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Religião e Mídia: notas sobre pesquisas e direções futuras para um estudo interdisciplinar

Religion and Media: notes on research and future directions for interdisciplinary study

Resumos

Este artigo apresenta uma visão geral da temática de “religião e mídia”, um campo interdisciplinar de investigação e de pesquisa que reúne estudiosos em antropologia, comunicação, história da arte e ciências da religião, entre outros. O artigo fornece um relato do estado atual do campo e também delineia alguns dos principais temas, questões e debates que determinaram a pesquisa nesta área. O artigo conclui colocando algumas questões e propostas para novas direções de pesquisa em religião e mídia.

religião; mídia; cultura material; cultura pública


This article presents an overview of “religion and media”, an interdisciplinary field of research inquiry that brings together scholarship in anthropology, communication studies, art history, and religious studies, among others. The article provides an account of the current state of the field and it also outlines some of the key topics, questions, and debates that have defined research in this area. The article concludes by proposing some questions and proposals for new research directions in religion and media.

religion; media; material culture; public culture


Neste artigo, tentarei descrever “religião e mídia” como um campo de pesquisa em expansão, e também farei algumas propostas metodológicas sobre o que considero serem os caminhos mais promissores para futuras pesquisas nesta área. Dada esta ambição, deverei abordar este campo a partir de um nível de ampla generalização, baseando-me em muitos exemplos sem, no entanto, dar a nenhum deles a atenção detalhada que merecem. Ainda assim, espero conseguir captar as sensibilidades intelectuais que animam a pesquisa atual sobre religião e mídia, e que meu relato sirva de base para o diálogo entre os cientistas sociais engajados no estudo da religião, tanto no Brasil como internacionalmente.

Os estudos sobre “religião e mídia” caracterizam-se sobretudo como um empreendimento interdisciplinar. Nos últimos 15 anos, as pesquisas em religião e mídia têm reunido estudiosos de diversas disciplinas – incluindo, mas não limitando-se a algumas delas, tais como a antropologia, a história da arte, as ciências da religião e a comunicação – visando comparar e discutir como o lugar ocupado pela “religião” vem passando por uma dramática reorganização em todo o mundo atualmente: uma reestruturação, que também demanda um novo pensamento sobre a própria categoria de religião1 1 Para considerações gerais de religião e mídia como um campo de estudo, ver, entre outros: de Vries & Weber (2001); Engelke (2010); Hirschkind (2011); Hoover & Clark (2002); Lundby (2013); Meyer & Mouros (2006); Meyer & Houtman (2012); Morgan (2008); Stolow (2005). . Durante muito tempo, o estudo social da religião foi conduzido sob a égide conceitual da teoria da secularização. Motivados por avaliações concorrentes a respeito do impacto da industrialização, do colonialismo, do nascimento do nacionalismo, ou a propagação da ciência moderna, da medicina e da tecnologia, os estudantes de religião se aproximavam de seu objeto de uma maneira que se assemelhava ao trabalho de um médico de cuidados paliativos: a tarefa era cuidar do paciente terminal em seus últimos dias. De fato, há aproximadamente 30 anos atrás era muito comum – na academia europeia e norte-americana, ao menos – caracterizar religiões modernas por suas crises de fé, falhas no cumprimento, ou pela sua decrescente influência política e cultural; e, onde as evidências pareciam sugerir o contrário, isso foi muitas vezes tomado como um sinal da chegada tardia da modernidade e sua promessa de secularização, algo que estaria destinado a ser corrigido no momento oportuno.

Mas hoje toda a paisagem é espantosamente diferente. A modernidade não tem, de modo algum, testemunhado um definhamento do campo religioso, nem mesmo no caso das chamadas “sociedades seculares”. Ao contrário, ele tem passado por uma ressurgência pública dramática (como se referiu, dentre outros, Habermas 2006HABERMAS, Jürgen. (2006), “Religion in the Public Sphere”. European Journal of Philosophy, 14(1):1-25.). Em todo o mundo, estudiosos, jornalistas e outros comentadores têm percebido – às vezes com muita surpresa – as diversas formas pelas quais a vida religiosa vem sendo transformada. Alguns importantes insights sobre essas mudanças vieram a partir do estudo de novos movimentos religiosos que não se conformam com o enquadramento da instituição religiosa, da doutrina e da comunidade que dominou por muito tempo o estudo das religiões mundiais principais, como o cristianismo, o islamismo, o judaísmo, o budismo, e assim por diante. Em um ritmo crescente, estudos de novos movimentos religiosos vem, assim, documentando o que vem a ser inegavelmente uma profusão global de novas técnicas de aquisição de conhecimento, expressão ritual e auto-cultivo que são cada vez mais realizados em cenas sociais que se encontram fora dos locais institucionais “habituais” da prática religiosa, e além do alcance das autoridades religiosas “tradicionais”, tal como nos domínios da medicina alternativa, da ciência popular, do ativismo ecológico, do entretenimento e da cultura de consumo (Heelas & Woodhead 2005HEELAS, Paul & WOODHEAD, Linda. (2005), The Spiritual Revolution: Why Religion is Giving Way to Spirituality. Oxford: Blackwell.; Roof 1999ROOF, Wade Clark. (1999), Spiritual Marketplace: Baby Boomers and the Remaking of American Religion. Princeton: Princeton University Press.; Taylor 2009TAYLOR, Bron. (2009), Dark Green Religion: Nature Spirituality and the Planetary Future. Berkeley: University of California Press.).

Um estímulo igualmente importante responsável por uma nova atenção analítica à religião no mundo hoje tem sido a proliferação de conflitos sociais e políticos religiosamente codificados, muitas vezes referidos de modo sumário como a ascensão dos chamados fundamentalismos religiosos, os quais têm se feito sentir tanto ao nível micro quanto macro, desde as lutas para impor ou proibir o uso de determinadas roupas na vida cotidiana, até a realização de “guerras santas” entre atores concorrentes estatais e não-estatais (Marty & Appleby 1991MARTY, Martin E. & APPLEBY, R. Scott, eds. (1991-1995), The Fundamentalism Project (5 Volumes). Chicago: University of Chicago Press.:5).

Quando articuladas, essas diversas novas histórias sobre o que está acontecendo no mundo em nome da religião chamam a atenção para a necessidade urgente de um engajamento reflexivo a respeito de nossas pressuposições em torno da ideia de religião, e de como pensamos a sua relevância na atualidade global. Este é o contexto no qual os estudos de religião e mídia receberam o seu impulso inicial: a partir de uma observação aguçada de que as mudanças em curso no campo religioso podem e devem ser entendidas em relação às igualmente dramáticas transformações que ocorrem alhures na vida social, política e econômica moderna, sobretudo no que diz respeito às revoluções que redefiniram nossa compreensão de “mídia” em uma escala global. De fato, ao longo do século passado e, especialmente, ao longo dos últimos 30 anos, novas instituições, práticas e tecnologias de comunicação alteraram radicalmente nosso mundo, através da disseminação e penetração de novos meios de contato, coordenação e intercâmbio entre atores sociais tanto próximos quanto distantes, gerando toda sorte de novas possibilidades para viagens, transmissão ampla e seletiva, vigilância, visualização e arquivamento do conhecimento. É amplamente conhecido que uma sucessão de revoluções de mídia – desde o advento da câmera, do telégrafo, do telefone ou do fonógrafo, no século XIX, ao surgimento de satélites, redes de computadores e dispositivos móveis de nossa época – teve profundas e dramáticas consequências em todas as áreas concebíveis da vida social. Como, então, poderia não ser necessário assumir que estas mesmas revoluções da mídia também tiveram um impacto radical sobre os termos de identidade religiosa, de pensamento e prática, e que eles vêm fazendo isso em escala mundial?

Os estudos de religião e mídia começaram, assim, como uma conversa sobre o deslocamento do “lugar” da religião na vida contemporânea. Este deslocamento é registrado não só no nível das práticas, entre as instituições e comunidades de fé realmente existentes, como também no nível das construções culturais mais amplas, infundidas por imagens religiosas e figuras do discurso, incluindo noções de pertencimento transnacional e cidadania multicultural, tolerância e intolerância, hospitalidade e guerra, ou fé e confiança, para não falar das experiências “religiosas” associadas à finitude do corpo humano, além dos poderes misteriosos, mágicos, e até mesmo sagrados atribuídos às tecnologias avançadas e projetos científicos que vão reformulando nossos mundos viventes, da energia nuclear aos alimentos geneticamente modificados, pesquisa com células-tronco, doação de órgãos, ou arquivos digitais. Então, a primeira coisa que podemos dizer sobre a ascensão de religião e mídia como uma área de pesquisa é o seu pressuposto fundamental de que não pode haver nenhuma maneira de compreender totalmente o reposicionamento atual da religião no mundo moderno sem levar em conta os modos pelos quais as questões religiosas estão sendo reorganizadas e redefinidas pelas práticas, processos e sistemas de mídia moderna.

A pesquisa sobre “religião e mídia” tenta, assim, abordar os diversos modos – às vezes contra-intuitivos, e às vezes até mesmo paradoxais – através dos quais a religião está implicada na comunicação mediada, e procura ainda abordar os modos pelos quais esses insights podem nos levar a repensar a própria categoria de religião. Este empreendimento tem incluído estudos sobre a aparência das imagens religiosas, ideias ou atores religiosos identificáveis na história dos textos impressos (Brown 2004BROWN, Candy Gunther. (2004), The Word in the World: Evangelical Writing, Publishing, and Reading in America, 1789-1880. Chapel Hill, NC: The University of North Carolina Press.; Engelke 2007ENGELKE, Matthew. (2007), A Problem of Presence: Beyond Scripture in an African Church. Berkeley: University of California Press.; Hofmeyr 2004HOFMEYR, Isabel. (2004), The Portable Bunyan: A Transnational History of “The Pilgrim’s Progres”. Princeton: Princeton University Press.; Stolow 2010_____________. (2010), Orthodox By Design: Judaism, Print Politics, and the ArtScroll Revolution. Berkeley: University of California Press., 2012_____________. (2012), “Le synthétique sacré: Réflexions sur les aspects matériels des textes juifs orthodoxes,” Terrain, 59: 120-137.), obras de arte (Elias 2012ELIAS, Jamal J. (2012), Aisha’s Cushion: Religious Art, Perception, and Practice in Islam. Cambridge: Harvard University Press.; Jain 2007JAIN, Kajri. (2007), Gods in the Bazaar: The Economies of Indian Calendar Art. Durham, NC: Duke University Press.; Morgan 1999_____________. (1999), Protestants and Pictures: Religion, Visual Culture, and the Age of American Mass Production. Oxford: Oxford University Press.), cinema (Dwyer 2006DWYER, Rachel. (2006), Filming the Gods: Religion and Indian Cinema. London, New York: Routledge.; Plate 2003_____________. (2003), Representing Religion in World Cinema. New York: Palgrave Macmillan.), e outros domínios da cultura popular (Chidester 1996CHIDESTER, David. (1996), “The Church of Baseball, the Fetish of Coca-Cola, and the Potlatch of Rock’n’roll: Theoretical Models for the Study of Religion in American Popular Culture”. Journal of the American Academy of Religion, 64(4):743-765.; Iwamura 2011IWAMURA, Jane. (2011), Virtual Orientalism: Asian Religions and American Popular Culture. Oxford: Oxford University Press.; Kripal 2011KRIPAL, Jeffrey. (2011), Mutants and Mystics: Science Fiction, Superhero Comics, and the Paranormal. Chicago: University of Chicago Press.; McDannell 1995MCDANNEL, Colleen. (1995), Material Christianity: Religion and Popular Culture in America. New Haven: Yale University Press.; van de Port 2005VAN DE PORT, Mattijs. (2005), “Priests and Stars: Candomblé, Celebrity Discourses, and the Authentication of Religious Authority in Bahia’s Public Sphere”. Postscripts: The Journal of Sacred Texts and Contemporary Worlds, 1(2-3):301-324.). Não é de se estranhar que uma área de intenso interesse atual de pesquisa seja dedicada ao surgimento e propagação das chamadas religiões digitais, na qual os estudiosos têm se ocupado traçando as diversas maneiras pelas quais as metas religiosas são moldadas pelos protocolos que regem a internet, os dispositivos móveis de comunicação, ferramentas de rede social, e outras plataformas de comunicação mediada por computador (Campbell 2012CAMPBELL, Heidi. (2012), “Understanding the Relationship between Religion Online and Offline in a Networked Society”. Journal of the American Academy of Religion, 80(1):64-93.; Helland 2005HELLAND, Christopher. (2005), “Online Religion as Lived Religion: Methodological Issues in The Study of Religious Participation on the Internet”. Heidelberg Journal of Religions on the Internet, 1(1):1-16.; Wagner 2012WAGNER, Rachel. (2012), Godwired: Religion, Ritual, and Virtual Reality. London, New York: Routledge.). Grande parte dessa pesquisa tem se dedicado muito simplesmente a documentar o vasto mundo da produção cultural no qual atores religiosos, comunidades e instituições têm sido implicados: uma arena que há dez ou quinze anos atrás era praticamente invisível aos estudantes da religião. As evidências acumuladas revelam agora uma variedade alucinante de gêneros, formas estéticas, tecnologias e repertórios performativos – de gibis (Scott 2008SCOTT, J. Barton. (2008), “Comic Book Karma: Visual Mythologies of the Hindu Modern”, Postscripts: The Journal of Sacred Texts and Contemporary Worlds, 4(2):177-197.) a fitas cassetes (Hirschkind 2006_____________. (2006), The Ethical Soundscape: Cassette Sermons and Islamic Counterpublics. New York: Columbia University Press.), à moda (Tarlo 2010TARLO, Emma. (2010), “Hijab Online: The Fashioning of Cyber-Islamic Commerce”. Interventions, 12(2):209-225.; Ünal & Moors 2012ÜNAL, R. Arzu & MOORS, Annelies. (2012), “Formats, Fabrics, and Fashions: Muslim Headscarves Revisited”. Material Religion: The Journal of Art, Objects, and Belief, 8(3):308-329.), à comida (King 2012KING, Anna S. (2012), “Krishna’s Prasadam: Eating Our Way Back to Godhead”. Material Religion: The Journal of Art, Objects, and Belief, 8(4):440-465.; Stolow 2006_____________. (2006), “Aesthetics/Ascetics: Visual Piety and Pleasure in a Strictly Kosher Cookbook”. Postscripts: The Journal of Sacred Texts and Contemporary Worlds, 2(1):5-28.), à transmissão de televisão (Mankekar 2002MANKEKAR, Purnima. (2002), “Epic Contests: Television and Religious Identity in India”. F. Gins-burg; L. Abu-Lughod & B. Larkin, eds. Media Worlds: Anthropology on New Terrain. Berkeley: University of California Press.; Rajagopal 2001RAJAGOPAL, Arvind. (2001), Politics After Television: Hindu Nationalism and the Reshaping of the Public in India. Cambridge: Cambridge University Press.; Shandler 2009SHANDLER, Jeffrey. (2009), Jews, God, and Videotape: Religion and Media in America. New York: New York University Press.; van de Port 2006VAN DE PORT, Mattijs. (2006), “Visualizing the Sacred: Video Technology, ‘Televisual’ Style, and the Religious Imagination in Bahian Candomblé”. American Ethnologist, 33(3):444-461.) –, demonstrando como a mídia moderna tem facilitado a extensão do campo religioso para além do que Danièle Hervieux-Léger (1993)HERVIEUX-LÉGER, Danièle. (1993), La Religion pour Mémoire. Paris: Éditions du Cerf. chamou de “a civilização da paróquia”, isto é, para além dos limites geográficos de participação institucional e interação face-a-face rotineiras, e das fronteiras localizadas do tempo ritualístico. Graças ao poder da mídia moderna, parece que a “religião” se espalha continuamente para além desses limites e obrigações “tradicionais”, onde é realocada dentro da fluida cascata de imagens e narrativas que estruturam o espaço público em nosso mundo cada vez mais globalizado.

Considere-se, por exemplo, a orquestração de espetáculos de massa por superstars cristãos, como no exemplo bem conhecido de estudantes de religião no Brasil: Padre Marcelo Rossi, cujos discursos públicos regularmente alcançam centenas de milhares (ver de Abreu 2005ABREU, Maria José. (2005), “Breathing into the Heart of the Matter: Why Padre Marcelo Needs No Wings”. Postscripts: The Journal of Sacred Texts and Contemporary Worlds, 1(2):325-49.). Ou considere a posição do Papa, que congrega públicos ainda maiores – como ocorrido no ano de 2013 no Rio de Janeiro durante a Jornada Mundial da Juventude Católica – para produzir manifestações de massa que podem ser melhor compreendidas como “eventos de mídia”, dirigidos não só às vastas multidões de pessoas que se reúnem no local, como também às audiências globais que testemunham esses espetáculos através de notícias de televisão convencional ou transmissão ao vivo pela internet, sem falar dos inúmeros casos em que as próprias pessoas da plateia produzem individualmente suas próprias mídias, tais como fotografias e vídeos, que são arquivados para posterior circulação entre família e amigos. A produção de tais espetáculos e a arte de “falar diante das massas” não são fatos novos, evidentemente. Mas é inegável que essas performances tenham se tornado objeto de um imperativo cada vez mais intenso de documentação audiovisual, e da subsequente inserção dessas mediações em fluxos globalmente extensos, algo em relação a que todo líder religioso hoje é extremamente consciente no momento em que se levanta para falar.

A posição do Papa como uma personalidade da mídia global oferece um exemplo claro dessa nova intimidade entre religião e mídia. Igualmente instrutiva é a disseminação global de novas formas de ofertas de consumo cultural para públicos ostensivamente religiosos: um mercado em expansão projetado para oferecer produtos culturais que podem servir como “substitutos” ou “alternativos” para o mercado convencional de filmes, programas de TV, música e afins, mas que não vai ofender as sensibilidades estéticas de conservadores religiosos, ou que promovam afirmações teológicas explícitas através de novos modos de testemunho religioso que podem apelar para públicos religiosos, bem como não-religiosos em igual medida (Harding 2000; Hendershot 2010; McDannell 1995; Starrett 2003HARDING, Susan. (2000), The Book of Jerry Falwell: Fundamentalist Language and Politics. Princeton: Princeton University Press.). Como documentado pela antropóloga Birgit Meyer, este mercado em expansão não é exclusivamente americano; ele também tem sido uma força motriz em Gana e em toda a África Ocidental, onde houve uma explosão virtual de novas formas de cinema popular que levam mensagens pentecostais sobre o poder de Jesus, o Redentor, e sobre o poder dos dons do espírito, recontando-lhes através dos gêneros cinematográficos de melodrama, crime, ficção científica e horror (Meyer 2008MEYER, Birgit. (2008), “Powerful Pictures: Popular Christian Aesthetics in Southern Ghana”. Journal of the American Academy of Religion, 76(1):82-110., 2010_____________. (2010), “‘There Is a Spirit in that Image’: Mass-Produced Jesus Pictures and Protestant-Pentecostal Animation in Ghana”. Comparative Studies in Society and History, 52(1):100-130.). Tal indefinição das fronteiras entre o evangelismo, entretenimento popular e empresa comercial é de fato indicativa de toda uma série de distinções que hoje em dia parecem estar entrando em colapso. Considere-se, por exemplo, como práticas historicamente consagradas da iconografia religiosa ou design gráfico foram apropriadas e retrabalhadas por artistas visuais contemporâneos (Elkins 2005ELKINS, James. (2005), On the Strange Place of Religion in Contemporary Art. London: Routledge.; Plate 2002PLATE, S. Brent. (2002), Religion, Art, and Visual Culture: A Cross-Cultural Reader. New York: Palgrave Macmillan. 2006_____________. (2006), Blasphemy: Art that Offends. London: Black Dog Publishing.); ou as maneiras pelas quais rituais e ritos religiosos aparentemente tradicionais sofreram mudanças significativas, graças à sua representação mediada, incluindo a expectativa de que cada ritual realizado seja um evento potencial para ser gravado em vídeo, seja para transmissão televisiva como “reportagem” seja como elementos pertencentes ao patrimônio visual de arquivos pessoais ou familiares2 2 Ver, por exemplo, Shandler (2009). Para um excelente panorama dos “rituais de mídia” e sua relação com o ritual religioso, ver Couldry (2003). .

Esses exemplos poderiam ser facilmente multiplicados ou discutidos mais detalhadamente, mas espero que já esteja suficientemente claro que a “mídia” se tornou central em termos de interação entre e dentre os regimes encarnados e os mundos imaginários que constituem a religião no presente global. Claro, isso não é sugerir que o campo atual de religião e mídia seja totalmente descontínuo com o passado. Pelo contrário, poderíamos dizer que a religião e a mídia sempre estiveram implicadas uma na outra. Ao longo da história, de muitas formas, a comunicação com e sobre “o sagrado” foi empreendida através de diversas culturas materiais e formas de mídia, começando com a própria linguagem, um dos meios primordiais para a comunicação religiosa (Keane 1997KEANE, Webb. (1997), “Religious Language”. Annual Review of Anthropology, 26: 47-71.), incluindo a escrita, ícones e imagens, arquitetura, música, vestuário, relíquias e outros objetos de veneração. Na verdade, pode-se até mesmo dizer que é somente através desses meios de comunicação que se torna possível para alguém proclamar sua fé, marcar sua filiação, receber dons espirituais, ou participar em qualquer um dos inúmeros idiomas locais que tornam o sagrado presente para a mente e o corpo. De acordo com uma versão de suas etimologias, as palavras religião e comunicação se referem ao trabalho de conectar, e é nesse sentido, talvez, que se pode dizer que a religião constitui o arquivo imaginário e figurativo para todas as técnicas e tecnologias que tornam o mundo disponível à vontade humana (sobre este assunto, consulte Derrida 1998DERRIDA, Jacques. (1998), “Faith and Knowledge: The Two Sources of ‘Religion’ at the Limits of Reason Alone”. J. Derrida e G. Vattimo eds. Religion. Stanford: Stanford University Press.; Stolow 2013_____________.. (2013), Deus in Machina: Religion, Technology, and the Things in Between. New York: Fordham University Press.).

Essa perspectiva tem importantes consequências teóricas, bem como metodológicas, para o estudo da religião. Ela desafia, em particular, o duradouro quadro no qual as religiões eram definidas, antes de tudo, como sistemas de ideias aos quais crentes aquiesciam. Desde suas origens como uma disciplina acadêmica no século XIX, as ciências da religião definiram-se como um ramo das ciências humanas dedicado ao estudo do aparentemente transcendente e imaterial mundo dos símbolos, crenças, motivações e experiências de preocupações “últimas”, como o sentido do sofrimento e da morte, do mistério ou destino. Essa abordagem tem sido dominada pela centralidade de textos sagrados, ou pelos “sistemas de crenças” que se interpõem aos textos, no caso das religiões que não têm tradições escritas. A maioria dos estudiosos da religião, portanto, tem se preocupado, sobretudo, com os conteúdos discursivos de textos religiosos e sistemas de crenças, uma abordagem que pode ser associada às contribuições, no século XIX, da hermenêutica romântica e da filologia comparada, e que continuou se desenvolvendo especialmente na segunda metade do século XX com a adoção da chamada “virada literária” nas ciências humanas, que viu a rápida absorção de novos métodos de interpretação, da análise estruturalista à psicanalítica, feminista, desconstrutivista e estratégias de leitura pós-coloniais.

Ancorados neste amplo espectro intelectual, estudiosos de texto, ao lado de um número razoável de historiadores, antropólogos e sociólogos da religião têm produzido uma grande quantidade de conhecimento sobre textos sagrados e sobre as dimensões simbólicas de “significados sagrados” conforme são trabalhados na prática – tal como na performance ritual ou na oferta de serviços religiosos. Estas abordagens analíticas permitiram aos estudiosos explorar, entre outras coisas, a retórica, a narrativa e as estruturas poéticas de discursos religiosos, bem como a dependência das comunicações religiosas em distintos gêneros literários e performativos, idioletos e modos de discurso. No entanto, é frequentemente incerta a questão de como passar de uma interpretação dos conteúdos discursivos ou figurativos de um determinado símbolo religioso, texto sagrado, ou oração, a um relato de como esse conteúdo produz efeitos no “mundo real” das solidariedades sociais e das relações de poder, ou dentro da dinâmica de escassez material e social, competição, e vantagem que presumivelmente se encontra em algum lugar além do nível superficial da representação. Mesmo que não endossemos a solução durkheimiana de que a experiência religiosa é simplesmente a experiência da própria associação de grupo, os deuses transcendentes não sendo senão a face da sociedade vista em seu próprio espelho, resta o problema de imaginar como qualquer ideia, valor, crença ou símbolo poderia jamais se materializar, ou como alguém poderia sentir os seus efeitos.

Entretanto, um número crescente de estudiosos de “religião e mídia” vem se perguntando: o quão útil é assumir que experiências e crenças interiores, subjetivas, oferecem o melhor ponto de partida para analisar coisas como a reprodução das comunidades religiosas, a circulação pública de símbolos religiosos ou as técnicas disciplinares que praticantes religiosos usam para distribuir serviços ou alcançar a graça? Tais dimensões concretas e práticas incorporadas são precisamente o que queremos dizer com as palavras “mídia” e “mediação”, apontando para as possibilidades materiais, os conhecimentos técnicos, as regras de troca e as ordenações logísticas de espaço e tempo que tornam a comunicação possível, e inclusive dando forma às maneiras pelas quais a religião é realizada e percebida no mundo. Deste ponto de vista, a conjunção “religião e mídia” também pode ser entendida como uma provocação teórica: a proposta de que as palavras religião e mídia sejam consideradas como inextricavelmente interligadas, ou mesmo termos de referência sobrepostos.

Deixe-me tentar elaborar essa afirmação, convidando o leitor a juntar-se a mim no seguinte experimento de pensamento: imagine qualquer tipo de experiência, prática ou conhecimento que você deseje chamar de “religioso”, e veja o que resta “sem mediação”? Nem instrumentos, ferramentas ou dispositivos; nem arquitetura ou vestuário; nem pintura, instrumentos musicais, incenso, ou documentos escritos; nem mesmo as práticas disciplinadas de controle corporal – tais como métodos aprendidos e executados de respiração, de sentar ou de gesticular com as mãos – pois estes também são corpóreos e, consequentemente, são práticas que podem ser consideradas como “mídia”. Mesmo pensamentos e imagens parecem desfocar e desaparecer da memória com a retirada das tecnologias de representação da linguagem e da iconografia. Talvez a conclusão inevitável a ser tirada deste pequeno exercício seja que a “religião”, seja lá como escolhamos defini-la, é inerente e necessariamente entrelaçada aos objetos, técnicas e instrumentos do mundo material no seio do qual os atores e as ações religiosas são incorporados, com base no qual ideias, experiências, práticas e modos de associação religiosos se tornam possíveis.

Do ponto de vista inverso, não apenas é evidente que o campo religioso seja estruturado por técnicas e tecnologias que chamamos de “mídia”, como também, ao mesmo tempo, que cada meio tecnológico – quer se trate de um texto escrito, um programa de rádio, ou um programa de computador – gere experiências que se assemelham às dimensões “religiosas” de comunhão extática, mistério, destino apocalíptico, ou visão transcendente (Stolow 2013_____________.. (2013), Deus in Machina: Religion, Technology, and the Things in Between. New York: Fordham University Press.). De fato, pode-se argumentar que religião e mídia pertencem uma à outra porque o próprio ato da comunicação mediada implica questões fundamentais sobre os limites da experiência humana – os nossos corpos frágeis, nossas memórias falhas, a dificuldade de manter contato com outros distantes – e o sonho da comunhão desencarnada e transcendente que tem sido desde há muito situado na província da imaginação religiosa.

Este entrelaçamento entre religião e mídia tem implicações metodológicas significativas. Em primeiro lugar, ele pede que os estudiosos abandonem a busca de uma experiência interior ou do sentimento de presença divina, do numinoso ou do sagrado, que de certa maneira supõe-se existir separadamente de suas condições materiais de mediação. Em vez disso, os estudiosos de religião e mídia propõem que dediquemos nossa atenção para as múltiplas formas pelas quais as experiências religiosas se materializam, se tornam tangíveis e palpáveis, são transmitidas publicamente, gravadas e reproduzidas – em suma, mediadas – através de intermediários não-humanos e elementos de mediação com os quais atores religiosos interagem. O quadro do campo religioso que emerge a partir deste ponto de partida é o de um conjunto de práticas e relações corporais entre os atores humanos, lugares e forças não-humanas – natureza, espíritos ancestrais, santos, deuses –, cujas interações permitem que as comunidades religiosas se formem, forjando a sensibilidade de seus participantes.

O termo “sensibilidade” sinaliza uma direção importante tomada por alguns analistas de religião e mídia, cujo trabalho se concentra na materialização da presença religiosa e através da mídia mais primária de todas, os sentidos humanos. Na verdade, os estudiosos têm cada vez mais registrado os diferentes vocabulários disponíveis para definir o corpo humano, suas tendências para o pecado, suas capacidades para mediar a verdade e o prazer, ou para dar sentido ao trabalho realizado pelas tecnologias modernas de gravação e transmissão no sensório de atores religiosos (Abreu 2008_____________. (2008), “Goose Bumps All Over: Breath, Media, and Tremor”. Social Text, 26(3):59-78.; de Witte 2011DE WITTE, Marleen. (2011), “Touch”. Material Religion: The Journal of Art, Objects, and Belief, 7(1):148-155.; Griffith 2004GRIFFITH, R. Marie. (2004), Born Again Bodies: Flesh and Spirit in American Christianity. Berkeley: University of California Press.; Meyer 2009_____________. (2009). Aesthetic Formations: Media, Religion, and the Senses. New York: Palgrave-Macmillan.). A partir disso emergiu uma crescente valorização das formas através das quais distintas tradições religiosas reconhecem o poder das faculdades humanas, especialmente a visão e a audição, como meio de comunicação com o transcendente ou sobrenatural, uma diversidade que nos lembra da necessidade de observar como poderes sagrados são mediados dentro de regimes distintos para disciplinar os sentidos, localizados no âmbito do que muitas vezes são sistemas incomensuráveis de valor (Castelli 2013CASTELLI, Elizabeth. (2013), “The Body”. B. S. Spaeth ed. The Cambridge Companion to Ancient Mediterranean Religions. Cambridge: Cambridge University Press.; Coakley 1997COAKLEY, Sarah. (1997), Religion and the Body. Cambridge: Cambridge University Press.; Zito 2011ZITO, Angela. (2011), “Body”. Material Religion: The Journal of Art, Objects, and Belief, 7(1):18-25.). Considere-se, a esse respeito, os contrastantes investimentos no que o historiador de arte David Morgan chama de “piedade visual” (Morgan 1998MORGAN, David. (1998), Visual Piety: A History and Theory of Popular Religious Images. Berkeley: University of California Press., 2005_____________. (2005), The Sacred Gaze: Religious Visual Culture in Theory and Practice. Berkeley: University of California Press.): por um lado, a conhecida (senão exagerada) suspeita em torno de “imagens esculpidas” em tradições judaicas e islâmicas (Natif 2011NATIF, Mika. (2011), “The Painter’s Breath and Concepts of Idol Anxiety in Islamic Art”. J. Ellenbogen & A. Tugendhaft, eds. Idol Anxiety. Stanford: Stanford University Press.); por outro lado, a rica economia visual da veneração de santos católicos (Orsi 2008ORSI, Robert. (2008), “Abundant History: Marian Apparitions as Alternative Modernity”. Historically Speaking, 9(7):12-16., 2011_____________. (2011), “Belief”. Material Religion: The Journal of Art, Objects, and Belief, 7(1):10-17.), ou a forma reverente de “ver” um poder divino e, assim, receber a sua graça, que é central para a prática ritual hindu, bem como a efusão de imagens religiosas na vida pública (Jain 2007JAIN, Kajri. (2007), Gods in the Bazaar: The Economies of Indian Calendar Art. Durham, NC: Duke University Press.; Pinney 2004PINNEY, Christopher. (2004), Photos of the Gods: The Printed Image and Political Struggle in India. London: Reaktion Books.; Rajagopal 2001RAJAGOPAL, Arvind. (2001), Politics After Television: Hindu Nationalism and the Reshaping of the Public in India. Cambridge: Cambridge University Press.)3 3 Trabalhos análogos têm sido feitos em relação ao “som” e sua mediação em diferentes tradições religiosas. Ver, por exemplo, Hirschkind (2001, 2006); Schmidt (2000); Schulz (2012); Weiner (2013). .

Birgit Meyer, no que ela chama de “formas sensacionais”, argumenta que as imagens religiosas, vestimentas, espaços característicos, rotinas e práticas tendem a estruturar as experiências do transcendental, e são estas formas estruturantes que permitem aos participantes da vida religiosa unirem-se em imaginação, sentimento, gosto e afinidade (Meyer 2009_____________. (2009). Aesthetic Formations: Media, Religion, and the Senses. New York: Palgrave-Macmillan., 2012_____________. (2012), Mediation and the Genesis of Presence: Towards a Material Approach to Religion. Utrecht: Utrecht University Publications.). A noção de formas sensacionais de Meyer encapsula o que tem sido a meu ver uma linha muito produtiva de investigação de pesquisa em religião e mídia. Mas há outros caminhos de pesquisa que nos levam além de questões sobre como a religião é vivida e sentida na base e nos corpos dos participantes individuais, nos conduzindo de volta ao nível macro de signos de circulação global que permitem que a religião tenha uma vida pública. Com efeito, na medida em que todas as formas de ver, ouvir ou tocar corpos apontam em última instância para os enigmas insolúveis da fragilidade humana, da mortalidade, da fecundidade ou do desejo, a gestão dos sentidos parece estar profundamente ligada à gestão da imaginação sagrada. Mas ao mesmo tempo não devemos ignorar o quanto desses mesmos repertórios de ação encontram-se hoje monopolizados por projetos modernos de governamentalidade estatal. Em outras palavras, os estudos de religião e mídia apontam inevitavelmente para questões sobre a relação entre a manifestação de sensações religiosas e a instituição de modernos regimes de poder do conhecimento derivados da autoridade política do Estado e da propagação da chamada ciência imparcial.

A esse respeito, estudiosos de religião e mídia forneceram contribuições consideráveis para a crítica da teoria da secularização, que pressupõe que a ascensão do nacionalismo moderno, da ciência e da governamentalidade do Estado representam quebras definitivas com as tradições religiosas do passado, realizando a fundação da sociedade sobre um novo princípio do “secular”. Evidências crescentes sugerem que embora seja verdade que os projetos particulares de secularismo têm sido e continuam a ser propostos e perseguidos em vários contextos jurídicos e políticos em todo o mundo, nunca existiu uma barreira fixa intransponível que poderia segregar as técnicas disciplinares pertencentes ao mundo dos atores religiosos dos poderes do estado moderno e suas chamadas instituições seculares (ver, por exemplo, Mandieta & Antwerpen 2011Mandieta, Eduardo, and van Antwerpen, Jonathan, eds. (2011), The Power of Religion in the Public Sphere. New York: Columbia University Press.). Pelo contrário, até mesmo as instituições mais declaradamente seculares parecem incapazes de desembaraçar-se das estruturas discursivas e dos repertórios performativos que se originam dentro dessas mesmas comunidades religiosas que as instituições modernas afirmam ter transcendido. Essa ironia é muito bem ilustrada nas famosas fotos tiradas por soldados americanos na prisão de Abu Ghraib, no Iraque. Na verdade, as técnicas visuais e corporais lá utilizadas para humilhar os corpos dos prisioneiros, bem como a posterior circulação dessas imagens no panorama midiático mundial, sugerem que as formas modernas de encarceramento e punição instigadas pelo Estado estão profundamente conectadas com a iconografia religiosa do cadáver humilhado, que pelo menos na tradição cristã, senão em outras, pode ser traçada através da história da Inquisição à figura fundacional do corpo crucificado (Mitchell 2011MITCHELL, W.J.T. (2011), Cloning Terror: The War of Images, 9/11 to the Present. Chicago: University of Chicago Press.).

A circulação global de imagens, sons e palavras religiosas fornece, portanto, o contexto mais amplo possível para compreender como as coisas chamadas de “religião” se fazem presente no mundo. Na abertura deste texto, invoquei estas amplas condições de possibilidade, com referência ao regime global de visibilidade em que se encontram os atores religiosos fundamentais, como o Papa de Roma, mas esses imperativos de alcançar e manter a visibilidade se aplicam de modo mais geral a todos os líderes religiosos, passados e presentes, de Ghandi ao Dalai Lama, ou mesmo a Osama bin Laden. Para o bem ou para o mal, parece impossível separar a religião da demanda de se tornar visível. Considere, como um último exemplo, o caso do Talibã do Afeganistão, e a atenção mundial que eles receberam por seu gesto iconoclástico de destruir as estátuas budistas antigas em Bamiyan, em março de 2001. Considerando, entre outras coisas, a proclamação emitida no momento pelo líder talibã, Mullah Omar, afirmando que o Talibã nunca teria pensado em destruir as estátuas se houvesse uma população de praticantes budistas no Afeganistão atual, torna-se ainda mais importante analisar cuidadosamente as motivações estratégicas, bem como as consequências globalmente ressonantes da decisão do Talibã de destruir as estátuas – e não apenas destruí-las, mas também, o que é talvez ainda mais importante, a decisão de registrar em vídeo sua performance iconoclástica e fazer circular essas imagens de destruição através de produções de mídia dirigidas a públicos muçulmanos transnacionalmente dispersos, bem como através de empresas internacionais de notícias como a BBC ou CNN4 4 Para uma excelente análise do incidente de Bamiyan, ver Flood (2002). Para um caso análogo – a chamada “a controvérsia dos cartuns dinamarqueses” – ver Klausen (2009). .

Este gesto paradoxal de fazer uma imagem da destruição de uma imagem não é exclusivo para os chamados fundamentalistas islâmicos, que lutam para manter sua influência e presença em nosso mundo midiaticamente saturado, isto é, numa economia visual globalmente extensa de informação em cascata e fluxos de imagens que opera a uma velocidade e escala muito além do controle de atores locais. Indiscutivelmente, o poder da mídia e o trabalho de mediação formam as condições de possibilidade necessárias para toda e qualquer coisa que nós tentemos identificar como “religião”, tanto historicamente quanto na atualidade. Neste sentido radical, podemos dizer que o estudo de religião e mídia é um projeto que pretende revisar nossa própria compreensão da religião e de seu lugar na vida social humana, um tema que se estende para muito além do estudo localizado de comunidades, instituições ou atores específicos. É nesse sentido que eu acredito que os estudos de “religião e mídia” têm o potencial de trazer importantes contribuições filosóficas, bem como metodológicas, para as ciências humanas e sociais como um todo.

Tradução de Ana Paula Rodgers. Revisão da tradução de Carly Machado.

Notas

  • 1
    Para considerações gerais de religião e mídia como um campo de estudo, ver, entre outros: de Vries & Weber (2001)DE VRIES, Hent & WEBER, Samuel. (2001), Religion and Media. Stanford: Stanford University Press.; Engelke (2010)_____________. (2010), “Religion and the Media Turn: A Review Essay”. American Ethnologist, 37(2):371-9.; Hirschkind (2011)_____________. (2011), “Media, Mediation, Religion”. Social Anthropology, 19(1):90-97.; Hoover & Clark (2002)HOOVER, Stewart & CLARK, Lynn S. (2002), Practicing Religion in the Age of the Media: Explorations in Media, Religion, and Culture. New York: Columbia University Press.; Lundby (2013)LUNDBY, Knut. (2013), Religion Across Media: From Early Antiquity to Late Modernity. New York: Peter Lang.; Meyer & Mouros (2006)MEYER, Birgit & MOORS, Annelies. (2006), Religion, Media, and the Public Sphere. Bloomington: Indiana University Press.; Meyer & Houtman (2012)MEYER, Birgit & HOUTMAN, Dick, eds. (2012), Things: Religion and the Question of Materiality. New York: Fordham University Press.; Morgan (2008)_____________. (2008). Key Words in Religion, Media, and Culture. New York: Routledge.; Stolow (2005)STOLOW, Jeremy. (2005), “Religion and/as Media”. Theory, Culture and Society, 22(4):119-145..
  • 2
    Ver, por exemplo, Shandler (2009)SHANDLER, Jeffrey. (2009), Jews, God, and Videotape: Religion and Media in America. New York: New York University Press.. Para um excelente panorama dos “rituais de mídia” e sua relação com o ritual religioso, ver Couldry (2003)COULDRY, Nick. (2003), Media Rituals: A Critical Approach. New York: Routledge..
  • 3
    Trabalhos análogos têm sido feitos em relação ao “som” e sua mediação em diferentes tradições religiosas. Ver, por exemplo, Hirschkind (2001HIRSCHKIND, Charles. (2001), “The Ethics of Listening: Cassette-Sermon Audition in Contemporary Egypt”. American Ethnologist, 28(3):623–49., 2006_____________. (2006), The Ethical Soundscape: Cassette Sermons and Islamic Counterpublics. New York: Columbia University Press.); Schmidt (2000)SCHMIDT, Leigh Eric. (2000), Hearing Things: Religion, Illusion, and the American Enlightenment. Cambridge: Harvard University Press.; Schulz (2012)SCHULZ, Dorothea. (2012), Muslims and New Media in West Africa: Pathways to God. Bloomington: Indiana University Press.; Weiner (2013)WEINER, Isaac. (2013), Religion Out Loud: Religious Sound, Public Space, and American Pluralism. New York: New York University Press. .
  • 4
    Para uma excelente análise do incidente de Bamiyan, ver Flood (2002)FLOOD, Finbarr Barry. (2002), “Between Cult and Culture: Bamiyan, Islamic Iconoclasm, and the Museum”. Art Bulletin, 84(4):641-659.. Para um caso análogo – a chamada “a controvérsia dos cartuns dinamarqueses” – ver Klausen (2009)KLAUSEN, Jytte. (2009), “The Danish Cartoons and Modern Iconoclasm in the Cosmopolitan Muslim Diaspora”. Harvard Middle Eastern and Islamic Review, 8: 86-118..

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    Ago 2014
  • Aceito
    Set 2014
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