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Crianças/adolescentes em quimioterapia ambulatorial: implicações para a enfermagem

Children and adolecents in outpatient clinic chemotherapy: nursing implications

Niños y adolescentes en quimioterapia ambulatoria: implicaciones para enfermería

Resumos

A hospitalização era a indicação mais comum na assistência à criança com câncer, entretanto, um grande enfoque vem sendo dado à desospitalização, viabilizada através do seguimento ambulatorial e/ou assistência domiciliar (home care). O objetivo deste trabalho é analisar as dificuldades que os pais enfrentam no ambiente domiciliar, quando seus filhos são submetidos à quimioterapia ambulatorial. Para tanto, foi realizada uma entrevista semi-estruturada com os pais, nos meses de janeiro e fevereiro de 2000, na sala de quimioterapia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo. Os resultados apontam as seguintes dificuldades: alteração no cotidiano familiar; comunicação ineficiente; alteração da auto-imagem e reação adversa à quimioterapia. Este trabalho possibilitou o acesso a informações de real interesse para assistência à criança/adolescente com câncer e sua família. A partir dos dados empíricos, elaborou-se uma cartilha de orientação para o cuidado domiciliar.

enfermagem pediátrica; oncologia; assistência ambulatorial; cuidados domiciliares de saúde


Hospitalization was common in the care to the child with cancer. However, a great focus is being given to dehospitalization, whose viability occurred through the outpatient clinic follow up, the outpatient clinic chemotherapy, the day-hospitals and/or home care. This paper aims at analyzing the difficulties that the families face at the home environment when their children or adolescents are submitted to the outpatient clinic chemotherapy. The study was developed at the chemotherapy room of the University of São Paulo Hospital at Ribeirão Preto School of Medicine and the empirical data were collected through semi-structured interviews with the children's parents in January and February, 2000. Results showed the following difficulties: changes in family daily life, health team inefficient communication; self-image alteration and chemotherapy side effects. This work enabled access to information that is of real interest in the care to children and/or adolescents with cancer and their families. Based on empirical data, authors elaborated a booklet on home care.

pediatric nursing; oncology; outpatient clinic care


La hospitalización todavía es indicación común en el niño con cáncer, aun así, un gran énfasis viene siendo dado a la deshospitalización, conseguida a través del seguimiento ambulatorio, de la quimioterapia ambulatoria, de los hospitales día y la atención domiciliaria (home care). El objetivo de este trabajo es analizar cuales son las dificultades que las familias enfrentan en el ambiente domiciliario cuando sus niños y sus adolescentes son sometidos a la quimioterapia ambulatoria. El lugar de estudio fue la sala de quimioterapia del Hospital Clínicas de la Facultad de Medicina de Ribeirão Preto de la Universidad de São Paulo y la recolección de los datos empíricos fue realizada a partir de una entrevista semi-estructurada con la madre o el padre, en los meses de enero y febrero del 2000. Los resultados muestran las siguientes dificultades: alteración en el cotidiano familiar, comunicación ineficiente, alteración de la autoimagen y reacción adversa a la quimioterapia. Este trabajo hizo posible el acceso a informaciones de interés real para la atención al niño y al adolescente con cáncer y sus familias. A partir de los datos empíricos elaboramos una cartilla de orientación para el cuidado domiciliario.

enfermería pediátrica; oncología; atención ambulatoria


Artigo Original

CRIANÇAS/ADOLESCENTES EM QUIMIOTERAPIA AMBULATORIAL: IMPLICAÇÕES PARA A ENFERMAGEM

Juliana Cardeal da Costa1 1 Aluna de Graduação em Enfermagem, Bolsista de Iniciação Científica (CNPq nº 521081/98); 2 Orientadora, Professor Doutor, Coordenadora do Projeto "Assistência à criança e ao adolescente com doença crônica: a enfermagem na produção de conhecimentos e de cuidados (CNPq nº 521081/98), e-mail: limare@eerp.usp.br. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem

Regina Aparecida Garcia de Lima2 1 Aluna de Graduação em Enfermagem, Bolsista de Iniciação Científica (CNPq nº 521081/98); 2 Orientadora, Professor Doutor, Coordenadora do Projeto "Assistência à criança e ao adolescente com doença crônica: a enfermagem na produção de conhecimentos e de cuidados (CNPq nº 521081/98), e-mail: limare@eerp.usp.br. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem

A hospitalização era a indicação mais comum na assistência à criança com câncer, entretanto, um grande enfoque vem sendo dado à desospitalização, viabilizada através do seguimento ambulatorial e/ou assistência domiciliar (home care). O objetivo deste trabalho é analisar as dificuldades que os pais enfrentam no ambiente domiciliar, quando seus filhos são submetidos à quimioterapia ambulatorial. Para tanto, foi realizada uma entrevista semi-estruturada com os pais, nos meses de janeiro e fevereiro de 2000, na sala de quimioterapia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo. Os resultados apontam as seguintes dificuldades: alteração no cotidiano familiar; comunicação ineficiente; alteração da auto-imagem e reação adversa à quimioterapia. Este trabalho possibilitou o acesso a informações de real interesse para assistência à criança/adolescente com câncer e sua família. A partir dos dados empíricos, elaborou-se uma cartilha de orientação para o cuidado domiciliar.

DESCRITORES: enfermagem pediátrica, oncologia, assistência ambulatorial, cuidados domiciliares de saúde

CHILDREN AND ADOLECENTS IN OUTPATIENT CLINIC CHEMOTHERAPY: NURSING IMPLICATIONS

Hospitalization was common in the care to the child with cancer. However, a great focus is being given to dehospitalization, whose viability occurred through the outpatient clinic follow up, the outpatient clinic chemotherapy, the day-hospitals and/or home care. This paper aims at analyzing the difficulties that the families face at the home environment when their children or adolescents are submitted to the outpatient clinic chemotherapy. The study was developed at the chemotherapy room of the University of São Paulo Hospital at Ribeirão Preto School of Medicine and the empirical data were collected through semi-structured interviews with the children's parents in January and February, 2000. Results showed the following difficulties: changes in family daily life, health team inefficient communication; self-image alteration and chemotherapy side effects. This work enabled access to information that is of real interest in the care to children and/or adolescents with cancer and their families. Based on empirical data, authors elaborated a booklet on home care.

DESCRIPTORS: pediatric nursing, oncology, outpatient clinic care

NIÑOS Y ADOLESCENTES EN QUIMIOTERAPIA AMBULATORIA: IMPLICACIONES PARA ENFERMERÍA

La hospitalización todavía es indicación común en el niño con cáncer, aun así, un gran énfasis viene siendo dado a la deshospitalización, conseguida a través del seguimiento ambulatorio, de la quimioterapia ambulatoria, de los hospitales día y la atención domiciliaria (home care). El objetivo de este trabajo es analizar cuales son las dificultades que las familias enfrentan en el ambiente domiciliario cuando sus niños y sus adolescentes son sometidos a la quimioterapia ambulatoria. El lugar de estudio fue la sala de quimioterapia del Hospital Clínicas de la Facultad de Medicina de Ribeirão Preto de la Universidad de São Paulo y la recolección de los datos empíricos fue realizada a partir de una entrevista semi-estructurada con la madre o el padre, en los meses de enero y febrero del 2000. Los resultados muestran las siguientes dificultades: alteración en el cotidiano familiar, comunicación ineficiente, alteración de la autoimagen y reacción adversa a la quimioterapia. Este trabajo hizo posible el acceso a informaciones de interés real para la atención al niño y al adolescente con cáncer y sus familias. A partir de los datos empíricos elaboramos una cartilla de orientación para el cuidado domiciliario.

DESCRIPTORES: enfermería pediátrica, oncología, atención ambulatoria

INTRODUÇÃO

O câncer em crianças/adolescentes, até cerca de duas décadas, era considerado uma doença aguda, com pouca possibilidade de cura, resultando, na maioria dos casos, em morte. Atualmente, tem-se apresentado como uma doença com perspectiva de cura, pois cerca de 80% das crianças/adolescentes podem ser curados, quando diagnosticados precocemente, e se tratados em centros especializados. Estimativas para o ano 2000 indicam que um em cada 100 mil jovens adultos, será um sobrevivente do câncer na infância(1).

Nos Estados Unidos, o câncer constitui a segunda causa de morte entre crianças e adolescentes com idade abaixo de 15 anos. A incidência anual estimada é de 124 casos para cada um milhão de habitantes brancos, e de 98 casos por milhão de habitantes negros, somando 7.000 casos novos. No Brasil, apresenta-se como a terceira causa de morte na população abaixo de 14 anos e, de acordo com estimativas do Instituto Nacional do Câncer (INCa), em 1999, houve cerca de 5.238 casos novos e 2.600 óbitos, entre pacientes com idade de 0 a 19 anos(2).

O câncer infantil corresponde a um grupo de várias doenças que têm em comum a proliferação descontrolada de células anormais, podendo aparecer em qualquer idade e local do organismo(1).

Pela complexidade da doença, o tratamento deve ser abrangente, exigindo atenção não só para as necessidades físicas, como também para as necessidades psicológicas e sociais, incluindo a participação da família. Implementar medidas de prevenção e proteção, diagnosticar a doença precocemente, instituir tratamento adequado com o menor risco de seqüelas, criar condições dignas para a criança ou adolescente em fase terminal, bem como oferecer meios de reabilitação física, psíquica e social são metas essenciais da assistência à saúde.

Até pouco tempo, a hospitalização era a indicação mais comum para o tratamento de crianças/adolescentes com câncer, entretanto, um grande enfoque vem sendo dado à desospitalização, viabilizada por meio do tratamento ambulatorial, hospital-dia, assistência domiciliar (home care) e redes de apoio.

Várias são as modalidades de tratamento e, dentre elas, a quimioterapia é a mais freqüente, associada ou não à radioterapia, cirurgia, imunoterapia e hormonioterapia. O protocolo de tratamento é instituído de acordo com o tipo de tumor, seu comportamento biológico, localização, extensão da doença, idade e condições gerais do paciente(3).

A quimioterapia começou a ser aplicada por volta de 1865, por Lisauer, sendo mantida, até 1964, como método empírico, quando bases mais científicas, resultados curativos mais consistentes e diminuição dos efeitos tóxicos tornaram-na uma terapêutica tão importante quanto a cirurgia e a radioterapia(4).

O tratamento constitui-se em um conjunto de drogas que atua em diversas etapas do metabolismo celular, interferindo na síntese ou na transcrição do Ácido Desoxirribonucleico (DNA), ou diretamente na produção de proteínas, agredindo as células em divisão. A célula maligna, por estar constantemente se multiplicando, torna-se um alvo fácil para essas drogas, assim como as células do sangue e mucosas(5).

Os efeitos colaterais podem surgir de acordo com a droga e a dose usada; no entanto, os mais freqüentes são: apatia, perda do apetite, perda de peso, alopécia, hematomas, sangramento nasal e bucal, mucosite, naúseas, vômitos e diarréia. Outro efeito colateral da quimioterapia é a neutropenia, que aumenta significativamente os riscos de morbidade e mortalidade por processos infecciosos(6).

Em decorrência da desospitalização, os ciclos de quimioterapia são administrados, com grande freqüência, nos serviços ambulatoriais. Dessa forma, os efeitos colaterais da quimioterapia surgem em casa, cabendo aos pais a realização de cuidados complexos para os quais nem sempre encontram-se preparados. Essa questão, portanto, constitui a proposta deste estudo: analisar as dificuldades que os pais vivenciam no ambiente domiciliar quando seus filhos são submetidos à quimioterapia ambulatorial.

METODOLOGIA

Este estudo é de natureza qualitativa, e justificamos tal escolha porque essa abordagem é a mais apropriada para responder à questão que formulamos: "Quais são as dificuldades encontradas no cuidado domiciliar, após seu filho receber quimioterapia ambulatorial?"

Os métodos qualitativos são amplamente utilizados nas pesquisas em enfermagem, especialmente na enfermagem pediátrica, pois essa metodologia possibilita que os pesquisadores desvelem e interpretem as diferentes maneiras como as crianças vivenciam e experienciam processos de saúde e doença(7).

Participantes

Participaram deste estudo pais de crianças/adolescentes submetidos à quimioterapia ambulatorial no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, nos meses de janeiro e fevereiro de 2000.

A amostra que compõe este estudo constou de dezesseis pais, e, como uma mãe não concordou em participar do estudo, foram somente quinze os selecionados. Desse total, treze eram mães, e dois, pais. As principais características dos participantes encontram-se na Tabela 1.

A escolaridade dos pais variou da 2ª série do ensino fundamental até o 2º ano do ensino médio, tendo a maioria cursado até a 4ª série.

O tipo de câncer mais freqüente entre os filhos dos participantes do estudo foi a leucemia; sete apresentavam leucemia linfocítica aguda, sendo um com recidiva em sistema nervoso central, enquanto que o diagnóstico dos demais distribuiu-se em linfoma Hodgkin e não-Hodgkin, rabdomiossarcoma, histiocitose, ganglioneuroblastoma, tumores do sistema nervoso central e neuroblastoma.

A idade das crianças variou, tendo, a mais nova, sete meses, e a mais velha, doze anos, e oito delas estavam em idade escolar. Quanto ao sexo, onze eram do sexo masculino, e quatro do feminino.

Considerações Éticas

Em novembro de 1999, recebemos a aprovação do protocolo de pesquisa pelo Comitê de Ética do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP).

Coleta de dados

Realizamos a coleta de dados empíricos a partir de uma entrevista semi-estruturada, gravada com os pais. Inicialmente, apresentamos a eles os objetivos da pesquisa e fizemos uma leitura conjunta do termo de consentimento livre e esclarecido, assegurando-lhes o respeito ao anonimato e à liberdade de recusa em participar da mesma.

A opção pela entrevista semi-estruturada ocorreu por esta nos possibilitar maior flexibilidade, profundidade(9), reiteração e reflexão(10).

A estrutura básica da entrevista foi divida em duas partes: a primeira constou da identificação dos sujeitos, e a segunda, de duas questões diretivas:

1. descreva como seu filho se comporta em sua casa, após a quimioterapia ambulatorial (hábitos alimentares, comportamento, atividades diárias, manifestações físicas decorrentes dos efeitos colaterais da quimioterapia); 2. quais são suas dificuldades frente a essas situações?

A duração média de cada entrevista foi de 30 minutos.

Análise dos dados

Para analisar os dados, fundamentamo-nos na proposta de interpretação que se compõe dos seguintes passos: ordenação dos dados, classificação dos dados e análise final(11).

A primeira etapa - ordenação dos dados - constou da transcrição das fitas e leitura do material empírico, quando procuramos organizá-lo em categorias descritivas, derivadas do conteúdo manifesto e latente dos dados. Assim, analisamos cada entrevista detalhadamente, e estas receberam códigos que refletiram a essência do conteúdo. Para complementar, utilizamos, ainda, as anotações do diário de campo* 1 Aluna de Graduação em Enfermagem, Bolsista de Iniciação Científica (CNPq nº 521081/98); 2 Orientadora, Professor Doutor, Coordenadora do Projeto "Assistência à criança e ao adolescente com doença crônica: a enfermagem na produção de conhecimentos e de cuidados (CNPq nº 521081/98), e-mail: limare@eerp.usp.br. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem .

Após essa fase, passamos à classificação dos dados, feita através de leitura exaustiva e repetitiva do conjunto do material empírico (leitura flutuante). Com isso, procuramos maior aproximação dos dados, com o objetivo de identificar as idéias centrais, temas, similaridades, dissimilaridades e eventos manifestos nos conteúdos.

Identificamos vinte e dois agrupamentos que, posteriormente, foram reagrupados em quatro temas, caracterizando as dificuldades que as famílias enfrentavam no cuidado domiciliar dispensado a seus filhos, na fase pós-quimioterapia. São eles: alteração no cotidiano familiar; comunicação ineficiente; alteração da auto-imagem e reação adversa à quimioterapia.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os pais falam...

Através das entrevistas, pudemos identificar as experiências dos pais no cuidado domiciliar como se segue:

Alteração no cotidiano familiar

Neste tema descrevemos como os irmãos saudáveis se relacionam com o irmão doente e pais; a reação dos pais e da própria criança/adolescente diante do diagnóstico; a relação da criança com a ação de brincar e as dificuldades sócioeconômicas.

Observamos que os filhos sadios apresentam, na maioria das vezes, ciúmes do filho doente. Isso pode ocorrer pelo fato de as mães superprotegerem seus filhos doentes, achando que, dessa forma, podem amenizar o sofrimento decorrente do tratamento. Elas verbalizam para os outros filhos que dão maior atenção ao filho doente porque ele sofre muito.

Tenho mais 3 filhos: 2 meninas mulher e 2 meninos homem são mais velhos que ele. Aí eles têm ciúmes porque notam que a gente tem preocupação com ele, porque ele precisa ser mais observado que os outros, né. Então, às vezes, até os outros falam: mãe por que que tudo é só pro C. Tudo que você compra é pro C. Pra nós não [E8].

Com a superproteção, o filho doente pode ter a percepção de que é uma criança diferente das outras e começar a usar a doença como pretexto para conseguir benefícios e, nessa situação, é preciso impor alguns limites(12).

Os filhos saudáveis têm dificuldades para compreender a ausência da mãe durante os períodos de hospitalização e retornos freqüentes. Geralmente, são as mães que se responsabilizam por esse acompanhamento, para que o marido possa trabalhar e manter a subsistência da casa.

A pititica sentiu muito porque, quando a A. internou, ela mamava em mim. Iche, foi difícil porque dessa vez eu fiquei um mês fora de casa. Até quando eu fui embora, ela não queria nem saber de mim mais. Ela me viu e já correu para o braço do pai dela [E12].

A presença de outros irmãos, mais novos ou mais velhos, nem sempre significa ciúmes. De acordo com a fala de um dos pais, a vinda de mais um filho ajudou na recuperação do filho doente. Para outra mãe, os irmãos mais velhos acabaram ajudando no cuidado da criança, já que a mãe não podia ficar o tempo todo ao lado deles.

Ele esperava bem a vinda do irmãozinho, né. Era tudo que ele queria. Então ele recebeu bem, ele gosta, ele brinca e o outro neném brinca com ele, já ri né. (...) Então foi muito bom, pra ele foi ótimo [E10].

Eles cuidam para ela não ir na rua (...) eles não deixam ela pôr as coisas na boca, a chupeta eles pegam e lavam [E6].

O diagnóstico do câncer é, freqüentemente, um choque brutal, devido à ameaça de morte iminente, podendo desencadear, na criança e na sua família, uma série de reações e sentimentos que precisam ser trabalhados também sob o ponto de vista psicológico(12).

Diante do relato dos pais, pudemos identificar as reações que eles ou o próprio filho apresentaram frente ao diagnóstico.

Eu acho que eu fiquei traumatizada porque assim, cada vez que a gente vem no médico, o médico fala uma coisa nova, eu sinto a mesma sensação do primeiro dia [E3].

Minha vida mudou, eu não tenho tempo pra mim, eu vivo pra ele agora. Eu estou mais nervosa e isto atrapalha o relacionamento com outros filhos. Atrapalha... [E11].

Sabemos que diante do diagnóstico, a família desorganiza-se, alterando sua rotina e dinâmica. Nesse instante, devemos lembrar que a família faz parte do tratamento, portanto, precisa ser acompanhada e assistida.

Embora duas mães dissessem não ter encontrado dificuldades durante o tratamento de seus filhos, relataram tê-las encontrado com relação ao marido. Na entrevista de número 5, a mãe, ao falar sobre o marido, apresentou uma fisionomia entristecida, com lágrimas nos olhos e mudança no tom de voz. Relatou que tinha que assumir sozinha toda a responsabilidade do tratamento.

(...) Ah com o pai tem problema, com o pai tem dificuldade, o pai não aceita. Também, em vez dele ficar em casa me ajudando, ele inventa mil coisas para sair.(...). Cada coisa que muda, ele fica mais apavorado e ele não aceita você conversar(...).Pra mim é difícil, eu sou uma só para pensar para os 4 aqui, porque eu penso para lá, né. Então ele não entende, ele não aceita conversa [E5].

Outra situação observada:

Às vezes a gente explica, ele (pai) acha que é muito fácil, que não tem risco. Eu ainda falei pra ele, vamos lá pra você conversar com o doutor. Ele acha que está ótimo, tudo não tem riscos, aí depois a gente conversa, eu explico tudo, aí ele fala eu sei, mas...[E13].

Na maioria dos casos, desde o início do tratamento, geralmente é a mãe quem assume a rotina dos retornos ambulatoriais, internações, cuidados, horários dos remédios e intercorrências. O pai, mesmo quando presente, parece ter mais dificuldade em lidar com os sentimentos mobilizados pela situação, preferindo, muitas vezes, não questionar o tratamento e ausentar-se quando a criança encontra-se em estado grave(12).

Em todas as entrevistas, observamos que os pais relacionaram a ação de brincar com o estado de saúde de seu filho, ou seja, eles sabem que seus filhos estão bem quando estão brincando. Percebem, por outro lado, que eles estão deprimidos ou revoltados quando não manifestam vontade de brincar.

(...) geralmente ele fica mais mudado, quer mais é dormir, quase não é muito de brincar depois da químio, não [E4].

As atividades dele são normais, 2 ou 3 dias que ele fica baixo, né, não quer brincar, nada, mas, depois no terceiro dia, ele volta ao normal de novo: a brincar, alegria, fica alegre de novo - essa é a diária dele, né [E10].

Na entrevista de número 3, a mãe relatou ter a impressão de que seu filho coloca para fora todo sentimento de revolta que o incomoda, no momento em que está brincando de videogame, pela forma como se comporta.

(...) joga videogame, acho que..., a impressão que eu tenho é assim; ele joga muito videogame, então na hora que está jogando, eu sinto que ele põe para fora alguma coisa que está lá dentro [E3].

Agrupamos as dificuldades sócioeconômicas porque o alto custo do tratamento exige que a família se adapte às novas circunstâncias. Os pais, em seus discursos, expuseram esta dificuldade, pois as mães, ao assumirem o cuidado do filho, na maioria das vezes, não podem mais trabalhar. E, como já foi dito, fica somente com o pai a responsabilidade de manter a renda familiar.

É ... a gente sempre teve (dificuldade socioeconômica), a gente tem mais filhos e é só o marido pra trabalhar. É, eu tenho 5 (filhos) com ele, os outros são menores. E é só o marido para trabalhar, então, esse tipo de dificuldade a gente tem [E4].

Um outro problema relacionado às dificuldades socioeconômicas, diz respeito à condução que os trazem de suas cidades para os retornos ambulatoriais. Os pais afirmam que a prefeitura oferece o transporte gratuitamente, mas é para todos os pacientes, com isso eles precisam esperar que todos sejam atendidos para voltarem para suas casas. Nesse período de tempo, as crianças já começam a apresentar as reações da quimioterapia.

Eu trago ele de perua, apesar de ter um pouco de dificuldade lá [E1].

É difícil, é cansativo, eu acho assim, que isso cansa muito a criança, não é o problema de vir aqui fazer remédios, o problema é os horários e o manejo da condução [E3].

Geralmente a gente vem de ônibus da prefeitura. O ônibus traz, só que eu acho que a dificuldade que às vezes a gente vem e tem que ficar até tarde esperando né, porque pra gente pagar direto assim, não dá. Fica bem mais difícil [E4].

As famílias tiveram seus hábitos modificados, em conseqüência da sua adesão ao tratamento.

Eu e o pai vamos investir porque a gente entra num estilo de vida diferente daquele que está acostumado levar [E3].

É uma coisa muito rigorosa, tomar muito cuidado, tem que privar a criança daquilo, muita coisa que ele fazia tem que ter atenção, porque você não está 24 horas com a criança para ver se ela lavou a mão para colocar na boca, então agora não, agora tem que ver [E3].

Como toda doença grave, o câncer leva a criança acometida por ele e sua família ao sofrimento e a expectativas diversas, o que acarreta profundas transformações em suas vidas. As fases pelas quais passam paciente e família não decorrem da evolução da patologia, simplesmente, incluem um contexto mais amplo, contemplando os aspectos sociais, emocionais, afetivos, culturais e espirituais(13).

Comunicação ineficiente

Dentro desse tema, agrupamos as falas dos pais relacionadas à comunicação ineficiente com a equipe de saúde e dificuldade de conversarem com seus filhos sobre o momento difícil pelo qual a família está passando.

Sinto dificuldade em falar com ele, eu não queria estar falando nada disso, mas tem que explicar, se não for eu explicar, tomar conta, não tem ninguém [E1].

Eu tinha dificuldade de conversar com ele sim, estava nesse ponto que ele não queria me ouvi, sabe?. Eu ia conversar com ele, ele não queria me ouvi. Tinha dia que nem me ouvia [E14].

A falta de informações acaba dificultando o cuidado da família e, quando estas são dadas de forma inadequada ou não são fornecidas, trazem conseqüências sérias para a saúde da criança.

Nos primeiros dias, eu estava fazendo normal, porque eu não sabia; ...eu sabia pela boca das mães, não tinha passado por nutricionista ainda, então nós tivemos alta e fomos para casa, daí comecei fazer suco de acerola, de laranja, tentando ajudar ele, achando que estava resolvendo [E3].

Só deram a informação para dar Bactrim e Micostatim para as feridas, o médico manda dar mais líquido [E6].

Os pais, quando têm pouca informação sobre o diagnóstico de seus filhos, apresentam-se ansiosos, com medo do futuro. Na entrevista de número 11, foi possível observarmos a ansiedade e a aflição da mãe, com relação ao diagnóstico do filho. Ela dizia estar insegura quanto ao futuro do filho, pois ele poderia morrer a qualquer momento, devido à gravidade da doença, e lamentava não ter todas as informações que precisava sobre ela. Afirmava que, com informações completas sobre a doença, ela teria condições de ajudar melhor ao seu filho e a si mesma, embora ainda estivesse abalada com o diagnóstico. Assim, quando recebem informações corretas, têm suas expectativas, ansiedades e medos minimizados, o que facilita a comunicação entre eles, os filhos e os próprios profissionais.

Alteração da auto-imagem

Agrupamos, nesse tema, aspectos relacionados à alteração da auto-imagem como o uso da máscara e a alopécia. Embora a alopécia seja uma reação adversa do tratamento, preferimos discuti-la neste momento, porque causa danos afetivos e emocionais.

No relato dos pais, identificamos que a maioria das crianças não gosta de usar a máscara e, quando o fazem, ficam receosas e envergonhadas.

Em casa ele não usa máscara. Ele não gosta de usar. Ah, ele entrou aqui sem. Ele não gosta. Ele fala que não precisa [E1].

A única coisa que ele acha estranho é a máscara que ele usa, assim. A gente sai na rua, as pessoas olham e perguntam, então ele é muito variável [E3].

As mães sabem como é importante que seus filhos usem a máscara, mas nem sempre conseguem convencê-los a usá-la.

Outro problema que também atinge a auto-imagem é a queda do cabelo. Na fala dos pais, percebemos que algumas crianças não manifestavam desconforto com essa situação, porque tinham pouca idade e pouco entendiam o que estava acontecendo.

Ela teve queda do cabelo, ela não entende, né. Totalmente. Ela mesmo pegava, puxava e mostrava que estava caindo o cabelo[E6].

Ele é muito cabecinha, leva tudo numa boa; ele não é preconceituoso com a queda do cabelo, aí meu cabelo caiu, agora eu não quero mais sair na rua. Não, não tem nada a ver [E3].

(...) mas quanto ao cabelo não, só quando alguém fala: olha o careca, olha o careca. Aí ele fica... ô mãe, ele está me chamando de careca [E4].

No nosso estudo, os pais de adolescentes não fizeram menção ao problema da queda do cabelo, no entanto, na literatura(12,14), identificamos que os danos afetivos e emocionais provocados pela alopécia são encontrados com maior freqüência nos adolescentes.

Os adolescentes percebem o preconceito nas atitudes das pessoas, e isso os incomoda, porque, de modo geral, ainda há curiosidade com relação à doença. Muitas pessoas se afastam daqueles que não se enquadram aos "padrões de normalidade", atitudes que podem acentuar os sentimentos de isolamento experimentados pelos adolescentes(14).

Reação adversa à quimioterapia

O tratamento contra o câncer não é simples, e seu sucesso depende de procedimentos dolorosos e invasivos, causadores de desconforto e sofrimento.

Algumas mães afirmaram que seus filhos apresentam fadiga, chegam a casa cansados, mas que essas reações não são muito demoradas.

(...) Ah! Com essa químio ele fica meio molinho, assim que chega em casa(...) [E1].

(...) agora quando chega em casa, ele chega, ele chega e deita meio desanimado, mas, no outro dia assim, é normal pra ele, fica não... desanimadinho, ele brinca [E8].

A fadiga talvez seja a mais comum e debilitante resposta ao tratamento, porque atrapalha a realização das atividades do dia-a-dia a que as pessoas acometidas pelo câncer estão acostumadas(15-16).

A fadiga é uma reação que pode levar a criança a se ausentar da escola. Podemos constatar tal afirmação, pelos relatos dos pais:

Às vezes ele fala que não quer ir na escola depois da químio, que está com muito sono, está cansado, depois que faz a químio. Fica assim, mais amuado, quer mais ficar deitado [E4].

Um dos pais entrevistados disse da dificuldade encontrada com relação ao transporte escolar do filho em tratamento. Como mora no sítio com sua família, precisa da condução oferecida pela prefeitura, para o filho freqüentar a escola. Devido às exigências do tratamento, foram obrigados a retirar o filho da escola:

(...) Nós moramos no sítio, aí tem perua escolar que passa pegando as crianças, por exemplo, se ele for pegar essa perua, quando 5:10 - 5:15 da tarde, eles estão saindo da escola, só vai chegar na minha casa 7:30 - 8:00 horas, então foi onde a gente teve que cortar dele ir. Aí dentro da perua ia superlotada e é muita brincadeira, pode levar um pancada, entendeu. A gente cortou para evitar [E7].

Outras mães relataram que seus filhos apresentam dificuldades na escola; faltam muito, devido aos retornos ao hospital; apresentam dificuldade para memorizar, mas continuam freqüentando as aulas, quando possível.

Bom esse ano ele não esteve bem na escola não. Eu achei que ele tem um pouco de dificuldade de aprender, ele não consegue guardar as letras na cabeça [E4].

Ele teve assim complicação só porque perdia muita aula, né. Porque sempre tinha que vir pra cá, ficava sem ir. Mas ele não teve não, que ele passou pra 2ª série [E8].

Por mais que o tratamento altere as atividades diárias da criança/adolescente, a família deve procurar manter a rotina anterior ao diagnóstico, para que o filho doente não se sinta incapaz, impotente e dependente. A rotina escolar é uma atividade importante e deve ser mantida para que eles continuem seu processo de desenvolvimento.

Segundo as mães, ao saberem que terão de retornar ao hospital, as crianças apresentam-se ansiosas. O retorno ao hospital é visto por elas como sofrimento e dor, e essa lembrança acaba alterando seu estado emocional nos dias próximos ao retorno.

Ele sabe do problema e, quando tem que vir para cá, ele quase não dorme de noite. Eu não sei se ele fica preocupado ou com medo [E1].

A depressão é outro tipo de reação que acomete as crianças:

Bom, a primeira coisa que acontece, que eu vejo de diferente, ele fica deprimido. É a primeira QT, a primeira igual hoje que ele vai fazer, então a primeira reação é a depressão, fica entristecido, muito quieto (...) [E3].

(...) 2 ou 3 dias que ele fica baixo, né, não quer brincar, nada, mas, depois, no terceiro dia, ele volta ao normal de novo (...) [E10].

Também o humor e o comportamento são alterados pela restrição da liberdade. As crianças/adolescentes são privados de andar de bicicleta, de brincar na terra com outras crianças, de freqüentar lugares públicos e pouco ventilados, de ir a festas ou a qualquer outro lugar ou desenvolver atividade que lhes represente risco. Com isso, surgem momentos de revolta e agressividade.

(...) depois da descoberta, ele mudou, ficou mais nervoso agora. De primeiro, ele era mais calmo, agora tem dia que ele tá ... Chora, chora o dia inteiro, não sei o que ele tem, acho que é nervoso, né. Por ele ser criança, não pode, não sabe desabafar [E1].

O vômito é um mal-estar que está presente no pós-quimioterapia, mesmo com medicação para evitá-lo.

(...) não, o que ele tem é o vômito, né. Vômito ele tem bastante [E7].

(...) não come, né, vomita muito, tudo que come ou bebe dá ânsia de vômito nela. Mesmo ela tomando remédio, dá vômito (...) [E6].

Náuseas e vômitos podem ocorrer horas depois da quimioterapia, mesmo com o uso da medicação anti-emética, pois as células do trato gastrointestinal são afetadas. A severidade do vômito pode variar conforme a medicação e a dose da quimioterapia e ele poderá fazer com que a criança/adolescente se torne anorético, perca peso e se desidrate.

A mucosite é outra manifestação relacionada ao trato gastrointestinal. Assim como o vômito, ela interfere na alimentação devido às dores que provoca e, a esse respeito, as mães assim se manifestaram:

(...) sempre quando ela está tomando as medicações estora a boca, então é mais difícil para ela comer com a boca machucada, até a gente [E5].

Teve muita ferida e atrapalhava pra comer. Ela ficou quase dois meses com a boca cheia de ferida, na língua, na boca inteirinha, por fora, no queixo saiu umas bitelonas [E12].

A mucosite pode durar semanas. A orientação do profissional de saúde para o cuidado no domicílio é essencial para evitar complicações e ajudar na recuperação. A fala de um pai mostra a importância da orientação.

Deu a primeira vez quando ele fez a primeira vez, mas foi falta de orientação, ele teve ferida na boca porque o médico não passou para ele o Bactrim e o Micostantin, então ele fez a rádio sem tomar o medicamento para a prevenção, ele teve (...) [E10].

A alteração do padrão alimentar deve-se ao uso da medicação, à presença do vômito e às lesões. A dificuldade dos filhos para se alimentarem deixa as mães preocupadas, sem saberem o que fazer para que eles se alimentem.

(...) aí dá muita ferida na boca dele. Aí ele não come nada, ele não é de beber muito leite, aí, aí, a gente fica numa situação meio difícil, né. Eu fico preocupada que ele não come nada [E1].

Quando ele faz a quimio perde o apetite, passa uns dois dias, diminui a alimentação [E4].

Com o uso do Decadron, as crianças têm o apetite aumentado, e as mães não conseguem controlar a alimentação dos filhos que ganham peso exagerado.

(...) agora, quando ele está tomando esse Decadron, pelo amor de Deus, o que passa pela frente ele come. É difícil controlar esse impulso [E5].

Ele tá comendo mais porque tá tomando o Decadron, né, aí tá comendo bem mais [E15].

A incidência de desnutrição protéico-calórica em pacientes com câncer, principalmente em estados mais avançados, pode comprometer a resposta terapêutica e a sua qualidade de vida(17). Além disso, a sensação de bem-estar proporcionada por um bom estado nutricional contribui para maximizar as funções físicas, sociais e psicológicas(18).

As alterações que o tratamento causa no paladar e no apetite devem ser consideradas, assim como o respeito às preferências, ou seja, a possibilidade de o paciente organizar sua própria alimentação com o que mais lhe agrade, pode ser uma alternativa facilitadora.

A imunossupressão é outro dos efeitos colaterais que provoca grandes danos aos pacientes com câncer. A destruição das células sangüíneas pode ocasionar hemorragias e uma maior susceptibilidade a processos infecciosos:

A reação da primeira químio foi muito difícil, deu muito vômito, teve febre direto por causa do sangue baixo e assim agora não [E3].

(...) e no começo abaixava muito o sangue dela, a plaqueta abaixava. Ela arroxeava todinha [E12].

Outros tipos de reações, menos freqüentes, também foram relatadas pelos pais:

A única coisa que ele reclamava no começo, acho que é porque não estava acostumado com os remédios, tudo era dor na barriga, mas agora também, de umas 2 ou 3 quimioterapias pra cá, ele não reclama mais [E2].

IMPLICAÇÕES PARA A ENFERMAGEM

A vida da família e da criança/adolescente passa por várias transformações em decorrência do diagnóstico de câncer. Em vista disso, eles são levados a se adaptar a uma nova rotina, na qual as exigências e demandas do tratamento passam a fazer parte do cotidiano familiar. Sentimentos de culpa, medo da morte, otimismo, depressão, esperança e desesperança acompanham toda a família, tendo um ou outro maior destaque, conforme o sucesso ou insucesso do tratamento.

Atualmente, o tratamento do paciente com câncer vem sendo realizado através do seguimento ambulatorial e, conseqüentemente, parte dessa assistência passa a ser feita também pelos pais no domicílio. Nessa situação, os problemas e necessidades do indivíduo ou da família como um todo apresentam-se mais difíceis e complexos no domicílio, pelo envolvimento de muitas pessoas, pela limitação de recursos, pelo envolvimento emocional que sempre acarretam e pelas condições ambientais(19).

Assim, este estudo tornou possível apreendermos algumas dificuldades vivenciadas pelos pais no cuidado de seus filhos, no domicílio, após a realização da quimioterapia ambulatorial, citadas a seguir: ciúmes entre os irmãos saudáveis e a criança/adolescente com câncer; alto custo do tratamento; longas jornadas entre o trajeto do domicílio e o ambulatório; a superproteção do filho doente; a comunicação ineficiente entre os pais e a equipe de saúde; alteração da auto-imagem do filho doente; a interrupção do processo de escolarização do filho doente e as manifestações físicas decorrentes da administração de quimioterápicos antineoplásicos (fadiga, depressão, náuseas, vômitos, mucosite, anorexia e perda de peso).

Cabe considerar que, dentre as atribuições do enfermeiro, encontra-se a de "educação visando à melhoria de saúde da população"(20) e, na assistência à criança/adolescente com câncer, no pós-quimioterapia ambulatorial, essa atribuição é nuclear, já que a informação/orientação é fundamental para que os pais se adaptem às alterações que ocorrem no seu cotidiano.

Em concordância com essa determinação legal prevista na lei do exercício profissional(20), como desdobramento do presente trabalho, elaborou-se, embasados na vivência dos pais, uma cartilha de orientação intitulada: "Quimioterapia: orientações para a família".

Recebido em: 3.4.2001

Aprovado em: 25.2.2002

* Registro das impressões obtidas em cada entrevista, com especial atenção à comunicação não verbal (pausas, reflexões, hesitações). Anotamos, também, as situações que poderiam auxiliar no momento da análise

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  • 1
    Aluna de Graduação em Enfermagem, Bolsista de Iniciação Científica (CNPq nº 521081/98);
    2
    Orientadora, Professor Doutor, Coordenadora do Projeto "Assistência à criança e ao adolescente com doença crônica: a enfermagem na produção de conhecimentos e de cuidados (CNPq nº 521081/98), e-mail:
    limare@eerp.usp.br. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jan 2003
    • Data do Fascículo
      Jun 2002

    Histórico

    • Recebido
      03 Abr 2001
    • Aceito
      25 Fev 2002
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