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Editorial

EDITORIAL

Este número da Katálysis voltado para a economia solidária é muito bem-vindo. Por um lado, o espaço acadêmico brasileiro carece de um debate aberto e crítico a respeito deste movimento social que está em evidência, pois tem, contemporaneamente, um crescimento bastante significativo. Por outro, o próprio movimento da economia solidária tem necessidade deste diálogo crítico com interlocutores qualificados, o que em muito contribuirá para (re)pensar e (re)definir seus rumos.

Diante da crise do socialismo real, muitas vezes a economia solidária é apresentada como a nova panacéia. Mas, é realista a possibilidade de vínculos não utilitários no mundo moderno? Esta questão é o fio condutor dos artigos selecionados na presente Revista, os quais a discutem tanto teórica quanto em suas expressões práticas.

O conceito de economia solidária hoje define uma realidade caracterizada por experiências econômicas onde o interesse coletivo (mútuo) é predominante em relação ao individual, estando muito associado aos conceitos de sociedade civil, desenvolvimento local e empoderamento. Também sabemos que se trata de um campo caracterizado por uma grande diversidade, onde, talvez, o único consenso seja a oposição do movimento da economia solidária à idéia neoliberal do fundamentalismo de mercado.

De modo geral, os artigos investigam sobre a possibilidade da solidariedade na economia num contexto onde o capitalismo é o modo de produção amplamente dominante, num quadro onde o mercado é o espaço e a condição que possibilita e formata toda e qualquer economia. Ora, na medida em que os empreendimentos da economia solidária não existem de forma pura e isolada do sistema, mas encontram-se inseridos no mercado, eles, para sobreviverem, precisam ser competitivos e rentáveis, e, para isto, transformam o diferencial da solidariedade num valor de troca.

Entretanto, como articular metas financeiras e solidariedade? É possível gerar lucro e solidariedade simultaneamente? Até que ponto a necessidade de eficiência imposta pela competitividade mercantil não transformará a economia solidária numa economia que mercantiliza a solidariedade? Não estará a economia solidária instrumentalizando utilitariamente a ética, o justo e o solidário?

É viável ter esperança de que podemos auto-organizar a economia e, com base num comércio justo e ético, construir uma outra economia, alcançando e viabilizando um mercado mundial solidário? Não estaríamos então simplesmente mercantilizando o justo, transformando-o em mercadoria?

Num contexto onde o capital globalizou-se (onde a burguesia não tem mais burgo – F. Mires), falar em economia solidária, em sociedade civil, como atores do desenvolvimento econômico, em descentralização e em empoderamento, é algo que pode estar muito bem sintonizado com um padrão societário mórbido, antípodo ao solidário.

Aparentemente, o alternativo surge para compensar as distorções do sistema, sendo funcional ao mesmo, surge como ação compensatória, mitigadora dos efeitos indevidos da economia. Nesta perspectiva, cabe à economia solidária formular e implementar localmente propostas alternativas que possibilitem compensar o déficit integrador do mercado global. O movimento da economia solidária pode estar a remediar os excessos do capitalismo neoliberal, compensando e amenizando seus males, ao invés de opor-se a ele como ideologicamente afirma.

Com certeza, a economia solidária, para não se aprisionar no artifício que reduz a política social e as propostas alternativas a um lugar menor, a um lugar pobre para pobres, precisa urgentemente deste forte debate sobre seus fundamentos e suas práticas. Caso contrário corre-se o risco de se idealizar a economia solidária, minimizando-se a força hegemônica do capitalismo que a tudo canibaliza, o Estado e a política.

Para que a economia solidária não se perca e frustre as esperanças emancipatórias nela hoje depositadas, como outrora já ocorreu com o cooperativismo, é fundamental discutir franca e abertamente estas questões, como o fazem os artigos aqui publicados. Boa leitura.

Armando de Melo Lisboa

Doutor em Sociologia Econômica pela Universidade Técnica de Lisboa (UTL) Portugal

Professor do Curso de Ciências Econômicas (UFSC)

Coordenador do Núcleo de Estudos e Práticas em Socioeconomia Solidária (Nesol)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2008
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