A grave situação do campo, onde vivem 66% da população, era atestada por marchas de trabalhadores até Delhi, mas também pelo aterrador número de suicídios. Em 2019, a Índia ocupava o 102º lugar entre 117 países avaliados pelo Global Hunger Index (relacionado à fome). Para agravar o quadro, a economia informal, na qual trabalha cerca de 90% dos indianos, tinha sido penalizada por duas medidas importantes: a chamada “demonetização” (retirada de circulação de notas de 500 e 1000 rúpias a pretexto de combater o mercado negro e a corrupção) e a criação de um imposto prometendo simplificar o sistema fiscal (goods and services tax, GST). Ambas afetaram negativamente comerciantes e pequenos negócios em geral, com impactos sobre o crescimento econômico e o emprego. E, no entanto, o BJP venceu as eleições de 2019 de modo acachapante: obteve 303 de 542 assentos no parlamento (37% dos votos contra 31% em 2014), número que se eleva a 353 quando incluídos os partidos da coalizão que lidera.

Este artigo traz elementos para compreender esta desconexão entre a situação concreta da Índia e o resultado das eleições, discutindo a modalidade indiana de nacionalismo autoritário. Inicialmente, são analisados aspectos da chamada safronização da esfera pública indiana, ou seja, a difusão e enraizamento da ideologia do nacionalismo hindu. Em seguida, discutem-se as principais medidas que denotam a aceleração deste processo no início do segundo mandato de Modi: a mudança do estatuto da Caxemira e a decisão de colocar em prática um registro nacional de cidadãos (NRC), articulada ao Citizenship Amendment Act (CAA). A seção final aborda as bases de classe da política Hindutva e em particular, sua relação com a classe dominante, no país e na diáspora. Minha hipótese é que a aceleração da agenda Hindutva coloca um dilema para estes setores que apoiam o BJP, uma vez que a radicalização inerente à própria dinâmica do nacionalismo hindu, coloca em risco a estabilidade social e os fundamentos da economia do país. Comprometida com essa política em função de interesses de classe, a grande burguesia indiana não tem no momento um projeto político alternativo, e arrisca se tornar prisioneira da engrenagem que ajudou a colocar em marcha.

A safronização da Índia

Poucos meses após o início do segundo mandato em 2019, prevalecia a leitura de que, embalado pela imponente vitória eleitoral, o governo Modi radicalizava a agenda Hindutva (RAMAKRISHNAN; TRIPATHI, 2019bRAMAKRISHNAN, V.; TRIPATHI, P. Subverting the right to life. Frontline, India, 25 out. 2019b. Disponível em: https://frontline.thehindu.com/cover-story/article29617528.ece. Acesso em: 12 abr. 2020.
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). As preocupações econômicas pareciam deslocadas a um segundo plano, mas também é possível aventar a hipótese inversa: diante da impotência para endereçar os problemas sociais e econômicos, o governo acelerou a agenda Hindutva que tantos dividendos lhe trouxe. Esta política implica em potenciar o comunalismo, acentuando a marginalização da população muçulmana nos marcos de uma intensificação de práticas de repressão e vigilância envolvendo todas as esferas da existência e todos os setores sociais. A safronização do país é a modalidade indiana de um fenômeno global, em que autoritarismo e neoliberalismo convergem.

Confrontada com uma sociedade plural por qualquer ângulo que se olhe (cultural, religioso, linguístico, étnico, político), a homogeneização projetada pelo BJP implica em altos níveis de violência. A captura das instituições e a colonização da esfera pública pelo partido no poder sancionam uma brutalização da sociedade, em uma dinâmica que se retroalimenta. Por exemplo, ataques da população às minorias são filmados e circulados pelos próprios perpetradores da violência, seguros da sua impunidade (KAUR et al., 2019KAUR, R. et al. Hunted: India’s Lynch Files. The Quint, Índia, [2019]. Disponível em: https://www.thequint.com/quintlab/lynching-in-india/. Acesso em: 12 abr. 2020.
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). Em um Estado centralizado, em que a separação dos poderes já é problemática, a captura das instituições pelo Partido se estende a praticamente todos os órgãos dotados de uma função reguladora, inclusive a Corte Suprema de Justiça e o Tribunal Eleitoral. A primeira tem sido leniente com crescentes violações aos direitos humanos e às liberdades civis, que adquiriram uma escala massiva no caso da Caxemira, analisado adiante, enquanto a Comissão Eleitoral tolera a concorrência de candidatos do BJP condenados por corrupção, e que nesta condição, não poderiam exercer mandatos eletivos (RAMAKRISHNAN; TRIPATHI, 2019bRAMAKRISHNAN, V.; TRIPATHI, P. Subverting the right to life. Frontline, India, 25 out. 2019b. Disponível em: https://frontline.thehindu.com/cover-story/article29617528.ece. Acesso em: 12 abr. 2020.
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).

Processos jurídicos são instrumentalizados para enquadrar opositores, enquanto simpatizantes ao governo são absolvidos. Há numerosos casos nos quais quem denuncia o governo ou uma figura do partido, se vê em seguida acusado e condenado. Este foi o caso da garota que acusou o ex-Ministro Swami Chinmayanand de abuso sexual, e terminou presa por extorsão. Ou do repórter que mostrou refeições em escolas públicas nas quais as crianças só comiam chapati (pão) e sal, e, em seguida, foi acusado de difamar o governo a partir de provas falsificadas. Também há a situação das celebridades que foram processadas por subscreverem uma carta externando preocupação com a frequência de linchamentos embalados por cânticos religiosos, entre muitos outros casos (RAMAKRISHNAN; TRIPATHI, 2019aRAMAKRISHNAN, V.; TRIPATHI, P. Civil Liberties In Peril. Frontline, [Chennai], 25 out. 2019a. Disponível em: https://www.magzter.com/article/News/FRONTLINE/Civil-Liberties-In-Peril. Acesso em: 12 abr. 2020.
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).

Há uma escalada de processos de sedição abrangendo jornalistas, estudantes e intelectuais (FRONTLINE, 2019aFRONTLINE. Chilling effect. February 15, 2019a. Disponível em: https://www.magzter.com/IN/THG-publishing-pvt-ltd/FRONTLINE/News/328522. Acesso em: 12 abr. 2020. (Revista com acesso via assinatura)
https://www.magzter.com/IN/THG-publishin...
). A Anistia Internacional foi processada por organizar um evento discutindo a violação de direitos humanos em Jammu e Caxemira, acusação similar à que sofreu a intelectual Arundhati Roy com mais três colegas. O ex-jogador de críquete e agora político Navjot Singh Sidhu foi processado por abraçar o chefe das forças armadas do Paquistão na cerimônia de posse do primeiro-ministro deste país, enquanto o premiado ator Aamir Khan foi levado à justiça porque teria dito em um evento público, que sua esposa pensava em deixar o país diante da atmosfera de crescente intolerância. Para além do processo, que neste caso não teve consequências, o ator foi difamado nas redes sociais, cartazes com sua foto foram queimados, seu filme seguinte sofreu uma campanha (ineficaz) de boicote, enquanto um líder extremista ofereceu uma recompensa em dinheiro para quem agredisse o ator, que, por sua vez, desmentiu que deixaria o país, mas reconhece que, infelizmente, seus agressores provavam o seu ponto de vista sobre a intolerância (SENA..., 2015; TO ALL PEOPLE..., 2015).

Distante das celebridades, proliferam episódios de linchamento e de violência comunal que pouco têm de espontâneos. Os confrontos comunais que resultaram em dezenas de mortes em Delhi, em fevereiro de 2020, em sua maioria de muçulmanos, foram abertamente incitados por autoridades do partido, coincidindo com a visita de Donald Trump (STAFF, 2020STAFF, S. Explainer: What do we know about the communal violence that left 53 dead in Delhi in February 2020? Scroll In, 6 mar. 2020. Disponível em: https://scroll.in/article/955251/explainer-what-do-we-know-about-the-communal-violence-that-left-47-dead-in-delhi-in-february-2020. Acesso em: 12 abr. 2020.
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). Um mês antes, uma horda de jovens mascarados invadira o campus da Jawaharlal Nehru University (JNU), principal universidade do país, brutalizando estudantes e professores (SINGH, 2010). Considerada um dos últimos bastiões da liberdade de pensamento no país, JNU tem sido o alvo principal de uma agressiva safronização do ensino superior e da pesquisa. O reitor, apontado pelo partido como todas as principais autoridades públicas, assegura a fidelidade ideológica dos novos docentes e o disciplinamento dos antigos, enquanto a organização estudantil da RSS ganha espaço. Como acontece em casos similares no país, a polícia assistiu passivamente à violência contra os muçulmanos e os estudantes, o que denota cumplicidade de autoridades civis do mais alto escalão (GOSH, 2020GOSH, Jayati. Departamento de Economia (JNU). [Entrevista cedida ao autor]. Nova Delhi, fevereiro de 2020). No entanto, quando o objeto da violência foram estudantes muçulmanos na Universidade Jamia Milia Islamia em dezembro de 2019, a polícia foi parte da agressão (FOOTAGE..., 2020).

À sombra desses episódios recentes na capital do país, há uma miríade de situações de violência que sequer são noticiadas. Registram-se numerosos casos de detenção abusiva, processos forjados e até assassinatos de pensadores críticos. Há um paradoxo, pois para os parâmetros do Terceiro Mundo, a Índia é um país relativamente seguro do ponto de vista da criminalidade urbana, o que tem a ver com rígidos padrões de hierarquização: uma sociedade em que cada um sabe o seu lugar (FONSECA, 2020FONSECA, Daniel. Diplomata servindo na embaixada brasileira na Índia. [Entrevista cedida ao autor]. Nova Delhi, fevereiro de 2020). Porém, o outro lado dessa paz relativa é uma brutalidade potencialmente letal contra castas inferiores, imigrantes, mulheres, dalits (sem casta), adivasis e muçulmanos. Uma violência que parecia episódica sob o Congresso, mas que sob o BJP, se torna cotidiana.

Fora das ruas, incrementa-se um arsenal de dispositivos de repressão, vigilância e propaganda. Em julho de 2019, uma emenda à Unlawful Activities Prevention Act (UAPA), outorgou ao governo o poder de rotular como terroristas indivíduos e instituições, sem qualquer procedimento legal. É previsível que se intensifique o recurso a este argumento para criminalizar ativistas, o que já acontece: em Pune, cinco conhecidos militantes foram presos em 2018 sob a acusação de serem naxalitas urbanos (guerrilheiros maoístas). A repressão anda de mãos dadas com a vigilância: no final de 2017, o governo autorizou dez agências de inteligência e segurança a “interceptar, monitorar e decodificar qualquer informação gerada, transmitida, recebida em qualquer computador” do país. A medida contradiz uma declaração da Suprema Corte, que considera a privacidade um direito fundamental e foi recebida com exasperante preocupação por defensores dos direitos humanos (FRONTLINE, 2019bFRONTLINE. Snooping state Cover story. January 18, 2019b. Disponível em: https://www.magzter.com/IN/THG-publishing-pvt-ltd/FRONTLINE/News/323524. Acesso em: 12 abr. 2020. (Revista com acesso via assinatura)
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).

A vigilância cibernética pode ser vista como a outra cara do intenso ativismo do governo nas redes sociais, na forma de propaganda. Reporta-se que, nas eleições de 2014, tanto o BJP como o partido do Congresso empregaram os serviços de empresas conectadas à Cambridge Analytica, notória pela atuação na campanha de Trump e em prol do Brexit, entre outras (FRONTLINE, 2019bFRONTLINE. Snooping state Cover story. January 18, 2019b. Disponível em: https://www.magzter.com/IN/THG-publishing-pvt-ltd/FRONTLINE/News/323524. Acesso em: 12 abr. 2020. (Revista com acesso via assinatura)
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). Esta abordagem propõe o recurso à inteligência artificial para analisar dados roubados (ou recolhidos sem a ciência dos usuários) com o objetivo de desenhar estratégias de manipulação de comportamento com finalidades eleitorais. É plausível que o Estado empregue metodologias afins como parte de sua máquina de propaganda, que faz do primeiro-ministro uma imagem onipresente. Diga-se de passagem, trata-se de uma avalanche comunicacional unidirecional, pois Modi sequer concedeu uma conferência de imprensa desde que se tornou primeiro-ministro. O poder de vigilância do Estado se conecta ao desígnio de propaganda do partido, uma vez que a Internet, o celular e as redes sociais podem ser usados para propaganda e para fake news, mas também para vigilância: em 2019, o Whatsapp denunciou judicialmente o uso de uma ferramenta tecnológica israelense chamada Pegasus para espionar jornalistas e militantes na Índia e em outros países através do aplicativo (KUMAR; PALIWAL; SHARMA, 2019KUMAR, A.; PALIWAL, A.; SHARMA, M. WhatsApp snooping: How Israeli spyware broke into cell phones. India Today, 1 nov. 2019. Disponível em: https://www.indiatoday.in/mail-today/story/how-israeli-spyware-pegasus-broke-cell-phones-whatsapp-snooping-1614593-2019-11-01. Acesso em: 12 abr. 2020.
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).

A propaganda do regime encontra solo fértil em um tecido social arado pela Sangh Parivar e adubado pela safronização, um processo pervasivo impulsionado pelo Estado, mas que o inclui. Parte do mais alto nível de governo, em que se encenam rituais hindus como parte de uma liturgia estatal que borra as fronteiras entre o indiano e o hindu, marginalizando todo o demais (BHUSHAN, 2014BHUSHAN, B. Bharat Bhushan: PM as pilgrim - or indianess redifined. Business Standard, 14 ago. 2014. Disponível em: https://www.business-standard.com/article/opinion/bharat-bhushan-pm-as-pilgrim-or-indianness-redefined-114081401189_1.html. Acesso em: 12 abr. 2020.
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). Quadros do RSS assumem a direção de instituições públicas, balizando sua atuação pela visão de mundo Hindutva, o que tem implicações para a educação, a cultura e a ciência.

Na educação elementar, livros didáticos são reescritos a partir de uma visão simplista e comunal da história indiana, das ciências e da matemática, endossada por pesquisadores nos diversos campos. A história é particularmente sensível a anacronismos que vilificam o Islã e glorificam um idílico passado milenar, segundo uma abordagem em que mitologia e história são indiscerníveis. A disputa narrativa também reorganiza referências contemporâneas. Ícones Hindutva são homenageados pelo Estado, enquanto o passado associado ao Congresso, é dissipado: por exemplo, os correios imprimem selos com o líder da campanha pela destruição de mesquita Babri em 1992, Mahant Avaidyanath, enquanto deixaram de estampar as efígies de Indira e Rajiv Gandhi (MENON, 2015MENON, A. Avaidyanath stamp: Govt honours Mahant who said Advani should die. Catchnews, 29 set. 2015. Disponível em: http://www.catchnews.com/politics-news/avaidyanath-stamp-govt-honours-mahant-who-said-advani-should-die-1443529802.html. Acesso em: 12 abr. 2020.
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).

A ciência não fica imune a este revisionismo. Em certo momento, o primeiro-ministro afirmou que a ciência genética e a cirurgia plástica existiam na Índia antiga, citando como prova do segundo a mítica deidade Ganesha. Um ministro seu disse que a teoria da evolução da espécie de Darwin está errada porque ninguém viu o macaco se tornar homem, outro assegurou que a yoga pode curar câncer, enquanto recentemente, autoridades do partido defenderam a medicina tradicional (ayurvédica) para enfrentar o coronavírus (SIDHART, 2018SIDHART, A. BJP and Science: From Ganesha’s plastic surgery to “Yoga can cure cancer”. Alt News, 9 fev. 2018. Disponível em: https://www.altnews.in/bjp-science-ganeshas-plastic-surgery-yoga-can-cure-cancer/. Acesso em: 12 abr. 2020.
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; DORE, 2020DORE, B. Hindu Nationalists Are Pushing Magical Remedies for the Coronavirus. Foreign Policy, Mumbai, 9 mar. 2020. Disponível em: https://foreignpolicy.com/2020/03/09/hindu-nationalists-magical-remedies-coronavirus-bjp-india/. Acesso em: 12 abr. 2020.
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). A mitificação do passado afronta a história, mas também a ciência.

O esforço revisionista é acompanhado por censura e agressões. Na base, há uma agitação permanente para banir livros, filmes, obras de arte e constranger o debate em instituições educacionais e científicas, enquanto intelectuais e artistas são hostilizados nas redes sociais e ao vivo. O obscurantismo compromete a autonomia e a idoneidade dos principais órgãos de estatística, recentemente fundidos e colocados sob autoridade direta de um ministério. Em instituições governamentais de todas as áreas, da economia à cultura, passando pela ciência e inteligência, quadros técnicos renunciaram a seus postos, e outros foram exonerados. Mesmo os fiéis têm seu limite: após deixar o cargo, o ex-ministro da economia de Modi, Arvand Subramanian (2014-2018), argumentou que o crescimento do PIB do país era superestimado em função da nova metodologia empregada, motivo pelo qual sofreu um linchamento midiático (PANAGARYA, 2019PANAGARYA, A. View: Why Arvind Subramanian’s GDP over-estimation argument is flawed. The Economic Times, 26 jun. 2019. Disponível em: https://economictimes.indiatimes.com/news/economy/indicators/view-why-arvind-subramAnians-gdp-over-estimation-argument-is-flawed/articleshow/69949029.cms?from=mdr. Acesso em: 10 abr. 2020.
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). A produção de dados e a crítica é ulteriormente sufocada por dificuldades impostas às organizações não governamentais nacionais e estrangeiras. O governo Modi cancelou a permissão para receber fundos estrangeiros de cerca de 15.000 ONGs, incluindo instituições como Human Rights Watch, Anistia Internacional e Greenpeace (GREENPEACE..., 2019). Intelectuais, jornalistas e militantes têm dificuldades para circular fora do país, enquanto estrangeiros com uma posição crítica, tem seu visto negado.

Premida entre a violência e a vigilância, o aparelhamento e o obscurantismo, a democracia indiana agoniza: “tudo o que parece restar da democracia na Índia é que o governo é escolhido em base a uma maioria eleitoral, o que se poderia chamar de ‘eleitoralismo’” (SUNDAR, 2017SUNDAR, A. Neoliberalism in its Hindutva moment: Affinities and Contradictions. In: NEOLIBERALIZATION AND ITS DISCONTENTS IN THE SOUTHERN BRICS COUNTRIES, 2017, Banglore. Anais […]. Banglore: Azim Premji University, 2017.). Eleições subsistem como a casca liberal de uma democracia esvaziada de substância, no entanto, é uma casca valiosa. Como assinala Achin Vanaik, apoiar-se nos militares seria um sinal de debilidade e não de força para o partido no poder, que explora a legitimidade que as eleições lhe oferecem (VANAIK, 2010).

De fato, referências elogiosas à democracia são frequentes na boca e no Twitter do primeiro-ministro, mas este verniz de legitimidade é torcido em uma direção antidemocrática na ideologia oficial, segundo a qual quem contraria um governo cuja soberania emana do voto popular, é antinacional. Sob esta lógica, aqueles que protestam contra a construção de uma represa, defendem o meio ambiente, se mobilizam por direitos humanos, denunciam um escândalo de corrupção, revelam estatísticas maquiadas, enfim, qualquer crítica é suscetível a este rótulo. Em seu segundo mandato, o governo escora nesta ideologia as controversas propostas que avança, caracterizando a escalada na direção de uma Hindu Rashtra (nação hindu).

Caxemira, NRC e CAA

Em agosto de 2019, o governo modificou o estatuto constitucional especial de Jammu e Caxemira, um território a noroeste da Índia que faz fronteira com o Paquistão e a China. Foi anunciada a anulação do artigo 370, que assegurava a este estado o direito a uma constituição própria, autonomia de gestão interna e uma bandeira, e tinha sido condição para a incorporação deste reino à Índia no contexto da independência. O governo Modi dissolveu o Estado e o dividiu em dois territórios da união, o que implica um rebaixamento do seu estatuto a um patamar de autonomia inferior, inclusive, ao dos demais Estados da federação. Ao mesmo tempo, a proibição da venda de terras a não residentes foi abolida, apontando para uma reconfiguração das relações de socioeconômicas na região.

A história da Caxemira desde a independência é complexa, violenta e controversa. Território de maioria muçulmana, mas governado por um hindu na época da partilha que deu origem ao Paquistão, sua incorporação parcial à Índia envolveu manobras escusas comandadas por Nehru, que nutria uma fascinação pela região (ANDERSON, 2012ANDERSON, P. The Indian ideology. New Delhi: Three essays collective, 2012.). Além da divisão entre Índia e Paquistão, parte do território é administrado pela China desde a vitória militar deste país no conflito fronteiriço, em 1962. No final dos anos 1980, um prolongado descontentamento com as políticas do Estado indiano ganhou a forma de uma insurgência armada, respondida com a ocupação militar da região. Desde então, a situação só se agravou. Espremida entre o fundamentalismo islâmico cultivado no Paquistão desde a guerra do Afeganistão (1979-1989) e a ascensão do fundamentalismo hindu que lhes reprime e discrimina, muitos caxemiris, se tivessem escolha, se inclinariam pela independência. No entanto, esta nunca foi uma opção para o Estado indiano, que progressivamente transformou a Caxemira, na sua Palestina.

Embora o governo afirmasse que a mudança implementada em 2019 beneficiaria a população concernida, quarenta mil tropas extras foram deslocadas para a região, antecipando-se a uma possível resistência. Estas tropas somaram-se a setecentos mil soldados já estacionados, engrossando a ocupação militar mais densa do planeta (ANUAL..., 2019). Naquele momento, quatro mil pessoas foram presas sob o Public Safety Act, incluindo todas as principais lideranças políticas, mesmo simpáticas ao BJP (AT LEAST…, 2019). Linhas telefônicas e a rede de Internet foram cortadas, impedindo a comunicação entre as pessoas e com o exterior, e a população foi submetida a um toque de recolher sem data para terminar. Nessas condições, a cobertura midiática foi impedida ou controlada, enquanto a grande imprensa replicava a propaganda do governo.

E, no entanto, essa brutalidade contra uma população civil majoritariamente muçulmana, foi recebida com relativa indiferença pela maior parte dos indianos. Entre os quadros dirigentes, havia consenso de que o governo fizera a coisa certa, discutindo-se apenas o tempo. Foi dito que não é possível fazer uma omelete sem quebrar ovos (SINHA, 2020SINHA, Shri Shakti. Private Secretary to the former Prime Minister, Shri A.B. Vajpayee. Distinguished Fellow, India Foundation. [Entrevista cedida ao autor]. Nova Delhi, fevereiro de 2020). Outros aventavam, nos bastidores, a necessidade de mortes em massa para pacificar definitivamente a região, como ocorreu no Punjab no passado (NAFEY, 2020NAFEY, Abdul. Departamento de Relações Internacionais (JNU). [Entrevista cedida ao autor]. Nova Delhi, fevereiro de 2020). Entre a indiferença, o cinismo e a crueldade, evidencia-se que, no processo de fazer da Caxemira uma Palestina, alienou-se qualquer empatia dos nativos pelo Estado indiano, mas também dos indianos pelos caxemiris. Este estranhamento se agrava sob o BJP, pois a Caxemira se tornou uma peça central da engrenagem de ódio Hindutva. Se o Congresso via a Caxemira como um território, a despeito das pessoas, o BJP estigmatiza essas pessoas como inimigos internos, que devem serem marginalizados, controlados ou exterminados.

Única região da Índia ainda majoritariamente muçulmana, a sorte da Caxemira é um capítulo extremo da aceleração do projeto Hindu Rashtra, que entrou em ebulição com a articulação entre o NRC e o CAA. Em sua campanha eleitoral, o BJP prometeu que implementaria um registro nacional de cidadãos (NRC), com o propósito declarado de documentar aqueles em situação legal e identificar os migrantes ilegais – descritos pelo então presidente do partido, Amit Shah, como cupins (ILLEGAL..., 2019ILLEGAL immigrants are like termites, will throw them out if BJP comes back to power: Amit Shah. India Today, Raiganj, 11 abr. 2019. Disponível em: https://www.indiatoday.in/elections/lok-sabha-2019/story/bjp-amit-shah-hindu-refugees-mamata-bannerjee-1499691-2019-04-11. Acesso em: 12 abr. 2020.
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).

No entanto, o real alcance da iniciativa aflorou em dezembro de 2019, quando o governo aprovou uma emenda à lei de cidadania (CAA) facilitando a nacionalização a residentes das religiões hindu, sikh, budista, jainista, parsi ou cristã, caso provem que são originais de Paquistão, Afeganistão ou Bangladesh. O pretexto da emenda é oferecer asilo a minorias religiosas passíveis de discriminação nestes países vizinhos, de maioria muçulmana. Tomadas em conjunto, a implementação do NRC e do CAA projetam uma engenharia social destinada a reorganizar massivamente as condições de cidadania no país, em detrimento dos muçulmanos. Ao mesmo, tempo, milhões de indianos que teriam a cidadania assegurada por motivo religioso ficariam em uma condição vulnerável, passível de ser explorada pelo Estado (MUKHERJEE, 2020MUKHERJEE, Mridula. Center for Historical Studies (JNU). [Entrevista cedida ao autor]. Nova Delhi, fevereiro de 2020).

No início de 2020, a forma de implementação de um hipotético NRC ainda não estava definida, podendo envolver um censo nacional ou a apresentação de documentos que comprovem descendência indiana, cujo critério tampouco foi precisado. No entanto, a ideia geral é clara: conceder ao governo, por meio de um processo burocrático de proporções colossais, o arbítrio sobre quem tem ou não o direito à cidadania no país. Ao fim deste processo indeterminado, verificando uma documentação indefinida, se produziria uma lista dos cidadãos indianos. Aqueles não listados poderão apelar, e então, o CAA oferece uma porta de retorno à cidadania aos não muçulmanos, facilitando a naturalização de quem está no país há mais de seis anos. Como disse um jurista do BJP: “a posição do nosso BJP é que hindus nunca podem ser estrangeiros” (SHANKAR, 2020SHANKAR, S. India’s citizenship law in tandem with national registry, could make BJP’s discriminatory targetin of muslims easier. The Intercept, 30 jan. 2020. Disponível em: https://theintercept.com/2020/01/30/india-citizenship-act-caa-nrc-assam/. Acesso em: 12 abr. 2020.
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). Entretanto, o estatuto de naturalizado implica em uma cidadania fragilizada, uma vez que, em qualquer momento, o governo pode reabrir o dossiê de qualquer um, congelando seu estatuto enquanto o examina (BHATIA, 2019BHATIA, S. Why I will not register with the NRC. The Wire, 20 dez. 2019. Disponível em: https://thewire.in/rights/nrc-caa-protest. Acesso em: 12 abr. 2020.
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).

A constituição indiana em vigor desde a independência, assegura a cidadania a todos nascidos em solo indiano (ius soli), a despeito de religião ou descendência. No entanto, o NRC pode excluir cidadãos incapazes de provar sua descendência, situação provável da maior parte dos indianos, que dificilmente produzirão os papéis solicitados. Como em Israel, impõe-se a cidadania por descendência, ou por sangue (ius sanguinis), em lugar do nascimento (ROY; SAMBARAJU, 2020ROY, S.; SAMBARAJU, R. Indian citizenship has now been reduced to ‘us’ versus ‘them. The conversation, 27 jan. 2020. Disponível em: https://theconversation.com/indian-citizenship-has-now-been-reduced-to-us-versus-them-130422. Acesso em: 12 abr. 2020.
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). Ao mesmo tempo, o CAA privilegia o acesso à cidadania segundo um critério religioso, o que não apenas subverte a constituição, mas também o lugar da religião como marcador social. O hinduísmo como uma forma de religiosidade historicamente fluida, que sempre conviveu com traços identitários de região, língua ou etnia, se converte em um fator definitivo de segregação social, sobredeterminando os demais (MAHAJAN, 2020MAHAJAN, Sucheta. Center for Historical Studies (JNU). [Entrevista cedida ao autor]. Nova Delhi, fevereiro de 2020).

Aqueles excluídos como cidadãos no NRC e que não se enquadrarem no CAA, caso de todos os muçulmanos incapazes de atenderem à burocracia, serão desprovidos da cidadania indiana e sujeitos a deportação, ou a um dos muitos campos de concentração atualmente em construção. Mas também podem subsistir nas franjas da sociedade como cidadãos de terceira classe (a segunda classe cabendo aos naturalizados), sem direito ao voto, aos programas de assistência estatal, ao acesso à carreira pública, a tirar passaporte, assim por diante. Em outras palavras, sobreviveriam como os dalits do século XXI. Além de dor e violência incalculáveis, as consequências eleitorais de um esquema similar, manipulado pelo BJP segundo uma lógica discursiva de incluídos e excluídos, de nós e eles, são difíceis de superestimar.

Esta reengenharia social em escala inaudita antevê graves repercussões regionais. A expulsão de muçulmanos incitaria a discriminação contra hindus nos países vizinhos, onde são minoria. Hostilizados também por um critério religioso, presume-se que estes hindus migrariam para a Índia plenos de rancor e ódio contra os muçulmanos, configurando um perfil ideal, segundo a mentalidade do BJP, para colonizar regiões sensíveis do território, como a Caxemira. Este macabro cenário reforça comparações do projeto Hindu Rashtra com Israel, mas também foi descrito como um moderno sistema de castas (NAFEY, 2010; ROY, 2019ROY, A. India: Intimations of an Ending, the rise of Modi and the Hindu far right. The Nation, Nova York, 22 nov. 2019. Disponível em: https://www.thenation.com/article/archive/arundhati-roy-assam-modi/. Acesso em: 12 abr. 2020.
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).

Desde 2015, a implementação do NRC está em curso no Estado de Assam no extremo nordeste da Índia, na fronteira com Bangladesh e Butão, próximo de Myanmar e da China. Porém, trata-se de uma circunstância singular: havia uma antiga demanda da população nativa por uma iniciativa similar, visando coagir imigrantes de origem bengali que afluíram com a guerra que resultou na independência de Bangladesh em 1971. A ideologia do Assam Movement argumenta que a cultura assamese estava ameaçada pelo afluxo bengali, mas este nunca foi um movimento antimuçulmano. A realização do NRC no Estado consumiu anos de trabalho, mobilizou 52 mil funcionários e vultuosos recursos para analisar a documentação de mais de 30 milhões de pessoas, resultando em uma lista que excluiu 1,9 bilhões de cidadãos, dos quais mais de 3/4 são hindus de língua bengali que o Assam Movement não deseja reintegrar, para desgosto do governo. Parte deles está distribuída em seis campos de detenção erguidos no terreno de penitenciárias, entre os dez planejados (Shankar: 2020; Zahan: 2019)

Assim, no final de 2019 a Índia vivia um cruel paradoxo: enquanto no extremo noroeste milhões de pessoas eram mantidas em estado de sítio militar, privadas de condições elementares da existência porque não queriam ser parte da Índia, no extremo leste outros milhões de pessoas enfrentavam um estado de sítio burocrático, ameaçadas por campos de detenção e deportação, porque querem ser parte da Índia (ROY, 2019ROY, A. India: Intimations of an Ending, the rise of Modi and the Hindu far right. The Nation, Nova York, 22 nov. 2019. Disponível em: https://www.thenation.com/article/archive/arundhati-roy-assam-modi/. Acesso em: 12 abr. 2020.
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).

Em novembro de 2019, o ministro Amit Shah divulgou que o NRC seria estendido de Assam, para o conjunto da Índia. Alguns dias antes, a Suprema Corte emitira sentença permitindo a construção de um templo hindu onde foi demolida a mesquita Babri em Ayodhya. No mês seguinte, o parlamento aprovou a CAA, cuja conexão com o NRC foi imediatamente percebida. A notícia de que centros de detenção à maneira de Assam estão em construção no país, a brutalidade policial em manifestações contra o NRC-CAA, particularmente em Utar Pradesh (UP), origem de um em cada cinco muçulmanos no país, enquanto a violência continuava na Caxemira, transbordou em uma formidável onda de resistência. A gota d’água foi a selvagem agressão à universidade Jamia Masjid Islamia em Nova Delhi, que detonou uma ocupação à moda gandhiana de uma grande avenida, em um movimento liderado por senhoras muçulmanas, comparadas por um professor às mães da Praça de Maio na Argentina (NAFEY, 2010). A reação foi tanto mais desconcertante à luz do desprezo às mulheres muçulmanas na retórica Hindutva, evidenciado na discussão que levara à abolição de uma lei de divórcio muçulmana poucos meses antes (Triple Talaq). A ocupação de Shaheen Bagh desencadeou protestos similares em outros pontos da cidade e em todo país, com uma adesão que transcendeu a comunidade muçulmana, alcançou repercussão internacional, e constrangeu o governo (MISRA; VIENS, 2020MISRA, D. VIENS, C. The citizenship amendment act (CAA): the struggle for India’s soul. Revista Luvo, Bogotá, v. 7, n. 1, fev. 2020.). Dois meses depois, o BJP foi derrotado nas eleições municipais em Delhi, em um momento em que vem perdendo espaço nos governos regionais.

Considerações políticas, econômicas e logísticas podem levar o governo a rever a proposta de implementar o NRC em território nacional. Especula-se que os custos seriam astronômicos, os resultados duvidosos e a reação social, imprevisível. Há quem veja razão por trás da loucura, aventando que o BJP deseja criar as condições para um pogrom à maneira de Gujarate em 2002, mas em escala nacional (SUNDAR, 2010). Outros avaliam que a explosividade potencial de semelhante estratégia é anátema para o capital (VANAIK, 2010). Para melhor discutir este problema, é necessário analisar a relação dos estratos médios e superiores da sociedade indiana com o BJP.

Dilemas do BJP no poder

A passagem de uma modalidade de neoliberalismo inclusivo praticada pelo Congresso, para uma fusão entre livre-mercado e nacionalismo hindu proposta pelo BJP, foi apoiada pelo grande capital, mas teve uma base de massas. Na mobilização que antecedeu a eleição de 2014, o BJP retratou a corrupção como uma contradição entre o interesse das pessoas comuns e o da elite, cujos privilégios são associados à política do Congresso. Nessa narrativa, construir uma Congress free India (uma Índia livre do Congresso) é, ao mesmo tempo, uma luta anticorrupção e antielitista (NIELSEN, [2020]NIELSEN, A. India’s trajectories of change (2004-2019). Department of sociology, University of Petroria, [2020]. No prelo.). Em oposição à natureza dinástica e elitista da política congressista, Modi construiu a imagem de alguém que veio de baixo, e com os de baixo se identifica. Se a educação britânica e o inglês impecável de Nehru eram parte da sua sedução, o apelo de Modi se constrói com um discurso popular quando não vulgar, em que erros de inglês são cometidos de propósito.

A emulação do empreendedorismo em oposição à (ambígua) legislação social congressista, em um contexto de crescimento sem geração de empregos, se harmonizou com a imagem do homem forte, que deve enfrentar uma política corrupta e elitista, abrindo caminho para o ressurgir da gloriosa civilização indiana. A exitosa costura de motivos ideológicos que encobrem contradições de classe e de casta em nome de objetivos como a regeneração moral, o desenvolvimento e a glória da pátria, ajudam a compreender como um partido que emergiu no contexto da reação das classes médias e das castas superiores à ascensão das castas inferiores nos anos 1980, ampliou sua base de apoio através das classes e castas. É certo que o BJP recorre a uma agressiva engenharia política, explorando contradições internas às castas inferiores e, também, entre os dalits, para oferecer representação política e recursos a setores marginalizados por organizações tradicionais. Em todo caso, o partido teve êxito em fabricar consensos decisivos no plano eleitoral, que atravessam diferenças de casta e de classe. Embora a adesão ao BJP seja maior entre as castas superiores, que lhe outorgaram 61% dos votos em 2019, sua votação entre os pobres subiu de 24% em 2014 para 36% no último pleito (MISRA, 2018; NIELSEN, [2020]NIELSEN, A. India’s trajectories of change (2004-2019). Department of sociology, University of Petroria, [2020]. No prelo.).

Se o neoliberalismo inclusivo do Congresso foi no máximo incômodo, sem nunca antagonizar as classes dominantes, as relações com o nacionalismo hindu são mais complexas. Entre a classe média, observa-se um renovado apego à família estendida e a comunidades de casta e religiosas, conformando uma classe média moderna que abraça rituais tradicionais. Esse fenômeno está relacionado à afirmação de uma cultura pública do neoliberalismo Hindutva, que passa pela valorização da medicina ayurvédica por meio de um ministério específico, pelo apoio a negócios nesta área, pela declaração de um dia internacional da yoga (que o primeiro-ministro promove assiduamente) e pelo já aludido aparelhamento de instituições de cultura e educação. No conjunto, opera-se uma transformação da esfera pública e da cultura indiana, que tem como efeito ancorar o projeto Hindutva no cotidiano, dando-lhe a qualidade de senso comum (SUNDAR, 2017SUNDAR, A. Neoliberalism in its Hindutva moment: Affinities and Contradictions. In: NEOLIBERALIZATION AND ITS DISCONTENTS IN THE SOUTHERN BRICS COUNTRIES, 2017, Banglore. Anais […]. Banglore: Azim Premji University, 2017.).

Esta dimensão ao mesmo tempo cultural e mercantil do projeto Hindutva, é relevante para compreender o apoio da diáspora, sobretudo nos Estados Unidos, ao BJP. Diferente dos trabalhadores braçais que migram para os países do golfo Pérsico, a migração indiana em direção aos Estados Unidos e ao Reino Unido nunca foi, predominantemente, um fenômeno popular. Portanto, o fato de que este seja o grupo étnico mais afluente dos Estados Unidos, ou que CEOs de empresas como Google e Mastercard sejam indianos, deve ser posto em perspectiva, uma vez que estas pessoas provavelmente seriam parte da elite, caso ficassem na Índia.

Há quem enquadre a mobilização política da diáspora como parte de um desígnio maior, inspirado na relação da diáspora judaica com o estado de Israel. Argumenta-se que o fortalecimento político e econômico de uma comunidade indiana nos Estados Unidos, identificada com um nacionalismo de base religiosa e não territorial inviabilizaria, no futuro próximo, que este país se posicione contra a Índia na esfera internacional. Distante dos dias de Bandung, a Índia se integraria à esfera anglo-saxônica, ainda que em um patamar subalterno (DAVIS, 2018DAVIS, A. India and the anglosphere. London: Routledge, 2018.; RIBEIRO, 2020RIBEIRO, Erik. Pesquisador, Instutute for Defence Studies and Analyses (IDSA). [Entrevista cedida ao autor]. Nova Delhi, janeiro de 2020).

É certo que há setores críticos da diáspora indiana. Em fevereiro de 2020, uma vereadora de Seattle aprovou resolução condenando o governo do BJP e o NRC-CAA, gesto seguido pela cidade de Cambridge em Massachusetts. Mas seu impacto não se compara à manifestação protagonizada por Modi em setembro de 2019, quando um estádio no Texas foi lotado por 50 mil pessoas em clima de idolatria: o chamado Howdy Modi. Na ocasião, o “presidente Donald Trump foi suficientemente gentil para permitir a um primeiro ministro em visita, introduzi-lo como convidado especial no seu próprio país, para seus próprios cidadãos” (ROY, 2019ROY, A. India: Intimations of an Ending, the rise of Modi and the Hindu far right. The Nation, Nova York, 22 nov. 2019. Disponível em: https://www.thenation.com/article/archive/arundhati-roy-assam-modi/. Acesso em: 12 abr. 2020.
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, p. 59). O extravagante evento culminou com uma volta olímpica dada pelos chefes de Estado, de mãos dadas. Sua repercussão foi amplificada pela extensiva cobertura da imprensa indiana, enquanto outros milhares que protestavam do lado de fora, foram ignorados.

O outro lado desse entusiasmo de indianos afluentes fora do país com um líder identificado com uma modernização que enaltece valores tradicionais hindus, restaurando no processo o orgulho nacional, é a indiferença em relação aos aspectos obscurantistas, antidemocráticos e violentos que esta agenda implica. Em linhas gerais, esta é a postura dominante também entre os afluentes dentro do país, distantes da realidade popular menos pela geografia, do que por sua condição de classe.

Porém, se a burguesia não tem ressalvas morais em relação ao conteúdo e à forma como o RSS tem determinado a agenda social, cultural e educacional do país, o desempenho da economia, a concerne. Como vimos, Modi foi inicialmente identificado com a promessa de uma aceleração do desenvolvimento, que não aconteceu. A imagem de Modi na eleição de 2014 como um vikas purush (um homem do desenvolvimento), cedeu lugar em 2019 à sua imagem como um chowdikar (um vigia), que zela pela segurança nacional contra inimigos domésticos e estrangeiros (NIELSEN, [2020]NIELSEN, A. India’s trajectories of change (2004-2019). Department of sociology, University of Petroria, [2020]. No prelo.). Neste contexto, aflora a preocupação de que a radicalização da política Hindutva desestabilize o país, afetando o ambiente de negócios.

A base burguesa de Modi tem, no primeiro plano, alguns grupos econômicos que se beneficiaram diretamente com o governo, dentre os quais se destacam Ambani (cuja fortuna pessoal passou de 23 para 55 bilhões de dólares sob Modi), Adani (cuja ascensão está colada à de Modi desde os tempos de governador em Gujarati) e o guru Ramdev à frente da marca Pantajali, descrito como “um feito único do governo Modi, uma combinação de agenda açafrão e capitalismo de rapina que converteu um baba em um bilionário”(SRUJANA, 2019SRUJANA, B. The billionaire beneficiaries of BJP’s schemes. Newsclick, 3 maio 2019. Disponível em: https://www.newsclick.in/BJP-Schemes-Modi-Ambani-Adani-Baba-Ramdev-Indian-Billionaire. Acesso em: 12 abr. 2020.
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, p. 1). Em escala menor, há os capitalistas regionais, originalmente grandes proprietários rurais da casta dominante que se enriqueceram com a revolução verde e diversificaram os negócios, principalmente na direção do comércio e da especulação imobiliária. Em muitos casos, tornaram-se a espinha dorsal de partidos regionais que, nos anos recentes, se alinharam ao BJP, quando não ingressaram diretamente nele (DESAI, 2014DESAI, R. A Latter Day Fascism: Economic and Political Weekly, Bombaim, v. 49, n. 35-30, p. 48-58, ago. 2014.).

No entanto, para além destes segmentos umbilicalmente vinculados ao BJP, há motivos para o grande capital se inquietar com os rumos do governo. A relativa letargia na economia soma-se à inépcia demonstrada em medidas de impacto negativo, como a demonetização, enquanto a maquiagem dos dados de nada serve face à corrosão dos fundamentos da economia. Nesse quadro, há receio de que o compromisso com a agenda Hindutva, que é sincero, radical e inegociável, leve à marginalização da economia, que é secundária do ponto de vista da RSS. Até o momento, o descontentamento se expressa de maneira tácita e não aberta, porque o governo tampouco tolera a oposição do capital, sujeito à instrumentalização política de investigações de imposto de renda. É neste sentido que Prabir Purkhayasta fala do risco de que o governo fique prisioneiro da própria ideologia. E com ele, os negócios que o sustentam (DE, 2010; PURKAYASTA, 2020).

Considerações finais

A convergência entre neoliberalismo e autoritarismo admite diversas roupagens, entre a guerra às drogas de Duterte, o pinochetismo de gravata de Bolsonaro, o America First de Trump e o nacionalismo hindu de Modi. Nesse quadro, a singularidade indiana é o avançado grau de colonização de todas as esferas da existência pela política Hindutva, em que a capilaridade da Sangh Parivar foi potencializada pelo aparelhamento do Estado ampliado nos termos de Gramsci, que inclui aparelhos privados de hegemonia como a imprensa, instituições culturais, de pesquisa e de educação. Isto significa que, para além da disputa eleitoral, está em curso um esforço totalizador, visando incidir na ordem subjetiva para modificar a sensibilidade pública em uma direção conducente aos valores Hindutva. Nessa perspectiva, a batalha eleitoral é instrumental na guerra para conquistar corações e mentes, cuja sensibilidade é crescentemente moldada justamente pelo poder que o BJP acumula e exerce de modo brutal.

É possível aventar que o BJP tem ambições não somente totalizadoras, mas revolucionárias, no sentido de que aspira ao poder para remodelar a sociedade e a esfera pública de modo radical, embora compatível com o neoliberalismo. Diferente do partido do Congresso, que se tornou um gestor da ordem disputando as eleições e o poder como um fim em si, o BJP tem um ideal de sociedade. E assim como os nazistas, exalam a convicção de que serão eternos. A dominação total que o BJP exerce e projeta, mobilizando subjetividades populares a seu favor, foi comparada ao fascismo por diversos intelectuais (AHMAD, 2016AHMAD, A. On communalism and globalization: offensives of the far right. New Delhi: Three essays collective, 2016.; MUKHERJEE, 2020MUKHERJEE, Mridula. Center for Historical Studies (JNU). [Entrevista cedida ao autor]. Nova Delhi, fevereiro de 2020; SUNDAR, 2010). Governa-se incitando a beligerância, a arbitrariedade, a irracionalidade, o ressentimento e o ódio. E aqueles subordinados a tudo isso, estão sujeitos ao medo.

Do ponto de vista burguês, a política Hindutva não traz inconveniente. Ao contrário, além de bem-vindos efeitos narcóticos sobre as tensões de classe, há afinidades entre esta agenda conservadora e uma reação à igualdade de gênero e de casta; entre um nacionalismo postiço e a bomba atômica; entre a safronização mercantil e o Howdi Modi; entre a violência contra os muçulmanos e a paz burguesa; entre autoritarismo e neoliberalismo. As inquietações da classe dominante concernem a capacidade do governo responder aos desafios da economia, e os riscos da intensificação da agenda Hindutva são calculados sob o prisma da estabilidade dos negócios.

No entanto, em um mundo em que a diluição das tensões sociais por meio da integração pelo trabalho perdeu lastro histórico, enquanto a mitigação das desigualdades por meio de políticas assistenciais é vista como uma despesa desnecessária, os negócios tampouco veem alternativa à política Hindutva. Arriscam-se a passar de sócios a prisioneiros dela, em alguns casos, literalmente. Desse ponto de vista, o melhor que a razão burguesa pode almejar, é que o BJP se contente com o poder que tem neste mundo, sem forçar o curso rumo ao mundo que pretende construir. A sensatez possível implica em que o BJP se disponha a gerir a realidade como uma crise permanente, renunciando a uma hipotética solução final. Em outras palavras, em lugar de colocar em prática o desígnio de limpeza religiosa do território, a razão burguesa inclinaria o BJP a cultivar a questão muçulmana como uma crise permanente, da qual o partido extrai sua razão de ser, e por meio da qual, ele governa. Evidentemente, trata-se de uma aposta perigosa, uma vez que a própria lógica da política comunal exige doses contínuas e crescentes do veneno para manter o seu efeito. Para onde isso levará a maior democracia do planeta, ainda veremos.

Agradecimentos

Agradeço o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

  • Agência financiadora FAPESP – processo 2017/05588-7. CNPq – processo 432745/2018-1.
  • Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para participação Não se aplica.
  • Consentimento para publicação Consentimento do autor.

Referências

Entrevistas citadas

  • DE, Prabir. Research and Information System for Developing Countries (RIS) [Entrevista cedida ao autor]. Nova Delhi, fevereiro de 2020
  • FONSECA, Daniel. Diplomata servindo na embaixada brasileira na Índia. [Entrevista cedida ao autor]. Nova Delhi, fevereiro de 2020
  • GOSH, Jayati. Departamento de Economia (JNU). [Entrevista cedida ao autor]. Nova Delhi, fevereiro de 2020
  • MAHAJAN, Sucheta. Center for Historical Studies (JNU). [Entrevista cedida ao autor]. Nova Delhi, fevereiro de 2020
  • MUKHERJEE, Mridula. Center for Historical Studies (JNU). [Entrevista cedida ao autor]. Nova Delhi, fevereiro de 2020
  • NAFEY, Abdul. Departamento de Relações Internacionais (JNU). [Entrevista cedida ao autor]. Nova Delhi, fevereiro de 2020
  • PURKAYASTHA, Prabir. Editor do Newsclick. [Entrevista cedida ao autor]. Nova Delhi, fevereiro de 2020
  • RIBEIRO, Erik. Pesquisador, Instutute for Defence Studies and Analyses (IDSA). [Entrevista cedida ao autor]. Nova Delhi, janeiro de 2020
  • SINHA, Shri Shakti. Private Secretary to the former Prime Minister, Shri A.B. Vajpayee. Distinguished Fellow, India Foundation. [Entrevista cedida ao autor]. Nova Delhi, fevereiro de 2020
  • SUNDAR, Nandini. Departamento de Sociologia (Delhi University). [Entrevista cedida ao autor]. Nova Delhi, fevereiro de 2020
  • VANAIK, Achin. University of Delhi. [Entrevista cedida ao autor]. Nova Delhi, fevereiro de 2020.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2020
  • Aceito
    25 Jun 2020
  • Revisado
    13 Out 2020
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Curso de Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina Universidade Federal de Santa Catarina , Centro Socioeconômico , Curso de Graduação em Serviço Social , Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima, 88040-900 - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil, Tel. +55 48 3721 6524 - Florianópolis - SC - Brazil
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